Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS | ||
| Descritores: | ABUSO DE DIREITO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM SUPRESSIO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 02/20/2020 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1- Impõe-se a rejeição do recurso do julgamento da matéria de facto quando o recorrente não indica, nas conclusões de recurso, a matéria de facto que impugna e a concreta decisão que deve recair sobre essa matéria que impugna e quando, em sede de motivações do recurso, indica, em bloco, os meios de prova em relação ao julgamento de facto que aí (nas motivações) afirma impugnar, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um desses pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida. 2- O instituto do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, baseia-se na tutela da confiança e exprime a reprovação social e moral que recai sobre o titular do direito, que assume comportamentos contraditórios relativos ao exercício desse direito, resumindo-se à ideia de que a ninguém é permitido agir contra o seu próprio comportamento, assentando o abuso numa estrutura que pressupõe duas condutas da parte do titular do direito, ambas lícitas, ainda que assumidas em momentos temporais deferidos, em que a primeira conduta (factum proprium) é contrariada pela segunda (venire contra). 3- O abuso de direito, na modalidade de supressio assenta no decurso de um período de tempo suficientemente amplo, sem que o direito seja exercido, e que perante as circunstâncias específicas e concretas em que ocorre esse não exercício, seja suscetível de criar àquele em relação ao qual o direito é exercido, a legitima e fundada expectativa de que esse direito não mais seria exercido. 4- O que distingue a supressio da modalidade venire contra factum proprium é a ausência, na primeira, do comportamento anterior do titular do direito (a ausência do factum), bastando o decurso do tempo significativo sem que o direito seja exercido para, face às específicas e concretas circunstâncias do caso, ser criada à contraparte contra quem o direito é exercido a fundada e legítima expectativa de que o mesmo não seria mais exercido. 5- Para haver abuso de direito na modalidade de supressio, não basta o mero decurso do tempo sem que o direito seja exercido, mas é necessário que para além do não exercício do direito durante um período longo de tempo (variável, de acordo com as circunstâncias do caso concreto), sejam apuradas circunstâncias objetivas e concretos que justifiquem a expectativa, legítima e fundada, daquele em relação ao qual o direito é exercido de que o respetivo titular não mais o exerceria, ou seja, é necessário que do conjunto das circunstâncias do caso concreto, se conclua que o titular do direito deu àquele em relação ao qual o exercita a impressão de que não mais faria valer o direito em causa. 6- Existe abuso de direito, na modalidade de supressio, da parte da exequente que, em 28/02/2019, instaura uma execução para pagamento de quantia certa, contra uma associação de estudantes, tendo como titulo executivo um requerimento de injunção em que, em 10/12/2004, tinha sido aposta a fórmula executória relativa a um crédito emergente de um incumprimento contratual da parte da executada ocorrido em 2000, quando se apura que, desde 10/12/2004 até 14/11/2018, a exequente nunca abordou a associação executada a propósito desse anterior débito, sequer reclamou o respetivo pagamento e que, em 2007, a associação executada solicitou nova prestação de serviços à exequente, que lhos prestou, e que a associação pagou em 2008, sem que, em nenhuma dessas alturas, a exequente abordasse a executada sobre a questão daquela dívida antiga, que permanecia por liquidar, e sem reclamar esse pagamento, antes, na sequência do pagamento (em 2008) pela associação executada dos serviços prestados em 2007, a exequente emitiu recibo de pagamento desses serviços, em que fez consignar a menção: “valor pendente: zero”. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães. I. RELATÓRIO. Recorrente: X – Events & Exhibitions, Lda. Recorrida: Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, que X – Events & Exhibitions, Lda, instaurou contra Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico, dando à execução o requerimento de injunção apresentado por X – Sociedade Portuguesa Montagens e Exposições, Lda. (entretanto incorporada por fusão na exequente), reclamando da executada o pagamento da quantia de 2.749,72 euros de capital em dívida, acrescida de 946,74 euros de juros de mora vencidos, à taxa de 12% ao ano, entre 28/04/2000 e a data da entrada em juízo do requerimento de injunção, e 44,50 euros de taxa de justiça paga, bem como os juros de mora vincendos, e onde em 10/12/2004, foi aposta a fórmula executória, veio a executada deduzir oposição à execução, alegando abuso de direito, com os seguintes fundamentos: A quantia reclamada no requerimento de injunção que serve de titulo executivo à execução encontra-se paga, sustentando que sete anos depois da exequente lhe prestar os serviços relativos à fatura n.º 100674, emitida em 19/04/2000, e que naquele requerimento de injunção aquela alega ter apenas sido parcialmente paga, quando a embargante a pagou na totalidade, a exequente voltou a prestar-lhe serviços, numa altura em que já tinha instaurado o requerimento de injunção e já lhe tinha sido aposta a fórmula executória, o que então a embargante ignorava; A embargante encontra-se instalada dentro do Instituto Superior Técnico, em …; As instalações da sua direção situam-se num edifício autónomo; A receção de correio é assegurada por um funcionário; A embargante tem um quadro de pessoal que, em 2004, ascendia a cerca de 15 trabalhadores e desconhece quem possa ter assinado o aviso de receção referente à citação do requerimento de injunção, que a embargante nunca rececionou, razão pela qual não deduziu oposição; Caso a dívida existisse, pela diligência de um bónus pater familiae, em face dessas circunstâncias, a exequente não teria aceite ser contratada pela embargante, sete anos depois da alegada falta de pagamento, sequer a última, caso tivesse conhecimento do requerimento de injunção, não voltaria a contratá-la, quando já tinha pago três anos antes a dívida reclamada nesse requerimento injuntivo; Impendia sobre a exequente o dever de informar a embargante da pretensa existência dessa dívida pelo menos, em 2007, quando foi contactada pela última no sentido de orçamentar a prestação do novo serviço, o que não fez, violando os deveres de informação e de boa-fé para com a embargante; A alegada dívida ascendia a 848,30 euros e esse valor decuplicou devido à inércia da exequente que, pelo menos desde 2004, sendo detentora do título executivo que agora apresenta, com o objetivo de engordar a quantia a receber, a um pequeno passo da prescrição, durante mais de 18 anos nada fez, vindo agora instaurar a execução; Essa inércia da exequente e a conduta omissiva desta que, em 2007, negociou e contratou pela segunda vez com a embargante, não abordando a questão da alegada dívida e não lhe exigindo o seu pagamento, criou a confiança subjetiva de que o direito não seria exercido; Em 14/11/2008, a embargante recebeu a carta da exequente de fls. 10, onde não consta qualquer contacto e nessa carta é a própria exequente que refere encontrar-se em dívida apenas a quantia de 848,30 euros referente à fatura n.º SP.100674, emitida em 19/04/2000; Até por esta imprecisão seria impossível à embargante, 19 anos depois, conferir quer a fatura, quer o pagamento efetuado; No dia seguinte ao recebimento dessa carta, após procura na internet do endereço eletrónico da exequente, a embargante enviou-lhe o mail de fls. 10 verso, onde refere não dispor de mecanismos para confirmar que, de facto, o pagamento deste valor está pendente e que acredita que o pagamento foi efetuado, ao que a exequente nada respondeu, vindo mais de três meses depois, a apresentar o requerimento executivo. Recebidos liminarmente os embargos, a exequente contestou-os, corrigindo o valor do capital em dívida mencionado no requerimento executivo para 3.740,97 euros e impugnando os factos alegados pela embargante. Conclui pedindo que se retifique o erro de escrita constante do requerimento executivo inicial quanto ao capital e se julgue os embargos improcedentes, com as consequências legais. Proferiu-se despacho dispensando a realização de audiência prévia, fixando o valor da causa em 8.835,69 euros, proferiu-se despacho saneador, dispensou-se a fixação do objeto do litígio e dos temas da prova, admitiu-se os requerimentos probatórios apresentados pelas partes e designou-se data para a realização de audiência final. Realizada audiência final, proferiu-se sentença em que se julgou procedente a presente oposição à execução e determinou-se a extinção desta. Inconformada com o assim decidido, a exequente interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: 1. A douta sentença ora recorrida não fez uma adequada ponderação e avaliação da situação submetida a julgamento, pelo que tem a Recorrente divergências profundas com o teor daquela douta decisão, quer em termos de facto quer em termos de Direito. 2. A douta sentença recorrida explicita que ‘o tribunal formou a sua convicção no conjunto da prova testemunhal e documental junta aos autos, nomeadamente, na conjugação do teor do requerimento de injunção com o teor das faturas, recibos e missivas juntas aos autos’. 3. E, mais adiante, acrescenta que os depoimentos prestados em audiência de julgamento, em sede de produção de prova testemunhal, ‘foram absolutamente irrelevantes para o apuramento dos factos controvertidos porquanto nada de mais relevante acrescentaram ao teor desses mesmos documentos’. 4. Ou seja, o tribunal a quo formou integralmente a sua convicção no teor dos documentos constantes dos autos, concluindo, com exclusiva base nos mesmos, pela procedência dos presentes embargos. 5. Salvaguardado, no entanto, o devido respeito, entende a Recorrente que, mesmo em face da matéria de facto dada por assente – e que, na economia da douta decisão em crise, resulta exclusivamente do acervo documental constante dos autos -, não fica legitimada a aplicação do Direito realizada na sentença em causa. 6. Ao julgar procedentes os presentes embargos, a douta decisão recorrida considerou que ‘a exequente, ao reclamar da embargante, no limiar da prescrição da dívida e após a prestação de outros serviços já liquidados pela embargante nos termos já afirmados, criou “a convicção (confiança)” na embargante de que tal dívida estaria paga ou, repete-se, pelo decurso do tempo, não lhe seria mais exigível pela exequente’, pelo que ‘a atuação da exequente, como invoca a embargante, consubstancia um abuso de direito, na modalidade de “supressio” já supra identificada’. 7. Trata-se, no entanto, na opinião da Recorrente, de uma conclusão que não encontra suporte na matéria de facto assente e, sobretudo, na análise criteriosa da globalidade da prova documental, designadamente quando conjugada com os depoimentos prestados em audiência de julgamento. 8. Para este entendimento perfilhado pela douta sentença recorrida, concorreram as seguintes conclusões: ‘No caso em apreço, temos como indiscutível que a dívida remonta ao ano de 2000; que essa dívida foi reclamada judicialmente através do procedimento de injunção no ano de 2004; que no final do ano de 2018 ocorreu uma interpelação extrajudicial da exequente à embargante e que, em resposta a esta interpelação da exequente, a associação embargante solicitou mais elementos para se “inteirar” da dívida em discussão, não tendo obtido qualquer resposta por parte da exequente. Relativamente ao quadro factual dado como assente, importa ainda salientar que no ano de 2007, a associação solicitou os serviços da ora exequente, o que aconteceu, e ainda que esses serviços foram liquidados pela associação embargante. Acresce que, nesse ano de 2007, a exequente, já na posse do título executivo que apresentou à execução no ano de 2019, nenhuma interpelação dirigiu à embargante no sentido da existência desta dívida e respetivo incumprimento. Ora, no nosso humilde entendimento, esta última relação comercial, ocorrida no ano de 2007, sem que, nesse momento, tivesse havido qualquer discussão sobre eventuais dívidas vencidas e não pagas até essa data, ao que acrescem 18 anos até à execução desta dívida, criou legitimas expectativas na embargante de que nenhuma dívida estava pendente até então ou, caso essa(s) dívida(s) existisse(m), nunca seria(m) exigida(s) passados 18 anos, como aconteceu.’ 9. Ora, a douta sentença em crise olvida, na verdade, diversas circunstâncias – nomeadamente demonstradas nos depoimentos testemunhais prestados em audiência de julgamento – que infirmam este entendimento e reclamam, pelo contrário, uma decisão de sentido diverso. 10. É seguro entendimento da Recorrente que os depoimentos prestados naquela oportunidade pelas testemunhas M. L. e J. M. (cujos momentos mais relevantes se encontram supra transcritos e aqui se dão por reproduzidos) trouxeram – contrariamente ao sustentado na douta decisão recorrida – uma importante luz esclarecedora sobre os factos dados por assentes. 11. Tais depoimentos testemunhais, conjugados com a prova documental constante dos autos, é de molde a colocar em crise quer a matéria de facto dada por assente (que se mostra escassa), quer, sobretudo, as conclusões que, na douta sentença em crise, se retiram do conjunto de documentos constante do processo. 12. Efetivamente, entende a Recorrente que – face ao teor destes depoimentos – importaria que tivesse sido dado como provada a seguinte matéria: 5. A. Ao prestar à Embargante os serviços de 2007, a Embargada em momento algum afirmou ou deu a entender que não existiam dívidas anteriores pendentes. 13. Sucede que, independentemente do ultimamente exposto, as conclusões contidas na douta sentença em crise, quanto à interpretação que poderia ter sido extraída pela Embargante, do comportamento da X – Events & Exhibitions, Lda, são manifestamente infundadas e excessivas. 14. Na verdade, a douta decisão recorrida recorre, várias vezes, à afirmação de que o crédito da Embargada – que, recorde-se, está assente que nunca foi pago – resulta de um negócio jurídico estabelecido em 2000 e que, por isso, se encontraria próximo do prazo prescricional. 15. Tal crédito, no entanto, foi reclamado através de um procedimento de injunção no ano de 2004, procedimento este a que a Embargante não deduziu qualquer oposição, tendo-se, nessa altura, formado o atual título executivo. 16. A circunstância de a Embargada ter realizado novo fornecimento à mesma entidade em 2007 não constitui, em si, qualquer elemento de onde a Executada pudesse retirar a conclusão ou formar a convicção de que o valor da primitiva fatura, constante do falado título executivo, não seria exigido. 17. E isto porque não existe (nem é alegado) qualquer comportamento positivo da Exequente que permita que se extraia essa conclusão, tanto mais que ‘o recibo com o número R.800364, com a menção “val. Pendente 0,000”, conforme documento junto com a petição de embargos’ diz apenas respeito, como resulta perfeitamente inequívoco e evidente do respectivo teor, apenas à fatura de 2007. 18. Bastará recordar que, nesse referido documento, está claramente inscrito: Fatura F.700 538 18.05.2007 5.119,51 EUR valor pendente 0,00. 19. Pretender retirar deste documento qualquer conclusão sobre a conta-corrente entre ambas as instituições ou sobre fornecimentos passados é manifestamente abusivo e não tem, na letra desse documento, o mais pequeno apoio. 20. Por outro lado, a Embargante sempre esteve consciente (apesar de ter afirmado o contrário, no seu requerimento inicial de embargos) da pendência da sua dívida relativa ao fornecimento de 2000 e que consta do título dado à execução. 21. Prova indesmentível desse facto, é que a própria Embargante juntou, àquele seu articulado inicial, uma cópia da fatura que titula esse mesmo fornecimento (ver os documentos nºs 1 e 2, juntos à petição inicial de embargos). 22. Ou seja, a Embargante sempre esteve consciente da sua dívida, tanto mais que por sua iniciativa, juntou o documento que a titula a estes autos, pelo que nunca esteve no seu espírito formada a convicção de que a X não exigiria o seu pagamento. 23. E tanto assim que, mais recentemente, a Embargada voltou a interpelá-la para proceder ao seu pagamento, não tendo recorrido a juízo através da propositura de um processo executivo sem essa prévia comunicação. 24. E nem se diga que, na carta em que realizou essa interpelação, a X não indicou o seu endereço ou o seu contacto: esse é um argumento que, manifestamente, não colhe, pois a Embargante sempre teve esses dados, como o comprova os referidos documentos nºs 1 e 2 que juntou ao seu articulado. 25. Ou seja, ao longo deste tempo que decorreu desde o fornecimento de 2000, a X assumiu vários comportamentos, ainda que espaçados, que não permitiam a formação, na esfera da Embargante, da convicção de que não exerceria o seu direito. 26. A Embargante, repete-se, sempre soube – contrariamente ao que falsamente afirmou na sua petição inicial de embargos – que era devedora da X, cujo endereço e contactos bem conhecia, bem como que o recibo datado de 01.04.2008, ao referir a inexistência de valores pendentes, apenas dizia respeito ao fornecimento realizado no ano anterior. 27. Falecem, pois, as conclusões contidas na douta sentença em crise, inexistindo qualquer abuso de direito na actuação da X. Termos em que, deve conceder-se provimento ao presente recurso, nos exatos termos e pelos fundamentos aduzidos nas conclusões acabadas de alinhar. A apelada contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação e apresentando as conclusões que se seguem: 1.ª – Importa dizer que a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo aqui recorrida, é uma sentença equilibrada e correta, tendo feito correta aplicação do Direito e indo ao encontro do próprio senso comum, que resolve as questões como um Homem médio e equilibrado, não merecendo por isso qualquer reparo. 2.ª - Ficou demonstrado que a aqui Recorrente esperou “silenciosa” e “sorrateiramente” durante 19 anos para, no limite da prescrição ordinária, intentar contra a aqui Recorrida uma ação executiva cujo título que lhe serve de base (requerimento de injunção ao qual foi aposta formula executória por falta de oposição) data de 2004 sendo que em 2007 a aqui aquela, como se esta nada lhe devesse, aceitou contratar novamente e pela 5.ª vez (entre 1996 e 2007) sem nunca ter tomado qualquer atitude ou efetuado qualquer diligência no sentido de cobrar/executar a alegada dívida com 19 anos. 3.ª – Pelo Tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão: «…Pelo exposto, decido: 5.1.- julgar procedentes os presentes embargos de executado e, em consequência, determino a extinção da execução apensa. 5.2.- Custas pela exequente. 5.3.- Registe e notifique. 5.4.- Informe o AE do teor da presente sentença.»[…](negrito nosso) 4.ª - Como resulta dos factos tidos por provados na douta sentença, ora recorrida, a alegada dívida terá sido contraída no ano 2000 e em 2004 a Recorrente intenta contra a aqui Recorrida procedimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória em resultado da falta de oposição. 5ª – A Recorrida é uma associação de estudantes pelo que os seus órgãos dirigentes alteram-se a cada ano e não constam dos registos seus registos quaisquer elementos que indiciem que a dívida existe. 6.ª - Em 2007 a Recorrida volta a contratar a Recorrente que aceita, sem quaisquer reservas e/ou condições, tal contratação de serviços e nunca entre 2000 e 2004 e desde 2004, data em que obteve o título executivo por falta de oposição ao requerimento de injunção, e até novembro de 2018 a Recorrente “cobra”, executa ou informa a Recorrida do alegado valor em dívida. 8.ª - Em novembro de 2018, e pela primeira vez desde o ano 2000, a Recorrente envia uma carta à Recorrida a solicitar o pagamento de uma dívida datada do ano 2000, numa carta sem cabeçalho, sem morada, sem contacto telefónico, e sem quaisquer dados tidos por essenciais à identificação da mesma se se atender ao facto da suposta dívida ter 19 anos tendo de imediato a Recorrida respondido, informando desconhecer a dívida mas solicitando informações adicionais sobre tal questão. 9.ª - A Recorrente nunca respondeu e em fevereiro de 2019 intentou ação executiva com base num título executivo que detinha da sua posse desde 2004 e cobrando os juros relativos à mora desde essa data no valor “exorbitante” de €:6.315,50 (seis mil trezentos quinze euros cinquenta cêntimos). 10.ª - Estes factos, todos eles sem exceção, foram provados por documentos e nenhum dos depoimentos transcritos nas doutas alegações da Recorrente os contradita. 11.ª – Outrossim, resultou provado pelos depoimentos das testemunhas transcritos nas doutas alegações da Recorrente que esta, ao longo de 19 anos, nunca, jamais e em momento algum cobrou a alegada dívida apesar de ter na sua posse um título executivo nem tampouco contactou, até novembro de 2018, a Recorrida nesse sentido. 12.ª - O requerimento de injunção na génese de um título executivo não corresponde a uma ação executiva mas é antes um procedimento que possibilita aos credores de “certas” dívidas pecuniárias a obtenção um título executivo, com o qual passam a poder instaurar uma ação executiva e promover as correspondentes penhoras, para a cobrança coerciva dos seus créditos. 13.ª – Até pelo facto de ter a Recorrente intentado em 2004, há mais de 15 anos, um procedimento com vista a instaurar uma ação executiva e durante 15 anos não o ter efeito é o suficiente para criar na aqui Recorrida a “confiança” subjetiva de que o direito, a existir, não seria exercido. 14.ª - Segundo as regras da boa-fé, as “regras de contabilidade”, o senso comum e até os bons costumes sociais e económicos não é de crer que uma empresa a quem alegadamente a aqui Recorrida devesse há mais de sete anos um qualquer montante aceitasse em 2007 o risco de aumentar o valor dessa dívida. 15.ª - Não faz sentido, não é plausível, não se pode sequer aceitar…. pela diligência de um BOM PAI DE FAMILIA….Mas foi o que aconteceu! 16.ª - Por outro lado temos também a responsabilidade contratual da Recorrente por violação de deveres de informação porque se viola o dever fundamental de boa-fé, sempre que este impõe um dever de informar como seria o caso de existindo um suposto valor por liquidar impendia sobre a Recorrente o dever de “informar” a Recorrida disso mesmo pelo menos quando em 2007 por esta foi contactada no sentido de orçamentar a prestação de serviços no âmbito da Y….. 17.ª - De acordo com o disposto no artigo 334.º do Código Civil, a existência ou não de abuso do direito afere-se a partir de três conceitos a saber: a boa-fé, os bons costumes e o fim social ou económico do direito. 18.ª - A boa-fé comporta dois sentidos principais sendo o primeiro essencialmente um estado ou situação de espírito que se traduz no convencimento da licitude de certo comportamento ou na ignorância da sua ilicitude e o segundo como sendo um princípio de atuação o que significa que as PESSOAS devem ter um comportamento honesto, correto e leal, nomeadamente no exercício de direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros. 19.ª - Os bons costumes constituem o conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as PESSOAS honestas e corretas aceitam comummente e o fim social e económico do direito é a função instrumental própria do direito, a justificação da respetiva atribuição pela lei ao seu titular. Assim, 20.ª - A boa-fé exigia à Recorrente que, quando em 2007 volta a contratar com a aqui Recorrida para orçamentar o fornecimento de serviços para a Y, a informasse da existência de um valor em dívida desde o ano 2000. 21.ª – Ao contrário, a Recorrente nada disse nem nada reclamou sendo certo a sua inação/inércia apenas e só a esta aproveitou se considerarmos que a mesma pede a título de juros a “exorbitante” quantia de €:6.315,50 (seis mil trezentos quinze euros cinquenta cêntimos). 22.ª - Com a sua absoluta inércia/inação ademais a Recorrente coarctou à Recorrida o direito de esta conseguir fazer a devida prova dos pagamentos efetuados e que demonstrariam, de uma forma clara e inequívoca, a não existência de dívida. 23.ª - Sobre os costumes se dirá que uma empresa não contrata novamente com um cliente de quem espera há mais de sete anos pelo pagamento uma dívida quando até já possui um título executivo até porque este de nada serve se não for executado!! 24.ª - Durante 15 anos a Recorrente não executou o título executivo nem de qualquer outra forma contactou a Recorrida, até novembro de 2018, quando esta lhe respondeu desconhecer a dívida mas solicitando elementos que pudessem comprovar a sua existência não tendo, claro está, a Recorrente agido em conformidade com o solicitado. 25.ª - Relativamente ao fim social e económico temos que a obrigação fiscal de uma empresa em manter os seus arquivos é, nos termos dos artigos 9.º e 40.º do Código Comercial e do número 4 do artigo 123.º do Código do Imposto sobre as Pessoas Coletivas e do artigo 52.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, de 10 anos…. e aqui falamos de uma alegada dívida com 19 anos…… pelo que não será exigível que a Recorrida apresente tais documentos. 26.ª - A doutrina tem sistematizado diversos tipos de manifestações do Abuso de Direito, entre elas o “venire contra factum proprium” e a “supressio” sendo que em ambas as manifestações se revela uma conduta que se contrapõe a outra conduta anterior geradora de confiança na contraparte, sendo a conduta anterior, na “supressio”, é caracterizada pela inação em função do decurso do tempo. 27.ª - O Abuso do Direito nos termos do artigo 334.º do Código Civil, e na modalidade da “supressio”, verifica-se com o decurso de um período de tempo significativo suscetível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido. 28.ª - É exatamente o caso aqui em crise uma vez a actual conduta da Recorrente, a de executar a dívida ao fim de 15 anos, se contrapõe à anterior conduta de nada fazer apesar de possuir contra a aqui Recorrida um título executivo há exatamente 15 anos o que naturalmente gerou nesta a absoluta e compreensível confiança de que, havendo dívida, a mesma não seria executada!! 29.ª - É manifesto, pelas razões expostas que no presente caso o não exercício do direito pela Recorrente em 19 anos, 15 após deter o título Executivo agora usado, configura esse excesso resultando desse exercício lamentável ofensa do sentimento de justiça, do sentido ético-jurídico dominante até pelos valores atingidos pela sua inação. 30.ª - Por outro lado, e como consta do Capítulo VII do Código Civil titulado de “Cumprimento e não cumprimento das obrigações” como princípio geral temos o artigo 762.º que nos diz: “1. O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.2. No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé.” 31.ª - Nesse seguimento, a boa-fé, imposta nos termos dos artigos 334º e 762º do Código Civil e segundo Fernando Augusto Cunha de Sá, Abuso do Direito, p. 174, "se refere tanto aos deveres principais ou típicos de prestação e aos deveres secundários ou acidentais, como também aos deveres acessórios de conduta quer pelo lado do devedor (...), quer pelo lado do credor evitar a maior e desnecessária oneração da prestação…." (negrito nosso). 32.ª - Temos ainda que nos termos do número 3 do artigo 576.º do Código Processo Civil “As exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.” 33.ª - Por outro lado o Abuso do Direito, exceção perentória imprópria de conhecimento oficioso, envolve situações concretas em que é gritante, sensível e evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjetivo e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos. 34.ª - De tudo o supra referido resulta devidamente comprovado os factos tidos por suficientes para se concluir existir evidente Abuso de Direito por parte da Recorrente pelos que será de manter a douta sentença, ora recorrida, na íntegra. Por tudo o exposto se entende ter o Tribunal a quo decidido bem e com justiça ao considerar procedentes os embargos com a consequente extinção da execução apensa em função da procedência da exceção perentória imprópria ABUSO DE DIREITO. * Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal são as seguintes: a- se a sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto considerada provada pela 1ª Instância e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe: a.1- concluir pela não prova dos factos nela considerados como provados; a.2- aditar aos factos provados a seguinte facticidade: “5ª- Ao prestar à embargante os serviços de 2007, a embargada em momento algum afirmou ou deu a entender que não existiam dívidas anteriores pendentes”. A propósito desta questão importa verificar se a apelante deu cumprimento aos ónus de impugnação do julgamento da matéria de facto considerada provada pela 1ª Instância prescritos no art. 640º, n.ºs 1 e 2 do CPC. Já quanto à facticidade que pretende ver aditada aos factos julgados como provados na sentença sob sindicância, importa indagar se a apelante alegou essa facticidade em sede de contestação e, no caso negativo, a natureza dessa facticidade e se existe algum óbice processual decorrente, nomeadamente, dos princípios do dispositivo e do contraditório a que se considere a mesma como provada ou não provada; b- se a sentença recorrida, ao julgar procedente a presente oposição à execução, com fundamento no instituto do abuso de direito, na modalidade de supressio, padece de erro de direito. * A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA 1ª Instância considerou provados os seguintes factos: 1.- No requerimento de injunção nº 2127/2004 intentado no dia 26-10-2004, apresentado à execução, a ora exequente reclamou da ora embargante o pagamento da quantia de € 3.740,97 euros, acrescida de juros de mora sobre o capital, não tendo deduzido qualquer oposição - conforme resulta do título executivo junto com o requerimento executivo como documento nº 3, e que aqui se dá, para todos os efeitos legais, por integralmente reproduzido. 2.- Até à presente data, a embargante não pagou esse valor à ora exequente. 3.- A ASSOCIAÇÃO DOS ESTUDANTES DO INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO, aqui Embargante, realiza nas instalações do Instituto Superior Técnico, em … onde está sedeada, anualmente uma feira denominada Y, para a qual necessita de infraestruturas, designadamente de stands, alcatifas, móveis, floreiras etc.. 4.- Corria o ano de 2000 e dedicando-se a empresa X – Sociedade Portuguesa de Montagens de Exposições, S. A., entretanto incorporada por fusão na aqui Embargada X – Events & Exhibitions, Lda., a “montagens de exposições”, a Embargante contratou os serviços desta para a realização da XII Y e que estão devidamente elencados na fatura n.º 100674 emitida em 19/04/2000, conforme documento n.º 1 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 5.- Sete anos depois, concretamente em 2007, realizou a Embargante uma outra feira, dessa feita a Y XIX, e voltou a contratar os serviços da aqui Embargada, conforme documento n.º 2 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 6.- Na sequência do pagamento dos serviços contratados pela ora embargante à ora exequente no ano de 2007, a exequente emitiu, em 1 de abril de 2008, o recibo com o número R.800364, com a menção “val. Pendente 0,000”, conforme documento n.º 3 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 7.- No passado dia 14 de novembro de 2018, a exequente remeteu à embargante uma carta junta com a petição inicial como documento n.º 5, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 8.- Em tal missiva não consta qualquer forma de contacto (morada, telefone ou endereço eletrónico) da Embargada. 9.- Nessa missiva a exequente reclama da embargante o pagamento da fatura SP.100674 no valor de €: 2.749,72. 10.- No dia 15 de novembro de 2018, dia seguinte ao do recebimento da carta enviada pela Embargada, a Embargante envia um email à exequente, junto com a petição inicial como documento n.º 6, cujos dizeres se dão aqui integralmente reproduzidos. 11.- Em tal email lê-se que: “após uma análise da situação, informamos que não temos qualquer informação de uma dívida datada desta altura e que, devido a algumas mudanças no nosso sistema informático ao longo destes últimos 18 anos passados desde a emissão deste documento não dispomos de mecanismos para confirmar que, de facto, o pagamento este valor está pendente. Assim informamos que, por boa fé, acreditamos que o pagamento foi efetuado …..”. 12.- A Embargada não respondeu a esse email nem volta ao contacto com a Embargante e intenta a presente execução em fevereiro de 2019. * Por sua vez, a 1ª Instância considerou que “com relevância para a decisão da causa não se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes”. * B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICAB.1 - Impugnação do julgamento da matéria de facto – incumprimento dos ónus impugnatórios. No corpo das suas alegações de recurso, após se debruçar sobre a motivação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância e de concluir que “o tribunal a quo formou integralmente a sua convicção no teor dos documentos constantes dos autos, concluindo, com exclusiva base nos mesmos pela procedência dos presentes embargos” e após criticar a decisão de mérito que julgou a presente oposição à execução procedente, com fundamento no instituto do abuso de direito, na modalidade de supressio, sustentando que, na sua perspetiva, “mesmo em face da matéria de facto dada por assente (…) não fica legitimada a aplicação do Direito realizada na sentença em causa”, a apelante passou a alinhar os factos considerados provados na sentença sob sindicância e conclui que esta “olvida, na verdade, diversas circunstâncias, nomeadamente demonstrados nos depoimentos testemunhais prestados em audiência de julgamento – que infirmam este entendimento e reclamam, pelo contrário, uma decisão em sentido diverso”. De seguida, a apelante sustenta impor-se considerar os depoimentos prestados pelas testemunhas M. L. e J. M., referindo que “contrariamente ao sustentado na douta decisão recorrida, trouxeram uma importante luz esclarecedora sobre os factos dados por assentes”, passando a transcrição de vários excertos dos depoimentos prestados por essas testemunhas, e conclui, a fls. 32 dos autos, o seguinte: “Estes depoimentos testemunhais, conjugados com a prova documental constante dos autos, é de molde a colocar em crise quer a matéria de facto dada por assente (que se mostra escassa), quer, sobretudo, as conclusões que, na douta sentença em crise, se retiram do conjunto de documentos constante do processo” (sublinhado nosso). “Efetivamente, entende a Recorrente que – face ao teor destes depoimentos – importaria que tivesse sido dado como provada a seguinte matéria: 5.A – Ao prestar à Embargante os serviços de 2007, a embargada em momento algum afirmou ou deu a entender que não existiam dívidas anteriores pendentes”. Precise-se que em face do teor das enunciações motivações de recurso apresentadas pela apelante, quando tudo apontava no sentido de que esta não pretendia impugnar o julgamento da matéria de facto considerada como provada pela 1ª Instância na sentença sob sindicância, mas apenas que se aditasse aos factos provados a facticidade que aponta no ponto 5.A atrás transcrito, cuja numeração - 5.A -, inclusivamente aponta nesse sentido (facticidade essa que o tribunal a quo não considerou provada, sequer como provada) e, bem assim colocar em crise a decisão de mérito proferida nessa sentença, por considerar que a facticidade considerada provada na sentença seria insuficiente para se concluir pela existência de abuso de direito da sua parte ao instaurar a execução contra a apelada, acaba a apelante, a fls. 32, ao escrever que “os depoimentos testemunhais – aludindo às testemunhas M. L. e J. M. -, conjugadas com a prova documental constantes dos autos, é de molde a colocar em crise quer a matéria de facto dada como assente (…)”, por dar a entender que impugna o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância em relação à totalidade da facticidade dada como provada na sentença. No entanto, já nas conclusões de recurso que apresentou, a apelante não afirma, expressa ou implicitamente, que impugna o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade que esta considerou provada, cingindo a sua impugnação desse julgamento de facto à sua pretensão em ver aditada aos factos provados na sentença a facticidade supra transcrita, sinalizada com o ponto 5.A e, inclusivamente, sinaliza novamente esse aditamento com o número e a letra “5.A”. Com efeito, a conclusão 12ª formulada pela apelante, consta do seguinte teor: “Efetivamente, entende a Recorrente que – face ao teor destes depoimentos – importaria que tivesse sido dado como provada a seguinte matéria: 5.A – Ao prestar à embargante os serviços de 2007, a Embargada em momento algum afirmou ou deu a entender que não existiam dívidas anteriores pendentes”. Neste contexto, partindo do pressuposto de que a apelante pretendeu efetivamente impugnar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à totalidade da matéria que considerou como provada (até para que depois não se venha arguir nulidades por pretensa omissão de pronúncia), urge verificar se a mesma cumpriu com os ónus de impugnação do julgamento da matéria de facto a que se encontra legalmente adstrita quanto a essa concreta matéria julgada provada na sentença e se estão recolhidas as condições processuais que permitem a esta Relação entrar na apreciação do julgamento realizado pela 1ª Instância quanto a essa facticidade. Assim procedendo, cumpre referir que em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto, da conjugação do regime jurídico enunciado nos arts. 637º, n.º 2, 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), 641º, n.º 2, al. b) e 662º do CPC, é pacífico o entendimento segundo o qual, perante o direito positivo processual atualmente vigente, tendo o recurso por objeto a impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, o Tribunal da Relação tem de efetuar um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, considerando os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da 1ª Instância, formando a sua convicção autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e recorrendo a presunções judiciais ou naturais, embora esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade(1). Mais se precise que não foi propósito do julgador permitir recursos genéricos, sequer transformar o recurso da matéria de facto na repetição do julgamento realizado na 1ª Instância e daí que tenha imposto ao recorrente o cumprimento de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC. De acordo com esses critérios, para além do recurso da matéria de facto se restringir à matéria de facto impugnada (2), estando subtraída ao campo de cognição do Tribunal ad quem a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação, tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo dos princípios da auto responsabilidade, cooperação, lealdade e boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu a 1ª Instância ao decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a concreta matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclama que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram esse julgamento diverso, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada como provada ou não provada pelo tribunal a quo (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC). Depois, caso os meios probatórios invocados pelo recorrente como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe àquele, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 640º do CPC). Cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial de delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, daqui deriva que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna e a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve ser dada a essa facticidade. Já quanto aos demais ónus, estes, porque não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentá-lo, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações. Deste modo, sintetizando, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (3), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d)…; e) o recorrente deixará expressa, na motivação (segundo o STJ, nas conclusões), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos. Assente nestas premissas, revertendo ao caso em análise, a apelante não identifica, nas conclusões, que impugna o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância quanto à matéria que esta julgou provada na sentença recorrida, sequer aí indica a concreta decisão que, na sua perspetiva, devia recair sobre essa facticidade. Ora, porque são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do n.º 4 do art. 635º do CPC (4), daqui deriva que a impugnação da matéria de facto considerada provada pela 1ª Instância na sentença sob sindicância não faz parte do objeto da presente apelação, impondo-se a rejeição do recurso nesta parte, por incumprimento por parte da apelante dos ónus enunciados nas als. a) e c) do n.º 1 do art. 640º do CPC (5). Acresce dizer que o recurso interposto pela apelante quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto considerada provada pela 1ª Instância, ainda tem de ser rejeitado por outro fundamento, qual seja o incumprimento pela mesma do ónus da al. b), do n.º 1 do art. 640º do CPC, o qual não se compadece com a indicação, em bloco, dos meios de prova que alegadamente impunham decisão diversa em relação a toda essa matéria impugnada, conforme faz a apelante, mas antes obrigava que esta indicasse os meios probatório que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida e explicando as concretas razões pelas quais esses meios de prova impunham essa decisão diversa, fazendo a respetiva análise crítica. Esta tem sido a jurisprudência constante do STJ, indicando-se, a título exemplificativo, o seu aresto de 27/09/2018, Proc. 2611/12.2TBSTS.L1, in base de dados da DGSI, onde se pondera que: “Como decorre do art. 640º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorretamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objeto do recurso. Também não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir em relação a cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnada” (6). Aqui chegados, impõe-se rejeitar a presente apelação, na parte referente à impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade que considerou provada na sentença sob sindicância, por incumprimento pela apelante dos ónus impugnatórios previstos no n.º 1 do art. 640º do CPC. Nesta conformidade, rejeita-se o recurso quanto à matéria de facto julgada provada na sentença sob sindicância, que assim se mantém inalterada. B.2- Aditamento de facticidade aos factos considerados provados e omissão de pronúncia quanto a factos essenciais integrativos da causa de pedir alegada pela apelada na petição de embargos (não os julgando provados, sequer como não provados). Pretende a apelante que a prova testemunhal produzida, isto é, os depoimentos prestados pelas testemunhas M. L. e J. M., impõem que se conclua pela prova da seguinte facticidade: “5.A- Ao prestar à embargante os serviços de 2007, a embargada em momento algum afirmou ou deu a entender que não existiam dívidas anteriores pendentes”. Considerando que a 1ª Instância não considerou provada, sequer como não provada essa facticidade, omitindo, por isso, pronúncia quanto à mesma, pretende a apelante que se adite a mesma aos factos considerados provados na sentença sob sindicância. A propósito desta facticidade é indiscutível que a apelante cumpriu com os ónus de impugnação do julgamento da matéria de facto prescritos no art. 640º, nºs 1 e 2 do CPC, uma vez que tratando-se de uma situação de pretensa omissão de pronúncia em que terá incorrido a 1ª Instância em sede de julgamento da matéria de facto, naturalmente, que aquela não podia dar cumprimento ao ónus de indicação, em sede de conclusões, do concreto ponto de facto que considera incorretamente julgado; a apelante indica, em sede de conclusões, a decisão que, no seu entender, deve recair sobre a questão de facto em relação à qual aponta a enunciada pretensa omissão de pronúncia e indica, na motivação do recurso, os concretos meios probatórios que suportam esse julgamento de provado que propugna (depoimentos das testemunhas M. L. e J. M.), indicando o início e o termo dos excertos desses depoimentos em que funda o seu recurso, procedendo, inclusivamente, à transcrição desses excertos, e faz uma análise crítica dessa prova, indicando o porquê da mesma, na sua perspetiva, impor a prova da facticidade em análise, pelo que, deste ponto de vista, não existe qualquer impedimento processual para que se entre na apreciação deste fundamente de recurso apresentado pela apelante, restando verificar se existem outros impedimentos. Dir-se-á que nos casos em que ocorra omissão de pronúncia verificada ao nível do julgamento de facto, decorrente da 1ª Instância não ter considerado provados, sequer como não provados, factos essenciais que constituam a causa de pedir alegada pela demandante, em sede de petição inicial, para suportar o pedido que aí deduz (arts. 5º, n.º 1, 552º, n.º 1, al. d)), ou integrativos das exceções invocadas pela demandada na contestação (arts. 5º, n.º 1, 571º, n.º 1, 572º, al. c) e 573º do CPC) ou das contraexceções invocadas pela demandante em sede de réplica, ou quando não tenha sido deduzida reconvenção (em que não é admissível a réplica), na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final, às exceções invocadas pela demandada (arts. 5º, 584º ex vi 3º, n.º 4 do CPC), violando o juiz os comandos legais enunciados nos arts. 5º e 607º, n.ºs 3 e 4 do CPC, que lhe impõem o ónus de, na sentença, declarar quais os factos que julga como provados e quais os que julga não provados, devendo discriminar, isto é, autonomizar, individualizando-os, os que julga como provados, ónus estes que se lhe impõe quanto aos factos essenciais alegados pelas partes nos termos atrás referidos (art. 5º, n.º 1 do CPC), mas também quanto aos complementares, ainda que não alegados, desde que se se encontrem preenchidos os requisitos da al. b) do n.º 2 do art. 5º do CPC (resultem da instrução da causa e tenha sido observado, quanto a eles, o princípio do contraditório), é pacifico o entendimento que sempre que o tribunal ad quem detete uma efetiva situação de omissão de pronúncia da 1ª Instância, em sede de julgamento da matéria de facto quanto aos enunciados factos essenciais ou complementares, a Relação, como tribunal de substituição que é, deverá, mesmo oficiosamente, realizar esse julgamento de facto, sempre que disponha de elementos de prova que, com a necessária segurança, lho permita fazer, considerando provada ou não provada essa facticidade e motivando o julgamento que realize. De contrário, deverá anular a sentença e determinar a baixa do processo à 1ª Instância para que amplie o julgamento em relação a essa facticidade cujo julgamento de facto omitiu (art. 662º, n.ºs 1 e 2, al. c) do CPC) (7). Assente nestas premissas, verifica-se que a facticidade que a apelante pretende ver aditada aos factos considerados provados na sentença por, na sua perspetiva, os depoimentos das testemunhas M. L. e J. M. comportarem essa prova, não foram alegados pela apelante na sua contestação de fls. 14 a 15, onde a mesma se limita a corrigir o valor do pedido exequendo quanto ao capital (questão aí tratada nos pontos 1 a 3, sob a epígrafe “Questão Prévia”) e a impugnar os factos alegados pela apelada em sede de petição de embargos – cfr. pontos 4º a 12º da contestação. Por conseguinte, a consubstanciarem os factos que a apelante pretende ver aditados factos impeditivos, extintivos ou modificativos da pretensão extintiva da execução deduzida pela apelada na petição de embargos (pedido), com fundamento na causa de pedir que aí invoca, dado que esses factos a aditar se consubstanciam em factos essenciais de exceção perentória ao abuso de direito invocado pela apelada (art. 576º, n.ºs 1 e 3 do CPC), exceção essa que a apelante não cuidou em alegar na contestação, conforme era seu ónus fazer (arts. 572º, al. c) e 573º do CPC), independentemente da prova que foi ou não produzida em audiência final a propósito dos mesmos, impõe-se indeferir a pretensão da apelante, sob pena de se incorrer em violação dos princípios do dispositivo e do contraditório (art. 5º, n.º 1 do CPC). Acontece que compulsada a petição de embargos verifica-se que os factos que a apelante pretende que sejam aditados à facticidade julgada como provada na sentença sob sindicância consubstanciam mera impugnação motivada da factualidade aduzida pela apelada nesse articulado e que consubstancia a causa de pedir que a mesma aí elegeu para suportar o pedido extintivo da execução que aí formula. Expliquemo-nos: Como é sabido, a defesa vertida na contestação pode assumir duas modalidades distintas, a saber: defesa por impugnação e defesa por exceção. Ocorre defesa por impugnação quando o réu nega de frente os factos articulados pelo autor ou quando embora não negue esses factos, dá-lhes uma versão fáctica diferente, contrariando assim a verificação dos factos constitutivos do direito da autor. No primeiro caso, em que ocorre negação de frente dos factos alegados pelo autor, a impugnação feita pelo réu diz-se direta, frontal, rotunda ou completa. Já no segundo caso, apesar de se tratar de defesa por impugnação, essa impugnação é indireta, qualificada, per positionem, também dita por “impugnação motivada”, uma vez que nela o réu reconhece a realidade dos factos alegados pelo autor, ou de parte deles, mas dá-lhes um versão ou coloração fáctica diferente da que este lhes confere, de modo a contrariar a verificação dos factos constitutivos do direito que o autor pretende exercer. Por sua vez, a defesa será por exceção nos casos em que o réu apresenta uma versão dos factos que sem afetar o círculo dos factos constitutivos do direito invocado pelo autor, envolve a alegação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que este último exerce contra aquele (8). Ora, feitas as enunciadas destrinças entre, por um lado, defesa por impugnação direta e motivada ou indireta e, por outro, defesa por exceção, compulsada a petição de embargos, dúvidas não subsistem que a facticidade que a apelante pretende ver aditada aos factos provados na sentença, consubstancia mera defesa por impugnação motivada dos factos essenciais integrativos da causa de pedir invocada pela apelada nessa petição, factos essenciais esses em relação aos quais, inclusivamente, se verifica ter ocorrido omissão de pronúncia por parte da 1ª Instância, uma vez que esta não os considerou provados, sequer como não provados na sentença sob sindicância. Na verdade, na petição de embargos o pedido nela deduzido pela apelada consiste na extinção da execução instaurada contra aquela pela apelante, tendo por título executivo o requerimento de injunção no qual foi aposta a fórmula executória em 10/12/2004. Como causa de pedir para sustentar esse pedido, entre outras razões, a apelada invoca, existir abuso de direito, na modalidade de supressio, por parte da apelante ao instaurar a presente execução em 28/02/2019, alegando para tanto os seguintes fundamentos fácticos: 1- em 2007, a apelada (embargante) contratou os serviços da apelante (embargada), e aquando da negociação e contratação desses novos serviços, não a abordou sobre a questão da dívida sobre que versam os presentes autos, sequer lhe exigiu o respetivo pagamento (arts. 19º, 35º, 39º e 47º da petição de embargos); 2- após a aposição da fórmula executório no requerimento de injunção, em 10/12/2004, até 14/11/2018, data em que a apelada recebeu a carta de fls. 10, a apelante manteve-se inerte, não a abordando sobre a questão dessa dívida, sequer lhe exigindo o seu pagamento (arts. 30º, 31º, 41º, 43º, 48º e 58º da petição de embargos); e 3- mediante essa conduta omissiva, a apelante agiu com o propósito exclusivo de aumentar a quantia a receber da apelada (art. 31º da petição de embargos). Na contestação que apresentou a apelante limitou-se a impugnar esses factos (art. 5º da contestação), apelidando-os de falsos. Na sequência da prova produzida, pretende a apelante que se adite aos factos considerados provados na sentença sob sindicância que “Ao prestar à embargante os serviços de 2007, a embargada em momento algum afirmou ou deu a entender que não existiam dívidas anteriores pendentes”, ou seja, à alegação da apelada segundo a qual aquela, na negociação e contratação desses serviços prestados em 2007, não a abordou sobre a questão da dívida sobre que versam os presentes autos, sequer lhe exigiu o seu pagamento, a apelante contrapõe advogando que, em função da prova produzida em audiência final, a versão dos factos alegada pela apelada não tem a coloração fáctica que esta lhes empresta (em que advoga uma situação de omissão ou silêncio absoluto quanto a essa dívida anterior), mas antes que o que resulta apurado é que, na altura da negociação e contratação desses novos serviços prestados em 2007, a apelante, “em momento algum afirmou à apelada ou deu-lhe a entender que não existiam dívidas anteriores pendentes”, isto é, dando uma outra coloração fáctica à alegação da apelante, um outro sentido fáctico ao acontecido em 2007. Daí que, na nossa perspetiva, os factos que a apelante pretende ver aditados ao elenco dos factos provados na sentença consubstanciam claramente impugnação motivada e como tal, impõe-se verificar se a realidade ontológica ocorrida em 2007 entre apelante e apelada, em função da prova produzida, ocorreram pela forma alegada pela apelada (na petição de embargos) ou agora (em função da prova produzida) pela apelante. Note-se que tendo claramente ocorrido omissão de pronúncia no julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto aos factos essenciais supra identificados alegados pela apelada em sede de petição de embargos, conforme acima se expôs, a reapreciação da prova que tem de ser efetuada por esta Relação tem de recair sobre todos esses factos (e não exclusivamente sobre os alegados em sede de petição de embargos e supra identificados em 1 e a versão factual que, a propósito dos mesmos, a apelante sustenta dever ser considerada como provada), por forma a indagar se é possível sanar a omissão cometida pelo tribunal a quo, com a necessária segurança, em face dos elementos de prova constantes dos autos e da gravação, ou se ao invés se impõe anular a sentença e remeter os autos à 1ª Instância a fim de ampliar o julgamento de facto à facticidade em causa em relação à qual se verifica a apontada omissão de pronúncia. Posto isto, incumbe esclarecer que procedemos à análise de toda a prova documental junta aos autos e, bem assim à audição integral dos depoimentos prestados em audiência final e não podemos subscrever a ilação extraída pelo tribunal a quo quando refere que os depoimentos prestados pelas testemunhas foram totalmente irrelevantes para o apuramento dos factos controvertidos, porquanto nada de mais relevante acrescentaram ao teor dos documentos. Com efeito, salvo o devido respeito por entendimento contrário, o teor dos documentos de per se, isto é, sem recurso à prova testemunhal que foi produzida, não permite apreender a facticidade que a 1ª Instância deu como provada sob os pontos 2 a 12 e só mediante o recurso à prova testemunhal produzida é que se vislumbra ter sido possível, como foi (e bem – dado que a facticidade provada tem total cabimento na prova produzida, cujo julgamento de facto, de resto, não foi validamente impugnado pela apelante, pelo que essa facticidade se encontra, em definitivo, assente), à 1ª Instância considerar essa facticidade como provada. Acresce que os depoimentos das testemunhas que depuseram em audiência final mostram-se igualmente aptos e suficientes para que este tribunal possa julgar, de forma plenamente segura e conscienciosa, a matéria ora em discussão e cujo julgamento de facto foi omitido, tal a sua assertividade e, inclusivamente, coincidência. Na verdade, a testemunha F. C., que chefia o departamento de reprografia do Instituto Superior Técnico desde 1982, e que exerce funções para a executada desse 1989, referiu que desconhecia a existência da dívida, apenas tendo dela tomado conhecimento em data recente, na sequência daquilo que lhe foi dito. Confirmou que todos os anos a executada realiza uma feira de emprego, para a qual contrata anualmente uma empresa para “colocar os stands” e explicou que da sua experiência profissional, as empresas não fornecem novos fornecimentos aos clientes, sem que estes lhe paguem os fornecimentos anteriormente feitos – logo, contrariamente ao que a dado momento se afirmou no decurso da audiência e no decurso deste depoimento, não se está perante um mero juízo opinativo da testemunha, mas perante um dado fáctico, que a mesma extraiu da sua experiência profissional. Avançando. F. C. referiu que a executada cumpre os seus compromissos e explicou que há muitos anos atrás (talvez em 2003/2004), ocorreu um incêndio nas instalações desta, que destruiu muitos documentos de natureza contabilística. Por sua vez, S. R. que trabalha para o Instituto Superior Técnico desde julho de 2000, tendo exercido funções no gabinete de estágios da executada até 2007, altura em que passou a exercer as funções de contabilista daquele Instituto, tratando também da contabilidade da executada, referiu que era o gabinete de estágios da executada, onde a mesma exerceu funções até 2007, quem organizava a feira anual de emprego que a executada realizava, e continua a realizar anualmente, e daí que fosse a depoente quem, entre julho de 2000 até 2007, tratou da organização desse evento, mas exclusivamente da parte administrativa do evento, mas não dos pagamentos aos fornecedores, parte esta que era tratada pela direção da executada. Confirmou que em 2007 a executada contactou novamente a exequente para lhe prestar serviços para a feira. Esclareceu que caso a exequente tivesse reclamado, em 2007, da executada o pagamento da dívida pelos serviços prestados em 2000, que ela, depoente, teria tido conhecimento dessa reclamação, o que não sucedeu. Referiu que desde 2007 até ao envio da carta de fls. 10, datada de 07/11/2018, a exequente nunca contactou a executada, reclamando dela o pagamento do que quer que fosse. Por último, confirmou que houve um incêndio no gabinete de estágios da executada, na sequência do que foram destruídos os documentos físicos e parte dos documentos digitais existentes nesse gabinete, mas esclareceu que esse incêndio não afetou o edifício onde se situa a contabilidade, referindo que, em 2007, quando foi trabalhar para a contabilidade, de acordo com os registos contabilísticos aí existentes, o saldo final da exequente era “saldo zero”, isto é, de acordo com esses registos, que apenas fazem referência ao saldo final (sem menção de outros elementos, nomeadamente, número de faturas e pagamentos realizados) a apelada nada deve à apelante. Já a testemunha S. R., que exerce as funções de secretária na direção da executada desde 1991, também referiu que apenas teve conhecimento da dívida objeto dos autos em data recente, quando a exequente enviou a carta de fls. 10 à exequente, reclamando dela o pagamento dessa dívida. Esclareceu que as cartas que são enviadas para a executada são rececionadas no edifício do Instituto Superior Técnico, onde a depoente as recolhe diariamente, dá-lhes entrada e encaminha-as para o membro da direção da executada responsável pela área a que se reporta o teor dessas cartas e confirmando que até ao envio da carta de fls. 10, não tem conhecimento que a exequente tivesse enviado qualquer carta à executada, reclamando dela o pagamento de qualquer dívida. Ora, salvo o devido respeito por entendimento contrário, estes depoimentos quando conectados com as regras da experiência comum, as quais demonstram que caso a apelante tivesse enviado outra carta ou escrito à executada em data anterior à de fls. 10, datada de 07/11/2018, reclamando dela o pagamento da dívida, certamente que não a deixaria de a juntar aos autos ou, ao menos, de fazer referência expressa, na contestação, ao envio dessa carta, escrito ou reclamação anterior, o que não fez. Destarte, ante a identificada prova testemunhal e o que se acaba de dizer, forçoso é concluir, por um lado, que após 10/12/2004, data em que foi aposta a fórmula executória no requerimento de injunção (vide título executivo junto em anexo ao requerimento executivo), até ao envio da carta junta aos autos a fls. 10, rececionada pela apelada em 14/11/2018 (vide carimbo nela aposta), a apelante manteve-se inerte, isto é, em silêncio, não abordando a apelada sobre a questão da dívida sobre que versam os presentes autos, sequer lhe exigindo o pagamento desta e, por outro lado, que em 2007, aquando da negociação e da contratação dos novos serviços por parte da apelada, a apelante, não a abordou sobre a questão dessa dívida anterior, em relação à qual, inclusivamente, já dispunha de título executivo, sequer lhe exigiu o respetivo pagamento. Note-se que o que se acaba de concluir é corroborado pelas testemunhas M. L., contabilista da apelante desde 1997, e J. M., diretor comercial desta há 25 anos. Com efeito, M. L. referiu que a apelante é uma empresa muito grande. Mais referiu que a Associação (a apelada) foi pagando o serviço prestado pela apelante em 2000 em prestações, facto esse que se mostra concordante com o teor da conta corrente contabilística junta aos autos a fls. 17. Mais referiu que depois a Associação deixou de pagar e “meteram” (a apelante) “a injunção e ficou um pouco esquecido” (o assunto da dívida), esclarecendo que houve também mudanças de advogado e outros fatores atinentes à apelante que contribuíram para que a dívida tivesse ficado “esquecida”, até que “no ano passado” (2018) “com outros recursos”, explicitando que meteram novos funcionários administrativos, “tentaram recuperar os créditos sobre os clientes” que permaneciam em dívida, o que lograram conseguir e uma vez recuperada essa lista de créditos antigos, enviaram a esses clientes cartas reclamando o pagamento desses débitos antigos, corroborando que a apelante enviou a carta de fls. 10 à apelante, ao que esta respondeu mediante o envio do mail de fls. 10 verso. Acontece que como a apelada negou a existência da dívida e “instauraram a execução”, explicando que “se eles (a apelada) tivessem pago, em novembro de 2018, a dívida (na sequência do envio da carta de fls. 10), se calhar não lhe exigiriam juros”. Quanto aos factos ocorridos em 2007, M. L. confirmou que a apelante prestou novo serviço à apelada, não lhe falando da dívida anterior, sequer lhe exigindo o pagamento desta, justificando esta omissão da apelante, que intitulou de “gafe”, com a circunstância do processo ter ido para contencioso. No mesmo sentido se pronunciou J. M., referindo que a dívida ficou pendente porque ocorreram vários fatores, explicitando: “mudaram empregadas administrativas e de advogado e isto tudo contribui para que a dívida tivesse acabado por ficar esquecida”. Logo, M. L. e J. M. confirmam que efetivamente, em 2007, quando foi contratada pela apelada para lhe prestar novo serviço, a apelante não abordou a questão da dívida antiga sobre que versam os presentes autos junto da primeira, sequer reclamou o pagamento desta e, bem assim, que desde 10/12/2007, até ao envio da carta de fls. 10, rececionada pela apelada em 14/11/2008, a apelante manteve-se inerte, não abordando a questão dessa dívida junto da apelada, sequer reclamando que esta lhe fosse paga, posto que, conforme afirmaram, por vários fatores atinentes exclusivamente à apelante, a “dívida estava esquecida”. Neste contexto, impera concluir pela prova da facticidade alegada pela apelada e supra identificada nos pontos 1 e 2, mas já não pela coloração que a apelante pretende emprestar a essa facticidade, uma vez que afirmar-se que “ao prestar à embargante os serviços de 2007, a embargada em momento algum afirmou ou deu a entender que não existiam dívidas anteriores pendentes”, tem implícito que o assunto teria sido abordado entre apelante e apelada, de forma explícita ou implícita, só que a primeira nunca teria afirmado à última ou dado a entender à mesma que não existiam dívidas anteriores pendentes, o que não tem manifesta correspondência com a realidade ontológica efetivamente acontecida, onde o que houve foi uma situação de total omissão, isto é, de total silêncio da apelante quanto a esta dívida. No que concerne à facticidade alegada pela apelada e supra identificada em 3), a prova produzida não permite concluir que mediante a sua conduta omissiva, a apelante tivesse agido com o propósito de aumentar a quantia a receber da apelada, tanto assim que, em função dos depoimentos prestados por M. L. e J. M., na base dessa omissão, estão vários fatores atinentes à apelante, que fizeram com que a dívida tivesse ficado “esquecida”. Logo, um comportamento involuntário da apelante. Nesta conformidade, na improcedência do enunciado fundamento de recurso aduzido pela apelante, mas suprindo a omissão em que incorreu a 1ª Instância em sede de julgamento da matéria de facto, ordena-se que se adite aos factos julgados como provados na sentença sob sindicância, a seguinte facticidade, que se julga como provada: “13- Em 2007, aquando da negociação e contratação dos serviços identificados em 5), a embargada não abordou a embargante sobre a questão da dívida referida em 1), emergente da prestação dos serviços identificados em 4), sequer lhe exigiu o pagamento dessa dívida. 14- Após a aposição da fórmula executória no requerimento de injunção, em 10/12/2004, até 14/11/2018, data em que a embargante recebeu a carta identificada em 7), a embargada manteve-se inerte, não abordando a embargante sobre a questão dessa dívida, sequer lhe exigindo o seu pagamento”. B.3- Do mérito. A 1ª Instância julgou a presente oposição à execução procedente e ordenou a extinção da execução, com fundamento no instituto do abuso de direito, na modalidade de “supressio”, com os seguintes fundamentos: “No caso em apreço, temos como indiscutível que a dívida remonta ao ano de 2000; que essa dívida foi reclamada judicialmente através do procedimento de injunção no ano de 2004; que no final do ano de 2018 ocorreu uma interpelação extrajudicial da exequente à embargante e que, em resposta a esta interpelação da exequente, a associação embargante solicitou mais elementos para se “inteirar” da dívida em discussão, não tendo obtido qualquer resposta por parte da exequente. Relativamente ao quadro factual dado como assente, importa ainda salientar que no ano de 2007, a associação solicitou os serviços da ora exequente, o que aconteceu, e ainda que esses serviços foram liquidados pela associação embargante. Acresce que, nesse ano de 2007, a exequente, já na posse do título executivo que apresentou à execução no ano de 2019, nenhuma interpelação dirigiu à embargante no sentido da existência desta dívida e respetivo incumprimento. Ora, no nosso humilde entendimento, esta última relação comercial, ocorrida no ano de 2007, sem que, nesse momento, tivesse havido qualquer discussão sobre eventuais dívidas vencidas e não pagas até essa data, ao que acrescem 18 anos até à execução desta dívida, criou legítimas expectativas na embargante de nenhum dívida estava pendente até então ou, caso essa(s) divida(s) existisse(m), nunca seria(m) exigida(s) passados 18 anos, como aconteceu. Com efeito, atento este quadro factual, é nossa certeza que a exequente, ao reclamar da embargante, no limiar da prescrição da dívida e após a prestação de outros serviços já liquidados pela embargante nos termos já afirmados, criou “a convicção (confiança)” na embargante de que tal dívida estaria paga ou, repete-se, pelo decurso do tempo, não lhe seria mais exigível pela exequente. Neste contexto, ajuizamos que a atuação da exequente, como invoca a embargante, consubstancia um abuso de direito, na modalidade de “supressio” já supra identificada. Pelo exposto, a tese do abuso de direito invocada pela embargante merece vencimento”. Contra este entendimento insurge-se a apelante, advogando essencialmente o seguinte: a matéria de facto apurada é insuficiente para que se pudesse concluir pela existência de abuso de direito da parte desta ao instaurar a execução contra a apelada reclamando o crédito exequendo e a sentença ignora diversas circunstâncias que infirmam esse entendimento, como seja a circunstância de em 2007, quando foi negociado e contratado o novo serviço pela apelada, a apelante, em momento algum, afirmou junta da primeira ou lhe deu a entender que não existiam dívidas anteriores pendentes, pelo que essa sua conduta não permitia concluir a quem quer que fosse que essa dívida da apelada não seria reclamada pela apelante; o crédito exequendo encontra-se reconhecido em requerimento de injunção, no qual foi aposta a fórmula executória em 2004, pelo que não é certo que a ação executiva tenha sido instaurada no limiar do decurso do prazo prescricional; não existe, sequer foi alegado qualquer comportamento positivo da parte da apelante que permita concluir que aquela não exigiria da apelada a dívida pendente, tanto mais que o recibo n.º R.800364, com a menção “val. Pendente 0;000”, conforme resulta do próprio teor desse documento junto com a petição de embargos, diz apenas respeito à fatura de 2007; e a apelante sempre esteve consciente da existência dessa dívida, contrariamente ao que afirma, tanto assim que juntou à petição de embargos uma cópia da fatura que respeita ao serviço de onde emerge essa dívida que ora se reclama. Vejamos se assiste razão à apelante para as críticas que assaca à sentença sob sindicância. No plano jurídico, diremos que o abuso de direito configura uma exceção perentória, que se comporta como uma exceção de facto, também dita como exceção em sentido impróprio, na medida em que impede o exercício do direito por parte do respetivo titular contra o devedor. Tratando-se de uma exceção de facto, e não se encontrado o tribunal da 1ª Instância, sequer o de recurso, sujeito ao enquadramento jurídico dos factos alegados pelas partes e que se quedaram como provados (sequer as Instâncias Superiores ao enquadramento jurídico que desses mesmos factos foi feito pela 1ª Instância), é indiscutível que quando os factos provados permitam concluir pela verificação de abuso de direito, o tribunal da 1ª Instância ou o de recurso, podem, e devem, conhecer dessa exceção oficiosamente, isto é, independentemente desta ter sido ou não invocada pela parte a quem aproveita (arts. 573º, n.º 2, parte final, e 579º do CPC) (9). O instituto do abuso de direito encontra-se previsto em termos amplos pelo legislador português no art. 334º do CC e visa obtemperar a situações em que a concreta aplicação de um preceito legal que confere um direito subjetivo a uma determinada pessoa perante um determinado devedor, na normalidade das situações seria ajustada, mas numa específica situação da relação jurídica estabelecida entre credor/devedor, se revela injusta e fere o sentido de justiça dominante (10). O instituto em apreço configura, por isso, uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais, com que o legislador visa obtemperar à injustiça chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na comunidade social, isto é, em que visa dar remédio à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que redundaria o exercício de um direito por lei conferido a uma determinada pessoa, numa particular situação em que esse direito é exercido. (11) No abuso de direito não se trata da violação de um direito de outrem, ou da ofensa a uma norma tuteladora de um interesse alheio, mas do exercício anormal do direito por parte do titular desse direito, que o exerce em termos reprovados pela ordem jurídica, na medida em que embora o exerça respeitando a estrutura formal do direito, atentas as situações particulares do caso concreto em que o exerce, viola a afetação substancial, funcional ou teleológica desse direito, de modo que se impõe considerar que esse exercício, por referência ao quadro concreto em que o mesmo é exercido, é ilegítimo (12). É assim que o art. 334º do CC estabelece em termos amplos que “é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Este normativo é expresso no sentido que os titulares do direito se encontram condicionados, no respetivo exercício, aos limites decorrentes da boa fé, dos bons costumes e do fim social e económico desse direito, de modo que quando esses limites são ultrapassados, o exercício de determinado direito, ainda que formal e aparentemente legítimo, não o é materialmente, porque contraria os valores estruturantes do sistema jurídico, devendo em tais casos neutralizar-se a conduta do titular do direito em causa, declarando-a ilícita, com as consequências de todo o ato ilegítimo, maxime, em sede indemnizatória. Precise-se que a boa-fé é fundamentalmente a consideração razoável e equilibrada dos interesses dos outros, a honestidade e a lealdade dos comportamentos e, designadamente, na celebração e execução dos negócios jurídicos. Trata-se de uma cláusula geral de direito privado que cabe às partes observar tanto na conclusão de um contrato, como nos seus preliminares, na formação dele (art. 227º do CC), no cumprimento das respetivas obrigações e no exercício dos direitos correspondentes (art.762º do CC). A boa-fé configura, assim, um conceito indeterminado que cabe ao intérprete preencher casuisticamente, de acordo com as circunstâncias específicas do caso e as convicções historicamente dominantes em cada momento histórico (13). Como é entendimento pacífico, agir de boa-fé significa atuar “com diligência, zelo e lealdade, correspondente aos legítimos interesses da contraparte; é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte, e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar” (14). Por sua vez, os bons costumes são as regras morais e de conduta social, generalizadamente reconhecidas, em dado momento, numa determinada sociedade histórica (15). Trata-se do conjunto de regras de comportamento sexual, familiar e deontológico, que não estando codificadas, provocam consenso em concreto, pelo menos nos casos limite, numa determinada sociedade e num determinado momento histórico e que, por isso, são acolhidas pelo direito (16). O fim social ou económico do direito tem a ver com a configuração real do direito, a apurar através de interpretação. Com efeito, existem direitos acentuadamente subordinados à prossecução de determinado fim ou fins, como acontece, por exemplo, quanto aos respeitantes ao exercício das responsabilidades parentais. Já noutros, reconhece-se uma maior liberdade de atuação ou decisão ao titular desse direito (direitos potestativos, direito de propriedade, etc.). Por conseguinte, se um direito é atribuído com um determinado perfil/fim, já não existirá direito quando o titular desrespeita a norma constitutiva do mesmo (17). Saliente-se porém, que no abuso de direito, tratando-se de uma situação em que existe efetivamente o direito por parte de quem o exerce, ao menos do ponto de vista formal, conforme decorre do enunciado art. 344º do CC, a neutralização do exercício desse direito com fundamento na cláusula geral do abuso de direito apenas será legitimada quando o excesso cometido pelo titular do direito em causa no respetivo exercício seja “manifesto” ou, dito por outras palavras, seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante. Acrescente-se que para haver abuso de direito não é necessário que exista da parte do titular do direito que no exercício deste se encontra a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito em causa, uma vez que a conceção adotada pelo legislador nacional de abuso de direito é a objetiva, não dependendo, por isso, dessa consciência, mas antes das circunstâncias concretas e objetivas em que o titular o exerce, pelo que se estará perante uma situação de abuso de direito sempre que o exercício do mesmo ofenda objetivamente, em concreto e clamorosos, segundo o padrão de um bonus pater familiae, isto é, do padrão de referência de um cidadão médio, que se encontrasse nas situações especificas em que o titular do direito o exerce, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico que subjazem a esse direito. Note-se que do que se acaba de dizer não decorre que na apreciação desse abuso se deva prescindir de fatores subjetivos, como seja a intenção com que o titular do direito o exerce, posto que se é certo, que à afirmação do abuso não é necessária a consciência do abuso por parte do agente, essa consciência, quando exista, não deixará de ser fator relevantíssimo para se concluir pela existência do abuso do direito e para extrair as inerentes consequências, máxime, indemnizatórias, onde, conforme decorre do art. 483º, n.º 1 do CC, não se prescinde do requisito da culpa. Destarte, conforme flui do que se vem dizendo, na concretização do abuso de direito impõe-se atender, de modo especial, às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade à data do exercício do direito em causa, o que exige o apelo a considerações políticas, sociológicas, históricas e culturais vigentes naquela na comunidade e no concreto momento histórico em que o direito é exercido. O instituto do abuso de direito pressupõe assim, que o direito exista e que dele seja titular quem o exerce e assenta essencialmente, no princípio geral de que “as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros” (18). Na tipologia do abuso de direito sobressai o denominado venire contra factum proprium. Nessa tipologia existirá abuso de direito de um modo geral, quando o titular de um direito visa, mediante o exercício do direito de que é titular “extinguir certa relação subjetiva, recorrendo ao direito de anular, resolver, revogar ou denunciar o negócio que lhe serviu de fonte, depois de fazer ver à parte contrária (…) que não exerceria tal direito” (19)– cfr. Antunes Varela, “ Centros Comerciais “, pág. 90. O venire contra factum proprium traduz, assim, por parte do titular do direito, numa traição à confiança depositada por aquele contra quem o direito é exercido, decorrente de uma conduta anterior do titular do direito, geradora da confiança legítima em como esse direito jamais seria por ele exercido. Esta modalidade de abuso de direito baseia-se, por isso, na tutela da confiança e exprime a reprovação social e moral que recai sobre aquele (o titular do direito) que assume comportamentos contraditórios, resumindo-se à ideia de que a ninguém é permitido agir contra o seu próprio ato/comportamento, assentando, por isso, o abuso numa estrutura que pressupõe duas condutas da parte do titular do direito, ambas lícitas, ainda que assumidas em momentos temporais distintos, em que a primeira conduta (factum proprium) é contrariada pela segunda (venire contra) (20). Segundo Batista Machado, são pressupostos do abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium: a- a verificação de uma situação objetiva de confiança: a conduta de alguém que possa ser entendida como vinculante em relação a uma situação futura; b- o investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento: a outra parte, com base na situação criada, organiza planos de vida de que surgirão danos se a sua confiança legítima lhe vier a ser frustrada; e a c- boa fé da contraparte que confiou: nos casos de divergência entre a intenção aparente do responsável pela confiança e a sua intenção real, a contraparte só é merecedora de proteção jurídica se estiver de boa fé (por desconhecer aquela divergência) e tenha agido com cuidado e precaução usuais ao tráfico jurídico” (21). Diversa desta modalidade de abuso de direito é a variante do abuso de direito conhecida por “supressio”. Esta modalidade assenta no decurso de um período do tempo significativo em que o direito não é exercido, suficientemente ampla de modo a ser suscetível de criar à contraparte a legítima e fundada expectativa de que o direito não mais será exercido pelo respetivo titular. O que distingue a “supressio” da modalidade “venire contra factum proprium” é a ausência de “factum”, isto é, do comportamento anterior por parte do titular do direito, bastando o decurso de tempo significativo sem que o direito seja exercido para face às circunstâncias específicas do caso concreto, ser criada à contraparte a fundada expectativa de que o direito não mais será exercido. Deste modo, o comportamento reiteradamente omissivo por parte de quem poderia exercer o direito, seguido, ao fim de um largo período temporal, de um ato comissivo com que a contraparte legitimamente já não contava, constitui abuso de direito na modalidade de supressio. Nesta modalidade de abuso de direito, protege-se a legítima confiança do devedor que, ao fim de largo período de tempo de silêncio do seu credor, é surpreendido com a demanda que já não esperava (22). Especifique-se, no entanto, que embora a doutrina e a jurisprudência sejam uniformes em admitir esta modalidade do abuso de direito, fundada no comportamento omissivo do titular do direito ao longo de um extenso período temporal, suscetível de gerar a legítima confiança do devedor de que esse direito já não seria exercido e que se vê confrontado com uma situação de rutura abrupta dessas suas expectativas de continuidade de não “exercício do direito” pelo respetivo titular (credor), quando subitamente se vê confrontado com o exercício desse direito por parte do último, é entendimento maioritário da jurisprudência que para que exista abuso de direito na modalidade de supressio, não basta o simples decurso do tempo sem o exercício do direito por parte do titular do mesmo, mas é imprescindível o apuramento de circunstâncias objectivas e concretas que justifiquem da parte do devedor (contra quem o direito acaba por ser exercido) a legitima confiança de que o direito já não seria exercido por parte do respetivo titular, uma vez decorrido esse longo período de tempo de inação. De facto, conforme se escreve no acórdão da Relação do Porto (23), embora “a não exigência de um direito de crédito (preço) por um prazo de mais de 12 anos pode vir a ser inesperado e até suscetível de criar anteriormente a convicção (confiança) subjetiva de que o direito não será exercido, se os fatores não revelarem qualquer espécie de justificação objetiva para essa confiança, como desenvolvimento de tentativas de indagação razoáveis por parte do devedor confiante, e se não decorrerem dos autos quaisquer factos dos quais se pudesse concluir que para a Ré confiante, decorreu um prejuízo de um anterior “investimento na confiança”, resta a afirmação da jurisprudência de que o simples decurso do tempo sem o exercício de um direito não é suficiente para se poder concluir pelo abuso de direito” (24). Deste modo, para que se afirme abuso de direito na modalidade de “supressio”, exige-se, para além do não exercício do direito por parte do respetivo titular durante um longo período de tempo significativo, eminentemente variável, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, é necessário que se verifiquem razões concretas e objetivas por parte de quem é objeto do exercício desse direito que justifiquem a sua expectativa de que o direito não mais será exercido, ou seja, torna-se necessário que do conjunto das circunstâncias presentes no caso concreto se conclua que o credor deu ao devedor a impressão de que não mais faria valer o direito em causa. Assentes nestas premissas, revertendo ao caso dos autos, neles está em causa a cobrança coerciva por parte da apelante (exequente) de parte do preço de serviços prestados, no exercício do seu comércio, à apelada (executada) no ano de 2000, no âmbito da feira de emprego que esta realiza anualmente – cfr. pontos 1 a 4 dos factos apurados. Na sequência da prestação desses serviços, a apelante emitiu a fatura n.º 100674, em 19/04/2000, no montante de 7.102.54$00, junta aos autos a fls. 8, tendo-lhe a apelada pago parte substancial desse preço, deixando, no entanto, por liquidar a quantia de 2.749,72 euros (cfr. pontos 4, 3 e 1 dos factos apurados e teor da fatura de fls. 8 e do requerimento de injunção, junto em anexo ao requerimento executivo). Na sequência do não pagamento dessa parte do preço, em 2004, a apelante instaurou processo de injunção contra a apelada, no qual, na sequência de nele não ter sido deduzida oposição, em 10/12/2004, foi aposta a fórmula executória (cfr. requerimento de injunção junto em anexo ao requerimento executivo). Em 2007, a apelada realizou nova feira de emprego e voltou a contratar os serviços da apelante, que lhos prestou, pagando-lhe a apelada esses serviços, na sequência do que a apelante emitiu recibo onde consta a menção “val. Pendente 0,000” (cfr. pontos 5 e 6 dos factos apurados. Em 2007, aquando da negociação e contratação desses novos serviços, a apelante não abordou a apelada sobre a questão da anterior dívida em relação à qual já possuía o sobredito título executivo (o requerimento de injunção onde, em 10/12/2004, tinha sido aposta a fórmula executória), sequer lhe exigiu o pagamento dessa dívida (ponto 13 dos factos apurados) e desde 10/12/2004 até 14/11/2018, data em que a apelada recebeu a carta junta aos autos a fls. 10, datada de 07/11/2018, a apelante manteve-se inerte, não abordando a apelada sobre a questão dessa dívida, sequer lhe exigindo o seu pagamento (cfr. pontos 7, 8º, 9º e 14º dos factos apurados). Em resposta a essa carta em que a apelante reclama da apelada o pagamento da quantia que permanecia em dívida de 2.749,72 euros, em 15/11/2018, a última remeteu à primeira o mail de fls. 10 verso, onde se lê: “Recentemente, recebemos um aviso de pagamento relativo a uma fatura em débito com o número SP 100674, datado de 19-04-2000, com um valor de 2.749,72 euros. Após uma análise da situação, informamos que não temos qualquer informação de uma dívida datada desta altura e que, devido a algumas mudanças no nosso sistema informático ao longo dos últimos 18 anos passados desde a emissão deste documento, não dispomos de mecanismos para confirmar que, de facto, o pagamento deste valor está pendente. Assim, informamos que, por boa fé, acreditamos que o pagamento foi efetuado e, como tal, gostaríamos que este processo ficasse resolvido de forma célere, não colocando em causa o bom nome da nossa instituição”, ao qual a apelante não respondeu, sequer voltou a contactar a apelante, vindo a instaurar a execução, por requerimento executivo que deu entrada em juízo em 28/02/2019 (cfr. pontos 10, 11 e 12 dos factos apurados e teor do documento de fls. 10 verso e do requerimento executivo). Sustenta a apelante que quando instaurou a presente execução, em 28/02/2019, não é certo que se estivesse no limiar do decurso do prazo prescricional, conforme é referido na sentença sob sindicância e, diga-se, com total razão. Com efeito, apesar da dívida sobre que versa a execução datar de um incumprimento contratual ocorrido em 2000, essa execução tem como título executivo um requerimento de injunção que a mesma instaurou contra a apelada em 2004 e no qual em 10/12/2004, foi aposta a fórmula executória, razão pela qual é indiscutível que a apelante dispunha do prazo de vinte anos, a contar de 10/12/2004, para instaurar essa execução, uma vez que ao crédito exequendo é aplicável o prazo prescricional geral enunciado no art. 309º do CC. Por conseguinte, se é certo que quando a execução foi instaurada estavam decorridos 14 anos e cerca de 2 meses sobre a data em que foi aposta a fórmula executória no requerimento executivo que serve de título executivo à presente execução, que condenou a apelada a pagar à apelante o parte do preço dos serviços prestados pela última à primeira em 2000, assiste integral razão à apelante quando afirma que contrariamente ao afirmado na sentença, a execução não foi instaurada no limiar do decurso do prazo prescricional, posto que ainda faltavam quase seis anos para o decurso desse prazo. Advoga a apelante que da circunstância de quando foi contratada pela apelada, em 2007, para prestar novo serviço na feira que a primeira organiza anualmente, nas negociações que então tiveram lugar entre ambas e na sequência dessa nova contratação, aquela não ter abordado a apelada sobre a questão do débito de 2000 e de não ter reclamado da mesma o respetivo pagamento e, bem assim, do facto de desde 10/12/2004, data em que passou a dispor de título executivo em relação a esse débito, até ao envio da carta de fls. 10, datada de 07/11/2018, em que reclama o pagamento do mesmo, se ter mantido inerte, não abordando a apelada quanto a essa divida, sequer reclamando o respetivo pagamento, não se pode concluir que com a instauração da presente execução, em 28/02/2019, visando a cobrança coerciva desse seu crédito e respetivos juros de mora, a mesma atue em abuso de direito, na modalidade de “supressio”, sequer noutra modalidade qualquer. A propósito desta posição da apelante, diremos que seriamos levados a concordar com os seus argumentos não fora determinadas situações específicas do caso concreto, que por serem notórias, não carecendo, por isso, de prova sequer de alegação (arts. 5º, n.º 2, al. c) e 412º, n.º 1 do CPC), não podiam, sequer deviam, ser ignorados pela apelante e que nos levam a subscrever a decisão de mérito proferida na sentença sob sindicância. Referimo-nos à qualidade da apelada (executada). Com efeito, conforme resulta do quadro factual apurado, a apelada é um associação de estudantes universitários, tratando-se mais concretamente da “Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico”. É notório que à data da prestação dos serviços pela apelada, em 2000, e à data em que foi aposta, em 10/12/2004, a fórmula executória no requerimento de injunção, que condenou aquela associação de estudantes a pagar à apelante a parte do preço dos serviços que esta lhe tinha prestado em 2000 e que permanecia por liquidar, os cursos universitários tinham uma duração entre quatro e cinco anos, à exceção do curso de medicina, que tinha (e tem) uma duração de seis anos. É igualmente facto notório que as associações de estudantes são objeto de eleições periódicas, na sequência das quais podem ocorrer, e ocorrem, frequentes vezes, alterações da respetiva direção. É ainda facto notório que as associações de estudantes são maioritariamente constituídas por jovens adolescentes, ou seja, por estudantes universitários que frequentam a universidade. É ainda facto notório que esses jovens estudantes, apesar de terem atingido o estatuto da maioridade, não atingiram ainda a sua maturidade e que, como tal, conforme é próprio da sua juventude, são pouco propícios a adotar as cautelas que são próprias daqueles que se encontram num estádio da vida mais avançado, que fruto da maturidade e da experiência da vida entretanto adquirida, têm o cuidado de guardar os seus documentos, designadamente, faturas, recibos e demais documentação contabilística, em local seguro, por forma a terem presente, no futuro, os seus compromissos que permanecem por satisfazer e aqueles que entretanto satisfizeram, a fim de se precaverem contra eventualidades futuras, nomeadamente, para que os próprios ou quem os suceda tenham informação dos compromissos que permanecem por liquidar e com a prova daqueles que foram cumpridos. É igualmente facto notório que as associações de estudantes, assim como o estado, elaboram planos de atividades anuais para os quais elaboram orçamentos anuais, onde orçamentam as suas receitas e despesas previsíveis para o ano que se vai iniciar. É também facto notório, por isso decorrer, inclusivamente da lei, que em sede fiscal, os contribuinte em geral, apenas são obrigados a manter em arquivo os livros, registos e documentos de suporte contabilístico durante o prazo de dez anos (arts. 52º, n.º s 1 e 2 do Cód. IVA e 123º, n.º 4 do DL n.º 442-B/88, de 30/11). Vale isto por dizer que sendo a associação apelada um associação de estudantes, cujos cursos têm uma duração que varia entre quatro e cinco anos, em que a respetiva direção sofre alterações periódica, na sequência do que os membros da associação e da respetiva direção sofrem substituições periódicas, em que a maioria dos seus membros e dessa direção são jovens estudantes, com o inerente estatuto de falta de cautela, desatenção e de cuidados que é inerente à sua condição de jovens, o que tudo a apelante não ignorava, sequer podia ignorar, por tudo isto consubstanciar factos notórios, a apelante não desconhecia que os membros da associação apelada em 2000, bem como os membros da direção desta com quem contratou em 2000 os serviços que então lhe prestou e cujo preço ficou parcialmente por pagar, já não eram os elementos da associação, sequer os membros da sua direção que, em 2004, foram citados para os termos da injunção, na sequência da qual foi aposta a fórmula executória no requerimento de injunção, uma vez que necessariamente, no período de quatro anos houve estudantes que concluíram o seu curso e que, por isso, deixaram de puder fazer parte dessa associação e ocorreram eleições, em que parte dos elementos da direção dessa associação foram substituídos, uns porque, entretanto, concluíram o seu curso, outros porque decidiram não integrar as listas à nova direção da apelada e outros, ainda, porque a respetiva lista perdeu as eleições e foram, por via disso, substituídos pelos elementos da lista vencedora. Assim é que afirmamos ser facto notório que os membros que integravam a associação apelada e, bem assim, os elementos que integravam a direção desta que, em 2000, contrataram junto da apelante a prestação dos serviços de cujo incumprimento contratual emerge o crédito exequendo, não são, sequer podiam ser, os mesmos elementos que integravam essa associação em 2004, aquando da instauração da injunção na qual, em 10/12/2004, foi aposta a fórmula executória, posto que, pelo menos, parte substancial dos elementos da associação e, bem assim, dos elementos que integravam a sua direção, entre 2000 e 2004 tinham sido necessariamente substituídos. Posto isto, é certo que um cidadão comum que seja condenado no âmbito de uma ação judicial, designadamente, de uma injunção, à qual foi aposta a fórmula executória, deve ter presente essa condenação, ficando bem ciente da mesma, devendo não só cumprir o que lhe foi determinado judicialmente, como guardar, em local seguro, a documentação respeitante a essa condenação e, caso a cumpra, a referente a esse cumprimento, tudo para memória futura dos próprios e daqueles que lhe venham a suceder, designadamente, tratando-se de pessoa singular, em caso de morte ou, tratando-se de pessoa colectiva, dos elementos da direção que lhe venham a suceder, sem que impenda sobre o credor, em caso de incumprimento, o ónus de relembrar ao devedor os seus compromissos, nos quais, inclusivamente, o devedor foi condenado a satisfazer-lhe, em processo de injunção no qual foi aposta a fórmula executória. Contudo, dir-se-á que também é certo que quem recorre a tribunal, instaurando uma ação de injunção contra um seu devedor, para que lhe seja reconhecido o seu direito de crédito sobre esse seu devedor e com vista a obter a condenação judicial deste a satisfazer-lhe esse seu crédito e a obter o inerente título executivo, se naturalmente não tem o ónus de relembrar ao devedor a dívida em que foi condenado a satisfazer-lhe por decisão em que foi aposta a fórmula executória, e de reclamar junto do mesmo o respetivo pagamento, não menos certo é que se é normal e natural que esse credor aguarde um período de tempo razoável para que o devedor satisfaça voluntariamente a obrigação em que foi condenado, já não é normal e natural que esse credor aguarde mais de catorze anos para instaurar a competente ação executiva contra o devedor que persiste no incumprimento da obrigação, como foi o caso sobre que versam os presentes autos. Acresce que, como referido, a associação de estudantes apelada não é um devedor qualquer, mas antes um devedor em que os respetivos associados, fruto da natureza e condição desta, sofre naturais e normais mudanças, pelo menos, um vez decorrido o período normal de quatro ou cinco anos de um curso universitário, em que pelo menos, a maioria dos seus elementos são naturalmente substituídos. A direção dessa associação não só se encontra sujeita às vicissitudes das mudança decorrentes de ver mudados os seus elementos fruto do período de duração dos respetivos cursos, como das eleições periódicas a que se encontra submetida, em função dos respetivos estatutos. Acresce que sendo a apelada composta por jovens, o mesmo acontecendo com a sua direção, é próprio da condição de jovens não adotarem os cuidados habituais e normais quanto aos seus compromissos que permaneçam por satisfazer e quanto àqueles que satisfizeram. Logo, quando em 2007, a apelada contratou novamente os serviços da apelante, naturalmente que nem os associados da apelada, sequer os elementos da direção desta, podiam ser os mesmos que tinham contratado o serviço à apelante em 2000 e cujo preço permanecia parcialmente em divida, sequer podiam ser os associados e os membros da direção que se viram confrontados em 2004, com o processo de injunção, exceto algum e ocasional retardatário que fruto de sucessivas reprovações permanecesse na universidade e eventualmente, também, na direção da apelada. Acresce que as regras da experiência comum demonstram que os incumpridores não costumam recorrer aos serviços dos seus credores devido ao natural incómodo, mal estar e até vergonha que sentem em abordar a pessoa desses credores, solicitando-lhes a prestação de novos serviços, quando os anteriormente prestados permanecem por liquidar e, sobretudo, nos casos em que esses credores, como foi o caso da apelante, em 2004, lhes tinha instaurado processo de injunção, até porque para além desse mal estar e vergonha naturais, esses incumpridores contam que com toda a probabilidade, esses credores lhe irão falar do débito que permanece por liquidar e irão recusar a prestação de novos serviços enquanto esse anterior débito permanecer por liquidar. Note-se que tudo o quanto se acaba de referir não era do desconhecimento da apelante em 2007, quando foi abordada pela apelada para lhe prestar esses novos serviços uma vez que a mesma é uma sociedade comercial e, por isso, uma comerciante, que se insere no tráfego comercial e que, por isso, não desconhece que os clientes incumpridores, em regra, fogem dos seus credores e não os procuram para lhes pedir a prestação de novos serviços, sem cuidarem em pagar os anteriormente prestados. O que se acaba de referir, aliada às circunstâncias acima explanadas em que os membros da apelada que contactaram em 2007 a apelante, não eram necessariamente os elementos desta em 2004 e muito menos, os de 2000, salvo raras exceções, bem como à natural e normal falta de cuidado dos jovens em guardarem os documentos, incluindo, os judiciais, contabilísticos e outros para memória futura, tornava altamente previsível para a apelante que se em 2007 a apelante a abordou para que esta lhe prestasse novos serviços, como fez, quando o preço dos serviços prestados em 2000, permaneciam, em parte, por liquidar e quando, inclusivamente, aquela associação, em 2004, tinha sido condenada no âmbito da injunção a satisfazer-lhe essa parte do preço que permanecia em divida, em injunção à qual a apelada nem sequer deduzira oposição, é porque os atuais elementos da apelada e, bem assim os elementos da sua direção desconheciam a existência dessa divida anterior ou então estava-se perante uma situação de total desfaçatez, diríamos mesmo, falta de pudor, respeito e vergonha por parte desses elementos, que a abordaram para que lhes fosse prestados novos serviços, quando os anteriores permaneciam por liquidar. Acontece que este última hipótese foi descartada pela própria apelante, uma vez que a mesma aceitou negociar e contratar com a apelada, em 2007, prestar-lhe os novos serviços e, inclusivamente, aceitou prestar-lhos sem prévio pagamento, tanto assim, que os mesmos foram prestados em 2007 e o respetivo preço apenas veio a ser pago em 2008 (cfr. pontos 5 e 6 da matéria apurada). Ora, se nas situações gerais e normais era esperável que um credor, quando abordado pelo seu devedor, solicitando-lhe o fornecimento de novos serviços, quando ainda não lhe tinha pago os serviços anteriormente prestados, logo o interpela, falando-lhe dos créditos que permanecem por liquidar e se recuse a prestar-lhe esses novos serviços enquanto os anteriores não forem totalmente pagos, no contexto específico dos autos, em que face aos factos notórios com que a apelante se viu confrontada e que, por isso, a mesma não desconhecia, sequer podia desconhecer, em 2007, é que a única razão plausível para os então atuais membros da apelada e da respetiva administração a terem abordado para que esta lhe prestasse os novos serviços, quando os prestados em 2000, permaneciam, em parte, por liquidar, e quando, inclusivamente, a apelada tinha sido condenada em 10/12/2004, com a aposição da fórmula executória, no requerimento de injunção que a apelante contra ela instaurou, não lhe falando, sequer desse anterior débito, era que esses atuais elementos da apelada e da sua direção desconheciam esse anterior débito e essa anterior condenação. Neste contexto, é inegável que a boa fé reclamava que nas negociações que em 2007 a apelante estabeleceu com os então membros da apelante e da direção desta, com vista à contratação dos novos serviços, os tivesse alertado para a existência desse anterior débito e dela reclamando o respetivo pagamento. Acontece que a apelante manteve-se inerte, não abordando a apelada sobre a questão dessa anterior dívida, sequer reclamando o seu pagamento. Acresce referir que o dever de boa fé que se impõe aos contraentes, tanto na negociação, como na celebração e na execução dos contratos impunha que a apelante tivesse abordado os então membros da administração da apelada quando, em 2008, esta lhe pagou o preço dos serviços prestados em 2007. Com efeito, a única ilação que então, em 2008, a apelante podia legitimamente extrair perante os factos com que se viu confrontada e já acima enunciados e face a este pagamento é que os membros da apelada que integravam a direção desta em 2007 e 2008 eram pessoas cumpridoras, tanto assim que pagaram os serviços prestados em 2007, obtendo por esta via a corroboração de que os mesmos desconheciam o anterior débito e a condenação no processo de injunção. Acontece que em vez de alertar esses membros da apelante para a existência do débito, a apelante permaneceu inerte, mantendo o seu silêncio perante os elementos que faziam parte da apelada e respetiva direção em 2007 e em 2008, a propósito daquele anterior débito e não reclamando dela o respetivo pagamento, antes pelo contrário, emitiu o recibo referente aos serviços prestados em 2007, onde apôs a menção “val. Pendente 0,000”. É certo que conforme refere a apelante, este recibo respeita aos serviços prestados à apelada em 2007. Porém, conforme a apelante não ignora, sequer pode ignorar, em face das circunstâncias específicas do caso concreto que se acabaram de explanar, em que a única justificação plausível para a apelada, em 2007, ter recorrido novamente aos seus serviços, cujo preço, inclusivamente, pagou em 2008, era o desconhecimento dos então membros da apelada e da respetiva direção da existência daquela anterior dívida e da injunção, o facto da mesma ter aposto naquele recibo essa menção (valor pendente: zero) era apta a incutir nesses elementos que a apelada efetivamente nada devia à apelante, posto que, de contrário, esta não só lhes reclamaria esses anteriores débitos que permaneciam por satisfazer e não teria aposto no recibo essa menção, que manifestamente se presta a equívocos. Acontece que não obstante tudo o quanto se acaba de enunciar, a apelante desde 2008 até 07/11/2018, data em que enviou à apelante a carta de fls. 10, reclamando o pagamento do débito que permanecia por liquidar em consequência de incumprimento contratual ocorrido em 2000 e que esta foi condenada a satisfazer-lhe em processo de injunção instaurado em 2004 e onde em 10/12/2004 foi aposta a fórmula executória, durante mais de dez anos sobre o pagamento dos serviços prestados em 2007, durante os quais os associados da apelante e da respetiva direção foram necessariamente sofrendo múltiplas modificações, por via das quais, salvas raríssimas e ocasionais exceções, esses membros foram integralmente substituídos, em que sucessivas direções da apelante indiscutivelmente se sucederam, a apelante manteve-se inerte, não abordando essas sucessivas direções da apelante sobre a existência desse débito anterior, sequer delas reclamando o pagamento dessa dívida antiga, com o que salvo o devido respeito, cimentou a convicção legítima dos elementos da associação e da respetiva administração, adquirida em 2007, e cimentada pela apelante com a emissão do recibo em 2008 referente ao pagamento dos serviços prestados em 2007, em que apôs a menção “valor pendente: zero” de que a apelada nada devia à apelante. Deste modo, é que não podemos deixar de subscrever a sentença sob sindicância quando nela se propugna que a instauração pela apelante em 28/02/2019, de execução contra a apelada, servindo de título executivo, requerimento de injunção no qual no longínquo dia de 10/12/2004, tinha sido aposta a fórmula executória, referente a um crédito que emerge de um incumprimento contratual que data do ano de 2000, quando a apelante, em 2007, não desconhecia que os então membros da apelada ignoravam a existência desse débito e manteve-os nessa ignorância, não os alertando para a existência do mesmo e, inclusivamente, cimentou esse desconhecimento legitimo e justificado ao emitir, em 2008, perante o pagamento pela apelada dos serviços prestados pela apelante em 2007, recibo em que fez consignar a menção “valor pendente: zero”, e continuando a cimentar esse desconhecimento com a sua inércia, a que apenas pôs termo em 07/11/2018, quando enviou a carta de fls. 10, reclamando inopinadamente da apelada o pagamento desse crédito, que esta legitima e fundadamente ignorava, para o que contribuiu decisivamente a própria apelante com o seu comportamento, consubstancia um ato clamorosamente abusivo e lesivo da boa fé, traduzindo uma clara situação de abuso de direito, na modalidade de supressio. Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo, improcederem todos os fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, impondo-se, sem prejuízo das alterações supra identificadas à facticidade julgada provada na sentença sob sindicância, confirmar a decisão de mérito nela proferida. * Decisão:* Nesta conformidade, os juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, suprindo a omissão cometida pela 1ª Instância em sede de julgamento da matéria de facto: I- ordenam o aditamento aos factos julgados como provados na sentença, a seguinte facticidade, que julgam provada: “13- Em 2007, aquando da negociação e contratação dos serviços identificados em 5), a embargada não abordou a embargante sobre a questão da dívida referida em 1), emergente da prestação dos serviços identificados em 4), sequer lhe exigiu o pagamento dessa dívida. 14- Após a aposição da fórmula executória no requerimento de injunção, em 10/12/2004, até 14/11/2018, data em que a embargante recebeu a carta identificada em 7), a embargada manteve-se inerte, não abordando a embargante sobre a questão dessa dívida, sequer lhe exigindo o seu pagamento”. II- julgam a presente apelação improcedente e, em consequência: - sem prejuízo do aditamento à matéria de facto julgada provada na sentença, ordenado no ponto I, confirmam a sentença recorrida. * Custas pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC)Notifique. * Guimarães, 20 de fevereiro de 2020 Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores: Dr. José Alberto Moreira Dias (relator) Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto) Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto) 1. Acs. STJ de 14/01/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.S1; e RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BRGC.C1, in base de dados da DGSI. 2. António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 153. 3. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155. 4. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 147. 5. Neste sentido Ac. STJ. de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1, in base de dados da DGSI, onde se escreve: “1-São as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não podendo o tribunal ad quem conhecer de questão que delas não constem. 2- Se o recorrente, ao explanar e ao desenvolver os fundamentos da sua alegação, impugna a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto, pugnando pela sua alteração/modificação, mas omitindo nas conclusões qualquer referência a essa decisão e a essa impugnação, essa questão não faz parte do objeto do recurso”. Ainda Ac. STJ de 27/10/2016, Proc. 110/08.6TTGDM.P2.S1, na mesma base de dados (assim como todos infra indicados, sem menção em contrário), onde se lê: “1- Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações strictu sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração. 2- Omitindo o recorrente a indicação referida no número anterior o recurso deve ser rejeitado nessa parte, não havendo lugar ao prévio convite ao aperfeiçoamento”. No mesmo sentido Acs. STJ. de 05/12/2019, Proc. 731/16.3T8VRL.G1.S2; de 03/10/2019, Proc. 77/06.5TBVA.C2.S2; 11/02/2016, Proc. 157/12-8TVGMR.G1.S1; 03/12/2015, Proc. 3217/12.1TTLSB.L1-S1; 01/10/2015, Proc. 842/11.3TTLRS.L1.S1; 19/02/2015, Proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1; RG. de 24/01/2019, Proc. 3113/17.6T8VCT.G1; 28/06/2018, Proc. 123/11.0TBCBT.G1; e RE de 12/07/2018, Proc. 581/15.4T8ABT.E1. 6. No mesmo sentido, Ac. STJ. de 20/02/2019, Proc. 1338/15.8T8PNF.P1.S1. 7. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 293 a 295, onde escreve: “Outras decisões podem revelar-se total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares (…). Verificado algum dos referidos vícios, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-los a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação (…). Pode ainda revelar-se um situação que exija a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo. Trata-se de uma faculdade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objetiva de facto relevante”, contudo, logo realça que “considerando a possibilidade de anulação para ampliação da decisão da matéria de facto deve ser encarada com rigor acrescido e reservada para os casos em que se revele indispensável (…) A anulação da decisão da 1ª instância apenas deve ser decretada se não constarem do processo todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas. Em qualquer dos casos, a anulação do julgamento deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que isso determina nos vectores da celeridade e da eficácia” – destacado nosso. 8. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manuel de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 288 a 290. 9. Ac. STJ. de 01/07/2004, Proc. 04B4671, RL. de 26/06/2014, Proc. 1524/10.7TBCSC.L1, ambos in base de dados. 10. Ac. STJ. de 15/03/2013, Proc. 600/06.5TCGMR.G1.S1, in base de dados da DGSI. 11. Manuel de Andrade, “Teoria Geral das Obrigações”, 1958, pág. 63. 12. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., Almedina, pág. 563. 13. Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, vol. I, 5ª ed., Almedina, pág. 214. 14. Ac. STJ. de 10/12/1991, BMJ, n.º 412, pág. 60. 15. Ana Prata, ob. cit., pág. 215; Ac. STJ. de 10/12/1991, BMJ, n.º 412, pág. 460. 16. Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral”, tomo I, pág. 193. 17. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pag. 299; Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 283. 18. Coutinho de Abreu, in “Do Abuso de Direito”, pág. 55. 19. Antunes Varela, in “Centros Comerciais”, pág. 90. 20. Ac. STJ. de 05/06/2018, Proc. 1085/15.9TCBR-A.C1.S1, in base de dados da DGSI. 21. Batista Machado, “Obra Dispersa”, vol. I, págs. 416 e segs. Na mesma linha, Menezes Cordeiro, in “Revista da Ordem dos Advogados”, ano 58, julho de 1998, pág. 964, onde escreve que são quatro os pressupostos da proteção da confiança ao abrigo da figura do “venire contra factum proprium”: 1º- uma situação de confiança, traduzida na boa-fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium); 2º- uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis; 3º- um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma atividade na base do, factum proprium, de tal modo que a destruição dessa atividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam num injustiça clara; 4º- uma imputação da confiança à pessoa atingida pela proteção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível”. 22. Acs. STJ. de 05/06/2018, antes já identificado; de 12/06/2012, Proc. 1267/03.8TBBGC.P1.S1; RP. de 15/12/2005, Proc. 0535984; RC. de 12/09/2017, Proc. 7471/15.9T8CBR.C1, in base de dados da DGSI. 23. Ac. RP. de 30/05/2017, Proc. 15612/15.0YIPRT.P1, in base de dados da DGSI. 24. No mesmo sentido Ac. STJ. de 19/10/2017, Proc. 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1; 11/12/2013, Proc. 629/10.9TTBRG.P2.S1; RG. de 26/09/2019, Proc. 669/17.7T8VNF-A.G1; RP. de 19/09/2019, Proc. 6320/18.0T8VNG-B.P1; e RL de 08/05/2014, Proc. 1689/12.3TVLSB.L1-8, in base de dados da DGSI. |