Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3956/15.5T8VCT-B.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
VENDA JUDICIAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A venda por negociação particular de imóvel penhorado pode ser validamente efectuada por valor inferior ao valor base do bem fixado para a venda por propostas em carta fechada, que se frustrou, desde que:
- Haja acordo de todos os interessados;
- Ou caso tal não ocorra, exista um despacho judicial que pondere as circunstâncias pelas quais apenas foi obtido pelo encarregado da venda um valor inferior ao inicialmente fixado, e decida se, em face das mesmas, é de autorizar a venda pelo valor proposto, assim assegurando a defesa de todos os interesses em presença.
II- O princípio do contraditório é hoje entendido um direito de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.
III- Notificado o Executado de proposta de venda por um valor inferior ao valor fixado, sem a expressa advertência para, querendo, se opor à venda, ou então de que o seu silêncio seria considerado como anuência quanto à proposta feita, parece incontornável que, nos termos do artº. 217.º do CC, quedando-se o mesmo inerte e não tomando qualquer posição, existiu aceitação tácita, pois que o silêncio aqui só pode valer como aceitação, já que por força dos usos em matéria de notificações judiciais, tal significação do silêncio como concordância, é usual.
IV - A verificação de uma irregularidade processual, que possa influir no exame ou decisão da causa ou que a lei expressamente comine com a nulidade, terá de ser arguida segundo o seu próprio regime, não podendo, nunca – a não ser que o processo tenha de ser expedido em recurso antes do fim do prazo da respectiva arguição -, ser atacada por via de recurso.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: M. G..

Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juízo Central Cível de Viana do Castelo, J1.

Na presente execução em que é Executada M. G., foi proferido despacho indeferindo a arguição de nulidade por si invocada.

Inconformada com tal decisão, apela a Executada, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

i. A 10 de Janeiro foi efectuada uma penhora do prédio urbano composto por casa de habitação, quinteiro e rossio, sito em …, freguesia de …, concelho de Paredes de Coura, propriedade da Executada/Apelante.
ii. A apelante, após notificada para esse efeito a 18 de Abril de 2017 (Referência Citius n.º 40928430), indicou que a modalidade da venda deveria ser proposta em carta fechada, tendo igualmente indicado que o valor base do imóvel seria de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).
iii. O Tribunal anuiu a estas indicações e a 03 de Maio de 2017 estabeleceu que o valor da referida venda deveria ser igual ou superior a 85% do montante indicado pela apelante, conforme despacho com a Referência Citius n.º 41013215.
iv. A percentagem indicada, considerando o valor base total de € 150.000,00 (cento e cinquenta euros), perfaria uma quantia mínima de € 127.500,00 (cento e vinte e sete mil e quinhentos euros).
v. Contudo, na ausência de propostas, foi determinado pelo Tribunal a quo, aos 15 de Setembro de 2017, que a venda prosseguisse para negociação particular, conforme despacho com a Referência Citius n.º 41589377.
vi. Sucede que, a 22 de Dezembro de 2017, é dado conhecimento ao Tribunal, pelo encarregado de venda, do estado de abandono e não conservação do imóvel, o que consequentemente se traduziria numa “evidente desvalorização relativamente ao valor apresentada para venda.” (Referência Citius n.º 41928064).
vii. Face a esta informação, e já em Janeiro de 2018, a Apelante foi notificada quanto à realização de uma avaliação pericial ao imóvel, de modo a apurar o seu valor de mercado,
viii. E tendo a mesma determinado que o P.V.T. (Presumível Valor de Transacção) do imóvel seria de 82.000,00, o Tribunal a quo fixou este valor como o novo valor base para a venda do imóvel (Referência Citius n.º 42241421).
ix. Posteriormente, surge uma proposta de venda no valor de € 46.000,00 (quarenta e seis mil euros), proposta esta não aceite pelo credor reclamante, justificando esta recusa com base numa nova avaliação que o mesmo realizara e que determinava o valor do imóvel em € 55.600,00 (cinquenta e cinco mil e seiscentos euros).
x. Foi a Apelante notificada desta última proposta a 06 de Setembro de 2019 (Referência Citius n.º44331511).
xi. Não obstante, aos 26 de Setembro de 2019, é notificada a Apelante de uma proposta apresentada no valor de € 55.600,00 (cinquenta e cinco mil e seiscentos euros), conforme despacho com a Referência Citius n.º 44422906.
xii. Contudo, nessa notificação não foi advertida para, querendo, se opor e exercer o seu direito ao contraditório, conforme disposto no artigo 3.º do Código de Processo Civil, nem para o facto de o seu silêncio ser considerado como anuência quanto à proposta feita.
xiii. Face a esta omissão, e como se constata pelo despacho com a Referência Citius n.º 44744565, o Tribunal ordena a efectivação e formalização da venda nos moldes da proposta apresentada.
xiv. Porém, aquando do último despacho mencionado, não existia qualquer adjudicação do imóvel ao proponente comprador, nem tampouco a aceitação da venda do imóvel por parte do Tribunal e das partes envolvidas por um valor inferior ao valor base estabelecido,
xv. Exceptuando-se o Credor Reclamante pois foi o único a aceitar expressamente a proposta pelo facto de ter sido notificado explicitamente para esse efeito (Referência Citius n.º 44543561).
xvi. Note-se, para que o bem imóvel pudesse ser vendido por um valor inferior àquele fixado pelo Tribunal em Janeiro de 2018, uma das seguintes situações deveria ter sido verificada: um acordo entre todos os interessados nesse sentido ou uma autorização judicial.
xvii. Não se tendo verificado nenhum acordo, seria não só necessária como obrigatória uma autorização judicial que expressamente estabelecesse uma redução do valor base do imóvel e que, consequentemente, permitisse ao Tribunal a quo a aceitação da proposta em causa.
xviii. Ressalva-se que a Apelante tem sido prejudicada de várias formas: a duração da penhora aproxima dos 3 (três) anos; o valor do imóvel já foi reduzido em €68.000,00 (sessenta e oito mil euros); e este apresenta ainda um nível de deterioração elevadíssimo, que em nada beneficia a potencialidade da venda.
xix. Desta feita, a Apelante não concorda nem aceita a proposta feita, porquanto não existiu nenhum acordo entre todos os intervenientes sobre a mesma, não existiu nenhuma autorização judicial a estabelecer um valor do imóvel inferior ao estipulado, nem um despacho judicial a aceitar expressamente a proposta e adjudicando, consequentemente o imóvel ao proponente comprador.
xx. Pretende a Apelante que a proposta em causa não seja considerada por não respeitar o valor estipulado em Janeiro de 2018 e por inexistir qualquer pronúncia e fixação de um valor distinto e inferior ao anterior por parte do Tribunal.
xxi. De salientar que qualquer outra solução terá um efeito perverso, implicando que a Apelante mantenha uma dívida elevada ao Exequente e Credor Reclamante, considerando a manutenção da contabilização de juros sobre a totalidade da dívida, e que poderia cifrar-se em valor inferior mediante a venda do imóvel pelo valor correto e anteriormente fixado.
xxii. Cabe recurso do despacho do Tribunal a quo porquanto o mesmo contende o princípio do contraditório, conforme estipulado no artigo 630.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
xxiii. E, por estar em causa um ato que, como sucedeu, poderia influenciar o resultado final, constitui uma nulidade nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
xxiv. No âmbito do processo executivo, a satisfação do crédito do Exequente ou do Credor Reclamante, titulado sobre o Executado, pode ser alcançada mediante uma das vias previstas no artigo 795.º do Código de Processo Civil.
xxv. Conforme explanado nos factos, a venda do imóvel in casu iniciou-se com a modalidade de propostas em carta fechada, ao abrigo do artigo 816.º do Código de Processo Civil, e posteriormente designou-se uma data para a abertura das propostas, que deveriam corresponder a um valor mínimo de €127.500,00 (cento e vinte e sete mil e quinhentos euros), a saber, 85% do valor base, conforme o disposto no artigo 816.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
xxvi. No entanto, por ausência de propostas, a venda frustrou-se na modalidade referida e, consequentemente, seguiu para negociação particular.
xxvii. Diferentemente, apesar de não se aplica um montante mínimo à venda, persiste a obrigação de ser fixado um valor base para a mesma.
xxviii. Neste sentido, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19-04-2019, Processo n.º 1033/11.7T2SNT-B.L1-1, confirmando que “Como aludem Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC. Anotado, vol.3º, Coimbra Editora, em anotação ao artigo 905º do CPC., cujo texto se reproduz no actual art. 833º , «Se o valor base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior.” (sublinhado nosso).
xxix. Concluindo igualmente o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, referente ao Processo n.º 7867/11.5TBSTB-B.E1, de 08-03-2018, que “(…)a venda por negociação particular dos bens penhorados pode ser validamente efectuada por valor inferior ao valor base do bem desde que: i) haja acordo de todos os interessados; ou ii) caso tal não ocorra, exista um despacho judicial que pondere as circunstâncias pelas quais apenas foi obtido um valor inferior ao inicialmente fixado, e decida se, em face das mesmas, é de autorizar a venda pelo valor proposto, assim assegurando a defesa de todos os interesses em presença.” (sublinhado nosso).
xxx. Analisando todos os factos, e verificando todos os atos processuais realizados no âmbito dos presentes autos, em momento algum existe um despacho analisando toda a situação processual e todos os fatores que possam, de algum modo, influenciar a venda do imóvel penhorado,
xxxi. Verificando-se igualmente a inexistência de uma autorização judicial que expressamente determine a redução do valor estipulado e que, consequentemente, fundamente e permita a venda in casu.
xxxii. Decorre do artigo 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que quando um ato não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida seja praticado ou quando um ato que é imposto por essa mesma tramitação seja omitido, estamos na presença de uma nulidade processual.
xxxiii. No presente processo, a autorização judicial supra mencionada e prescrita no artigo 833.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, foi omitida, tal como o despacho que aceita e adjudica o bem imóvel ao proponente comprador xxxiv. O que impossibilitou as partes de exercer o respetivo contraditório previsto no artigo 3.º do Código de Processo Civil,
xxxv. O que configura uma nulidade processual porquanto influiu quer o exame quer a decisão da presente causa.
xxxvi. Por estes motivos, o despacho que ordena a formalização da venda deverá ser declarado nulo, bem como os termos subsequentes que dele dependam absolutamente, nos termos do artigo 195.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

Nestes termos,
Nos melhores de Direito que V/ Exas. doutamente suprirão,
Deve ser julgado o presente recurso totalmente procedente por provado e, em consequência:
- Deverá reconhecer-se a existência de nulidade processual ao abrigo do artigo 195.º do Código de Processo Civil, o que importa a declaração de nulidade dos atos posteriormente praticados ao despacho recorrido;
- Deverá ser determina a remessa dos autos à 1.ª instância com vista à prolação de nova decisão e do ato omitido, em função de todo o explanado, ordenando-se o prosseguimento dos autos de acordo com a tramitação que se impuser.
*
O Apelado não apresentou contra-alegações.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questãos decidenda é, no caso, a seguinte:

- Analisar da legalidade da venda efectuada por preço inferior ao da avaliação, designadamente, por eventual violação do princípio do contraditório e por falta de acordo de todos os interessados.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.

Além do que consta do relatório da presente decisão e com relevância para a decisão da causa, da decisão recorrida constam, designadamente, os seguintes fundamentos de facto e de direito:

(…)
A arguição da nulidade ao abrigo do disposto no artigo 195º CPC é manifestamente extemporânea, pelo que vai indeferida face ao disposto nos artigos 149º, nº1 e 199º, nº1, 2ª parte do CPC, considerando-se o seguinte:
- apresentação da proposta admitida em 17/9, notificada à ora requerente e executada em 26/9, nada tendo sido dito por esta;
- despacho de 18/10 (que determina a notificação do credor reclamante para se pronunciar sobre a proposta apresentada, com a cominação de aceitação em caso de silêncio), notificado à ora executado requerente em 18/10;
- requerimento do credor reclamante expressamente declarando que aceita de 4/11, notificado à executada ora requerente;
- despacho a aceitar a proposta, determinando a sua formalização em 26/11, notificado à executada ora requerente em 29/11.
(…)
Fundamentação de direito.

Como fundamento da sua pretensão recursória a Recorrente alega, em síntese, que a 22 de Dezembro de 2017, foi dado conhecimento ao Tribunal, pelo encarregado de venda, do estado de abandono e não conservação do imóvel, o que consequentemente se traduziria numa “evidente desvalorização relativamente ao valor apresentada para venda.”

Face a esta informação, e já em Janeiro de 2018, a Apelante foi notificada quanto à realização de uma avaliação pericial ao imóvel, de modo a apurar o seu valor de mercado, e tendo a mesma determinado que o P.V.T. (Presumível Valor de Transacção) do imóvel seria de 82.000,00, o Tribunal a quo fixou este valor como o novo valor base para a venda do imóvel.

Posteriormente, surgiu uma proposta de venda no valor de € 46.000,00 (quarenta e seis mil euros), proposta esta não aceite pelo credor reclamante, justificando esta recusa com base numa nova avaliação que o mesmo realizara e que determinava o valor do imóvel em € 55.600,00 (cinquenta e cinco mil e seiscentos euros).

Foi a Apelante notificada desta última proposta a 06 de Setembro de 2019, sendo que, a 26 de Setembro de 2019, foi a notificada a Apelante de uma proposta apresentada no valor de € 55.600,00 (cinquenta e cinco mil e seiscentos euros), notificação essa que, contudo, não a advertiu para, querendo, se opor e exercer o seu direito ao contraditório, conforme disposto no artigo 3.º do Código de Processo Civil, nem para o facto de o seu silêncio ser considerado como anuência quanto à proposta feita.

Ora, não obstante esta omissão, e como se constata pelo despacho com a Referência Citius n.º 44744565, o Tribunal ordenou a efectivação e formalização da venda nos moldes da proposta apresentada, sendo que, aquando do último despacho mencionado, não existia qualquer adjudicação do imóvel ao proponente comprador, nem tampouco a aceitação da venda do imóvel por parte do Tribunal e das partes envolvidas por um valor inferior ao valor base estabelecido,

Mais alega que para que o bem imóvel pudesse ser vendido por um valor inferior àquele fixado pelo Tribunal em Janeiro de 2018, uma das seguintes situações deveria ter sido verificada: um acordo entre todos os interessados nesse sentido ou uma autorização judicial.

Ora na presente situação não se verificou nenhum acordo, pelo que seria não só necessária como obrigatória uma autorização judicial que expressamente estabelecesse uma redução do valor base do imóvel e que, consequentemente, permitisse ao Tribunal a quo a aceitação da proposta em causa.

Desta feita, a Apelante não concorda nem aceita a proposta feita, porquanto não existiu nenhum acordo entre todos os intervenientes sobre a mesma, não existiu nenhuma autorização judicial a estabelecer um valor do imóvel inferior ao estipulado, nem um despacho judicial a aceitar expressamente a proposta e adjudicando, consequentemente o imóvel ao proponente comprador.

Assim sendo, e porque o Credor Reclamante foi o único a aceitar expressamente a proposta pelo facto de ter sido notificado explicitamente para esse efeito, pretende a Apelante que a proposta em causa não seja considerada por não respeitar o valor estipulado em Janeiro de 2018 e por inexistir qualquer pronúncia e fixação de um valor distinto e inferior ao anterior por parte do Tribunal.

Verifica-se, assim, em seu entender, a omissão de um acto, consistente aa ausência de notificação com a expressa advertência para, querendo, se opor à venda, ou então de que o seu silêncio seria considerado como anuência quanto à proposta feita, exercendo o seu direito ao contraditório que, como sucedeu, poderia influenciar o resultado final, e que, por isso, constitui uma nulidade nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Conclui, assim, a Recorrente, a sua pretensão recursória pedindo, designadamente, que “deverá reconhecer-se a existência de nulidade processual ao abrigo do artigo 195.º do Código de Processo Civil, o que importa a declaração de nulidade dos actos posteriormente praticados ao despacho recorrido”, pelo será esta a questão que constitui o verdadeiro objecto da presente apelação.

Sem embargo da plena consciência que temos de que o objecto da presente apelação consistir numa alegada omissão de acto processual relevante gerador de uma alegada nulidade, entendemos por conveniente tecer algumas considerações sobre a substancia das questões conexas ou subjacentes a essa alegada omissão.

Assim, e desde logo, face à factualidade demonstrada, cumprirá questionar se de facto houve ou não uma violação do princípio do contraditório, e bem assim, se terá ou não havido uma venda ilegal por falta de acordo de todos os interessados ou de autorização judicial, como pretende a Recorrente.

Como é consabido, o princípio do contraditório é hoje entendido “como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirectamente, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”. (1)

Logo, por decorrência do princípio do contraditório, entendido, não no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, mas no sentido positivo, de direito de participar activamente no desenvolvimento e no êxito do processo, como necessária consequência resulta que qualquer das partes tenha sempre de ser notificada de quaisquer actos relevantes a praticar no processo e, designadamente, daqueles cuja prática dependem da sua anuência, como sucede com a venda judicial por valor inferior ao valor base do bem fixado para a venda, que, para ser validamente efectuada necessita que haja acordo de todos os interessados, ou , caso tal não ocorra, que exista um despacho judicial que pondere as circunstâncias pelas quais apenas foi obtido pelo encarregado da venda um valor inferior ao inicialmente fixado, e decida se, em face das mesmas, é de autorizar a venda pelo valor proposto, assim assegurando a defesa de todos os interesses em presença.

Assim, por decorrência desta acepção do princípio do contraditório, como necessária consequência resulta que qualquer das partes tenha sempre de ser notificada de todos os actos desta natureza, seja qual for o entendimento que o tribunal possa ter sobre a sua relevância, ou seja, tal notificação não deve apenas ser efectuada nas situações em que, no seu citério, o tribunal as considere ou lhes venha a conferir relevância.

Ora, considerado o exposto, temos que, na situação vertente a Recorrente foi notificada em 26/09/2019, “da junção da proposta apresentada por S. R. em 17/09/2019, de que se junta cópia”, no valor de 55.600,00 €, sendo seu entendimento que terá existido uma nulidade porque não foi notificada para, querendo, se opor e dessa forma aplicar o principio do contraditório, conforme dispõe o artigo 3º do C.P.C., com a cominação de nada dizendo considerar-se o seu acordo por prestado.

Ora, salvo o muito e devido respeito, a notificação efectuada não poderia ter sido interpretada com outro sentido que não fosse o de que se pretendia que a Recorrente se pronunciasse no sentido que entendesse sobre a proposta efectuada, rejeitando-a ou a ela anuindo, sem possibilidade de uma qualquer outra terceira via ou sentido.

E assim sendo, mesmo sem cominação, parece-nos incontornável que, nos termos do artº. 217.º do CC existiu aceitação tácita, pois que o silêncio aqui só pode valer como aceitação, já que por força dos usos em matéria de notificações judiciais, tal significação do silêncio como concordância, é usual (art.º 217.º do CC).

Como refere Manuel de Andrade, para que haja uma declaração tácita o que deve verificar-se é “aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões”, prevalecendo aqui um critério prático, social, e não rigorosamente lógico ou formal (2), pelo que, bem sabendo a Recorrente que a notificação efectuada não poderia ter outro sentido que não fosse o de que se pretendia que ela se pronunciasse no sentido que entendesse sobre a proposta efectuada, rejeitando-a ou a ela anuindo, sem possibilidade de uma qualquer terceira via ou sentido interpretativo, dúvidas não podem restar de que se não adoptou um comportamento activo, opondo-se, é porque com ela concordou ou, pelo menos, dela não discordou.

Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 13/11/2012, numa “razoável interpretação concatenada destes preceitos, importa concluir que a decisão-surpresa a que se reporta o artigo 3º, nº 3 do CPC, não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito nem com a expectativa que elas possam ter acalentado quanto à decisão quer de facto quer de direito.
A lei, ao referir-se à decisão-surpresa, não quis excluir delas as decisões que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas.
O que importa é que os termos da decisão, rectius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstractamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspectivado como sendo possível.
Ou seja, estaremos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito”. (3)

Como se escreve no acórdão da Relação de Évora, de 25.10.2012,”…tendo a sentença recorrida sido proferida em sede despacho saneador sem do facto ter sido dado conhecimento prévio às partes e ao invocar nela fundamento não alegado pelas partes, concluindo por uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, violou o disposto no artº 3º, nº 3 do CPC, constituindo a sentença recorrida uma decisão-surpresa”. (4)

E assim sendo, mais não resta do que concluir que a venda efectuada, tendo-o sido com conhecimento da Recorrente, não foi realizada contra qualquer expectativa criada ou sem o seu conhecimento prévio, pelo que não constitui uma decisão ou acto surpresa com a qual a Recorrente não pudesse contar e, por isso, em manifesta violação do princípio do contraditório.

Na verdade, tendo a Recorrente optado por nada dizer, bem sabendo qual era o alcance e objectivo da notificação que lhe foi efectuada, ou seja, tendo sido informada do conteúdo e intenção de alienação do imóvel pelo referido valor, e tendo-se a mesma remetido ao silêncio, não teria qualquer sentido e violaria as legítimas expectativas criadas e desprotegeria a confiança das restantes partes e do próprio tribunal, dar relevância a uma omissão de um acto absolutamente inócuo para a compreensão do sentido e objectivo da notificação que lhe foi feita.

E assim sendo, não se nos afigurando que tenha havido violação do princípio do contraditório, igualmente se nos afigura como incontornável não ter havido violação da regra sobre a obrigatoriedade de fixação do valor base dos bens, pois que, exceptuando-se desta regra os casos de acordo unânime entre o executado e os credores previstos no art. 832.º, al. a) e b), do nCPC, respeitante à venda por negociação particular, na presente situação, como se deixou dito, houve aceitação tácita, pois que o silêncio aqui só pode valer como aceitação, já que por força dos usos em matéria de notificações judiciais, tal significação do silêncio como concordância, é usual.

Mas incidindo agora, como supra se mencionou, sobre o verdadeiro sobre o objecto do recurso, ou seja, sobre a alegada omissão de um acto integrante de nulidade, não obstante tudo exposto sobre a substancia desse acto, cumpre agora conhecer deste aspecto do ponto de vista adjectivo.

Como é sabido, a arguição de nulidades processuais, em conformidade com o que se estipula no seu regime, deve, por regra, ser efectuada perante o tribunal onde são praticadas.

A nulidade processual ou de procedimento, por contraposição à nulidade de julgamento, verificar-se-á sempre que ocorra um afastamento entre o formalismo seguido no processo e aquele que se encontra previsto na lei, a que esta faça corresponder uma invalidação de actos processuais (5).

A nulidade, com excepção das principais, previstas nos arts. 186º a 194º do C.P.C., apenas se verificam em duas situações:

- Ou quando a lei expressamente o declare;
- Ou quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa, conforme dispõe o nº 1, do art. 195º, do C.P.C..

E como resulta do disposto nos arts. 196º, 2ª parte e 197º, nº 1 do C.P.C., a sua apreciação e julgamento depende da sua arguição por parte daquele que tiver interesse na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto, sendo que, como decorre do preceituado no art. 199, do mesmo diploma legal, a arguição de nulidade secundária é feita perante o tribunal onde a irregularidade foi cometida, podendo ser arguida no tribunal superior no caso de o processo ser expedido em recurso antes de findar o prazo para a parte a invocar.

E, assim sendo, como incontornável se impõe a conclusão de que a verificação de uma irregularidade processual, que possa influir no exame ou decisão da causa ou que a lei expressamente comine com a nulidade, terá de ser arguida segundo o seu próprio regime, não podendo, nunca – a não ser que o processo tenha de ser expedido em recurso antes do fim do prazo de arguição -, ser atacada por via de recurso.

Revertendo agora á análise da situação vertente, temos que a Recorrente veio arguir no presente recurso uma nulidade secundária, uma vez que se está perante invocação de uma irregularidade não expressamente prevista nos arts. 186º a 194º, do C.P.C..

Dúvidas não podem, pois, restar de que estamos perante a invocação de uma nulidade secundária, e, portanto, sujeita ao regime previsto no art. 195º do C.P.C.

Na verdade, sendo certo que o prazo para arguição da nulidade, que se iniciou no memento em que também se iniciou o prazo de interposição do recurso, ou seja, no da data da notificação da proposta em que, necessariamente, se consumou e o Recorrente tomou conhecimento da relevante omissão cometida, e está sujeita ao regime de arguição prescrito no art. 199º do C.P.C., incontornavelmente resulta que o prazo para a sua arguição (dez dias – arts. 149º e 199º, nº 1 do C.P.C.), terminou muito antes de o processo ser expedido em recurso.

Em decorrência do exposto, impõe-se concluir que a arguição da invocada nulidade não pode ser suscitada directamente a este tribunal (art. 119º, nº 3 do C.P.C.) nem pode ser invocada mediante recurso, estando assim este tribunal impedido de a apreciar.

Improcede, assim, a presente apelação.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelante.
Guimarães, 07/ 05/ 2020.

Relator: Jorge Alberto Martins Teixeira.
Adjuntos: Desembargador José Fernando Cardoso Amaral.
Desembargadora Helena Gomes de Melo.



1. Cfr. Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, págs. 7-8.
2. Cfr P. de Lima e A. Varela, C. Civil Anotado, anotação ao artigo 217, do C.C..
3. Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 13/11/2012, proferido no processo nº 572/11.4TBCND.C1, in www.dgsi.pt.
4. Cfr. Acórdão da Relação de Évora, de 25.10.2012 , in www.dgsi.pt.
5. Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 176.