Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
167/15.3GBBCL.G1
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
REDUÇÃO
SANÇÃO ACESSÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: Na determinação da pena acessória é necessário observar os critérios estabelecidos no artº 71º do CP, dando especial importância à prevenção especial, que visa a consciencialização e a socialização do arguido de molde a que futuramente paute as suas condutas de acordo com o prescrito pela lei. Por outro lado, a aplicação da pena acessória não tem de ser proporcional à pena principal, uma vez que os objectivos de política criminal são, também eles, distintos.
II) No caso em apreço, o quadro factual apurado, que dá conta de um arguido que apresentava uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,283 g/l e com dois antecedentes criminais ligados ao mesmo tipo de ilícito, tendo já sido alvo das respectivas penas acessórias de inibição de conduzir (a primeira, pelo período de 5 meses e a segunda, pelo período de 10 meses, fixada em 2012), justifica uma redução da sanção acessória aplicada, para os 12 meses.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
1. No âmbito dos presentes autos de Processo Sumário, após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença no dia 10.03.2015, na qual se decidiu condenar o arguido Manuel B. (melhor identificado nos autos) como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts 292º nº 1 e 69º nº 1 a) do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa à taxa diária de €5, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 15 meses.

2. Inconformado com o assim decidido apenas quanto à medida da pena acessória de proibição de conduzir, que considera excessiva, o arguido, em 89.04.2015 interpôs recurso (constante de fls. 47 a 52), retirando da correspondente motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
“1º A pena acessória de proibição de conduzir todos os veículos com motor pelo período de 15 (quinze) meses aplicada pelo Tribunal a quo ao ora Recorrente é excessiva e desproporcional.
2º A Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 69.º, 40.º e 71.º, n.º 1, todos do Código Penal.
3º Pelo que não podia o Tribunal a quo ter fixado a sanção acessória em 15 meses com vista a prevenir a perigosidade do Recorrente;
4º Ao decidir assim, a Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 69.º, n.º 1, alínea a) e 40.º, n.ºs 1 e 2, 71.º, n.º 1, todos do CP;
5º O Tribunal a quo ao determinar a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir a todos os veículos com motor pelo período de 15 (quinze) meses, não salvaguardou a reintegração do Recorrente na sociedade, como determinam os artigos 71.º, n.º 1, e 40.º, n.º 1, ambos do Código Penal;
6º Não ignoramos que o Recorrente sofreu no passado duas condenações por crime de igual natureza, tendo a última ocorrido em 2012, ou seja, há três anos atrás;
7º O arguido reconheceu ser padecer de um problema de alcoolismo, encontrando-se a fazer tratamento.
8º Mas também não podemos ignorar que, no caso sub iudice, o Recorrente apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,283 g/l, que, não correspondendo ao mínimo (1,2 g/l), encontra-se perto deste, o que induz a menores exigências de prevenção geral positiva;
9º Ainda se provou que o Recorrente encontra-se actualmente desempregado, auferindo 176,83€ mensais a título de RSI, é divorciado.
10º Assim, considera o Recorrente que é possível cumprir as finalidades das penas através da não aplicação da pena acessória de proibição de conduzir pelo período nunca superior a 10 meses.
11º Pelo que deve a Sentença recorrida na parte em que fixou a aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 15 meses ser revogada e substituída por outra que fixe a duração da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 meses, pois dessa forma ainda assim se poderá promover a reintegração profissional (e familiar) do Recorrente, e, bem assim, acautelar as finalidades da punição, pois constituirá sobejamente um sacrifício real para o Recorrente
Assim, revogando a decisão a decisão recorrida na parte em que aplicou ao Recorrente a pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 15 meses, substituindo por uma outra que aproxime aquela do mínimo legal, mas por período nunca superior a 10 meses, VS. EXAS. farão JUSTIÇA.”

3. O recurso foi admitido em 20.04.2015 (cfr. despacho de fls. 54).
4. O Ministério Público junto da primeira instância, a fls. 58 e 59, respondeu ao recurso, concluindo que ao mesmo deve ser negado provimento e confirmada a decisão recorrida.
5. Nesta Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta (a fls. 68 a 71) acompanhando a resposta da magistrada do Ministério Público de 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado improcedente.
6. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.
7. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
No caso vertente, vistas as conclusões do recurso a questão suscitada consiste apenas em saber se é excessiva a pena acessória aplicada na sentença recorrida.

Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
1. No dia 19 de Fevereiro de 2015, pelas 19h20m, na Rua da F., em C., Barcelos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-.., quando foi sujeito a fiscalização pela GNR.
2. Nas referidas circunstâncias, o arguido apresentava uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,283 g/l.
3. O arguido agiu livre, consciente e deliberadamente, com perfeito conhecimento de que não poderia conduzir após ter ingerido as bebidas alcoólicas e que era penalmente reprovável a condução, naquele estado, do veículo automóvel.
4. Apesar do exposto, quis o arguido levar a cabo a conduta acima descrita, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
5. O arguido encontra-se desempregado, auferindo €176,83 mensais a título de RSI.
6. O arguido vive em casa própria, suportando uma prestação semestral de €1050,00 para amortização de empréstimo concedido para a respectiva aquisição.
7. O arguido tem um filho menor, que vive com a mãe.
8. O arguido encontra-se a fazer desintoxicação por causa do álcool.
9. O arguido é reputado por pessoa amistosa e trabalhadora.
10. Por sentença de 26 de Março de 2008, transitada em julgado no dia 28 de Abril de 2008, o arguido foi condenado, pela prática em 26 de Fevereiro de 2008 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos do artigo 292º, n.º1, e 69º, n.º1, do Código Penal, na pena de 65 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 5 meses, entretanto extintas pelo cumprimento.
11. Por sentença de 24 de Outubro de 2008, transitada em julgado no dia 24 de Novembro de 2008, o arguido foi condenado, pela prática no dia 28 de Fevereiro de 2008 de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 348º, n.º2, do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, entretanto extinta pelo cumprimento.
12. Por sentença de 9 de Março de 2012, transitada em julgado no dia 17 de Abril de 2012, o arguido foi condenado, pela prática no dia 29 de Fevereiro de 2012 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos dos artigos 292º, n.º1, e 69º, n.º1, do Código Penal, na pena de 120 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor por 10 meses, entretanto extintas pelo cumprimento.”
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Apreciando:
Não vindo impugnada a matéria de facto, nem se descortinando (nem tendo sido invocados) quaisquer dos vícios a que aludem as alíneas do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal (ou seja não se detecta omissão relevante, contradição ou apreciação irrazoável, violadora das regras da experiência) nada impede que se mantenha por definitivamente assente a factualidade dada como provada na sentença recorrida.
E perante tal factualidade, tal como mencionado na sentença aquando da qualificação jurídica dos factos, a conduta do arguido integra a prática do mencionado crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por que vinha acusado, p. e p. pelos arts 292º nº 1 e 69º nº 1 a), ambos do Código Penal, decorrendo do primeiro normativo o estabelecimento da pena principal (prisão ou multa) e o segundo normativo a pena acessória pelo cometimento do crime tipificado naquele primeiro normativo.
Tal artigo 69º nº 1 a) do Código Penal, comina a condenação pelo prática (seja dolosa seja negligente) do crime previsto no artigo 292º (condução de veículo em estado de embriaguez) com a pena acessória de proibição de conduzir cuja moldura abstrata oscila entre um mínimo de 3 meses e um máximo de 3 anos.
Ao arguido foi aplicada a pena acessória de 15 meses, pena esta que o mesmo considera excessiva, pugnando que deverá ser fixada em período não seja superior a 10 meses.
Vejamos, pois.
Constituindo a condução de veículo motorizado em estado de embriaguez por si só grave violação do trânsito rodoviário (vd. Germano Marques da Silva, in “Crimes Rodoviários/Pena Acessória e Medidas de Segurança”, Universidade Católica Editora, pág. 64), daí que ao agente do crime p. e p. pelo artigo 292.º, do Código Penal, seja aplicável tal sanção, que foi o que sucedeu no caso vertente.
E reveste a sanção aplicada a natureza de pena acessória como directamente resulta do próprio normativo e decorre ainda da inserção sistemática do mesmo no capítulo III sob a epígrafe “Penas acessórias e efeitos das penas”.
Corresponde a uma necessidade de política criminal por motivos óbvios e consabidos que se prendem também com a elevada sinistralidade rodoviária, procurando tal pena acessória ter um efeito dissuasor com vista a evitar que os condutores ingiram elevadas quantidades de álcool que, quanto mais elevadas, mais afectam a capacidades de reacção e destreza perante situações imprevistas por diminuírem os reflexos e até provocarem alguma apatia e/ou sonolência ou, em certas pessoa, até um estado eufórico nada adequado ao cuidado atento que é exigível ao exercício da condução, por demais perigosa pela própria natureza de se tripular um objecto móvel (normalmente dotado de motor).
Porque se trata de uma pena, a determinação da medida concreta da sanção inibitória, há-de efectuar-se segundo os critérios orientadores gerais contidos no artigo 71.º do Código Penal, não olvidando que a sua finalidade (diferentemente da pena principal que tem em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade) reside na censura da perigosidade, embora a ela não seja estranha a finalidade de prevenção geral (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág.165). Trata-se de uma censura adicional pelo facto que ele praticou (cfr. acta n.º 8 da Comissão de Revisão do Código Penal).
Na determinação da pena acessória é necessário observar os critérios estabelecidos no art. 71° do Código Penal (vide Ac. Relação de Évora de 14.05.1996, CJ, ano de 1996, pág., 286), dando especial importância à prevenção especial, que visa a consciencialização e a socialização do arguido, de molde a que futuramente paute as condutas de acordo com o prescrito pela lei.
Por outro lado, a aplicação da pena acessória não tem de ser proporcional à pena principal, uma vez que os objectivos de política criminal são, também eles, distintos. O fim da pena acessória dirige-se especificamente à recuperação do comportamento estradal do condutor transviado, pelo que não tem de existir uma correspondência matemática e proporcional entre as penas, consideradas as respectivas molduras abstractas (vide Ac Relação do Porto de 20.05.1995, CJ, T4, pág. 229).
Entende o recorrente que o quantum da pena acessória de proibição de conduzir se revela exagerado, opinando que a mesma não deverá ultrapassar os 10 meses.
Assiste-lhe alguma razão, quanto à excessividade da pena que lhe foi aplicada pelo tribunal a quo, embora não ao ponto de se considerar ajustada a pena que o mesmo propõe.
É que, convirá não esquecer que na determinação desse quantum de pena acessória, por se estar perante um crime, as necessidades de prevenção geral e razões de eficácia do direito penal deverão ser mais acutilantes daquelas decorrentes da inibição prevista para as contra-ordenações relacionadas com a taxa de alcoolémica (sejam essas contra-ordenações graves ou muito graves). Por outro lado, também há que atender ao passado criminal do recorrente por forma a indagar se se tratou de um acto esporádico/isolado ou se outras situações semelhantes já haviam ocorrido.
No caso vertente, face à factualidade provada, temos que não é assim tão elevado o grau de ilicitude do facto, atenta a TAS apurada (1,283 g/l, já depois de ter sido, e bem, deduzido o erro máximo admissível), ou seja muito pouco acima do limiar mínimo considerado como crime (que como sabemos é de 1,20 g/l) e pouco mais de um terço superior ao mínimo da contra-ordenação muito grave por álcool - sendo o grau de culpa, na modalidade de dolo directo, de intensidade mais elevada.
Ao nível da prevenção, não podem ser olvidadas as mais que propaladas exigências de prevenção geral decorrentes dos elevados índices de sinistralidade rodoviária e o elevado número de processos que diariamente dão entrada nos tribunais por crimes deste tipo, apesar de tantas e tão repetidas campanhas de alerta para o perigo que o álcool contribui para a insegurança rodoviária.
É certo que da matéria de facto apurada resulta que o arguido é reputado como pessoa amistosa e trabalhadora. Por outro lado, tal como decorre da motivação da matéria de facto, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado.
Todavia, ao invés resulta que já tem dois antecedentes criminais ligados a este mesmo tipo de crime, tendo sido já alvo das respectivas penas acessórias de inibição de conduzir (a primeira, pelo período de 5 meses, fixada em 2008 e a segunda, pelo período de 10 meses, fixada em 2012).
Nesta medida, não obstante essas duas anteriores condenações, mas tendo bem presente a concreta taxa de álcool apresentada (1,283 g/l – que como dissemos roça o limiar mínimo para estarmos perante um conduta de índole criminosa) entendemos ter sido algo exagerada a medida da pena acessória de inibição aplicada, sendo mais ajustado e proporcional se fixada no período de 12 meses (e não 10 como pretendia a recorrente, nem 15 meses como tinha sido fixada na sentença recorrida).
Nesta confluência se julgará parcialmente procedente o recurso.
Ou seja, e em síntese, considera-se mais adequada, proporcional e equilibrada a condenação do recorrente na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 12 meses (em vez dos 15 que haviam sido fixados na sentença recorrida), assim se concluindo pela parcial procedência do recurso.

III – DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder parcial procedência ao recurso interposto pelo arguido quanto à pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor que agora se fixa pelo período de 12 meses (em vez dos 15 meses que haviam sido fixados pela primeira instância), mantendo-se, no mais, a sentença recorrida.
b) Sem custas (artigo 513º nº 1, a contrario sensu, do Código de Processo Penal).
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(Elaborado em computador e revisto pelo relator, 1º signatário - art. 94º nº 2 do Código de Processo Penal)
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Guimarães, 2 de Novembro de 2015

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(Luís Coimbra)

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(Maria Manuela Paupério)