Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1612/17.9T8VRL.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
CULPA DO SINISTRADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela Relatora):

I- A descaracterização do acidente de trabalho por negligência exclusiva e grosseira do sinistrado pressupõe a prova, por parte das entidades responsáveis, de factos que integrem um grau de culpa qualificada e que comprovem que esta foi o único factor causal do acidente (14º/1,b), NLAT, 342/2, CC)
II- A prova da causalidade exclusiva não exige a prova extrema de que mais nenhum outro facto concorreu para o acidente, mas a prova de factos suficientes que pela positiva a indiciem.
III- Pese embora se desconheça o motivo que levou o sinistrado à suspensão do abate de uma árvore após lhe provocar cortes na base e de se ter colocado no seu raio de queda, a descaracterização do acidente opera dada a conduta objectivamente violadora de regras elementares e face ao comportamento do sinistrado que, ouvido em audiência, não esclareceu a sua motivação, podendo fazê-lo.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

AUTOR: F. R., patrocinado pelo Ministério Público.
RÉS: C. & FILHOS, Lda. e X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

ACÇÃO – especial, emergente de acidente de trabalho, que prosseguiu para a fase contenciosa porque o autor considera que existiu violação das regras de segurança por parte da entidade empregadora. Esta rejeita a imputação, pese embora, no mais, aceite a existência de acidente de trabalho. Por sua vez, a seguradora não assumiu a responsabilidade por, entre o mais, entender que o acidente resultou de violação por parte do sinistrado das regras instituídas pela empregadora sobre segurança no trabalho.
PEDIDO: (i) seja a 1ª Ré/entidade empregadora condenada a pagar-lhe: o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de 730,32€; a título de indemnização por ITs a quantia de 4381,68€ (com dedução de 2753,73€, já pago a esse título); e a título de reembolso por despesas de deslocação (transportes e alimentação) a quantia de 75€; (ii) seja a 2ª Ré/entidade seguradora condenada a pagar-lhe: o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de 511,22€; a título de indemnização por ITs a quantia de 3067,17€ (com dedução de 2753,73€, já pago); a título de reembolso por despesas de deslocação (transportes e alimentação) a quantia de 75€; (iii) sejam ambas as rés condenadas nos juros moratórios.
CAUSA DE PEDIR: alega que em 6-03-2017, ao desempenhar a actividade de motosserrista, foi vítima de acidente de trabalho quando procedia ao corte/abate de pinheiros com uma motosserra. Um dos pinheiros, cujo tronco havia sido por si parcialmente cortado, abateu-se sobre o autor provocando-lhe lesões (e a morte de outro trabalhador). Suspendeu o corte que iniciara no tronco, passando a proceder ao corte de abate de outra árvore, porque nas proximidades e dentro do seu raio de queda, se encontrava outro trabalhador a operar uma máquina auto-carregadora, movimentando os toros cortados, visando, assim, prevenir a eventualidade de a árvore o vir a atingir. A árvore parcialmente cortada estava implantada em terreno descendente e inclinada para lado contrário daquela outra a cujo abate, ao lado, procedia. Sem que se previsse, assim, segundo a sua avaliação, que, a ocorrer queda, seguisse tal trajectória. O acidente deveu-se a violação de regras de segurança por parte da empregadora, porque esta: (i) não procedeu à avaliação dos riscos do respectivo posto de trabalho; (ii) não formou, nem informou o autor, nem os demais trabalhadores antes da prestação da actividade; (iii) não procedeu à inspecção prévia do local onde ocorreu o acidente, nem à planificação da tarefa de abate (de árvores) a realizar, nem definiu o correspectivo método de trabalho; (iv) não estabeleceu, nem incrementou uma organização da actividade a realizar de molde a assegurar aos trabalhadores condições de segurança e de prevenção em todos os aspectos do seu trabalho; (v) não tinha no local nenhum agente incumbido de supervisionar, orientar e fiscalizar a realização de tal actividade, em condições de segurança. Em suma, o autor não tinha conhecimento cabal das regras e procedimentos a adoptar, designadamente de que não deveria abandonar um corte de abate de árvore parcialmente realizado, tendo apenas recebido da empregadora uma orientação genérica de que deveria abater todas as árvores do lote. Que aliás a empregadora foi punida pelas contra-ordenações derivadas de falta de formação de trabalhadores sobre regras de saúde e segurança no trabalho e pela inexistência de uma avaliação de riscos por posto de trabalho e sua prevenção e ausência de planificação (15º/3, 20º/1, RJSST).
CONTESTAÇÃO DA RÉ SEGURADORA- o acidente deveu-se concomitantemente a: (i) a violação de regras de segurança instituídas pela empregadora e desrespeitadas pelo trabalhador (14º/1/a, NLAT) (ii) e a violação das regras de segurança pela própria empregadora. O autor sinistrado sabia e tinha consciência, porque lhe tinha sido transmitido pela empregadora e decorre das boas práticas e legis artis, que deveria sempre proceder ao corte total da árvore. E que, em circunstância alguma, não deveria deixar o corte a meio, abandonar a árvore e iniciar o corte de outras próximas, o que evitaria ser atingido pela árvore em que fez metade do corte. Ademais, trabalhava no raio de queda da árvore abandonada e seccionada, não tendo observado a distância de segurança que corresponde ao dobro da altura da arvore, no caso 50m, estando apenas a 12,50m da arvore, que acabou por cair sobre ele e outro trabalhador. Por sua vez a entidade empregadora não tinha no local do acidente qualquer técnico de segurança, não efetuou qualquer plano de acção e de tarefas, não deu formação, nem informação aos trabalhadores. Deve, assim, a seguradora ser absolvida. A considerar-se contrário deve apenas responder subsidiariamente, dado que a empregador violou regras de segurança. As indenizações por IT´s estão duplicadas quanto ao subsídio de férias e de natal.
CONTESTAÇÃO DA RÉ EMPREGADORA- aceita a ocorrência de um acidente de trabalho. Cumpriu todas as regras de segurança. O autor apenas tinha feito um corte de 5cm no tronco da árvore. O autor era trabalhador experiente, com 30 anos de actividade, conhecedor dos procedimentos que a ré transmite recorrentemente. No local encontrava-se um representante da ré a dirigir os trabalhos. Deve, assim, a ré ser absolvida do pedido.
No despacho saneador fixou-se a matéria assente e enunciou-se os temas de prova (al.s a) a d), os quais, em audiência de julgamento foram ampliadas em relação à seguinte factualidade: a alínea e) referente a despesas de deslocação do autor e, ainda, nos termos do artigo 72º/2 CPT, a alínea f) quanto à questão se " Ao momento em que ocorreu o participado acidente no local do mesmo fazia-se sentir rajadas de vento e se essas rajadas de vento já ocorriam ao início da actividade desse dia"; e a alínea g) quanto à questão se " O Autor ao suspender o procedimento de abate da arvore depois do corte nela efectuado, actuou de acordo com a sua experiência profissional na área em causa e confiando nessa mesma experiência".
Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): as rés foram absolvidas do pedido:

“Face ao exposto, tudo visto e ponderado, decide-se julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente acção especial emergente de acidente de trabalho que F. R., move contra as aqui demandadas "C. & FILHOS, Lda.” e “X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” e, em consequência, absolvem-se as demandadas dos pedidos formulados pelo autor/sinistrado.
Custas a cargo do autor/sinistrado – art. 527º, nºs. 1 e 2 do CPC -, sem prejuízo da isenção e/ou benefício de apoio judiciário de que beneficie.
Fixa-se à causa o valor de €12.811,85 – art. 120º, nº. 1 e 2 do Cod. Proc. Trabalho.”

RECURSO INTERPOSTO PELO AUTOR- CONCLUSÕES:

“1ª) A presente impugnação (visando, também, a reapreciação da prova gravada) tem como fundamento a verificação na sentença recorrida - que, estribando-se no disposto no artº, 14º, nº1, alínea b) da LAT, absolveu as Rés - de (i) erro de julgamento e, bem assim, de (ii) deficiente enquadramento jurídico da correspondente factualidade;
2ª) As partes coincidiram nos respectivos articulados na alegação de que o Autor/sinistrado efectuou um só corte (parcial) na árvore que veio a cair e o atingiu (cfr. fls 170/183, 207/220 e 223/225), não tendo os temas da prova sido objecto de ampliação tendente a apurar se, para além desse corte, aquele fez outros na mesma árvore (por forma a que tal matéria pudesse/possa ser atendivelmente adquirida para o processo /cfr. arts 5º, nº1 do CPCivil e 72º, nº1 do CPT
3ª) Acresce que nenhuma das Rés alegou, designadamente nas respectivas contestações, que a ocorrência do acidente de trabalho em causa se ficou a dever exclusivamente a acção do Autor/sinistrado (cfr. fls 207/220 e 223/225);
4ª) Sabido sendo que, de acordo com as regras do ónus probatório, a alegação e comprovação de factualidade excludente (impeditiva) do direito indemnizatório invocado pelo Autor/sinistrado, com base em actuação culposa/negligência grosseira do próprio, competiria, “in casu”, às Rés (cfr. artº 342º, nº 2 do C.Civil);
5ª) E que o afastamento dos efeitos reparatórios de infortúnio laboral fundado em negligência grosseira do sinistrado exige/requer a alegação e cabal demonstração pelas entidades responsáveis (i) da correspondente acção/conduta e, bem assim, (ii) de que a mesma constituiu causa única e exclusiva do acidente (cfr. arts 14º, nº1, alínea b) da LAT);
6ª) O acervo fáctico dado como provado na sentença recorrida, do qual consta que o Autor/sinistrado fez um único corte (parcial) na árvore que caiu e o veio a atingir, concretamente na respectiva base (cfr. factos provados 16º e 17º), não legitima, desde logo em face do não apuramento seja do diâmetro da base da árvore, seja da profundidade/extensão do sobredito corte, nem a qualificação da conduta daquele como grosseiramente negligente, nem a conclusão de que o acidente que o vitimou se ficou a dever, única e exclusivamente, a tal conduta;
7ª) Paralelamente, a circunstância de se ter – e bem – assentado que “ao momento em que ocorreu o participado acidente se fazia sentir vento forte, o que não ocorria aquando do início da actividade desse dia” (cfr. facto provado 25º), por si só ou conjugado com os no corpo alegatório, parte II, transcritos excertos dos depoimentos das testemunhas (i) M. P., prestado na audiência de julgamento de 08/01/2020 e registados no ficheiro áudio 20200108102227, de 3:45 a 3:58, 21:21 a 21:56, 22:03 a 22:11, 22:44 a 22:48, 22:53 a 22:58, 23:01 a 23:20 e 26:38 a 26:42, (ii) P. B., prestado na mesma sessão de audiência de julgamento e registados no ficheiro áudio 20200108145635, de 00:03 a 00:32, 00:36 a 01:13, 4:15 a 4:34 e 4:36 a 4:49, (iii) V. B., prestado na mesma sessão de audiência de julgamento e registados no ficheiro áudio 20200108151249, de 6:15 a 6:27, 6:32 a 7:15, 16:29-16:43, 20:08 a 21:19 e 23:35 a 24:40) e das (iv) declarações do Autor/sinistrado, prestadas nas audiências de julgamento de 21/01/2020 e 08/01/2020 e registados, respectivamente, nos ficheiros áudio 20200121144919, de 00:40 a 00:44, 01:12 a 01:17, 01:37 a 01:47, 01:49 a 02:03, 02:30 a 2:44, 7:28 a 7:35 e 8:01 a 8:05 e 20200108111738, de 8:40 a 8:43, 8:49-9:11 e de 9:40 a 9:47) - admitindo ou afirmando a relevância daquele elemento atmosférico como factor causal do derrube da supra referida árvore –, imporia/impõe, também, se desse/dê como provado que para a verificação de tal evento concorreu, pelo menos, o imprevisto surgimento no local daquele vento forte;
8ª) A par disso, os no corpo alegatório, parte III, A, transcritos e sinalizados excertos dos depoimentos prestados pelas testemunhas (i) M. P., registados no supra referido ficheiro áudio 20200108102227, de 10:48 a 10:53, 10:56 a 11:58 e 14:09 a 15:12 e (ii) V. B., registados no supra referido ficheiro áudio 20200108151249, de 3:03 a 3:09, 3:11 a 3:41, 12:17 a 12:34, 12:36 a 12:58 e 16:15 a 16:27 e das (iii) declarações/depoimento do Autor/sinistrado, prestadas na audiência de julgamento de 08/01/2020 e registados no ficheiro áudio 20200108111738, de 16:03 a 16:10, conjugados com a comprovada condenação administrativa da Ré/entidade empregadora pela prática das correspondentes infracções contraordenacionais (incluindo a referente à falta de avaliação prévia dos riscos) e o seu confessado e aceite desconhecimento da altura da árvore e da distância do seu alinhamento com as contíguas (cfr. arts 2º e 5º da respectiva contestação e fls 241), impunham/impõem o assentamento, também, de que aquela (Ré/entidade empregadora) (i) não promoveu a devida formação profissional do Autor/sinistrado e (ii) não estabeleceu, nem implementou uma organização da executada actividade, de molde a assegurar aos trabalhadores (e designadamente ao Autor/sinistrado) condições de segurança em todos os aspectos do seu trabalho e prevenir a ocorrência de acidentes;
9ª) Factualidade essa a que, na situação em apreço, se deveria/deverá atribuir relevância enquanto causa, concorrente, pelo menos, do acidente de trabalho em questão - com a consequente não integração da previsão normativa constante do cit. artº 14º, nº1, alínea b);
10ª) Acresce, por outro lado, que os no corpo alegatório, parte III, B transcritos e sinalizados excertos (i) do depoimento da testemunha V. B., registados nos ficheiros áudio 20200108151249, de 19:32 a 21:58, 22:26 a 22:38 e 22:44 a 23:14, 20200108154715, de 1:21 a 1:37, 1:57 a 2:38 e 2:40 a 3:19 e 20200108161758, de 2:37 a 4:13 e (ii) das declarações do Autor/sinistrado, registados no supra referido ficheiro áudio 20200121144919, de 00:18 a 1:03, 1:12 a 1:17, 27:33 a 28:15 e 29:37 a 29:49, impunham/impõem o assentamento da matéria questionada na alínea g) dos temas da prova (cfr. fls 247) – a saber, que ao suspender procedimento de abate da árvore depois do corte nela efectuado, actuou o Autor/sinistrado de acordo com a sua experiência profissional na área em causa e confiando nessa experiência;
11ª) Sendo certo que esse facto, por si só, constitui, também, óbice à operância/aplicabilidade da previsão excludente inscrita no artº 14º, nº1, alínea b) da LAT, porquanto afasta o preenchimento do título de imputação (negligência grosseira) nela para o efeito exigido/requerido (cfr. seu nº 3);
12ª) Assim, ao denegar, com base na ponderação de que o acidente de trabalho que reconhecidamente o vitimou se ficou a dever a negligência grosseira do próprio, a reparação acidentária devida ao Autor/sinistrado, incorreu o Sr. Juiz recorrido em erro de julgamento, bem como em desacertado enquadramento jurídico da matéria fáctica atendível e relevante para efeitos de formação da convicção do julgador, derivado de incorrecta interpretação das normas insertas no artº 14º, nºs 1, alínea b) e 3 da LAT (com a consequente desaplicação das demais que, naquele dip. legal, conferem ao sinistrado os correspondentes direitos ressarcitórios).
13ª) Em face do exposto, deverá proceder-se à revogação da sentença recorrida e à sua substituição por outra, condenatória, que, dando como (i) não provado que o acidente de trabalho que o vitimou proveio de conduta grosseiramente negligente do Autor/sinistrado e (ii) provada a atrás indicada matéria de facto, atribua àquele as prestações infortunísticas que, nos termos da LAT, lhe são devidas.”

CONTRA-ALEGAÇÕES DA RÉ SEGURADORA: a seguradora contra-alegou dizendo que o recurso se restringe à matéria de facto para, a partir daí, se defender que a acção deve ser procedente.
O recurso sobre a matéria de facto deve ser desatendido.
Em concreto quanto ao ponto referente ao “corte na árvore” contrapõe a recorrida: “O recorrente inicia as suas doutas alegações e conclusões …alegado que as partes coincidiram nos seus articulados que o Autor sinistrado fez apenas “um só corte” na árvore que veio a cair e o atingir. Porém, salvo o devido respeito, não descortinamos depois o que o autor pretende com tal alegação, se deve ser um facto erradamente provado ou não, e nesse caso quais os pontos ou factos provados da douta sentença que devem ser considerados não provados e a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Assim, salvo o devido respeito, o recorrente nas suas doutas alegações não deu cumprimento ao disposto nas al.a) e c) do art. 64O, n° 1 do CPC.”
Em concreto quanto ao ponto referente ao facto de os RR não terem alegado que o acidente se deveu exclusivamente à acção do sinistrado, o tribunal não está sujeito à alegação de direito das partes. Que alegou os factos que excluem a responsabilidade da ré seguradora e estes ficaram provados, até por confissão do autor conforme consta da súmula da acta, tendo o autor assumido que abandonou o corte da árvore não sabendo bem porque o fez, tendo conhecimento dos procedimentos adequados. Que o acidente se deu por culpa exclusiva do autor e não por especial habituação ao perigo ou excesso de confiança, pois que reconheceu que o não podia fazer, nem sabe porque o fez, não se devendo a qualquer fator externo.
Quanto ao ponto referente à concausa do acidente radicar nas condições atmosféricas (vento): diz que, além de tal matéria só ter sido aventada na audiência e nunca alegada, a mesma não tem qualquer consistência, nem ficou provada pelos depoimentos. A causa da queda radicou na extensão do corte feito pelo sinistrado que abrangia a quase totalidade do tronco, com excepção de 5 a 7 cm no meio que “esgaçou” e fez tombar a árvore. O que está bem documentado nas fotografias juntas na sessão de julgamento de 21.01.20, pela senhora inspectora M. P., que confirmou ser aquele o tronco e o corte na altura visualizado. Também V. B., sócio gerente da empregadora, confirmou que um vento normal nunca poderia derrubar uma árvore (“só se fosse um vendaval”) que pretensamente apenas tivesse um pequeno corte de 5/7cm como o autor, sem razão, aventa.
Mantendo-se inalterada a matéria de facto, o acidente está descaracterizado por existência de negligência, exclusiva e grosseira do sinistrado, sem interferência de culpa alheia ou de outra causa exterior.

CONTRA-ALEGAÇÕES DA RÉ EMPREGADORA - não contra-alegou.
Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1)):
1 – Impugnação da matéria de facto;
3 – Descaracterização do acidente de trabalho (14º da NLAT).

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS:

Na primeira instância foram julgados provados os seguintes factos:

1. O autor nasceu em - de Outubro de 1975.
2. Em Março de 2017, o autor prestava actividade de motosserrista, sob as ordens, direcção e fiscalização da co-ré C. & Filhos, Lda, sua entidade empregadora, sociedade constituída em 07/07/2000, com o objecto social de “serração de madeiras e materiais de construção”.
3. - No dia 06 de Março de 2017, pelas 8H10, em ..., Boticas, encontrando-se o autor em pleno exercício daquela actividade, a mando, ao serviço, no horário e local de trabalho destinados pela sua empregadora, ao proceder ao abate e desrame de árvores adultas (pinheiros) num lote (nº. ..) sito no perímetro florestal do ..., uma delas, cujo tronco já havia sido por si parcialmente cortado (com a motosserra), tombou, vindo a atingi-lo e a provocar-lhe lesões - rectificado o mês por se tratar de lapso manifesto de escrita.
4. O autor foi submetido a perícia médica no GML, que considerou:
a) consolidadas as lesões decorrentes do acidente com efeitos a partir de 19/09/2017, com uma IPP de 8%;
b) um período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho (ITA) entre 07/03/2017 e 03/08/2017; e
c) um período de incapacidade temporária parcial para o trabalho, com redução de 20% (ITP 20%) entre 04/08/2017 e 19/09/2017.
5. - A responsabilidade por acidentes de trabalho encontrava-se transferida pela co-ré/empregadora para a co-ré/empregadora, com referência à retribuição anual auferida pelo autor à data do acidente, no valor de €9.129,00 [(€557,00 x 14 meses) + (€5,50 x 22 dias x 11 meses a título de subsídio de alimentação)], através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º AT 221351117.
6. – Em sede de tentativa de conciliação, o autor concordou com a proposta de acordo do Ministério Público.
7. – Nessa diligência, a co-ré/empregadora aceitou:
i)a existência do acidente;
ii)a caracterização do acidente como de trabalho;
iii)o nexo causal entre o acidente e a lesão e entre a lesão e a incapacidade;
iv)a retribuição auferida pelo autor, no valor anual de €9.129,00 [€557,00 x 14 meses) + (€5,50 x 22 dias x 11 meses de subsídio de alimentação);
v)a IPP de 8,00% atribuída ao autor pelo perito médico do GML.
8. A co-ré/seguradora, nessa diligência, aceitou:
i)a existência de um contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice AT 22135117;
ii)a existência do acidente;
iii)o nexo causal entre o acidente e a lesão e entre a lesão e a incapacidade;
iv) a retribuição auferida pelo autor, no valor anual de €9.129,00 [€557,00 x 14 meses) + (€5,50 x 22 dias x 11 meses de subsídio de alimentação).
9. O autor recebeu da entidade seguradora a quantia global de €2.753,73, a título de indemnização por IT,s.
10. – O autor não vem recebendo qualquer quantia a título de pensões provisórias.
11. Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 3º, a árvore que atingiu o autor/sinistrado atingiu também o trabalhador J. R., a quem provocou lesões determinantes da sua morte, ocorrida no próprio dia.
12. A GNR de Botica tomou conta da ocorrência em questão, tendo elaborado o pertinente auto de notícia.
13. Na sequência do inquérito de acidente de trabalhado realizado pela ACT, esta entidade administrativa levantou contra a co-ré/empregadora os autos de notícia/contra-ordenação com os números 281700222 e 2817000223, por infracção às normas previstas no art. 20º, nº. 1 da Lei nº. 102/2009, de 10/09 e no art. 15º, nº.3 da mesma Lei nº. 102/2009.
14. No âmbito desses processos de contra-ordenação foi a co-ré/empregadora condenada, por decisão da ACT (Autoridade Para as Condições de Trabalho) – Centro Local do Douro, de 24/10/2017 de 24/10/2017, já tornada definitiva, da, nas penas parcelares de €800,00 e €3.500,00 e, em cúmulo jurídico, na coima única de €3.600,00, nos termos e com os fundamentos que constam de fls. 174 a 177, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. (pontos 1 a 14 já assentes no despacho saneador).
15. Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidos em 3º, o autor/sinistrado procedia ao corte de árvores adultas com outro trabalhador da ré/empregadora, de nome J. R..
16. Nessas mesmas circunstâncias (de tempo e de lugar), o autor/sinistrado, por razões não concretamente apuradas, suspendeu o corte que, com a motosserra, iniciara do tronco da árvore que o atingiu.
17. O autor/sinistrado, após ter feito o corte parcial da base dessa árvore (pinheiro), foi proceder ao abate de outras árvores- rectificado de acordo com o ponto II-B.
18. A árvore cujo corte o autor iniciara e que veio a atingir o autor e o outro trabalhador tinha cerca de 25 metros de altura.
19. O autor e o referido outro trabalhador da ré/empregadora, quando da queda da árvore, encontravam-se, na actividade de corte de outras árvores, a cerca de 12,50m de distância da base do respectivo tronco, não tendo nenhum deles se apercebido da sua queda.
20. O sócio da ré/empregadora, encarregue de supervisionar, orientar e fiscalizar a realização da tarefa de abate (de árvores) encontrava-se, a cerca de 100 a 200 metros do local, a acompanhar a mesma.
21. O autor exerce a actividade de motosserrista há cerca de 30 anos e tem mais de 15 anos de antiguidade ao serviço da ré/empregadora.
22. O autor tinha conhecimento das normas e procedimentos a adoptar para o abate de árvores, nomeadamente as de que não deve deixar um corte a meio e abandonar a árvore com esse corte, para ir cortar outras árvores.
23. O autor conhecia as normas e os procedimentos a observar, nomeadamente aquelas que lhe impunham não se manter, nessas circunstâncias, em actividade no raio de queda da árvore.
24. A ré/empregadora não procedeu ao relatório de avaliação dos riscos à actividade em causa, apenas o tendo feito em 10/03/2017, após a ocorrência do sinistro participado nos autos.
25. Ao momento que que ocorreu o participado acidente, fazia sentir vento forte, o que não ocorria aquando do início da actividade desse dia.
26. A queda da árvore referida em 15º, ocorreu por via dos cortes nela efectuados pelo autor/sinistrado.
27. O autor despendeu a quantia de €75,00, com deslocações (transportes e alimentação) ocasionadas pelo comparecimento a actos e diligências determinadas neste processo.

B) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

Previamente procedemos à rectificação do ponto provado nº 3, no que se refere ao mês de ocorrência (referindo-se erradamente julho) por se tratar de mero lapso de escrita. Onde consta julho passará a constar março, data unanimemente aceite pelas partes, referida em toda a documentação e concordante com a demais matéria provada.

Ponto de facto impugnado respeitante ao corte na árvore:

O primeiro ponto de facto de cuja prova o recorrente discorda respeita ao número de cortes que o sinistrado fez na árvore.
Embora das conclusões não decorra de forma clara a identificação do ponto de facto impugnado e da respectiva resposta alternativa proposta, com a ajuda das alegações percebe-se suficientemente que o autor defende que “efectuou um só corte (parcial) na árvore que veio a cair e o atingiu” (sic).
Assim, aparentemente, a discórdia incide sobre o ponto 26 da matéria provada onde se alude a vários cortes, chegando o recorrente a afirmar que se trata de um lapso, por confronto com os pontos provados nºs 17 e 18.
Invoca que as partes coincidiram nos respectivos articulados nessa alegação e que os temas da prova não foram objecto de ampliação tendente a apurar se, para além desse corte, aquele fez outros na mesma árvore, por forma a que tal matéria pudesse ser atendivelmente adquirida para o processo conforme arts 5º, nº1 do CPC e 72º, nº1 do CPT.

Estão, pois, em causa os pontos 17, 18 e 26 da matéria provada com a seguinte redacção:

17- O autor/sinistrado, após ter feito um corte na base dessa árvore (pinheiro), foi proceder ao abate de outras árvores.
18- A árvore cujo corte o autor iniciara e que veio a atingir o autor e o outro trabalhador tinha cerca de 25 metros de altura.
26- A queda da árvore referida em 15º, ocorreu por via dos cortes nela efectuados pelo autor/sinistrado.

Importa logo referir que esta matéria relativa à dinâmica do acidente e eventual actuação negligente do autor estava controvertida. Como tal, não fazia parte do acervo dos factos logo assentes no despacho saneador, por sobre eles não ter havido acordo, nem na tentativa de conciliação, nem nos articulados (131º/1/e, CPT). Aliás, também em coerência, as partes não reclamaram do despacho saneador, mormente da matéria assente. Assim, ao contrário do defendido, em lado algum foi aceite pelas partes, nem tão pouco ficou assente que foi feito somente um corte na árvore, pelo que, por esta perspectiva, o tribunal poderia apreciar tal questão.
Também não se vê motivo para que o tribunal tivesse de fazer uso do disposto no artigo 72º/1, CPT, ou no artigo 5º/1, CPC, porque nem estamos perante factos essenciais, nem, em boa verdade, factos não alegados.
No caso, o facto essencial – alegado - consiste no corte parcial da árvore efectuado pelo autor. Deixando a tarefa de abate inacabada e indo abater outras árvores. O corte parcial da árvore pode resultar de um só corte, ou de mais do que um corte. O que o autor alegou na petição foi uma actividade, um “fazer”, a acção de cortar parcialmente com a motosserra (no artigo 3º da p.i. (2)). Ora, “neste mais” que é o acção de corte parcial da árvore estão contidas várias possibilidades, incluindo os vários cortes.

Assim sendo, nada impedia que tal facto fosse objecto de prova e que fosse especificado na resposta dada, porque contido quer na matéria alegada, quer nos próprios temas de prova. Recorda-se que os temas de prova eram (citando os que ao caso interessam):

“a) Da dinâmica do participado acidente que vitimou o autor/sinistrado;…
d) Se o autor/sinistrado, na execução da tarefa/trabalho que estava a levar a efeito, por determinação da co-ré/empregadora, inobservou regras de segurança, procedimentos e orientações, que devia ter adoptado.

De resto, tal aspecto foi amplamente objecto de prova e discussão pelas partes, que sobre ele inquiriram as testemunhas, o autor e ré, sem restricções, com plena liberdade, como resulta da audição do julgamento.
Resta apenas analisar se a prova foi no sentido de o autor ter feito um só corte ou vários cortes como a motosserra, pese embora esta seja uma questão menor. O que importa, verdadeiramente, é se o corte, embora parcial, foi de molde a provocar o derrube da árvore.
O tribunal da relação deve modificar a decisão de facto se os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente – art. 662º do CPC. Não se trata de a prova possibilitar outra interpretação. A utilização do verbo “impor” aponta para um elevado grau de exigência. Assim, a decisão só deve ser alterada se sobressair de forma nítida, clara e inequívoca uma diferente valoração (reportando-nos agora à prova testemunhal).
Não é esse o caso dos autos.
Pese embora o autor pretendesse que só fez um pequeno corte de 5 cm na frente da árvore, negando ter feito o corte de trás (o chamado corte de abate), sobressaiu da sua audição um discurso parco, constrangido, comprometido, com pouca assertividade e convicção. Dizendo que “com o choque não se lembra de metade das coisas” e chegando ao ponto de insinuar, de modo inverosímil, que o corte de trás terá sido feito por outrem: “só se foi alguém quando vim embora”.
Já a senhora inspectora da ACT, M. P. , que se deslocou ao local no dia do acidente e elaborou o inquérito, fotografou a base do tronco, logo na altura identificado pelo sócio gerente e pelo manobrador da máquina, ainda na presença da GNR, sendo essa árvore a única que estava no local ainda por cortar em toros. As fotografias estão juntas aos autos a fls 87 e ss. Foram ainda juntas pela senhora inspetora outras a cores em audiência de julgamento em 8-01-20, fls 234. A testemunha referiu que a árvore apresenta dois cortes, com bem mais de metade do tronco serrada, apenas com a parte do meio em “pico”, não serrada, correspondente à parte que “esgaçou” com a queda.
Da visualização das fotografias resulta inequívoco que a base do tronco foi serrada por mais de uma vez (na frente e por trás), só não tendo sido no seu meio, a diminuta parte “esgaçada”. Aliás é bem visível a grande extensão da actividade de corte feito à volta e na base da árvore, que somente ficou com uma estreita parte do meio intacta, o qual veio depois a quebrar (“esgaçar”) e a atingir o autor e o outro trabalhador.
De resto, V. B., na altura sócio da ré empregadora e que no local dirigia os trabalhos, não obstante ter prestado um depoimento tendente a desvalorizar a gravidade do corte e da acção do sinistrado, após exibição da fotografia e questionamento insistente acabou por admitir que o corte” está quase até ao meio”.
Também L. B., gerente da ré que se deslocou ao local após o acidente (que não presenciou), confirmou em declarações que examinou a árvore no local. Declarou que “viu o corte”, que o autor “dum lado tirou-lhe a cunha e começou a fazer o corte do outro”, o “primeiro corte teria 22/23 cm” ou “mais ou menos 20 cm” e “tinha outro corte, o segundo, que ficou suspenso”. Precisou que a “parte intacta”, não serrada, que partiu, teria apenas cerca de 7/8 cm.

Será pertinente aqui introduzir o que se fez constar na sentença quanto a estas declarações:

“ L. B., empresário e gerente da empresa. Referiu, em declarações de parte, que quando chegou ao local já lá estava a GNR e viu a árvore que atingiu os trabalhadores e outras árvores no chão. Que a árvore em questão tinha um diâmetro de tronco no lugar de abate de cerca de 40cm e que com um corte de apenas 5 cm, só se fosse um “vendaval”. Que o corte feito na referida árvore tinha mais de 22cm e que com um corte dessa dimensão e muito vento havia o risco de cair. Que o autor entrou para a empresa em 2006/2007 e que já antes havia trabalhado na mesma profissão para o pai do depoente e tem muita experiência como motosserrista. Que também lhe foi dada formação no abate, até por si e pelo pai do depoente. Que antes do acidente tinha tido formação. Que houve planificação antes e no local de abate. O irmão do depoente (V. B.) era quem orientava o serviço e que a empresa cumpriu todas a regras. Que todos os trabalhadores conheciam essas regras, incluindo o seu irmão V. B. (que orientava) e eram frequentemente chamados à atenção para os riscos da actividade. Tinham equipamento individual adequado e foi feita a planificação do serviço a executar. Confrontado com a fotografai de fls. 87 (que corresponde à de fls. 239), referiu que a árvore tinha entre 20 a 30 metros de altura e um diâmetro de tronco junto ao chão de cerca de 40cm ou mais. Que o pinheiro com os cortes que se vêem nessa fotografia tinha que ser totalmente abatido e que o autor sabia disso, não sendo possível que um trabalhador deixe uma árvore por abater com esses cortes. Que o abate de uma árvore pode ser suspenso com apenas um corte e que, nessas condições, só com um temporal poderá vir a cair. Que o autor lhe disse que foi abater outras árvores e que se esqueceu daquela árvore. Que a parte da árvore que se vê partida (ao meio do tronco) é que tem 7 ou 8cm. Que o abate das árvores do lote em questão demorou cerca de 2 meses. Relativamente à avaliação dos riscos a cada momento, os trabalhadores sabem o que devem fazer. Que o estudo e avaliação de riscos é feita pela empresa e chegou a ser feita por uma entidade externa, mas já depois da ocorrência do sinistro. Que não tem dúvidas nenhumas de que a árvore que caiu tinha dois cortes e não apenas um e que, com esses cortes, não podia ser suspenso o seu abate.”

P. B., o operador de máquinas de recolher toros (e também filho do sócio da empresa, a testemunha V. B.), não se pronunciou sobre os cortes que a árvores apresentaria, diz que não viu o acidente, estava cerca de “100m, ou 50 m, não sabe bem…”, acorreu “com os gritos”, e diz que o autor não lhe disse nada ou deu explicações sobre o acidente. Foi um relato pouco claro e convincente sobre o ocorrido.
Assim sendo, o essencial da matéria provada está correcta, apenas carecendo de aperfeiçoamento a redacção do facto provado 17 onde se refere um corte quando deveria referir “o corte” (actividade de cortar), por corresponder à prova efectuada e assim ficar a concordar com a pluralidade de cortes mencionada no artigo 26.

Assim, será a seguinte a redação correta que fica a constar em lugar próprio:

17- O autor/sinistrado, após ter feito o corte parcial da base dessa árvore (pinheiro), foi proceder ao abate de outras árvores.
Ponto de facto respeitante ao vento enquanto concausa da queda da árvore (matéria aditada/ampliada em julgamento):

Ficou provado no artigo 25 da matéria assente:

25- Ao momento que que ocorreu o participado acidente, fazia sentir vento forte, o que não ocorria aquando do início da actividade desse dia.
Nada mais ficou provado. No enquadramento jurídico o senhor juiz a quo não deu relevância a este facto, enquanto concausa do acidente.
No recurso o autor sustenta que “imporia/impõe, também, se desse/dê como provado que para a verificação de tal evento concorreu, pelo menos, o imprevisto surgimento no local daquele vento forte”.
Invoca o depoimento M. P., de P. B., de V. B. e as declarações do autor/sinistrado.
Ora, ouvidos os referidos depoimentos e declarações não podemos deixar de concordar com o expendido na sentença no que se refere a apenas se ter provado, sem mais, que fazia vento, parecendo-nos, aliás, que o adjectivo “forte” foi provado com certa generosidade, no que não nos imiscuímos por força das regras de recurso que regem a actuação da Relação. No mais, concorda-se plenamente que não se tenha feito constar que o vento era de tal modo forte que naturalisticamente contribuísse para derrubar a arvore, que supostamente, na versão do autor, apresentaria um corte de apenas 5 cm (num pinheiro com 25m de altura).

E para essa convicção contribuíram, além do expendido na sentença, a seguinte ordem de ideias:
(i) nenhuma testemunha atribuiu, com um mínimo de seriedade, de convicção e de certeza, causalidade ao vento, ainda que parcial (enquanto fenómeno exterior naturalístico). Ou o caracterizou de molde a inferir a causalidade, designadamente referindo outras árvores ou vegetação que tombasse ou oscilasse violentamente pela sua acção, permitindo, na ausência de prova directa, o uso de uma eventual presunção judicial. Destacando-se dos depoimentos expressões vagas e duvidosas como “…às 8h e tal fazia um bocadinho de vento” (L. B.), “levantou-se um bocado de vento, se calhar pode ter sido isso…” (V. B.”. Também P. M., agente da GNR, pouco mais referiu do que “um bocadinho de vento”. O depoimento de P. B. (operador de máquinas e filho do sócio da empregadora), foi pouco convincente, chegando a afirmar que o autor nunca lhe deu qualquer explicação sobre o motivo pelo qual parou o corte e que nunca falaram sobre o caso, logo não se vê como possa opinar sobre causas do acidente. Do depoimento da senhora inspectora da ACT na essência resultou que a árvore tombou porque o abate da árvore não foi concluído, sendo violada uma regra básica de segurança, não confirmando a existência de causa ligada a condições atmosféricas;
(ii) as declarações do autor não foram valorizadas face à pouca credibilidade que mereceram neste aspecto (parco, evasivo, nada assertivo), pretendendo até ao fim do seu depoimento que apenas cortara 5cm da base do tronco (contra toda a evidência) e que talvez fosse o vento que a derrubara, apesar de não haver notícia de temporal, tornado, ou outro fenómeno atmosférico violento.
(iii) o facto de resultar fortemente da prova que a queda do pinheiro foi causada pelo corte que, embora parcial, era muito extenso, e dos dois lados do pinheiro (com cortes de entalhe e de abate), conforme aliás ficou provado no ponto 26. Repare-se que todas as testemunhas convergiram que teoricamente um pinheiro cortado dos dois lados, com uma extensão de cerca de 20 cm de um lado e outro corte do outro lado, deveria ser logo abatido e que o seu corte não poderia ser suspendo (vg L. B., V. B., M. P.), sendo que se provou que era esse precisamente o estado da árvore abatida;
(iv) ademais, não deixa de ser significativo que esta circunstância nunca tivesse sido alegado na petição inicial pelo autor, resultando de aditamento aos temas de prova feito em audiência. Quando um factor causal é importante, o normal é alega-lo logo. A ter ocorrido, o autor não o poderia desconhecer. Contudo, na petição inicial o autor centrou a sua narração no facto de a empregadora ter violado as regras de segurança não o informando dos procedimentos a seguir, não organizando o trabalho, e alegando ter suspendido o corte porque nas proximidades se encontrava uma máquina de recolha de toros (este último facto não provado e ora não impugnado).
Concorda-se assim com a análise feita na sentença para a qual se remete.
Improcede, pois, a impugnação.

Quanto aos pontos não provados:

Alínea f) da matéria não provada: de que a empregadora não promoveu a devida formação profissional do Autor/sinistrado;
Alínea i) da matéria não provada: Não estabeleceu, nem implementou uma organização da actividade, de molde a assegurar aos trabalhadores (e designadamente ao Autor/sinistrado) condições de segurança em todos os aspectos do seu trabalho e prevenir a ocorrência de acidentes;
É de referir que nesta matéria de incumprimento dos deveres de segurança e saúde no trabalho por parte da ré empregadora, deu-se apenas como provado que:
28. A ré/empregadora não procedeu ao relatório de avaliação dos riscos à actividade em causa, apenas o tendo feito em 10/03/2017, após a ocorrência do sinistro participado nos autos.
Ora, quanto a estes aspectos, a confissão do autor exarada em acta – nunca posta em causa-, bem como, de resto, todo o seu depoimento que ouvimos na íntegra, impede que outra seja a resposta. O autor, por várias vezes, a perguntas insistentes, provindas de vários interlocutores desde os senhores advogados ao senhor juiz, respondeu sempre que sabia que o corte das árvores deve ser feito até ao fim e não deixado a meio, que teve formação (informal) no trabalho, que lhe foram explicados os procedimentos a ter, incluindo sobre o abate e corte (de manhã, pelo “patrão”, que sabia as técnicas correctas de abate, que tinha consciência que tinha de operar fora do raio de árvore a ser abatida. Não foi capaz de explicar o motivo que levou à suspensão do corte do pinheiro, dizendo não se lembrar, apenas colocando hipótese “talvez outras árvores estorvassem…” e que, mais tarde, num segundo momento, quando já procedia ao corte de outras, “talvez se esquecesse”.

Assim, concorda-se na essência com a fundamentação da sentença sobre a prova quando refere:

No que respeita à matéria factual dada como provada nos pontos 15º a 26º, considerou o tribunal, desde logo, o depoimento e as declarações de parte do autor. No seu depoimento e nas suas declarações, o autor admite/confessa, por uma lado, a sua (longa) experiência na actividade de abate de árvores, bem como o facto de, nas circunstâncias em que ocorreu o sinistro, ter abandonado o pinheiro que veio abater-se sobre si e o seu companheiro de trabalho, depois de nele ter efectuado um corte, para ir cortar outras árvores (pinheiros) no mesmo lote e no raio de acção de queda do pinheiro que deixara por abater, confessando, ainda, ter pleno conhecimento (por via da sua experiência e formação ministrada) de que não poderia fazer uma e outra coisa (deixar por abater um árvores cujo corte iniciara e manter-se em actividade no seu raio de queda), tendo o feito por sua iniciativa, ou seja, sem que para tal tivesse recebido qualquer ordem ou orientação por parte da ré/empregadora nesse sentido…. …
Confirmou também, nesse seu depoimento e declarações, ter tido formação … Que não foi por causa da máquina que estava no local que não efectuou até final o abate desse pinheiro....
A longa experiência do autor na actividade de abate de árvores, como motosserrista e formação ministrada, foram também elas reafirmadas pelas testemunhas P. B., V. B. e L. B., tendo estas testemunhas também afirmado nos seus depoimentos que a actividade de abate de árvores (pinheiros) naquele lote já se havia iniciado há cerca de duas a três semanas e que antes do seu início foi feita uma visita ao local e planificado esse abate, tendo a testemunha V. B., responsável pela orientação dos trabalhos, referido que essa orientação era por si dada no início de cada dia de trabalho, encontrando-se no local ao momento da ocorrência do sinistro. Estes depoimentos e declarações foram determinantes para que o tribunal tivesse dado como provada essa factualidade e contribuíram, igualmente, para que o tribunal tenha respondido negativamente à factualidade vertida nas alíneas a) a l).”
De referir que P. M., agente da GNR, que se deslocou ao local e elaborou o auto de notícia não pôde confirmar, por não se recordar, se a máquina de recolha de toros que se encontrava por perto no local teve relação com a suspensão do corte da árvores, apenas se recordando que o “pinheiro estava com tendência para cair para um lado que eles não queriam…”.Logo do seu depoimento também não se recolhe prova sobre incumprimento de regras de segurança pela empregadora.
Improcede, assim, a impugnação.

Ponto de facto não provado da alínea g) dos temas da prova referente à confiança na experiência profissional (ponto aditado/ampliado em audiência de julgamento):

Defende o autor que esta alínea deve ficar provada.
É esta a redação que mereceu resposta não provada:
Ao suspender procedimento de abate da árvore depois do corte nela efectuado, actuou o Autor/sinistrado de acordo com a sua experiência profissional na área em causa e confiando nessa experiência”.
Ora, além de nenhuma testemunha ter confirmado esta realidade, desconhecendo o motivo pelo qual o corte foi suspenso, das declarações do próprio autor resulta o contrário, conforme acima dito. Recorda-se que este declarou que tinha inteiro conhecimento dos procedimentos, que não devia suspender o abate de árvores a meio, que era muito experiente, que nunca, até ali, “…fez isso”, que não se recorda do motivo pelo qual suspendeu o corte, apenas colocando hipóteses (usando recorrentemente a palavra “talvez”), nunca tomando posição, o que reiterou sucessivamente não obstante as diversas insistências durante o julgamento. Ora, este depoimento, conjugado com a falta de mais prova sobre o motivo pelo qual o autor, resolveu interromper o abate, obriga a dar resposta negativa à questão de saber se o autor actuou confiando na sua experiência. Porque nem ele próprio sabe porque actuou assim. Pelo menos assim o declarou. Colocou assim o tribunal numa obscuridade difícil de ultrapassar. Remete-se, portanto, no mais, sem maior necessidade, para a fundamentação da sentença.
É assim de indeferir a impugnação.

C) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente e já decididas as questões de prova, a questão de direito essencial que se coloca é a de saber se existe descaracterização do acidente por este: (i) provir de acto ou omissão do sinistrado que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) ou por o acidente decorrer exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado – artigo 14º da Lei 98/2009, de 04-09 (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, doravante NLAT, aplicável ao acidente dos autos por este ter ocorrido após a entrada em vigor (1-01-2010) do diploma.
No mais é pacífico entre as partes que o acidente de deu em contexto laboral e que dele resultaram lesões para o autor, não havendo que cuidar desses aspectos.
A descaracterização do acidente em função de atuação do trabalhador foi alegada pela ré seguradora na contestação. O seu fundamento jurídico seria a actuação negligente do trabalhador por violação das regras de segurança estabelecidas pelo empregador, previsto no artigo 14º/1/a), NLAT.
Segundo a ré, a omissão do sinistrado concorreria com a actuação culposa do empregador por falta de observação das regras de segurança e saúde no trabalho (não teria técnico no local a dirigir os trabalhos, não teria dado formação profissional e não teria planeado a actividade laboral).
As regras/procedimentos básicas infringidas pelo trabalhador seriam a de concluir sempre o abate de uma árvore cujo corte iniciara e, bem assim, de guardar sempre uma distância de segurança, correspondente ao dobro da altura da árvore que esteja a ser abatida, não se colocando no seu raio de acção.
Independentemente da alegação de direito, a matéria de facto narrada pela ré seguradora teoricamente poderia também enquadrar-se num caso de negligência grosseira do sinistrado por violação das regras técnicas do seu ofício, do seu saber e da sua experiência.
Na sentença recorrida, descaracterizou-se o acidente com base neste segundo fundamento previsto no artigo 14º/1, b (negligência grosseira), NLAT, considerando-se que o acidente proveio “exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado”. Em suma invoca-se que o autor teve uma acção altamente temerária e indesculpável ao deixar o corte da árvore inacabado e ao iniciar, imprudentemente, o corte de outras árvores no raio de queda da árvore semi-cortada. No enquadramento jurídico considera-se que o fez por sua iniciativa e sem que nada o justificasse. Considerou-se que não houve concorrência de outros factores. Considerou-se também que não houve contribuição culposa da ré empregadora dado que a única matéria provada quanto a inobservância pela empregadora de regras de segurança e saúde no trabalho respeita ao ponto 24 (falta de apresentação do relatório de avaliação de riscos) e este não teria nexo causal com o dano/acidente.
O autor recorrente insurge-se contra tal entendimento, defendendo que não há nem negligência grosseira, nem culpa exclusiva do sinistrado.
Invoca que não se provaram factos suficientes para se concluir nesse sentido face ao desconhecimento da extensão do corte e do diâmetro da árvore e que interferiram outros factores causais como o vento forte, a falta de formação do sinistrado, a falta de avaliação de riscos e de organização da actividade, indiciados pela condenação da ré em sede de contra-ordenação. Ademais, sempre a negligência resultaria de confiança na experiência profissional, o que impediria que opere a descaracterização do acidente (nº 3, 14º NLAT).

Passando a analisar:
Tirando os casos de dolo ou de privação do uso da razão por parte do sinistrado que ao caso não relevam, a descaracterização do acidente poderá ter dois fundamentos autónomos e distintos:

(i) a violação pelo sinistrado, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei que seja causadora do acidente - 14º/1, a), NLAT;
(ii) a negligência grosseira e exclusiva do sinistrado causadora do acidente- 14º/1, b), NLAT.
Os factos provados não permitem descaracterizar o acidente com base no fundamento jurídico invocado pela seguradora na contestação, a saber a violação por parte do sinistrado das condições de segurança estabelecidas pelo empregador (ou mesmo prevista na lei).
As condições de segurança estabelecidas pelo empregador referem-se a ordens expressas, a indicações, a avisos, a proibições acompanhadas de justificações sobre o perigo que a infração comporta, a medidas, a instruções que sejam claramente comunicadas ao trabalhador.
O cerne desta descaracterização resulta do entendimento legal de que a inobservância pelo sinistrado de regras de segurança claramente estipuladas e comunicadas pelo empregador (ou previstas na lei) encerram, em si mesmas, um acentuado grau de negligência, mais grave do que o simples incumprimento de um dever geral de cuidado. Trata-se do incumprimento de deveres específicos de diligência a que o trabalhar está obrigado, seja por força do dever geral de obediência a que se encontra adstrito pelo contrato de trabalho (128º/1, e), 2, CT, em vigor à data do acidente), seja por força do dever específico de cumprir as condições de segurança determinadas pelo empregador previstos na Lei 102/2009, de 10-09 (regime jurídico de promoção de segurança e saúde no trabalho).
Sem necessidade de muita fundamentação, alcança-se com facilidade que não consta do acervo dos factos provados que a empregadora tivesse dado ordens, indicações, ou instruções expressas e claras sobre o modo de abater as árvores.
Coisa diferente é de, não obstante essa falta de ordens e instruções, o sinistrado ter pleno conhecimento e longa experiência sobre o método seguro que devia observar. Nesse caso, como referido, a actuação do sinistrado terá de ser aferida pelo outro fundamento de descaracterização do acidente, a saber a negligência groseira e exclusiva na produção do acidente, podendo tratar-se de caso de incumprimento de uma obrigação genérica de cuidado, por violação de legis artis e de procedimentos técnicos.
Também não se alcança, nem foi alegada, regulamentação legal que o autor tivesse infringido.
Assim sendo, a descaracterização do acidente só poderá operar se os factos apurados integrarem o fundamento distinto consistente em o acidente “provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado”. Na sentença recorrida respondeu-se afirmativamente a esta questão.
Em geral a negligência consiste na omissão de um dever objectivo de cuidado ou de diligência aferido pelo padrão de um homem médio, que, segundo as características do caso, seria adequado a evitar a produção de um evento, que o agente seria capaz de adoptar e lhe seria exigível (487º CC).
O grau de negligência que se exige para a descaracterização do acidente de trabalho – grosseira - tem sido amplamente desenvolvido pela doutrina e jurisprudência, sendo pacífico que se reporta a faltas extremamente graves e indesculpáveis, imprudências chocantes ou temeridades inúteis, que, em face das circunstâncias concretas, nunca poderiam ser praticadas por um homem médio, o denominado bónus pater-familias.
Tal grau de qualificação afasta “…a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e contras” (Carlos Alegre, Acidentes de trabalho e doenças profissionais, 2ªe dição p. 62/3).
À necessidade de a negligência ser grosseira junta-se, para operar a descaracterização do acidente, a exigência de que o acidente tenha exclusivamente resultado daquela falta de diligência, sem o concurso de qualquer outro factor.
A prova destes factos, sendo impeditivos do direito à reparação (342º/2 CC), competem à entidade responsável pela reparação e que dela se quer eximir.
Volvendo aos autos verifica-se que grande parte do recurso se alicerçava na impugnação da matéria de facto e pressupunha o seu êxito.
Pretendia-se que se provasse que as condições atmosféricas relacionadas como o vento forte concorreram para a ocorrência do derrube da árvore. Relacionada com esta circunstância, pretendia-se que se provasse que o autor deu um único corte na árvore, daí se se inferindo/sugerindo que outros fatores pudessem ter contribuído para a sua queda.
Pretendia-se também que se provasse que houve negligência da empregadora decorrente do facto de não ter dado formação profissional e de não ter nem estabelecido, nem implementado uma organização da actividade de forma a prevenir os riscos (a par de não ter feito avaliação de riscos, facto já provado na sentença).
Toda esta matéria foi considerada improcedente pelas razões acima elencadas, o que se repercute negativamente no êxito do recurso.
Não se provou que o vento que se fazia sentir contribuísse causalmente para o acidente, pelo que a actuação do sinistrado não pode, por esta via, ser mitigada pela interferência deste hipotético factor externo. O mesmo aconteceu com o corte da árvore que se verificou estar parcialmente serrada pela motosserra em dois lados, de trás e na frente da base no tronco, com uma parte menor intacta no diâmetro do tronco.
O recurso também não obteve provimento sobre a restante matéria de facto, na reduzida parte em que foi impugnada, relativa a eventual concorrência de culpa da empregadora na ocorrência do acidente por inobservância de regras de segurança.
O único facto apurado nesta matéria e já constante na sentença é a falta de avaliação de risco por parte da ré, pela qual foi condenada em contra-ordenação, sem prejuízo de ter sido também condenada noutra contra-ordenação por não ter dado (formalmente) formação profissional, o que não foi relevado pelo tribunal a quo em termos de causalidade.
Efectivamente, o agravamento da responsabilidade por actuação culposa do empregador pressupõe a prova da: (i) existência de regras de segurança e saúde no trabalho a observar pelo empregador; (ii) a sua violação por parte do empregador (ou representante); (iii) e o nexo de causalidade entre a violação dessas normas e a produção do acidente (18º NLAT).
Adere-se à fundamentação da sentença quando refere que a esmagadora parte dos factos em que se sustentava a culpa da empregadora não resultaram provados em julgamento, com excepção da já referida falta de realização da avaliação de riscos (e da condenação por não prestação formal de formação profissional na segurança e saúde, acrescentamos nós, que não opera pelas razões abaixo elencadas). Concordando-se ainda quando se refere a falta de prova do nexo de causalidade entre o acidente e o incumprimento da obrigação geral a cargo da empregadora de proceder à avaliação dos riscos (15º/3, Lei 102/2009, 10-09) e de dar formação profissional (20º/1, da mesma lei).

É assim correto que se diga:
….resultou apenas provado que a ré/empregadora não tinha, ao momento do acidente, procedido ao relatório de avaliação de riscos inerentes à actividade de abate de árvores, o que apenas veio a fazê-lo em data posterior (cfr. ponto 22º dos factos provados).
A inexistência (formal) dessa avaliação constitui contra-ordenações ao disposto nos artºs. art. 15º, nº. 3 da Lei Nº. 102/2009, de 10/09, não se podendo, por si só, concluir que essa inobservância tenha sido a causa da ocorrência do acidente em questão, na medida em que, mesmo sem a ocorrência de qualquer acidente, se fosse constada pela entidade fiscalizadora, sempre seria objecto de instauração dos respectivo procedimento contra-ordenacional.
Para se estabelecer o nexo de causalidade relevante é necessário, em primeiro lugar, averiguar se entre inexistência dessa avaliação e a queda da árvore deixada por abater com o corte efectuado pelo autor, existe uma causalidade adequada e, em segundo lugar, se não ocorreu um facto (de terceiro ou do lesado) que, em concreto, a afastou.”….
O que nos remete para a causa do acidente.
Resulta da matéria que o acidente ocorreu em virtude dos cortes na árvore feitos pelo autor que provocaram o seu derrube, e do facto de o autor estar no seu raio de queda. Recorda-se que também aqui improcedeu o recurso sobre a matéria de facto na parte em que pretendia que se consignasse que só ocorreu um corte e que daí se inferiria a improbabilidade de o acidente apenas dele resultar, concorrendo outras causas.
Da factualidade decorre que foi a acção física do autor de abate parcial da árvore, na frente e atrás, com grande extensão como é visível nas fotografias, que levou a que a arvore tombasse e que atingisse o autor, ao cometer uma segunda imprudência de se manter no raio de queda a abater outras (estava 12m50cm).
Ficou também provado que o autor era sabedor do seu ofício e que, não obstante a condenação da ré por falta de formação (formal) profissional, tinha conhecimentos dos procedimentos correctos e era experiente, sabendo que não deveria deixar a meio o abate de uma árvore e que não deveria permanecer no seu raio de queda.
Assim, resultando provado ser possuidor de larga experiência e conhecedor das legis artis, dos procedimentos e cautelas a ter, fica anulada a relevância da condenação na contra-ordenação por falta de formação profissional, por ausência de causalidade entre a infracção e o acidente. Igualmente da simples prova da falta de avaliação de riscos no trabalho, desacompanhada de outra factualidade, não se consegue fazer a ligação em termos de causalidade, porque apenas se sabe que á árvore tomou pelos cortes e pela proximidade do autor.
Nesta parte competiria ao autor fazer a prova destes factos que alegou referentes ao concurso de outras causas na produção do acidente, como a desorganização do trabalho, o que não aconteceu, remetendo-se no mais para a sentença.
Levanta, ainda, o autor a questão de deficiente enquadramento jurídico porque os factos provados, só por si, e independentemente da alteração da matéria de facto, serão insuficientes para se concluir pela exclusividade da culpa grosseira do autor.
Não há dúvida que o acidente decorreu da falta de cumprimento de normas/procedimentos técnicas relativas ao abate de arvores, dos procedimentos e legis artis, que impõem que não se abandone uma arvore parcialmente cortada (incluindo, na parte de trás, corte de abate) e que não se coloque seu raio de queda, não guardando distância de segurança.
Ficou provado que a árvore estava parcialmente seccionada, tombando por causa dos cortes que apresentava na frente e por trás (o chamado corte de entalhe na frente e corte de abate por trás, pelo menos parcial). Foi o autor que provocou esses cortes na árvore. Ademais, o autor, com outro trabalhador, iniciou o abate de outras árvores nas proximidades, estando, aquando do acidente, a cerca de 12m e 50cm da base da primeira, dentro do raio desta, a qual se veio a abater sobre eles. A árvore seccionada tinha o porte de 25 metros.
A factualidade impressiona e aponta para forte negligência porque foram infringidas duas regras básica de segurança, a primeira ao não terminar o abate da árvore seccionada, a segunda quando se coloca no seu raio de queda. A árvore apresentava vários cortes (significativos) e era de grande porte. Sendo legítimo concluir por nítido risco de queda e que o abandono do corte será imprudência grande e que um homem médio a evitaria.
A lei exige que a negligência, além de grosseira, seja exclusiva, a aferir em concreto e na dinâmica do acidente.
Também sabemos que a prova da culpa grosseira do sinistrado e da sua exclusividade na produção do acidente compete ás entidades responsáveis pela reparação do acidente, no caso a seguradora (342º/2, CC). Esses requisitos deverão resultar dos factos que, com suficiência, estejam provados, isto é, pela positiva e em grau seguro.
Não se apurou o motivo pelo qual o autor suspendeu o abate, existindo uma completa omissão sobre a matéria do que levou à suspensão do corte do pinheiro. Provou-se nesta vertente, que “16- que Nessas mesmas circunstâncias (de tempo e de lugar), o autor/sinistrado, por razões não concretamente apuradas, suspendeu o corte que, com a motosserra, iniciara do tronco da árvore que o atingiu.”
Admitindo-se a estranheza de o autor, sem mais e somente por sua iniciativa, suspender o corte iniciado e ir-se dedicar a outros, supondo-se que estivesse na posse das suas faculdades normais, não existindo indícios de que assim não acontecesse. É um quadro fáctico algo atípico.
Mas a verdade processual (leia-se, factos) é a trazida para os autos. Houve, inclusive, aditamento a temas de prova, referente à questão do vento enquanto factor contributivo e à actuação do autor com base na sua confiança na experiência profissional. Da audição do julgamento decorre que foi permitido a todas as partes solicitarem, de forma livre e ampla, perguntas e esclarecimentos.
Ora, foi sobretudo o autor que, ouvido em depoimento e em declarações de parte, inviabilizou a compreensão do que esteve na base da sua actuação. Não respondendo, nem esclarecendo quando o podia fazer, remetendo-se nesta para a fundamentação de facto.
É certo que várias hipóteses se poderiam teoricamente colocar sobre a base na sua actuação, desde uma motivação mais censurável a outra menos censurável. Desde inaceitável desprezo por regras elementares, esquecimento incompreensível, obstáculos no terreno como máquinas ou outros devido a má organização da actividade de abate, cálculo errado da direcção de queda da árvore, percepção errada sobre a extensão do corte, excesso de confiança, etc…
A própria seguradora, na contestação, havia alegado a concorrência de culpa da empregadora, o que adensa e exige uma maior preocupação na busca daquilo que esteve por detrás da actuação do sinistrado, a fim de despistar eventual concorrência de causas e culpas.
Reconhece-se, assim, a importância de saber o motivo que subjaz a uma actuação infractora, por melhor permitir ao julgador graduar e valorar o grau de negligência e a exclusividade na produção do acidente, mormente em narrativas de facto parcas na dinâmica do acidente, conforme assinalado por jurisprudência dos tribunais superiores (3).

Mas, no caso dos autos, além de na condução do julgamento ter havido essa preocupação, há a particularidade de ter sido o autor que impediu que a sua conduta negligente, objectivamente indesculpável e de elevada temeridade, pudesse ser valorada de outro modo, menos negativo ou menos censurável. Prestando declarações sem que esclarecesse o motivo da sua actuação, não obstante ser ele o protagonista principal que melhor estaria em condições de o fazer.
Assim sendo, o facto de não se ter apurado a causa da sua actuação, duplamente infractora (suspende o corte e coloca-se nas proximidades da árvore), não lhe deve aproveitar. Porque a ele se deveu esse não apuramento, situação distinta daquela em que há uma total ausência de meios de prova, designadamente porque o sinistrado falece e/ou ninguém está em condições de esclarecer o acidente.
É verdade que o ónus da prova da culpa exclusiva e grosseira recai sobre a entidade responsável, o que implica a prova de factos que suficientemente a caracterizem enquanto tal. A extensão deste ónus deve ser entendida dentro do limite do razoável (4). Não abrange a amplitude extrema de que mais nenhum outro facto contribuiu.
Há um vazio probatório sobre o motivo que o levou a suspender o abate da árvore, mas sendo o próprio autor que impossibilitou o apuramento da sua motivação, na medida em que ninguém melhor do que ele se encontrava em condições de a tal responder.
Concluiu-se, assim que a ré seguradora fez a prova que lhe era exigível, dentro da amplitude razoável que no caso concreto se impõe.
No mais, o que se apurou, aponta objectivamente para conduta negligente e exclusiva do sinistrado, remetendo-se no mais para a sentença.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87º do CPT e 663º do CPC, acorda-se em julgar improcedente o recurso e manter a sentença proferida
Custas a cargo do autor, sem prejuízo da isenção de que goza (4º/1, h, RCP).
Notifique.
24-09-2020

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins

1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
2. Artigo 3º da p.i.:” No dia 06/03/2017, cerca da 8h10, em Torneiros, Boticas e quando o Autor/sinistrado se encontrava no pleno desempenho da sua sobredita actividade – a mando e ao serviço da 1ª Ré/entidade empregadora –, mais concretamente, quando procedia ao abate e desrame de árvores adultas (pinheiros) num lote (nº 11) sito no perímetro florestal do Barroso, uma delas, cujo tronco já havia sido por si parcialmente cortado (com a motosserra), tombou, vindo a atingi-lo e a provocar-lhe lesões”.
3. STJ de 6-07-2017, 10-11-2010, 7-05-2009, www.dgsi.pt.
4. AC RG de 7-03-2019, confirmado pelo Ac STJ de 3-07-2019, www.dgsi.pt.