Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2894/09.5TBVCT-A.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
DOAÇÃO
COLAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Salvaguardado o preceituado nos arts. 2110º, nº 2 e 2113º, nºs 1 e 3, ambos do Código Civil, está sujeito a colação tudo quanto o falecido tiver despendido gratuitamente em proveito dos descendentes.
II – Deve por isso ser relacionado no processo de inventário, o prédio que a falecida doou a dois dos seus filhos, ainda que um deles tenha registado a seu favor uma parcela desse prédio na sequência de escritura de justificação notarial.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de inventário, a que se procede por óbito de Rosa …, nos quais exerce as funções de cabeça-de-casal A… …, apresentou este a relação de bens certificada a fls. 65-66, da qual não foi apresentada qualquer reclamação pelos interessados.
Na conferência de interessados, o Ministério Público requereu que se procedesse à avaliação dos imóveis relacionados sob as verbas nºs 1 a 5, por os valores não se encontrarem actualizados e serem muito inferiores aos valores reais, o que não teve qualquer oposição por parte dos interessados presentes, tendo a Mm.ª Juíza ordenado que se procedesse à requerida avaliação.
Junto ao processo o relatório pericial, dele veio reclamar o cabeça-de-casal, requerendo que fosse efectuado um levantamento topográfico aos dois espaços físicos que constituem a verba nº 1 situados a norte e a sul, aos quais foi feita referência naquele relatório, e que fosse notificado o perito para indicar os valores relativamente às duas partes do imóvel em causa.
Foi ordenada a realização do levantamento topográfico ao imóvel em questão e, junto este ao processo, veio o interessado B… dizer que a avaliação do espaço físico “apenas é pertinente no sentido de esclarecer e retificar a área referente ao prédio doado ao interessado C… e reduzir ou aumentar, em conformidade, o valor da avaliação”, mas não já para a parcela onde ele e a mulher construíram uma casa de habitação, cuja área passou a integrar o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 555 e descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº …, a qual se autonomizou do prédio em virtude da escritura de justificação notarial realizada.
O cabeça-de-casal pronunciou-se pelo indeferimento daquele requerimento.
Foi junto ao processo relatório pericial rectificado, após o que foi proferido o seguinte despacho:
«Fls. 240-243, 259 a 262, 276-283, 287 a 290: Conforme resulta da cópia da escritura pública de “doação” outorgada no dia 17 de Maio de 1994, o prédio relacionado sob a verba nº 1 da relação de bens de fls. 80 e ss., foi doado pela inventariada Rosa … aos interessados B… e C…, em comum e partes iguais, por conta da quota disponível.
Invoca, agora, o interessado B… que aquele prédio se autonomizou em dois espaços físicos, sendo que já não interessa para efeitos de partilha o valor da parcela e respectiva área na qual o requerente construiu uma casa de habitação, pois tal parcela passou a integrar o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 555° e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° … da freguesia de Cardielos, deste concelho. Tal prédio está inscrito a favor do interessado e mulher por usucapião, conforme certidão de escritura de justificação que junta a fls. 248 a 252.
Cumpre apreciar e decidir:
No inventário é obrigatória a relacionação dos bens que o inventariado doou, desde que haja herdeiros legitimários, quer para efeitos da colação, quer com vista ao apuramento da inoficiosidade (art.°s 2104 e ss. do CC).
Assim, e contrariamente ao defendido pelo interessado B…, o prédio doado tem de ser todo ele relacionado nos autos de inventário, independentemente das vicissitudes que tenham ocorrido posteriormente.
Questão diferente é a questão das eventuais benfeitorias que nele tenham sido realizadas. Neste caso aplica-se o regime das benfeitorias realizadas por terceiro em prédio da herança, pelo que tratando-se de benfeitorias que não possam ser levantadas, descrevem-se como dívidas. De facto, as benfeitorias realizadas pelo donatário nos bens doados, têm de ser relacionadas, pois têm de ser avaliadas e descontadas no valor desses bens (neste sentido Lopes Cardoso, vol. 1., 4 edição, pág. 478).
O valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão (art.° 2109°, nº 1 do CC), e nesse valor não se compreende o das benfeitorias que o donatário nele fez à sua custa.
Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, indefere-se o requerido, quanto à pretensão de ser excluída do inventário a parcela que se autonomizou a partir do prédio identificado na verba n° 1 da relação de bens e que hoje constituí o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 555° e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° … da freguesia de Cardielos, deste concelho, isto sem prejuízo de vir a ordenar-se a apresentação de nova relação de bens em que se relacione, com as rectificações necessárias, o prédio descrito na verba n° 1 e as benfeitorias nele realizadas quer pelo interessado B…, quer pelo interessado C….
Custas do incidente pelo interessado B…, fixando-se a respectiva taxa de justiça em 2 uc’s (art.° 7, nº 4 do RCP por referência à tabela II anexa ao mesmo diploma).»
Inconformado com o assim decidido, veio o interessado B… interpor o presente recurso de apelação, encerrando a respectiva alegação com as seguintes conclusões[1]:
«1. Correm termos os presentes autos de inventário para partilha de bens, por morte da inventariada Rosa ….
2. Nomeado cabeça-de-casal, o interessado A… veio apresentar a relação de bens, nos termos da qual relacionou sob o n.º 1, alínea A) um imóvel doado pela inventariada ao interessado C…, por conta da quota disponível, nomeadamente “ o prédio urbano, composto de casa de habitação de rés do chão e primeiro andar, e logradouro, situado no lugar do Porto, freguesia de Cardielos, concelho de Viana do Castelo, a confrontar do Norte com D…, do Sul com E…, do Nascente com F… e do Ponte com caminho público, inscrito na matriz predial sob o art.º 67 urbano, descrito na C.R.P. de Viana do Castelo sob o n.º … – Cardielos”.
2. Com a relação de bens, o cabeça-de-casal juntou documentos, nomeadamente no que a este prédio concerne a cópia da caderneta predial e da certidão predial, donde consta que o art.º 67º (verba n.º 1 da relação de bens) tem uma superfície coberta de 97,01 m2, uma divisão com 64,25 m2 e um logradouro com 53,06 m2.
3. Confiando na relação de bens apresentada, o interessado Mário … não apresentou qualquer reclamação, dado ser verdadeiro que tal prédio havia sido doado por escritura de doação junta aos autos a seu irmão, também interessado, C….
3. Por douto despacho proferido pela Meritíssima Juíza a quo, foi determinada a realização de um relatório pericial para avaliação das verbas n.ºs 1 a 5 da relação de bens.
4. Em 04 de Setembro de 2011, foi o interessado B… notificado de um relatório pericial, donde constava, que, perante as informações prestadas pela mandatária do cabeça-de-casal, existiam dois espaços “separados fisicamente por um muro, em alvenaria de tijolo, areado e pintado e encimado por rede, em que o que se encontra a norte é constituído por uma moradia de rés-do-chão com cerca de 20 anos e com a superfície coberta de cerca 97,50 m2 e um logradouro com cerca de 22,50 m2, perfazendo uma área total de terreno de 120,00 m2, e a sul é composto por uma casa de dois pisos com mais de 70 anos e com a superfície coberta de 97,01 m2, uma dependência de 64,25 m2 de área e um logradouro”.
5. Mais disse o Sr. Perito no seu relatório, que de acordo com as medições e documentos juntos aos autos, as áreas do espaço localizado a norte (superfícies coberta de 97,50 m2 e descoberta de 22,50 m2) não devem estar incluídas na verba n.º 1 (artigo urbano 67º).
6. E até aqui, nada havia a reclamar por banda do interessado B….
7. Na sequência do relatório pericial, veio, em 14/09/2011, o cabeça-de-casal afirmar que as duas parcelas de terreno (a Norte e a Sul) faziam ambas parte do art.º 67º urbano e requerer ao tribunal que se procedesse a um levantamento topográfico para apurar com precisão “as áreas dos dois espaços físicos que dele fazem parte e que se mostram fisicamente separados por um muro”.
8. Tal foi-lhe deferido por despacho datado de 05/10/2011.
9. Elaborado o levantamento topográfico, foram delimitadas e medidas as áreas a norte a sul do muro aludido pelo Perito que elaborou o relatório pericial na avaliação da verba n.º 1 da relação de bens.
10. Ora, de facto, nada também havia o interessado B… requerer, já que tal importava para saber ao certo qual a área do bem imóvel doada ao interessado Américo, distinguindo-a da sua, que nunca foi relacionada (a parcela situada a norte e que tem artigo autónomo).
11. Por douto despacho proferido em 02/01/2012, foi designado o dia 08/03/2012, pelas 14:00 horas para a realização da conferência de interessados.
12. Por requerimento apresentado em 02/02/2012, veio o cabeça-de-casal reiterar o pedido anteriormente formulado, nomeadamente requerer a avaliação de ambas as parcelas de terreno (a norte a sul do art.º 67º urbano).
13. Em 08/03/2012, e na sequência daquele requerimento, a Meritíssima Juíza a quo proferiu despacho a dar sem efeito a conferência de interessados agendada e ordenado que o Sr. Perito complementasse o seu relatório com as avaliações das duas parcelas de terreno em crise.
14. Por requerimento apresentado em 22/03/2012, verificando que o cabeça-de-casal pretendia nos autos, de forma sub-reptícia, era incluir a parcela de terreno que é da propriedade do interessado B…, que nunca foi relacionado nos autos, veio o interessado B… dizer que lhe parecia ter havido lapso na determinação da avaliação dos dois espaços físicos que alegadamente compõem a verba n.º 1 (parte norte/parte sul), tendo em consideração as obras e benfeitorias realizadas em cada um dos espaços físicos, dado a mesma ser apenas pertinente a avaliação, no sentido de esclarecer e retificar a área referente ao prédio doado ao interessado C… e reduzir ou aumentar, em conformidade, o valor da avaliação.
15. Mais alegou o interessado B…, que já não interessaria para efeitos de partilhas neste inventário indicar o valor da parcela de 120m2 ou de 120,85m2 (nos termos do levantamento topográfico), porque sobre essa parcela construíram o interessado B… e mulher uma casa de habitação, e toda a sua área (que está para além do muro que a delimita do art.º 67º) passou a integrar o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 555º e descrito na Conservatória do Registo Predial respetiva sob o n.º … da freguesia de Cardielos deste Conselho e aí inscrito a favor dos mesmos interessados, que o adquiriram por usucapião, estando, pois, o artigo 555º urbano, pois, absolutamente fora deste inventário.
16. Para prova do alegado, juntou o interessado B… certidão da caderneta predial, certidão predial e certidão de escritura de justificação.
17. Pelo que a questão da propriedade da parcela de terreno a norte, se suscitada por algum interessado, teria de ser apreciada em sede própria e em ação autónoma, pelo que só revelaria a avaliação da área de terreno situada a sul do muro e que compõe o art.º 67º urbano.
18. Perante o requerimento do interessado B…, o cabeça-de-casal veio responder e dizer que a parcela de terreno do interessado B… faz parte do art.º 67º urbano relacionado sob a verba n.º 1 da relação de bens, e que, após a avaliação, iria apresentar nova relação de bens em conformidade, mas que, a cautela, requeria a retificação da relação de bens, por forma a dela passar a constar que o art.º 67º urbano foi doado a ambos os interessados B… e C… em comum e em partes iguais.
19. Em resposta, o interessado B… reiterou o conteúdo do requerimento por si anteriormente apresentado, mais dizendo que apenas poderá vir reclamar contra a relação de bens, quando o cabeça-de-casal apresentar nova relação de bens como anuncia e dela fazer passar a constar a sua parcela de terreno.
20. Em 21/08/2012, foi notificado o interessado B… do douto despacho proferido que decidiu sobre as questões levantadas por aquele, e que diz em suma não se excluir do inventário a parcela de terreno que se autonomizou a partir do prédio identificado na verba n.º 1 da relação de bens, sem prejuízo de apresentação de nova relação de bens em que se relacione, com as retificações necessárias, o prédio descrito na verba n.º 1 e as benfeitorias nele realizadas pelo interessado B… e pelo interessado C….
21. Ora, o interessado B… não concorda com o doutamente decidido, por duas ordens de razões,
22. A primeira é que, ao contrário do que vem referido no primeiro parágrafo do douto despacho, da relação de bens apenas consta que a verba n.º 1, artigo 67º urbano, foi doado por conta da quota disponível ao interessado C… e não ao interessado B…, e nela não se inclui, nem por descrição nem tal resulta das certidões matriciais e prediais para prova do alegado, a parcela de terreno dela desanexada e adquirida pelo interessado B… e mulher por usucapião (art.º 555º urbano).
23. Aquando da visita do Sr. Perito para elaboração do primeiro relatório pericial junto aos autos, confrontado a informação dada pela mandatária do cabeça-de-casal (de que haveria uma parcela a norte que também fazia parte do art.º 67º urbano), foi dito pela mandatária do cabeça-de-casal que a parcela a norte do muro que delimita o art.º 67º fazia parte daquele mesmo artigo – perante a informação colhida, nomeadamente documental, o Sr. Perito entendeu que essa parcela (localizada a norte) de terreno não fazia parte daquele mesmo artigo, e que até já havia sido desanexada do mesmo.
24. Por requerimento apresentado nos autos, sem no entanto o relacionar, veio o cabeça-de-casal dizer que o artigo 67º urbano havia sido também doado ao interessado B… e que, nessa sequência, autonomizaram-se duas parcelas de terreno distintas, sem nada invocar para além da doação.
25. O cabeça-de-casal continuou sem relacionar a parcela de terreno do interessado B… (art.º 555º urbano e registado a favor daquele nos termos da certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo).
26. Ora, ocorre uma impossibilidade legal ao pretender a Meritíssima Juíza a quo que esta parcela, que tem artigo matricial e predial autónomo, esteja incluída no art.º 67º urbano relacionado sob a verba n.º 1 da relação de bens – nem assim o cabeça-de-casal o relacionou.
27. Ora, se a parcela de terreno do interessado B… nunca foi relacionada, não pode a Meritíssima Juíza a quo, salvo o devido respeito, tomar posição e dizer que se indefere que o requerido, quanto à pretensão de ser excluída do inventário a parcela que se autonomizou a partir do prédio identificado na verba n.º 1 da relação de bens e que hoje constitui o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 555º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º … da freguesia de Cardielos, do mesmo concelho, já que não poderia ver-se excluído o que não está incluído na relação de bens.
28. E depois, porque nunca a mesma foi incluída na relação de bens (e continua sem o ser), nunca teve o interessado B… de reclamar contra a mesma, já que dela não consta, nem nunca constou, a parcela de terreno que se autonomizou, isto é, a parcela a norte do art.º 67º urbano, que é o artigo inscrito na matriz predial respetiva sob o art.º 555º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º …, da freguesia de Cardielos, registado a favor do interessado B… e mulher.
29. Por isso, ao indeferir a chamada de atenção do interessado B… para esse facto, está a laborar-se, salvo o devido respeito, num erro de raciocínio, até porque aquele não formulou nenhum pedido a não ser o da desnecessidade de avaliação da sua parcela de terreno, nos termos configurados pelo cabeça-de-casal aquando da apresentação da (única) relação de bens junta aos autos, pelo que o douto despacho proferido é nulo, nos termos do disposto no art.º 668º, n.º 1, alíneas d) e e) do CPC.
30. Assim, e antes de qualquer tomada de decisão deveria a Meritíssima Juíza a quo, ter ordenado que o cabeça-de-casal retificasse e apresentasse nova relação de bens aos autos, nos termos em que veio a posteriori tentar configurar, nomeadamente a relacionação do art.º 555º (parcela a norte do art.º 67º da verba n.º 1 da relação de bens), benfeitorias existentes e a doação ao interessado B…, por forma a que este pudesse, devidamente notificado, dela reclamar, e pedir ou não a exclusão da relação de bens da sua parcela de terreno, reclamar ou não contra a existência de benfeitorias, valores, ou outras questões que entenda que influem diretamente na partilha e apresentar a respetiva prova.
31. Só perante a relação de bens que desse a conhecer de forma cabal aos interessados os bens que estão em causa nos presentes autos, é que poderiam os interessados reclamar, apresentar prova e decidir a Meritíssima Juíza a quo em conformidade.
32. Pelo que não pode deixar-se, por estes motivos, de deixar de rever-se o douto despacho proferido, nomeadamente por ter violado o disposto nos art.ºs 1345º, 1348º, 1349º e 1352º do C.P.C, bem como é nulo, nos termos do disposto no art.º 668º, alíneas d) e e) do C.P.C..
33. A segunda ordem de razões de discordância com o douto despacho proferido prende-se com a decisão sobre a não exclusão do art.º 555º urbano na verba 1 da relação de bens.
34. É que, o cabeça-de-casal não relacionou a verba n.º 1 da relação de bens como tendo sido doada ao interessado B….
35. O que o cabeça-de-casal pretendeu, após a apresentação da relação de bens, foi “encaixar” a parcela de terreno inscrita na matriz predial respetiva sob o art.º 555º urbano no art.º 67º urbano, e que não constava da relação de bens.
36. Aquando da desanexação da parcela de terreno que veio a constituir o art.º 555º urbano, passaram a existir duas realidades físicas e jurídicas distintas, uma composta pelo art.º 67º urbano, outra pelo 555º urbano.
37. O art.º 555º urbano foi desanexado do art.º 67º urbano e foi adquirido pelo interessado B… e mulher, por usucapião, cfr. escritura de justificação junta aos autos.
38. Para que se aprecie da propriedade desta parcela de terreno, há que primeiro o cabeça-de-casal incluí-la na relação de bens, serem notificados os interessados, nomeadamente o B… para dela reclamar, ser notificado o cabeça-de-casal e demais interessados para responder, e depois há que ser apreciada pelo Tribunal a reclamação no que a esta questão concerne.
39. Não poderia, pois, a Meritíssima Juíza a quo pronunciar-se sobre esta questão antes de cumprido o formalismo processual próprio, nem poderia decidir sobre uma reclamação que não foi apresentada, nem o poderia ter sido, dado a descrição do art.º 67º da verba n.º 1 não conter a parcela de terreno a norte (art.º 555º), nem a indicação da doação da mesma ao interessado B….
40. De todo o modo, e ainda que assim não o fosse, a decisão a proferir sobre a parcela de terreno desanexada e adquirida pelo interessado B… e mulher por usucapião, teria de ser diversa.
41. Pois, a usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade sobre os imóveis.
42. Resulta dos documentos juntos aos autos, que no dia 20/03/1995, o interessado B… e mulher celebraram uma escritura notarial de justificação, onde declararam serem donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem do prédio urbano da freguesia de Cardielos, concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial respetiva sob o art.º 555, omisso na Conservatória do Registo Predial.
44. Prédio que se encontra registado a favor do interessado B… e mulher pela apresentação 17 de 1995/06/07, conforme resulta da certidão predial junta aos autos (entretanto doado aos filhos do casal com reserva de usufruto a favor dos donatários, em 1999 – vide apresentação 1 de 1999/03/25)
45. Pelo que, havendo título aquisitivo, nos termos do disposto no art.º 1293º a contrario e 1294º, tanto no seu n.º 1 como no seu n.º 2, tendo decorrido mais de mais de quinze anos desde a data do início da posse do interessado B… e mulher até à presente, pelo que adquiriram tal parcela de terreno por usucapião.
46. Por isso, a questão da autonomização da parcela de terreno por usucapião, só poderá ser apreciada em sede própria e em ação autónoma, se algum dos interessados assim o entender.
47. Pelo que andou mal a Meritíssima Juíza a quo ao entender que “o prédio doado tem de ser todo ele relacionado, independentemente das vicissitudes que tenham ocorrido posteriormente”.
48. No limite, sem possibilidade de aferir da propriedade da parcela de terreno situada a norte do art.º 67º urbano, ou seja, do art.º 555º, atentos os documentos juntos aos autos: escritura de doação vs escritura de justificação, deveria a Meritíssima Juíza a quo remeter os interessados para os meios comuns.
45. O douto despacho recorrido, viola, pois, o disposto nos art.ºs 1345º, 1348º, 1349º e 1352º do C.P.C, os art.ºs 1293º e 1294º do C.C., bem como é nulo, nos termos do disposto no art.º 668º, n.º 1, alíneas d) e e) do C.P.C..
46. Impondo-se, assim, a revogação total do despacho de que ora se recorre, sendo substituído por outro que determine que a parcela de terreno situada a norte do art.º 67º e que constitui o art.º 555º urbano, não faz parte da verba n.º 1 da relação de bens, que declara que a mesma foi adquirida pelo interessado B… e mulher por usucapião, pelo que está excluída dos prestes autos, remetendo-se as partes para os meios comuns sobre a questão da propriedade do imóvel, bem como ordene que o cabeça-de-casal retifique ou apresente nova relação de bens aos autos, nos termos em que veio a posteriori da apresentação da relação de bens tentar configurar, notificando-se da mesma os interessados para dela virem reclamar.»

O cabeça-de-casal apresentou contra-alegações, concluindo do seguinte modo:
«1- Entende o recorrido que o douto despacho recorrido não é passível de qualquer censura ou reparo, devendo assim ser inteiramente confirmado.
2- Neste processo procede-se ao inventário por óbito de Rosa …, que, em vida, celebrou as seguintes escrituras:
a) Por escritura pública de Doação, celebrada no dia 17 de Maio de 1974, no 1º Cartório Notarial de Viana do Castela, a inventariada Rosa … doou por conta da quota disponível, em comum e partes iguais, aos interessados, seus filhos, B… (recorrente) e C…, o prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, dependência e logradouro, sito no Lugar do Porto, freguesia de Cardielos, concelho de Viana do Castelo, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 77º, junta a fls.. dos autos; e
b) Por escritura pública de Doação, celebrada em 9 de Maio de 1996, no Primeiro Cartório Notarial de Viana do Castelo, a inventariada Rosa … doou por conta da quota disponível, ao interessado C…, seu filho, o prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar e logradouro sito no lugar do Porto, freguesia de Cardielos, concelho de Viana do Castelo, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 77º, junta fls.. dos autos.
3- Assim, a inventariada, Rosa …, fez duas escrituras de doação, relativamente ao mesmo bem imóvel, que se encontra relacionado na verba nº 1 da relação de bens.
4- Na primeira escritura de Doação, doou o referido imóvel em comum e partes iguais aos interessados B… (recorrente) e C… e na segunda escritura de Doação, doou o mesmo prédio (artigo urbano 77º) ao interessado C….
5- A primeira escritura de Doação não foi revogada, pelo que, no modesto entendimento do recorrido a escritura pública válida e que deve ser tida em consideração é a primeira, que não foi revogada nem foi objecto de qualquer impugnação.
6- O imóvel descrito na verba nº 1 da relação de bens deve manter-se relacionado como um bem doado por conta da quota disponível, em comum e partes iguais aos interessados B… e C…, através da escritura de doação celebrada em 17 de Maio de 1974.
7- Na relação de bens o referido imóvel foi relacionado como um bem doado ao interessado Américo com base na escritura de Doação celebrada em 9 de Maio de 1996.
8- Aquando da peritagem efectuada ao imóvel descrito na verba nº 1 da relação de bens, o cabeça de casal foi confrontado com a primeira escritura de doação celebrada pela inventariada, tratando-se de documentação e informação colhida no local na realização da peritagem, conforme é mencionado no relatório de peritagem e respectivas alegações do recorrente.
9- O recorrente, notificado da relação de bens, não veio reclamar quanto à mesma nem juntou aos autos qualquer tipo de documentação, concretamente a escritura de doação de 17 de Maio de 1974, com o intuito de prejudicar todos os herdeiros e não levar em conta para efeitos de contas na partilha a parte que lhe foi doada do referido imóvel, que tentou subtrair através da criação de um novo artigo e celebração da Escritura de Justificação em 20 de Março de 1995.
10- Após a celebração da escritura de Doação, o recorrente, ardilosamente, criou um artigo novo na matriz e procedeu à sua justificação, tudo com o intuito de subtrair a parte que lhe foi doada, prejudicando assim gravemente os restantes herdeiros, tanto que, notificado da relação de bens nem reclamou as benfeitorias, nem juntou aos autos a escritura de doação de 17 de Maio de 1974.
11- O imóvel doado (art. urbano 77 de Cardielos) é constituído pelos dois espaços físicos localizados a Norte e Sul e que se encontram separados fisicamente por um muro, conforme resulta do relatório pericial.
12- O recorrente confirmou e confirma de facto que o espaço localizado a norte faz parte do artigo urbano 77º de Cardielos, e que o autonomizou e procedeu à sua justificação, através da escritura de justificação celebrada em 20 de Março de 1995.
13- O prédio urbano, inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia de Cardielos sob o artigo 77º é constituído pelos dois espaços físicos, e como tal tem que ser avaliado e levado à colação relativamente aos dois interessados donatários (B… e C…).
14- Contrariamente ao vertido pelo recorrente no seu recurso, não existiu qualquer destaque ou desanexação do artigo urbano 77º de Cardielos, nem tal prova foi feita no processo.
15- Estes dois espaços físicos que constituem a verba nº 1 da relação de bens foram objecto de levantamento topográfico, a fim de se apurar e definir as medidas exactas das duas parcelas, que constituem o artigo urbano 77º de Cardielos doado aos interessados B… e C….
16- A metade do prédio urbano sito na freguesia de Cardielos, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. 77, foi adquirida pelo recorrente, através de escritura de doação, celebrada no dia 17 de Maio de 1974 e não pela escritura de justificação que celebrou em 20 de Março de 1995.
17- Sendo certo que, aquando da peritagem, a mandatária do recorrido esclareceu o senhor perito que a parcela situada a norte integrava como integra o artigo urbano 77º de Cardielos, e portanto, teria e tem que ser avaliada para ser tido em consideração na partilha, informações estas que constam do relatório pericial.
18- O recorrente tendo sido notificado da peritagem, da reclamação à peritagem apresentada pelo recorrido A… e do requerimento também apresentado por este em 2/12/2012, nada disse, nem se pronunciou quanto aos mesmos.
19- A determinação das áreas e a avaliação do prédio urbano, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 77º da freguesia de Cardielos é essencial para se proceder à rectificação da relação de bens, nomeadamente no que toca a descrição da verba nº 1 e ao valor a atribuir e ter em conta na partilha.
20- Só após constar nos autos todos estes elementos, é que estão reunidas todas as condições para se proceder à correcção da descrição da verba nº 1, com indicação das áreas e das respectivas benfeitorias realizadas, e atribuir o valor ao prédio que foi doado aos interessados B… e C….
21- Constatando o senhor perito que as áreas não estão correctas, naturalmente que não pode avaliar o imóvel com exactidão e de forma correcta, daí a necessidade da realização do levantamento topográfico, para determinar as áreas e em função das mesmas avaliar o imóvel.
22- O processo de Inventário é um processo especial, que visa efectuar a partilha de todos os bens, incluindo aqueles que foram doados a fim de serem levados em contas para efeitos de colação e redução por inoficiosidade.
23- O processo de inventário não é meio idóneo e próprio para se obter uma sentença de declaração de propriedade de um imóvel, concretamente declarando que um interessado adquiriu um imóvel que lhe foi doado pela inventariada em 17 de Maio de 1974, através de uma escritura de justificação que efectuou posteriormente à doação (20 de Março de 1995).
24- Neste processo de inventário a doação celebrada pela inventariada tem de tida em consideração, e o imóvel abjecto dessa doação ser avaliado para efeitos de contas na partilha.
25- O prédio doado tem que ser relacionado como um todo, avaliado e ser levado à colação.
26- Em suma, não existe qualquer fundamento de facto ou de direito para revogar ou alterar a douto despacho recorrida.»

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 660º, nº 2, 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do CPC), pressupõe a análise das seguintes questões:
- se é nula a decisão recorrida;
- se o imóvel descrito na verba nº 1 da relação de bens deve manter-se relacionado como um bem doado por conta da quota disponível, ou se, pelo contrario, deve rectificar-se tal verba, excluindo da mesma a parcela de terreno que o recorrente e a mulher registaram a seu favor na sequência de escritura notarial de justificação.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Os factos a considerar na decisão do presente recurso são, além dos que constam no relatório, os seguintes:
1 - Por escritura pública de doação, celebrada no dia 17 de Maio de 1994, no 1º Cartório Notarial de Viana do Castela, a inventariada Rosa … doou por conta da quota disponível, em comum e partes iguais, aos interessados, seus filhos, B… (recorrente) e C…, o prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, dependência e logradouro, sito no Lugar do Porto, freguesia de Cardielos, concelho de Viana do Castelo, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 77º (doc. de fls. 86-87).
2 - Por escritura pública de doação, celebrada em 9 de Maio de 1996, no Primeiro Cartório Notarial de Viana do Castelo, a inventariada Rosa … doou por conta da quota disponível, ao interessado C…, seu filho, o prédio urbano, composto de casa de habitação, de rés-do-chão e primeiro andar e logradouro sito no lugar do Porto, freguesia de Cardielos, concelho de Viana do Castelo, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 77º.
3 - Na relação de bens o referido imóvel foi relacionado como um bem doado ao interessado C… com base na escritura de doação celebrada em 9 de Maio de 1996.
4 – No dia 25 de Março de 1995, no Segundo cartório Notarial de Viana do Castelo, foi celebrada escritura de justificação, tendo o recorrente e a mulher, na qualidade de primeiros outorgantes, declarado:
«Que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem do seguinte imóvel:
Prédio urbano, composto de casa de habitação, de rés-do-chão, com a superfície coberta de cento e vinte metros quadrados, situado no lugar do Porto, freguesia de Cardielos, deste concelho de Viana do Castelo, a confrontar pelo norte com D…, pelo sul e pelo nascente com Rosa … e pelo poente com caminho público, omisso na Conservatória do Registo Predial deste concelho e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo número 555, com o valor patrimonial de quatrocentos e oitenta e seis mil escudos e ao qual atribuem o valor de um milhão de escudos.
Que este imóvel é propriedade deles primeiros outorgantes, por o possuírem em nome próprio há mais de vinte anos, sem a menor oposição de quem quer que seja desde o seu início, posse essa que sempre exerceram sem interrupção e ostensivamente com conhecimento de toda a gente (…).
Que, em consequência, dado o modo de aquisição, não têm eles justificantes e primeiros outorgantes, documento que lhes permita fazer a prova plena pelos meios normais do direito de propriedade sobre o mencionado imóvel.» (cfr. doc. de fls. 249-250).
5 – O imóvel doado (artigo urbano 77 de Cardielos) é constituído por dois espaços físicos localizados a Norte e Sul e que se encontram separados fisicamente por um muro (cfr. relatório pericial rectificado de fls. 119 e ss.).
6 – O espaço físico localizado a Norte corresponde ao imóvel identificado na justificação notarial a que se alude em 4.

B) O DIREITO
Da nulidade da decisão.
Arguiu o recorrente a nulidade do despacho recorrido prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d), do CPC, que comina com tal vício a sentença/despacho em que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta nulidade traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no nº 2 do art. 660º do CPC, que é, por um lado, o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas em que a lei lhe permite que delas conheça oficiosamente).
In casu, a nulidade invocada refere-se a alegado excesso de pronúncia (o tribunal a quo conheceu da propriedade da parcela de terreno localizada a norte e desanexada do artigo 67 urbano, sem que a mesma esteja incluída na relação de bens).
Vejamos.
Se é certo que o processo de inventário assume por vezes uma natureza essencialmente graciosa, enquadrando-se com mais rigor nos processos de jurisdição voluntária, outras ocasiões existem em que se apresenta como um processo contencioso nitidamente definido.
Como escreveu Lopes Cardoso[2], «(…) se o Juiz, no inventário, é solicitado para autenticar o deliberado pelos interessados, sem oposição de ninguém, pode dizer-se que ele é um processo gracioso; se, pelo contrário, os interessados não estão de acordo, suscitam questões quanto à falta de descrição de bens, validade ou interpretação do testamento ou doação, impugnam a legitimidade própria ou alheia, opõem-se à prática de determinados actos ..., o juiz é forçado a decidir, a administrar a justiça e o processo transforma-se em contencioso.
Ali a jurisdição exerce-se inter volentes, aqui inter invictos».
Ora, tendo o recorrente invocado que o prédio relacionado sob a verba nº 1 da relação de bens se autonomizou em dois espaços físicos e que já não interessaria, para efeitos da partilha, o valor da parcela na qual construiu uma casa de habitação, parcela essa que passou a “integrar” o prédio inscrito na matriz predial respectiva sob um artigo diferente do prédio constante da referida verba nº 1, estando ainda o mesmo inscrito a favor do recorrente e da mulher, por usucapião, conforme escritura de justificação, afigura-se óbvio que a Mm.ª Juíza a quo não podia deixar de se pronunciar sobre a concreta questão levantada pelo recorrente, até porque dessa pronúncia dependia em larga medida os termos em que se iria concretizar a perícia requerida, tendo em vista o apuramento dos dois espaços físicos que fazem parte da verba nº 1.
Arguiu ainda o recorrente a nulidade do despacho recorrido prevista no artigo 668º, nº 1, alínea e), do CPC, que comina com tal vício a sentença/despacho que condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Não faz o menor sentido a invocação desta nulidade por parte do recorrente, pois é de todo evidente que a questão em análise se integra na fase do processo de inventário referente ao relacionamento dos bens, confundido uma vez mais o recorrente o que seja nulidade da sentença/despacho, com o erro de julgamento.
Não se verificam, pois, as arguidas nulidades do despacho recorrido.

Da inclusão na relação de bens do prédio constante da verba nº 1 como um bem doado por conta da quota disponível, em comum e partes iguais, aos interessados B… (recorrente) e C....
Pires de Lima e Antunes Varela[3] ensinam que:
«A colação (como logo se infere do étimo de raiz latina – conferir – donde a palavra deriva) é a restituição (as mais das vezes apenas em valor, não em espécie ou substância), feita pelos descendentes, dos bens ou valores que o ascendente lhes doou, quando pretendam entrar na sucessão deste».
A colação destina-se à igualação, na partilha, do descendente donatário com os demais descendentes do autor da herança, assentando na presunção de que o de cujus, fazendo em vida alguma liberalidade a um seu presuntivo herdeiro legitimário, não quis avantajá-lo aos outros, mas tão só antecipar a transferência da legítima que viria a competir-lhe[4].
Como se escreveu na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 104º, p. 348:
«A colação é um instituto destinado a proteger, não o donatário contra as pessoas a quem ele transmita os bens recebidos do de cujus, mas os co-herdeiros legitimários do donatário, a quem se procura garantir certa igualação na partilha de acordo com a vontade presuntiva do de cujus».
Pressupõe a mesma a verificação, necessária e cumulativa, de determinados requisitos, como sejam, a existência de uma doação em vida, realizada pelo autor da sucessão a um seu descendente, que este seja presuntivo herdeiro legitimário daquele, à data da doação, e concurso do donatário à herança do doador e, finalmente, que a doação não se encontre dispensada da colação, seja por vontade do doador, seja ex vi legis, atento o preceituado nas disposições conjugadas dos arts. 2104º, 2105º, 2106º, 2113º, nºs 1, 2 e 3 e 2114º, nº 2, todos do CC.
Nos termos do disposto no art. 2104º, nº 2, do CC, “São havidas como doação, para efeitos de colação, as despesas referidas no art. 2110º”. E, nos termos estatuídos neste artigo, “Está sujeito a colação tudo quanto o falecido tiver despendido gratuitamente em proveito dos descendentes”, exceptuando-se, no respectivo nº 2, “as despesas com o casamento, alimentos, estabelecimento e colocação dos descendentes, na medida em que se harmonizem com os usos e com a condição social e económica do falecido”.
Perante o exposto, podemos afirmar que a doação em causa nos autos está sujeita a colação[5], pelo que, como bem decidiu a Mm.ª Juíza a quo, o prédio a que a mesma respeita tem de ser todo ele relacionado nos autos de inventário, independentemente das vicissitudes que tenham ocorrido posteriormente.
A sufragar-se o entendimento do recorrente, ficariam desprotegidos os co-herdeiros legitimários do donatário, a quem, como se viu, se procura garantir certa igualação na partilha de acordo com a vontade presuntiva do de cujus.
Não é assim, nem pode ser.
Improcedem as conclusões em sentido contrário do recorrente.

Sumário (art. 713º, nº 7, do CPC)
I - Salvaguardado o preceituado nos arts. 2110º, nº 2 e 2113º, nºs 1 e 3, ambos do CC, está sujeito a colação tudo quanto o falecido tiver despendido gratuitamente em proveito dos descendentes.
II – Deve por isso ser relacionado no processo de inventário, o prédio que a falecida doou a dois dos seus filhos, ainda que um deles tenha registado a seu favor uma parcela desse prédio na sequência de escritura de justificação notarial.

IV – DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
*
Guimarães, 30 de Maio de 2013
Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Rita Romeira
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[1] Que justificavam, aliás, o convite à sua sintetização, atenta a sua prolixidade.
[2] Partilhas Judiciais, vol. I, 4ª edição, 1990, p. 40.
[3] In Código Civil Anotado, Vol. VI, p. 173.
[4] Pereira Coelho, Sucessões, 1966, p. 250.
[5] Cfr., no mesmo sentido, os Acs. do STJ de 23.11.2011, proc. 92/06.9TBMLG.G1.DS1 e de 26.10.2010, proc. 303-A/1996.S2, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.