Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
14/16.9GCVPA.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: CONDUÇÃO PERIGOSA
PREENCHIMENTO DO TIPO
BEM JURÍDICO PENALMENTE TUTELADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - O crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. no art. 291º, nº 1, do C. Penal, visa proteger o bem jurídico da segurança da circulação rodoviária e, para o seu cometimento, exige-se que a conduta, para além dos demais requisitos – neles incluídos a infracção das regras de circulação relativas à condução sob influência de álcool, à prioridade, à obrigação de parar, ou à passagem de peões, entre outras –, contenha o elemento que o torna num crime de perigo concreto: é necessário que a conduta do agente tenha criado desse modo (com a violação das regras de circulação) perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado.
II - O perigo ocorre sempre que, através de um juízo de experiência, se possa afirmar que a situação em causa comportava uma forte probabilidade de o resultado desvalioso se vir a desencadear ou a acontecer e é concreto se, como ocorre no caso do art. 291º do C. Penal, ele surge como evento típico, destacado da própria acção perigosa, exigindo ao nível da imputação objectiva a demonstração de um vínculo causal entre a acção e a situação dela destacável, em que a lesão do bem jurídico se afigure possível ou provável.
III - Embora, no que concerne à condução em estado de embriaguez, o legislador estabeleça a presunção, fundada na observação empírica, de que, tendo em vista o bem jurídico penalmente tutelado, o seu exercício é perigoso em si mesmo, exige-se para o preenchimento do aludido tipo de crime que exista substrato factual do qual se extraia que a condução em estado de embriaguez foi causadora do perigo previsto na norma e que, quanto ao exercício da condução, o agente actuou livre e conscientemente e, quanto ao perigo, sabendo que da forma em que o fazia colocava em perigo qualquer dos mencionados bens jurídicos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo especial sumário nº 14/16.9GCVPA da Instância Local, Secção de Competência Genérica de Vila Pouca de Aguiar da Comarca de Vila Real, o arguido António S. foi julgado e condenado por sentença proferida e depositada a 13/04/2016, como autor material, em concurso aparente, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. p. pelos arts. 69º, nº 1 e 291º, nº 1, alínea a), do C. Penal e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, nsº 1 e 3, do C. Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, reduzida em face ao disposto no art. 80º, nºs 1 e 2, do C. Penal para 149 (cento e quarenta e nove) dias de multa, à taxa diária de €10, que perfaz a quantia de € 1.490 (mil quatrocentos e noventa euros) e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria, pelo período de 6 (seis) meses, ao abrigo do disposto no artigo 69º, nº1, alínea a), e nº 2, do C. Penal.

Inconformado com a referida decisão, o arguido interpôs recurso formulando na sua motivação as seguintes conclusões:
«1. O presente Recurso vem interposto da Douta Decisão que condenou o arguido como autor material, em concurso aparente, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria, pelo período de 6 (seis) meses e ainda no pagamento de 2 UC’s a título de taxa de justiça e nas custas do processo.
2. Resulta dos autos, salvo devido respeito e melhor opinião, nomeadamente, do depoimento do arguido e da testemunha Maria G., que os factos não ocorreram tal qual vêm relatados na Douta Sentença devendo, o arguido ser absolvido do crime de condução perigosa de veiculo rodoviário, p. e p. pelos artigos 69 nº 1 alínea a) e 291º nº 1 alínea a) do CP.
3. A matéria de facto dada como provada na Douta Sentença, nos pontos 1 a 12, e concretamente, ao estado de embriaguez do arguido, não permite concluir com segurança que seria razoável esperar que daquela condução se seguiria necessariamente, ou pelo menos, muito provavelmente, um perigo concreto para os valores enunciados no artigo 291º do CP, o que só por si não é suficiente para preencher o elemento tipo do mesmo.
4. No caso concreto, não existe, salvo devido respeito e melhor opinião que é muito, nenhum elemento fáctico que nos permita considerar a condução do arguido como concretamente criadora de um perigo
5. Se tivermos em consideração os depoimentos do arguido e da testemunha Maria G., são evidentes algumas contradições e imprecisões, que, de resto, levantam fortes suspeitas que abalam, seriamente, a versão dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo.
6. Entende o arguido, salvo devido respeito e melhor opinião, que o Douto Tribunal “a quo” não andou bem, desde logo ao não valorar as suas declarações, nomeadamente e em concreto que estava parado a sair da sua residência, à espera que o portão da mesma fechasse, e não viu a condutora aqui testemunha Maria G., como ficou explanado pela transcrição de excertos do seu depoimento.
7. Resulta claro e inequívoco do depoimento do arguido que este estava parado, o local era uma recta com visibilidade, visível por banda da condutora que vinha no sentido Ribeira de Pena – Balteiro, a pelo menos 200metros, quando a mesma desdobrou a curva.
8. Na verdade, resulta inequívoco do depoimento da testemunha Maria G.-, do qual transcrevemos supra as exactas passagens do seu depoimento que, a mesma se limitou a abrandar a marcha e apitar, ao invés de imobilizar o veículo, como podia e devia, tendo em conta que a mesma refere ter visto o arguido ao desfazer da curva, e que tinha pelo menos 200 metros até ao local do sinistro.
9. O Douto Tribunal “a quo” deveria ter enveredado, salvo devido respeito e melhor opinião, por validar a prova existente nos autos e com as regras da experiência comum, para daí extrair um juízo de falta de culpabilidade na formação do sinistro, que é inequívoca, ser da responsabilidade da testemunha Maria G., para o qual resulta uma indubitabilidade da não autoria dos factos constantes da acusação sujeitos a confronto com a prova constante dos autos e realizada na audiência de discussão e julgamento.
10. Daí, que, se possa afirmar que o Tribunal a quo andou mal, quando dá como provado, a matéria factual sob os pontos 3), 5), 6), 11) e 12), i.e, dando como provado que a culpa na formação do sinistro se ficou a dever exclusivamente ao arguido, olvidando totalmente, que o local em questão é uma recta, que permitia a visibilidade de ambos os condutores numa extensão de, pelo menos 200 metros e que a condutora do outro veículo que o avistou logo que desfez a curva, a pelo menos 200 metros, e como tal, poderia e devia ter imobilizado o veiculo, a fim de evitar o sinistro, ao invés de apenas ter abrandado a marcha e apitado,
11. Foi dado como provado na Douta Sentença ora posta à preclara apreciação de Vªs Exªs, nomeadamente, no ponto 3., que por razões de economia processual aqui se dá por integralmente reproduzido, que o arguido saiu do recinto da sua residência, de marcha atrás, e invadiu a faixa de rodagem contrária, indo embater com a parte traseira do veiculo que comandava na parte frontal do veiculo ligeiro de passageiros com a matricula ......
12. Mais deu como provado o Tribunal “a quo” no ponto 8, que no local onde ocorreu o embate a via configura uma recta, que permitia a visibilidade de ambos os condutores numa extensão de, pelo menos, 200 metros.
13. Refere-se, ainda no ponto 10 dos factos dados como provados que a condutora do veiculo ..... travou, buzinou e encostou o veiculo à berma direita da faixa de rodagem por onde circulava.
14. Na verdade, resulta inequívoco, do depoimento prestado pelo arguido que, o mesmo, tinha de invadir a faixa de rodagem, uma vez que, estava a sair da sua residência, não lhe restando qualquer outra alternativa de saída, o que fez com atenção e precaução.
15. A condutora do veículo com a matrícula ....., avistou o arguido, a pelo menos 200 metros, ao virar da curva, não tendo imobilizado o seu veículo, com vista a evitar o embate, como deveria, isto é, como faria qualquer homem médio colocado na sua posição.
16. Não se entende a atitude da testemunha Maria G., que perante a factualidade tal como vem descrita, e ao avistar um veiculo a pelo menos 200 metros, ao desfazer a curva, se limita a travar, buzinar e encostar, esperando que o aqui arguido a tivesse visto, nada fazendo para evitar o embate, como lhe competia e como o faria um bom chefe de família, colocado em tal situação.
17. Não agiu, a testemunha Maria G., de forma zelosa, cautelosa, prudente, violando grosseiramente as regras de circulação rodoviária.
18. Podemos afirmar, perante os depoimentos do arguido e da testemunha Maria G., que supra se transcreveram as exactas passagens dos seus depoimentos, prestados em sede de Julgamento, que a culpa do sinistro salvo devido respeito e melhor opinião, se ficou a dever à culpa condutora do veículo com a matricula ....., pois, e como refere limitou-se a abrandar e buzinar, ao invés de ter imobilizado o veiculo, e evitar, como lhe competia, também o sinistro.
19. Refira-se que, e como consta da Douta Sentença, o arguido é pessoa na casa dos 70 anos, chovia e como é obvio tinha os vidros fechados, pelo que, é muito natural que não tenha ouvido o buzinar que a testemunha alega ter feito;
20. Existem claras contradições no depoimento da testemunha Maria G., que confessa ter visto o carro logo que fez a curva, o que foi a pelo menos, 200 metros do local do sinistro, sem contudo ter conseguido explicar ao Tribunal porque travou e apitou em vez de ter imobilizado o veículo, a fim de evitar o embate.
21. Em momento algum do seu depoimento, a testemunha refere ter imobilizado o veículo antes do embate, referindo que abrandou e apitou, esperando que o arguido parasse.
22. Perante tal circunstancialismo, podemos afirmar que a condutora do veículo com a matricula ....., violou o disposto no artigo 24º nº 1 do Código da Estrada, pois não logrou imobilizar o veiculo no espaço livre e visível à sua frente, de modo a evitar o embate, sendo, por tal, de atribuir à mesma a culpa exclusiva do sinistro.
23. Entendemos que, não se pode atribuir culpa ao aqui arguido, exclusivamente pelo facto de ter ingerido bebidas alcoólicas, pois não descorando a gravidade de tal factualidade, esta não permite só por si, atribuir ao mesmo a culpa no sinistro, tanto mais que, a própria testemunha Maria G., admite tê-lo avistado a uma distância que, a qualquer condutor zeloso, permitisse imobilizar o veiculo, o que não logrou fazer, optando por apenas abrandar e buzinar, acreditando a mesma que o aqui arguido a tivesse visto e parasse.
24. O aqui recorrente considera incorrectamente julgados os pontos 3), 6), 11), e 12), na sua totalidade, pelo que devem ser considerados como não provados os factos constantes daqueles pontos da matéria de facto dada como provada.
25. Há fundamentação de facto suficiente para absolver o aqui arguido pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário, pelo que deve ser revogada a sentença quanto a este crime.
26. Deve o arguido ser absolvido da prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário em que foi condenado, bem como, em consequência, a respectiva condenação em concurso aparente.
27. Quanto à medida da Pena, entende o arguido, salvo devido respeito e melhor opinião, que face à situação em apreço, que infra se vai explanar e que consta da Douta Sentença, devia o Tribunal a quo ter atribuído ao mesmo uma pena de multa menos gravosa.
28. O arguido beneficia de uma integração positiva, os vizinhos, referem-no cordial no relacionamento comportamental, e que mantem relacionamentos cordiais na comunidade.
29. Finalmente cumpre dizer e caso o Tribunal não opte pela absolvição do arguido quanto ao crime de condução perigosa de veículos rodoviários, no que se não concede, que o montante da multa de € 10,00/dia quando estamos perante uma pessoa de já avançada idade, com gastos a nível médico e medicamentoso significativo, o que é uma regra em pessoas desta faixa etária, sem antecedentes criminais, é manifestamente exagerada, sendo certo que se nos afigura adequado, perante tal factualidade, devia ter o Tribunal limitado o mesmo ao mínimo, ou seja € 5,00/dia.
30. Foi aplicada ao arguido, uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria, pelo período de seis meses, o que, no nosso modesto entender, dada a factualidade dada como provada, isto é, que a esposa do mesmo é diabética, precisa de se deslocar semanalmente a Cabeceiras de Basto, que o arguido precisa da carta para acompanhar e para obviar à locomoção sua e da sua esposa, se não perdermos de vista que estamos perante pessoas de terceira idade, com dificuldades de locomoção, que poderia o Tribunal, optar por uma suspensão de tal inibição, pelo prazo que julgasse conveniente, mediante a prestação de caução de boa conduta e, em derradeira, solução mediante trabalho a favor da comunidade,
31. Por outro lado, não pode o recorrente calar-se perante o que os tribunais vêm decidindo relativamente a casos idênticos.
32. Na verdade, os tribunais têm aplicado a pessoas da nossa sociedade de relevado destaque económico e social, relativamente à pena acessória da inibição de conduzir veículos com motor, penas distintas a tais cidadãos portugueses, destacando-se o caso de L…, jogador do Sport Lisboa Benfica, em que o Tribunal, e tendo o mesmo sido encontrado a conduzir com uma taxa de álcool no sangue de 1,33 gr/litro, ter substituído a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria, com trabalho a favor da comunidade.
33. Estamos perante um tratamento desigual e uma violação inequívoca do princípio da igualdade, plasmado no art.º 13 da C.R. Portuguesa que aqui se invoca,
34. Assim, é nosso entendimento, com a devida vénia, que a Douta Sentença enferma de Erro Notório na Apreciação da Prova e falta de fundamentação da matéria de facto, o que a torna nula, o que aqui se invoca para devidos e legais efeitos.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui Douto suprimento de Vªs Exªs deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida por outra que decida nos termos predictos, com o que se fará plena e reparadora JUSTIÇA.».

O recurso foi regularmente admitido.

O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou fundada resposta à motivação, pugnando pela improcedência do recurso, dizendo, em suma, que a prova produzida, apreciada, ponderada e valorada pelo Tribunal a quo empresta a todo o processo decisório de formação da convicção do julgador, foros de justeza, correcção e comportabilidade juridicamente atendíveis, encontrando-se a sentença recorrida ajustada e devidamente fundamentada, quer de facto quer de direito, bem como não é possuidora de qualquer vício que inquine a sua validade quer formal quer substancial.
Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, defendendo, quanto à pretendida alteração da matéria de facto, que o recorrente apenas se limitou a reproduzir a sua discordância quanto ao modo como o tribunal recorrido apreciou a prova, devendo, assim, manter-se inalterada e, relativamente à medida da pena principal e acessória, aduz que atentas as circunstâncias específicas do presente caso, nomeadamente, a TAS detectada, tais penas são ajustadas, apenas discordando do quantitativo diário que diz dever ser reduzido para o montante diário de € 8.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP, sem que tenha sido apresentada qualquer resposta.
*
Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 403º e 412º, nº 1, do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, suscita-se neste recurso as seguintes questões:
1ª - Os vícios de falta de fundamentação e de erro notório na apreciação da prova;
2ª- O erro de julgamento;
3ª – A verificação do perigo concreto;
4ª - A excessividade das penas.
Importa apreciar tais questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados na decisão recorrida e respectiva motivação:
«1. No dia 9 de fevereiro de 2016, pelas 13 horas e 15 minutos, o arguido, após haver ingerido bebidas alcoólicas, pôs-se ao comando do veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula UG-----, que se encontrava aparcado dentro do recinto da sua residência, situada no Lugar do C… concelho de Ribeira de Pena.
2. Não obstante saber que não estava em condições de exercer qualquer ato de condução em segurança, por se encontrar em estado de embriaguez, o arguido ligou a ignição do veículo e iniciou a marcha.
3. Em ato contínuo, o arguido saiu do recinto da sua residência, situada à beira da Estrada M… no sentido Ribeira de Pena, de marcha atrás, e invadiu a faixa de rodagem contrária, no sentido Venda Nova, indo embater com a parte traseira do veículo que comandava na parte frontal do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ....., que seguia nesta última via (na faixa de rodagem no sentido Venda Nova).
4. Submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, o arguido apresentou uma TAS de 1,93 g/l de sangue, detetada pelo teste de alcoolemia que lhe foi efetuado, através do alcoolímetro “Drager”, modelo 7110 MKIII P, número ARAC-0053, devidamente homologado nos termos legais.
5. O arguido sabia que conduzia aquele veículo motorizado sob a influência do álcool e que devido aos efeitos deste não estava em condições objetivas para exercer o ato da condução em segurança.
6. Mais sabia que ao conduzir naquelas circunstâncias, após a ingestão de bebidas alcoólicas, violava grosseiramente as regras de circulação rodoviária desrespeitando a obrigatoriedade de circular na respectiva faixa de rodagem e de cedência de passagem, e que assim punha em perigo a vida e a integridade física dos demais utentes da via pública por onde circulava, como efetivamente pôs.
7. O arguido agiu assim de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei.
8. No local onde ocorreu o embate a via configura uma reta, que permitia a visibilidade de ambos os condutores numa extensão de, pelo menos, 200 metros.
9. No dia e hora do embate chovia.
10. Antes do embate a condutora do veículo ..... travou, buzinou e encostou o veículo à berma direita da faixa de rodagem por onde circulava.
11. O arguido conduzia desatento, mercê da influência de álcool com que tripulava o veículo.
12. A colisão ocorreu devido à distração com que o arguido conduzia, colisão essa que o arguido não previu como resultado da sua atuação.
13. O arguido está reformado da construção civil.
14. Vive com a mulher, também reformada, em casa própria.
15. O veículo que conduzia é sua pertença.
16. O arguido aufere pensão de reforma, no valor anual líquido de 10.595 €.
17. A mulher do arguido aufere pensão de reforma, no valor anual líquido de 9.064 €.
18. Tem como habilitações escolares a 3.ª classe.
19. Deduzido o valor do erro máximo admissível, o arguido conduzia com, pelo menos, 1,834 g/l de sangue.
20. O arguido não tem averbado no seu certificado do registo criminal qualquer condenação.
21. O arguido possui carta de condução desde 25/05/1973.
22. A mulher do arguido é diabética.
b) Factos não provados inexistem.».
Fundamentação da matéria de facto:
«A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou da avaliação englobante do contexto probatório dos autos, designadamente, os documentos que deles constam e a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Concretizando,
No que à prova documental concerne atendeu-se:
- Ao talão do alcoolímetro de fls. 4, relativamente à quantificação da taxa de álcool no sangue que o arguido apresentava;
- À participação de acidente de viação de fls. 13, relativamente aos elementos espácio-temporais em que o sinistro ocorreu, veículos intervenientes, configuração da via, visibilidade e localização dos veículos aquando da intervenção da GNR;
- Ao certificado do registo criminal de fls. 14, quanto à ausência de antecedentes criminais registados em nome do arguido;
- Ao teor do título de condução de fls. 28, quanto ao facto mencionado em 21.
- As declarações fiscais de fls. 51-53, com tradução a fls. 56-66, no que concerne aos rendimentos do arguido e da sua mulher.
Quanto à demais matéria com relevância penal, o Tribunal atendeu à conjugação das declarações prestadas pelo arguido (parcialmente confessórias no que tange à ingestão de bebidas alcoólicas em excesso e à subsequente tripulação do veículo), com a demais prova testemunhal ouvida em sede de audiência de discussão e julgamento e com a prova documental vinda de aludir.
As características da via, condições atmosféricas e de visibilidade não mereçam controvérsia, tendo sido coincidentes as declarações que a propósito prestou o arguido e os depoimentos das testemunhas que sobre elas se pronunciaram.
A dinâmica do sinistro resultou da valoração do depoimento das testemunhas:
- Paulo R., militar da GNR que elaborou a participação do acidente de viação de fls. 12, confirmando o rigor das informações que nela incluiu. Atestou o estado de intoxicação alcoólica que o arguido aparentava, designadamente pelo hálito que exalava, confirmando os procedimentos encetados com vista ao apuramento da taxa de alcoolemia que o mesmo apresentava. De resto, confirmou os danos visíveis em ambos os veículos, a respetiva localização e a existência de vestígios de plástico que se encontravam situados no chão, junto à berma do lado direito da faixa de rodagem onde circulava o veículo ....., o que credibiliza a versão do acidente trazida a juízo pela respetiva condutora;
- Maria G., condutora do veículo ....., relatou uma dinâmica do sinistro coincidente com aquela que se deu por provada, de forma objetiva e desinteressada, aparentando traçar um relato fiel da realidade que vivenciou e que, por isso, lhe foi permitido evocar com espontaneidade. Nada no respetivo discurso ou na forma como foi reproduzido abalou a credibilidade que mereceu ao Tribunal, em detrimento da versão apresentada pelo arguido que não encontrou qualquer reforço na demais prova produzida, que antes a contrariou. A referida testemunha asseverou que logo que entrou na reta avistou o veículo do arguido – o que permite a ilação de que também o arguido poderia ter avistado com o mesmo distanciamento o veículo ....., atenta a boa visibilidade que a via permitia – ficando convicta de que o mesmo iria suster a sua marcha, de molde a não colidir com a sua trajetória. Por precaução travou, apitou e encostou o veículo à berma do lado direito, sem que tais atuações tivessem sido suficientes para que o arguido se apercebesse da sua marcha e suspende-se a manobra que se propunha efetuar. No mais atestou que o estado de embriaguez do arguido era notório, designadamente pelo modo arrastado como falava.
- Maria M., circulava no mesmo sentido que o veículo ....., na retaguarda deste, narrando versão coincidente com a vinda de reproduzir, de modo que se nos afigurou igualmente descomprometido e sincero.
A conjugação de toda a prova a que se fez referência com as próprias declarações do arguido permitem concluir que o arguido exercia a condução com total desatenção, não se tendo sequer apercebido da circulação do veículo ....., não obstante o sinal sonoro que o mesmo produziu. Tal desatenção é tanto mais evidente quanto propiciada pela taxa de álcool que o mesmo apresentava, à qual, em termos de experiência comum, estão associados efeitos psicofisiológicos como diminuição de reflexos, perturbação dos movimentos, sonolência, fadiga, problemas de visão, entre outros.
As condições pessoais do arguido que se deram por provadas assentaram na prova documental já aludida e bem assim nas declarações que a propósito prestou o arguido, parcialmente corroboradas pela testemunha Armando P..».
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1.Os vícios da sentença.
Embora o recurso incida sobre a matéria de facto e de direito, o que verdadeiramente pretende o arguido/recorrente é que seja considerada como não provada a matéria de facto inserta nos pontos 3), 5), 6), 11) e 12), invocando uma deficiente apreciação do depoimento por si prestado e o da testemunha Maria G. e, consequentemente, ser absolvido pela prática do crime de condução perigosa pelo qual foi acusado.
Como vem sendo unanimemente defendido na jurisprudência a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias, pelo âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o art. 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
O eventual erro (de julgamento) na apreciação da prova não se identifica nem, por regra, emerge como a errónea construção de silogismo judiciário (contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão) ou qualquer outro dos vícios a que alude o art. 410º, nº 2, do CPP (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou erro notório), necessariamente resultantes do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
O que significa que só assumem tal natureza os erros constatáveis pela simples leitura do teor da própria decisão da matéria de facto, como já se disse e resulta do citado normativo, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para os fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento ( Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2.ª ed., p. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 8ª Edição, pp. 73 e ss.). Apenas será de admitir a conveniência ou a cautela de, ainda assim, sindicar a fundamentação que haja sido feita sobre os factos provados e não provados, para se fazer uma avaliação correcta e poder concluir se, afinal, para um facto em aparente contradição com a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, não foi fornecida naquela fundamentação um qualquer esclarecimento que torne compreensível o julgamento efectuado: por exemplo, se um facto dado como provado (ou não provado) contraria o senso comum, ou seja, a normal e corrente compreensão e interpretação das situações da vida, só a clara explicitação do percurso trilhado para a formação da respectiva convicção e a razoabilidade desta poderão legitimar a sua aquisição processual.
Neste conspecto, apenas existe erro notório na apreciação da prova quando, de acordo com o texto da sentença, o tribunal a valorou contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente ( Cfr. Germano Marques da Silva, loc. e p. cit..). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, traduzido, basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido ( Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, loc. cit., p. p. 80.) ou dar-se como não provado o que não pode ter deixado de ter acontecido. Com efeito, a jurisprudência tem considerado tais vícios apenas como os erros que, ponderados os factos provados e não provados, advêm de o tribunal ter retirado uma conclusão ilógica ou arbitrária, à margem duma análise racional ou em violação das regras de experiência comum, e que, por isso, não escapa à análise do homem médio ( Cfr. v. g., o Ac. STJ de 2/2/2011 (p. 308/08.7ECLSB.S1 - Maia Costa): «O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito».).
O vício atinente à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – que também tem que resultar do texto da decisão – só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se colher faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada ( Como assinalam os já mencionados autores Simas Santos e Leal Henriques, (ob. cit., p. 74) este vício existe quando a factualidade dada como provada na sentença é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final ou, por outras palavras, quando a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito (cf. também Germano Marques da Silva, ob. cit., p. 340).
Também o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena e circunstâncias relevantes para a determinação desta -, e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão (entre outros, cfr. Acs sumariados em Sumários de Acórdãos do STJ - Secções Criminais de: 4/10/2006, Proc. n.º 06P2678, em www.dgsi.pt; de 5/9/2007, Proc. n.º 2078/07; e de 14/11/2007, Proc. n.º3249/07). ). Porém, este vício também não deve ser confundido com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, enquanto questão do âmbito da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP) ( Cfr. Acs. do STJ de 7/1/2004, P. n.º 3213/03, e de 29/4/1992, P. n.º 42535.).
Mas em qualquer dos casos dos vícios previstos nas alíneas a) a c) do n.º 2 do art. 410º, a actividade de fiscalização e controlo do tribunal superior, embora incida sobre toda a decisão, não constitui actividade de apreciação e julgamento da prova, antes se limitando a verificar se a mesma contém algum ou alguns dos mencionados vícios, sendo que no caso de deles enfermar e, em face disso, se tornar impossível decidir a causa, deverá o processo ser reenviado para novo julgamento, tendo em vista a sua sanação (art. 426º, n.º 1, do CPP).
Em suma, os vícios ora defrontados, apreciados nesta vertente que não na da adequação da decisão proferida, visam o erro na construção do silogismo judiciário, não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável ( Nada tem a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar o objecto em apreço. Poder-se-á discordar da decisão, como, aliás, o recorrente demonstra ser o caso, mas não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados. A arguição de tais vícios não procede quando fundada em divergências com o decidido, sendo distintos do erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.).
Ora, no caso em apreço, não se vislumbram, pela simples leitura do teor da decisão recorrida, quaisquer das faltas ou incoerências formais e apenas estas relevariam, constitutivos dos vícios ou insuficiências que o recorrente lhe assaca, com os mencionados contornos que a lei lhes oferece, aliás, incompatíveis com os próprios termos substanciais do arrazoado recursivo.
E, na verdade, o recorrente questiona, não o texto da sentença, mas o modo como o tribunal de 1ª instância procedeu à apreciação da prova e ataca a decisão, não no plano dos aludidos vícios, mas no da violação do princípio da livre apreciação da prova. Porém, como se disse, nada tem a ver com os aludidos vícios ou erros de procedimento a adequação da fundamentação utilizada para emitir um julgamento, tanto sobre a matéria de facto como a de direito, pois não são razões de fundo as que lhes subjazem, não se cuidando, aqui, de saber se a sentença incorreu no, também, assacado erro de julgamento sobre qualquer dessa matéria, questão sobre que nos debruçaremos de seguida.
Em suma, pode-se dizer o que está verdadeira e unicamente em causa no recurso é que o recorrente não se conforma com a circunstância de a sua posição sobre a matéria de facto e de direito não ter sido acolhida no julgamento proferido pela 1ª instância, aí fazendo radicar os aludidos vícios que aponta à decisão recorrida.

2. O erro de julgamento sobre a matéria de facto.
Como dissemos, a par dos vícios previstos no art. 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP, o regime processual penal consagra uma segunda forma de impugnar a matéria de facto, através da invocação de erro de julgamento, a chamada impugnação ampla, nos termos previstos no art. 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), do mesmo código.
Para correctamente se impugnar a decisão com fundamento em erro de julgamento, é preciso que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, mas assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência – pela qualidade, sobretudo – dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É certo que a possibilidade de a Relação modificar a decisão da 1ª instância, sem que se imponha qualquer limitação relacionada com a convicção que serviu de base à decisão impugnada – ainda que, quanto à prova gravada, com a consciência dos condicionamentos postos pela limitação da acção do princípio da imediação –, é inteiramente congruente com o objectivo de garantir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, claramente prosseguido pela lei de processo ( O legislador pretendeu um grau de recurso que atentasse e procedesse – dentro dos limites que uma gravação, despida dos factores possibilitados pela imediação consentisse – uma verdadeira e conscienciosa reapreciação da decisão de facto.). Todavia, uma vez invocado o erro de julgamento, embora a sua apreciação se alargue à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, a mesma é balizada pelos concretos pontos impugnados e meios de prova indicados, ou seja pelos limites fornecidos pelo recorrente, a quem se impõe o estrito cumprimento dos ónus de especificação previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP ( Como se expendeu no acórdão do Tribunal Constitucional nº 312/2012, relatado pelo conselheiro Cura Mariano «…o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o controlo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex-novo da matéria de facto, face às provas produzidas, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando conforme já se decidiu no Acórdão n.º 59/2006 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), onde se escreveu: “Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…».).
É esta a doutrina recomendada pelo STJ, p. ex., no sumário do seu Ac. de 15-10-2008 ( P. 08P2894 - Henriques Gaspar.).
Nessa senda, a análise da impugnação tem que ser feita por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspectiva subjectiva, não equidistante, tem para si como sendo a boa solução de facto e entende que devia ser provada. Por isso, a impugnação restringe-se à decisão realmente proferida e não a qualquer realidade virtual.
Como em geral sucede, esta tarefa é norteada pela ideia de que a apreciação da prova, segundo o grau de confirmação que os enunciados de facto obtêm a partir dos elementos disponíveis, está vinculada a um conceito ou a um critério de probabilidade lógica preponderante e, especificamente, face a uma eventual divergência inconciliável de depoimentos, produzidos por pessoas dotadas de uma razão de ciência sensivelmente homótropa, prevalecerão os contributos colhidos por essa via, que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.
Examinemos, então, o sentido dos elementos de prova invocados na decisão impugnada e nas conclusões de recurso sobre os pontos da impugnação deduzida.
O recorrente, em cumprimento do ónus de especificação, indica como tendo sido incorrectamente julgados os pontos 3), 5), 6), 11) e 12), da matéria de facto dada como provada, pois, em suma, alega que mal andou o tribunal ao considerá-los provados, ou seja, dando como provado que a culpa na formação do sinistro se ficou a dever exclusivamente a si, olvidando totalmente, que o local em questão é uma recta, que permitia a visibilidade de ambos os condutores numa extensão de, pelo menos 200 metros e que a condutora do outro veículo que o avistou logo que desfez a curva, a pelo menos 200 metros, e como tal, poderia e deveria ter imobilizado o veículo, a fim de evitar o sinistro, ao invés de apenas ter abrandado a marcha e buzinado.
Para fundamentar essa impugnação, alega que o tribunal de 1ª instância não valorou devidamente a conjugação do depoimento por ele prestado com o prestado pela testemunha Maria G.-.
Com vista a comprovar o alegado, no corpo da motivação do recurso, o recorrente transcreve vários excertos de tais depoimentos, indicando, por referência ao consignado na acta, as respectivas passagens da gravação, pese embora essas especificações não constem das conclusões do recurso.
Neste particular, concordamos inteiramente com o expendido pelo Ministério Público em 1ª instância quando afirma que dúvidas não restam que o recorrente, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação, apresentava uma TAS de 1,93 g/l de sangue, quando saiu do recinto da sua residência de marcha atrás e invadiu a faixa de rodagem contrária, indo embater no veículo que ali vinha a circular e que, não obstante tal assim ter sucedido, o arguido, na prática, assacar a responsabilidade da colisão à outra condutora, que não teria sido “zelosa”, “cautelosa” e “prudente” para evitar, “como lhe competia, o sinistro”. Só lhe faltou dizer que a referida condutora tinha o dever de prever que o arguido, por estar completamente etilizado, saindo da sua própria residência, praticaria uma tão inopinada e invulgar manobra como aquela que o mesmo protagonizou, sem se assegurar da aproximação de veículos e, designadamente, pessoas, assim infringindo todas as mais elementares regras de condução e deveres gerais de cuidado e prejudicando o exercício da condução com segurança por todos o que na via pública transitassem.
De facto, segundo nos parece, trata-se duma ousada alegação, arredada do mais elementar senso comum, com que o recorrente tentou imputar a culpa do sucedido à condutora que circulando dentro da sua faixa de rodagem e depois de ter tido os cuidados suplementares de abrandar a sua marcha, prevenir o arguido da sua aproximação e encostar à direita, viu o seu veículo ser abalroado pelo veículo manobrado, em marcha atrás, pelo arguido que, não obstante saber que não estava em condições de exercer qualquer acto de condução em segurança, por se encontrar em estado de embriaguez, invadiu a faixa de rodagem em que aquela circulava, não obstante os avisos sonoros da mesma.
É demais: o arguido nada fez para evitar o sinistro, desde logo para não iniciar a condução, de cujo exercício estava completamente incapaz, depois, para se certificar de que não punha em perigo a segurança de pessoas e bens, designadamente a da referida condutora e respectivo veículo, não obstante ter tido condições para o avistar a 200 metros e para, se o tivesse feito, só ter entrado na via depois de ter facultado a sua passagem, como era sua obrigação. No apontado contexto, é completamente irrelevante falar-se na recta de 200 metros e na possível distância de avistamento pela outra condutora do veículo tripulado pelo arguido/recorrente, porque não era espectável um comportamento semelhante, sequer por aproximação, ao que este encetou.
Ainda assim, o exame dos invocados depoimentos corrobora inteiramente a motivação oferecida para a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância, que, por isso, não merece qualquer censura, antes nela se procedeu a uma correcta e devida ponderação de tais meios de prova.
Em face do exposto, improcede a impugnação ampla da matéria de facto.

3. A verificação do perigo concreto no crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
A propósito deste crime, prescreve o art. 291º, nº 1, do C. Penal: «Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada (…) Não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva; ou (…) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita; e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.».
Como se infere do teor da norma, o bem jurídico que se visa proteger com este crime é a segurança da circulação rodoviária e, para o seu cometimento, exige-se que a conduta, para além dos demais requisitos – neles incluídos a infracção das regras de circulação relativas à condução sob influência de álcool, à prioridade, à obrigação de parar, ou à passagem de peões, entre outras –, contenha o elemento que o torna num crime de perigo concreto: é necessário que a conduta do agente tenha criado desse modo (com a violação das regras de circulação) perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado. Porém, no que concerne à condução em estado de embriaguez, a concreta situação em apreço nos autos, o legislador estabelece a presunção, fundada na observação empírica, de que o seu exercício é perigoso em si mesmo, tendo em vista tal bem jurídico penalmente tutelado ( Cfr. Paula Ribeiro de Faria, “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II”, 1999, p. 1093.).
O perigo representa a probabilidade de dano. Ele ocorre, na verdade, sempre que, através de um juízo de experiência, se possa afirmar que a situação em causa comportava uma forte probabilidade de o resultado desvalioso se vir a desencadear ou a acontecer ( Cfr. Faria e Costa, “O perigo em direito penal”, p. 600.). E se, como ocorre no caso do art. 291º do C. Penal, ele surge como evento típico, destacado da própria acção perigosa, exigindo ao nível da imputação objectiva a demonstração de um vínculo causal entre a acção e a situação dela destacável, em que a lesão do bem jurídico se afigure possível ou provável ( Cfr. Oliveira Mendes, “O direito à honra e a sua tutela penal”, p. 47.), o crime é de perigo concreto.
Com efeito, tem sido unânime na doutrina e na jurisprudência a configuração do ilícito tipificado no preceito como crime de perigo concreto, a cujo preenchimento «não basta a violação grosseira das regras da circulação rodoviária, pois se torna igualmente necessário que, no circunstancionalismo do caso concreto, se deduza a ocorrência de um perigo concreto para a vida ou a integridade física, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado» ( Ac. da RP de 9/4/2014, in CJ 2º/244 (Fátima Furtado).). Muito significante é, p. ex., o Ac. da RC de 19/10/2011: «Não basta a existência do estado de embriaguez para o preenchimento do tipo de crime em causa (condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pela al. a), do n.º 1, do art.º 291º, do C. Penal), sendo ainda necessário que exista substrato factual do qual se extraia que a condução em estado de embriaguez foi causadora (na expressão da lei "criou") de perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado» ( p. 537/09.6GBPBL.C1-Pilar Oliveira.), «o que valerá por dizer que se caracteriza pela exigência de verificação de um concreto pôr-em-perigo» ( Ac. da RC de 11/2/2009 (p. 137/06.2GBSRT.C1-Fernando Ventura).), «em que a atuação do agente cria perigo efetivo» ( Ac. da RC de 22/5/2013 (257/11.1GAANS.C1- Belmiro Andrade).).
Subjectivamente, o tipo de ilícito previsto no normativo comporta diversas cambiantes, como se afirma na doutrina: a) dolo de acção e dolo de perigo quanto ao evento de perigo; b) dolo de acção e negligência quanto ao evento de perigo; c) negligência da acção e negligência quanto ao evento de perigo ( Cfr. Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, p. 20.). No primeiro caso, rege o nº 1; no segundo, o nº 2 do preceito; o nº 3 disciplina a última forma de imputação subjectiva possível.
Na verdade, também haverá que resultar dos factos provados que, quanto ao exercício da condução, na forma que se apure, o agente actuou livre e conscientemente, sem qualquer circunstância que afastasse a intenção de conduzir daquele modo, e, quanto ao perigo, que o mesmo actuou sabendo que da forma em que o fazia colocava em perigo qualquer dos mencionados bens jurídicos.
É justamente isto o que caracteriza a imputação dolosa neste tipo de infracção de perigo (no primeiro caso, o do nº 1 do preceito): como este se traduz na probabilidade do dano, o agente actua com dolo de perigo quando representa a possibilidade de o resultado desvalioso ocorrer como consequência necessária da sua conduta. Nesse contexto, e uma vez que não emirja qualquer circunstância que exclua a ilicitude dos factos ou afaste o juízo de censura que deve ser dirigido contra a atitude do agente, por ter actuado contra a norma jurídica, deve o mesmo ser punido pelo analisado crime.
Ora, no caso vertente, extrai-se da factualidade apurada que estão verificados os apontados elementos objectivos do ilícito, uma vez que o arguido, para além de conduzir sob o efeito do álcool, violou grosseiramente, para além de elementares deveres de cuidado, várias outras regras de circulação rodoviária ( Tenha-se em vista as atinentes à prioridade e à obrigação de cedência de passagem (e de parar) pelo condutor que saia de um de qualquer prédio particular, à passagem de peões, à obrigação de efectuar a manobra de marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito, ou à obrigatoriedade de circular circular apenas no sentido estabelecido e não menos importante, a de não comprometer a segurança das pessoas.), ressumando também dos factos provados, contrariamente ao invocado, não só a mera verificação do perigo concreto, nos termos exigidos em tal tipicidade, mas até a própria concretização do resultado desse perigo. Com efeito, não apenas se demonstrou a possibilidade ou probabilidade de lesão de qualquer dos bens jurídicos em questão (vida, integridade física ou bens patrimoniais de elevado valor), mas a sua efectiva concretização, bem como, o exigido vínculo causal entre, por um lado, a acção consubstanciadora da infracção àquela típica regra de circulação rodoviária e, por outro, a situação dela destacável, ou seja, uma tal probabilidade de lesão, não aferível em abstracto, mas em função da concreta factualidade apurada.
Por outro lado, o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que não estava em condições de conduzir aquele veículo, por estar sob a influência do álcool, que violava grosseiramente as regras de circulação rodoviária e que assim punha em perigo a vida e a integridade física dos demais utentes da via pública por onde circulava, como efectivamente pôs.
Assim, no caso dos autos, estão verificados todos os elementos do perigo concreto, sendo, pois, enquadrável a conduta do recorrente no nº 1 do citado art. 291º, que pune duas categorias alternativas de comportamentos: uma primeira, relativa à ausência de condições para a condução e a segunda relativa à violação grosseira das regras de circulação automóvel e que ambas visam proteger o bem jurídico segurança rodoviária, enquanto tutela reflexa e circunscrita à medida da protecção de bens individuais, como a vida, integridade física e património de elevado valor.

4. A medida das penas principal e acessória.
O recorrente questiona a medida concreta das penas principal e acessória que lhe foram aplicadas e o montante diário da primeira, arguindo a sua excessividade, em face da sua situação económica e social.
Vejamos.
O crime de condução perigosa de veículo rodoviário por que o arguido foi condenado, é abstractamente punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa nos termos do disposto no artigo 291º, nº 1, do C. Penal.
A Sra. Juíza optou, e bem, pela pena de multa, por ter entendido que na concreta situação, as exigências de prevenção geral e especial encontravam resposta adequada na aplicação dessa pena, opção que não vem posta em causa no recurso.
Para esse efeito, deverá atender-se ao disposto no artigo 40º do C. Penal, que estabelece que a aplicação de penas ou medidas de segurança tem como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Este preceito indica-nos que o escopo que subjaz à aplicação da pena se reconduz, por um lado, a reforçar a confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, à ressocialização do delinquente.
Resulta do aludido art. 40º nº 1 do mesmo diploma, tal como salienta F. Dias ( Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 331.), que «são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa...».
Em consonância com o disposto no n.º 1, do art. 71º, do C. Penal, a medida da pena é determinada, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40º, nº 2, do mesmo Código.
Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (art. 71º, nº 2, do Código Penal).
Dito por outras palavras, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objectivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens –, mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite.
Como se disse, a finalidade essencial da aplicação da pena, para além da prevenção especial – encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes – reside na prevenção geral, o que significa «que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto … alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...». «É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma “moldura” de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica» ( Anabela Miranda Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, p. 570 e s.). «Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...» ( Ibidem, p. 575.). «Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado» ( Ibidem, p. 558.).
No caso vertente, importa, desde logo, referir, que o arguido, com a sua conduta, atingiu o bem jurídico tutelado pela aludida incriminação, a segurança da circulação rodoviária, como se deixou expresso, e os valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade com ele conexos, como são a segurança da vida ou da integridade física das pessoas, bem como de bens patrimoniais, face ao trânsito de veículos.
Realmente, não pode o Tribunal descurar as elevadas exigências de prevenção geral, na medida em que esta incriminação carece de um maior enraizamento na consciência comunitária – o que surge espelhado nas estatísticas da sinistralidade rodoviária – sendo premente a protecção do bem jurídico em causa através da revalidação e consolidação desta norma incriminadora. Existe cada vez mais a necessidade de consciencializar a sociedade para a relevância que assume o respeito pelas normas que tutelam a segurança rodoviária, assumindo as condutas da natureza da adoptada pelo arguido/recorrente uma muito relevante danosidade social, para mais quando, entre nós, atingem elevadas proporções, como é sabido, sendo, uma parte significativa dos acidentes de viação provocada por condutores em estado de embriaguez.
Assim, depõe contra o arguido a acentuada gravidade do seu comportamento, atendendo aos ponderosos valores jurídicos atingidos, a par das particulares garantias de que o Estado procura fazer revestir a circulação rodoviária.
É, pois, dilatado o grau de ilicitude de tal conduta do arguido, tendo em atenção o nível de desconformidade com o direito por ele revelado ao conduzir o veículo em estado de embriaguez e com uma já significativa taxa de álcool no sangue, detectada porque provocou uma colisão de veículos, em consequência dessa infracção e do cometimento de outras contra-ordenações rodoviárias, igualmente causais do acidente de viação, e daí que tenha sido submetido ao teste de pesquisa de álcool.
E também é elevado o grau de censura a que o arguido se sujeitou com tal conduta. Apesar de ter representado os factos integradores do tipo de ilícito em questão, pois sabia que, ao conduzir naquelas circunstâncias sob a influência de álcool não estava em condições objectivas para o fazer em segurança, violava grosseiramente as regras de circulação rodoviária, desrespeitando a obrigatoriedade de circular na respectiva faixa de rodagem e de cedência de passagem, e que, assim, punha em perigo a vida e a integridade física dos demais utentes da via pública por onde circulava, como efectivamente pôs, abalroando o veículo conduzido por outra pessoa, ainda que não tenha previsto essa colisão como resultado da sua actuação.
Todavia, as exigências de prevenção especial não são muito elevadas, desde logo atenta a inserção social do arguido e o facto de o mesmo não ter averbada qualquer condenação criminal, sendo certo, além do mais, que possui carta de condução desde 25/05/1973, pelo que é apenas medianamente exacerbada a necessidade da pena a aplicar.
Por outro lado, deve também ponderar-se que o arguido está reformado (da construção civil), auferindo uma pensão no valor anual líquido de € 10.595, vive, em casa própria, com a mulher, também reformada, que aufere a pensão no valor anual líquido de € 9.064 e que é diabética.
Ora, perante o conjunto dos factos apurados, designadamente quanto à pessoa do arguido, entendemos que a medida das penas, principal e acessória, impostas ao mesmo mostra-se perfeitamente adequada às particularidades do caso concreto, excepto quanto à taxa diária fixada para a pena de multa, que consideramos, tal como salienta a Sra. Procuradora-Geral Adjunta, ser desproporcionada à evidenciada capacidade económica daquele. Com efeito, diferentemente da 1ª instância, entendemos dever ser fixada tal multa no montante diário de € 7, por ser o mais ajustado ao apurado rendimento disponível do arguido.
Por fim, sendo inviável o cotejo da factualidade apreciada nestes autos com a que possa ter subjazido a decisões judiciais proferidas em relação a outros cidadãos – sendo certo que, de todo o modo, sempre estaria arredada da competência deste Tribunal qualquer propósito ou preocupação atinente à uniformização da jurisprudência –, é ininteligível e impertinente o apelo feito pelo recorrente ao sublime princípio da igualdade, consagrado no art. 13º, da CRP.

Assim sendo, procede o recurso na estrita medida enunciada.
Não tendo o recorrente manifestado qualquer outra discordância, nada mais há a apreciar.
*
Decisão:
Nos termos expostos, julga-se parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, altera-se a sentença recorrida na parte respeitante ao montante diário da pena de multa imposta, que ora se fixa em sete euros, e mantém-se no demais aquela decisão.

Sem tributação.
Guimarães, 15/12/2016

Ausenda Gonçalves

Fátima Furtado