Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1519/11.3TBBRG.G1
Relator: JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE
Descritores: NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE DE SENTENÇA/DESPACHO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A violação do contraditório, coberta por decisão judicial, traduz-se na nulidade da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º, aplicável aos despachos nos termos do n.º 3 do art.º 613º, ambos do CPC e aplicáveis no âmbito do processo de insolvência e apensos ex vi art.º 17º do CIRE.
II – Admitindo aquela decisão recurso, é nele que tem cabimento a arguição da referida nulidade.
III - Não tendo sido interposto recurso daquela decisão, tendo a mesmo sido impugnada por meio inidóneo (reclamação para o juiz de 1ª instância), a mesma transitou em julgado, tornando inviável qualquer posterior alegação de violação do contraditório coberta pela mesma.
IV – Um despacho que se pronuncia sobre o objecto de um anterior despacho, do qual não foi interposto recurso, pronuncia-se sobre objecto já coberto pelo caso julgado, pelo que o mesmo é ineficaz, não produzindo efeitos.
V –Tendo a pretensão recursiva por objecto a reapreciação do mérito daquele despacho, por invocado erro de julgamento, sendo o mesmo ineficaz, isso não é viável, pelo que o recurso deve ser julgado improcedente.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

1. Relatório

A 13/04/2011 e a requerimento de EMP01..., S.A., foi proferida sentença de declaração de insolvência de EMP02..., Lda, tendo sido nomeado Administrador AA.

A 13/02/2023, o Sr. AI juntou aos autos o cálculo da remuneração variável, bem como proposta de rateio final.

Na mesma data foi publicado em https://www.citius.mj.pt/portal/consultas/ConsultasCire.aspxTribunal: Comarca ... – ... o seguinte Ato:
“Rateio final - proposta de distribuição e de rateio”, da qual faz parte integrante o documento “Cálculo da Remuneração Variável do Administrador Judicial”.

Foi dada vista ao MP, que se pronunciou declarando nada ter a opor ao cálculo da remuneração variável efetuado pelo Sr. AI, por se lhe afigurar que respeita a lei.

A 15/03/2023 foi proferido o seguinte despacho (no que releva):
“O cálculo da remuneração variável efetuado pelo Ex.mo AI, mostra-se corretamente elaborado, fixando-se a mesma nos termos requeridos.
(…)”

A 16/03/2023 foi notificada a EMP01..., S.A., na pessoa do seu Ilustre mandatário, quer do despacho proferido a 15/03/2023, quer do requerimento do Sr. AI, apresentado a 13/02/2023.

A 27/03/2023 a credora EMP01..., S.A., apresentou requerimento a dizer que “tendo sido notificada do douto despacho fls… (V/Ref: ...48), bem como do mapa de rateio final e remuneração variável apresentado pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, e não concordando com o teor do mesmo vem, muito respeitosamente, reclamar do mesmo…”, apresentando depois as razões da discordância e concluindo nos seguintes termos:
“Termos em que se requer a V. Exa:
 Que fixe a remuneração variável do Administrador de Insolvência em 50 000,00 € + IVA nos termos e para os efeitos do n.º 8 do artigo 23.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, à Lei 22/2013 de 26 de fevereiro, ou caso não seja esse o entendimento do Tribunal, que fixe a remuneração variável no limite máximo global de 100 000,00 € + IVA em conformidade com o n.º 10 do artigo 23.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, à Lei 22/2013 de 26 de fevereiro.
 A notificação do Senhor Administrador de Insolvência para vir aos autos apresentar novo mapa de rateio, no qual espelhe o novo valor da sua remuneração variável.”

Na mesma data foi notificado o Sr. AI, que nada disse.

A 17/04/2023 a Sra. Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
Venha o AI tomar posição quanto ao requerimento apresentado.
Após, pronuncie-se o MP.

O Sr. AI veio dizer que o despacho de 15-03-2023, que fixou a remuneração variável do signatário em 274.549,84€, não foi objecto de qualquer recurso e por conseguinte, encontra-se (…), transitado em julgado.
           
O MP pronunciou-se dizendo que o cálculo da remuneração variável efetuado pelo Ex.mo Administrador da Insolvência está corretamente elaborado porque respeita a lei…

A 04/05/2023 a Sra. Juiz a quo proferiu o seguinte despacho, que no Citius tem a referência ...73:
Concordando com o MP, entendemos que cálculo da remuneração variável efetuado pelo Ex.mo Administrador da Insolvência está corretamente elaborado porque respeita a lei, nada havendo a corrigir.

A 11/05/2023 a credora EMP01..., S.A. veio interpor recurso deste último despacho, pedindo seja o mesmo revogado, passando a constar que a remuneração variável global do Sr. Administrador de Insolvência não pode exceder os 100 000,00 € + IVA, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

I- Recurso de Apelação interposto da decisão, proferida em 04/05/2023, o qual entendeu que o cálculo da remuneração variável efectuado pelo Sr. Administrador de Insolvência está correctamente elaborado porque respeita a lei, nada havendo a corrigir.
II - Os fundamentos empregados pelo Tribunal “a quo” incorrem em errónea interpretação e aplicação da lei em vigor.
III- No mapa de rateio final apresentado pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, na rubrica n.º 4 (Remuneração Variável do A.I.) está indicado como tendo a receber o valor de 274 549,84 € já com IVA de 23%.
IV- O Sr. Administrador de Insolvência não tem direito a receber esta quantia.
V- Com a proposta de mapa de rateio final, deverá ser fixada a remuneração variável a que o Administrador de Insolvência tem direito a receber.
VI- Na nova redacção, dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, à Lei 22/2013 de 26 de fevereiro, aquela remuneração corresponde a 5% do resultado da liquidação, o qual é calculado nos termos e para os efeitos do n.º 6 do artigo 23.º da referida lei – Vide alínea b) do n.º 4 do artigo 26.º.
VII– O Resultado da Liquidação resulta das receitas da massa insolvente, ou seja, 3.338.442,00 €, deduzidas as despesas de 179.032,44 € apuradas no apenso da prestação de contas, pelo que o Resultado da Liquidação foi de 3.106.130,95 €.
VIII- De acordo com o preceituado no n.º 6 do artigo 23.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, à Lei 22/2013 de 26 de fevereiro, a remuneração variável, sem qualquer majoração, é feita da seguinte forma: 3.106.130,95 € x 5,00%= 155.306,55 € acrescida de 35.720,51 € correspondente aos 23% do IVA.
IX – O Senhor Administrador de Insolvência na rubrica Remuneração Variável sem majoração (alínea b), n.º 4 do artigo 23.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, à Lei 22/2013 de 26 de fevereiro) teria a receber a quantia de 191.027,05 € e é este o valor que o mesmo indica como tendo direito a receber aquando da apresentação do seu cálculo remuneração variável na rubrica sem majoração.
X- O Senhor Administrador de Insolvência aquando do cálculo da remuneração variável – rubrica sem majoração-, e no âmbito da alínea b) do n.º 4 do artigo 23.º calculado nos termos do n.º 6, não teve em linha de conta o n.º 10 do artigo 23.º do mesmo diploma legal, o qual limita o valor da remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 a 100 000,00 €.
XI - A Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” incorreu no mesmo lapso ao proferir o despacho datado de 04 de maio de 2023.
XII - Alertada para essa evidência pela aqui Recorrente, tanto o Ministério Público como a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” voltaram a falhar, continuando a insistir no erro de julgamento e na não aplicação das normas em vigor.
XIII - Com a aplicação correcta das normas, o Sr. Administrador de Insolvência tem direito a receber o valor global de 123.000,00 €, discriminados da seguinte forma: 100.000,00 € (limite aplicado pelo n.º 10 do artigo 23.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, à Lei 22/2013 de 26 de fevereiro) + 23.000,00 € (23% IVA) = 123.000,00 €.
XIV - No âmbito da alínea b) do n.º 4 conjugado com o n.º 6 e 10 do artigo 23.º, o Senhor Administrador de Insolvência tem direito a receber o valor global de 123.000,00 € e não os 191.027,05 €.
XV - Ao valor alcançado por aplicação da regra referida no n.º 6 o mesmo é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.
XVI - Assim o Sr. Administrador de Insolvência teria a receber por conta da remuneração variável o valor global de 206.522,79 € já com o IVA incluído distribuído da seguinte maneira:
Remuneração variável sem majoração - (alínea b) do n.º 4 conjugado com o n.º 6 do artigo 23.º - 123 000,00 € já com IVA incluído.
Remuneração variável com majoração em 5% do montante dos créditos satisfeitos – n.º 7 do artigo 23.º - 83.522,79 € já com IVA incluído.
Valor global a receber: 206.522,79 € (duzentos e seis mil quinhentos e vinte e dois euros e setenta e nove cêntimos).
XVII – Por sua vez, a Recorrente entende que o limite de 100.000,00 € consagrado no n.º 10 do artigo 23.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, à Lei 22/2013 de 26 de fevereiro deve ser aplicado à globalidade da remuneração variável.
XVIII - O limite estabelecido no n.º 10 do artigo 23.º se reporta ao limite máximo da remuneração variável que pode ser fixada ao administrador da insolvência nomeado pelo juiz, em processo de insolvência, sendo nesses termos que deve ser entendida a remessa feita pelo legislador para a alínea b) do nº4;
XIX – O número 4 do artigo 23.º regula os termos em que se procede ao “cálculo” da remuneração dos “administradores judiciais referidos no nº 1”, distinguindo-se depois entre a alínea a) – processo especial de revitalização ou processo especial para acordo de pagamento – e a alínea b), ao processo de insolvência.
XX - Só assim se pode compreender a inserção dessa regra no final do preceito, depois de se proceder às várias operações de cálculo aí determinadas, a primeira no número 4 e 6 – para obtenção do valor correspondente ao “resultado da liquidação” –, seguindo-se a do número 7 – para chegar ao resultado proveniente da majoração – culminando com a regra vertida no número 8, que convoca a intervenção do juiz em ordem a balizar a remuneração, fixando o limite mínimo (50.000,00€) quando a aplicação das regras anteriores aponte para valor superior.
XXI - O legislador fixa duas formas de calcular a remuneração variável do administrador da insolvência tendo em vista salvaguardar que a mesma não seja desproporcionada, face ao serviço público que é prestado pelo administrador da insolvência e de forma, também, a salvaguardar os interesses dos credores, uma vez que é o produto da liquidação que suporta aquela remuneração.
XXII – É estabelecido um valor máximo absoluto, que não pode ser ultrapassado, ou seja, o montante de 100.000,00 €.
XXIII - Não há margem para dúvidas que a remuneração variável global não pode exceder os 100 000,00 € + IVA.
XXIV - A M.ª Juiz “a quo” ao decidir como decidiu desrespeitou por completo os normativos aplicáveis e desvirtuou o sentido de todo o esquema jurídico relativo ao cálculo da remuneração variável previsto na nova redacção, dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, à Lei 22/2013 de 26 de fevereiro, em claro benefício do Sr. Administrador de Insolvência.

O Sr. AI contra-alegou invocando, em síntese, que a decisão se 15/03/2023, que fixou a remuneração variável, não é passível de ser atacada através do mecanismo da reclamação e por conseguinte, dado que não foi objecto de Recurso, encontra-se transitada em julgado; o despacho de 4/05/2023, é de mero expediente; se o Credor Recorrente pretendia “atacar” o cálculo da remuneração variável, deveria tê-lo feito recorrendo da decisão de 15/03/2023; em função do exposto, o recurso não deve ser admitido.

A 12/06/2023 foi proferido despacho determinando que a recorrente se pronunciasse quanto à invocada inadmissibilidade do recurso interposto, e efeito a ser atribuído, caso se considere o mesmo, admissível.
Após abra vista ao MP

A credora EMP01... pronunciou-se, dizendo em síntese, que foi notificada pela 1ª e única vez da proposta da remuneração variável apresentada pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, bem como da proposta do mapa de rateio final, no dia 16 de março de 2023; analisada a proposta de distribuição e de rateio, não se conformando com os valores constante da mesma, apresentou reclamação/pronuncia, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 182.º do CIRE, no dia 27 de março, pelo que o despacho que “fixou” a remuneração variável” ou homologação da proposta de distribuição aos credores não transitou em julgado; a reclamação foi indeferida por despacho datado de 04 de maio, pelo que não resta outra alternativa à credora senão recorrer do mesmo para o Tribunal da Relação de Guimarães, uma vez que, e ao contrário do que alega o Sr. Administrador de Insolvência, não é de mero expediente, mas sim um despacho que põe termo ao processo com os pagamentos finais aos credores da insolvência da EMP02..., Lda.; o recurso deverá ser admitido nos termos do artigo 644.º do Código Processo Civil, com efeito suspensivo, atendendo que a execução da decisão irá causar prejuízo considerável à credora, que está na disposição de prestar caução.

O MP pronunciou-se dizendo que aderia à posição do Sr. AI.

A 04/07/2023 foi proferido despacho que terminou do seguinte modo:
Nesta conformidade, e porque a decisão que se pretende atacar pelo recurso interposto já transitou em julgado - a de 15.3.2023, uma vez que repete-se, o despacho de 4.5.2023, nada de novo decide, apenas reitera o já decidido e transitado em julgado, tratando-se de despacho, quanto a nós, irrecorrível – não se admite o recurso interposto.

A 07/07/2023 a EMP01... apresentou reclamação.

A 01/09/2023 o Relator proferiu decisão sumária com o seguinte teor:
Em face de tudo o exposto, considera-se sem efeito o despacho reclamado, proferido a 04/07/2023 nos autos de Insolvência e admite-se o recurso interposto do despacho de 04/05/2023, o qual é apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo (art.º 14º n.º 5 do CIRE)).

O Reclamado, AA, requereu a conferência nos termos do art.º 643º n.º 4 e 652º n.º 3 do CPC.

A 26/10/2023 foi proferido Acórdão que confirmou a decisão singular de admissão do recurso.

2. Questão a apreciar

O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139).

Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida.

As questões devem ser apreciadas de acordo com a sua precedência lógica.

Assim e em primeiro lugar, impõe-se apreciar a questão suscitada pelo recorrido e que se pode sintetizar no seguinte: a questão do cálculo da remuneração variável, foi objecto do despacho de 15/03/2023; a credora EMP01..., querendo impugnar o cálculo aceite pelo referido despacho, deveria tê-lo feito interpondo recurso do mesmo e não reclamar; tendo a credora reclamado do mesmo e não tendo interposto recurso, o mesmo transitou em julgado.

Caso esta questão seja julgada improcedente – e só nesta circunstância, porque acaso aquela questão seja julgada procedente, o recurso deve ser julgado improcedente -, então caberá verificar se a decisão recorrida – despacho de 04/05/2023 em que o tribunal considerou que o “cálculo da remuneração variável efetuado pelo Ex.mo Administrador da Insolvência está corretamente elaborado porque respeita a lei, nada havendo a corrigir” - deve ser revogado e substituído por outro que determine que a remuneração variável do Sr. AI não pode exceder € 100.000,00.

3. Fundamentação de facto

As incidências fácticas relevantes para a decisão são as indicadas no antecedente relatório e que aqui se dão por reproduzidas.

4. Fundamentação de direito

A 13/02/2023, o Sr. AI juntou aos autos o cálculo da remuneração variável, bem como proposta de rateio final.

Na mesma data foi publicado em https://www.citius.mj.pt/portal/consultas/ConsultasCire.aspxTribunal: Comarca ... – ... o seguinte Ato:
“Rateio final - proposta de distribuição e de rateio”, da qual faz parte integrante o documento “Cálculo da Remuneração Variável do Administrador Judicial”.

Depois de ter sido dada vista ao MP, a 15/03/2023 foi proferido o seguinte despacho (no que releva):
“O cálculo da remuneração variável efetuado pelo Ex.mo AI, mostra-se corretamente elaborado, fixando-se a mesma nos termos requeridos.
(…)”

Vejamos

Dispõe o art.º 613º n.º 1 do CPC (aplicável ex vi art.º 17º do CIRE) que proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

Decorre deste normativo que fica vedado ao juiz que proferiu a decisão, revogá-la ou modificá-la e, portanto, fica vedado ao juiz proceder a qualquer reapreciação do decidido, mesmo que venha a concluir pela sua manutenção.

Como se refere no Ac. da RC de 17/04/2012, processo 116/11.8T2VGS.C1, consultável in www.dgsi./jtrc, “da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão, decorre um efeito negativo, que é a insusceptibilidade de o próprio tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar, e um efeito positivo, que é a vinculação desse mesmo tribunal à decisão por ele proferida.”

A referida regra assenta em razões de certeza e segurança jurídica.

Esgotado o poder jurisdicional a sentença apenas pode ser modificada por via de recurso, quando este seja admissível ou, não sendo admissível, mediante “reclamação” (expressão utilizada no art.º 628º do CPC, o qual dispõe que “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”) e que se reporta à arguição de nulidades da sentença – art.º 615º - ou reforma da mesma – art.º 616º.

Assim dispõe o art.º 615º n.º 4 que as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

E dispõe o art.º 616º n.º 2 que não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:
a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

Nos termos do n.º 3 do art.º 613º, quer os n.ºs 1 e 2 do art.º 613º, quer os normativos seguintes são aplicáveis aos despachos.

Uma decisão que viola a regra do esgotamento do poder jurisdicional, não pode produzir quaisquer efeitos, é absolutamente ineficaz.

Decorre do disposto no art.º 628º que o “caso julgado” só se aplica a decisões susceptíveis de recurso, excluindo, portanto, as referidas no art.º 630º do CPC: despachos de mero expediente ou no uso legal de um poder discricionário, decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.

Como refere Miguel Teixeira de Sousa in Estudos de Processo Civil, Lex, pág. 568, o “caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois (…) evita que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir. Ele é, por isso, expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica.”

O caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada - Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de processo Civil, pág. 703.

O caso julgado, tornando a decisão em princípio imodificável, visa exactamente garantir aos particulares o mínimo de certeza do Direito ou de segurança jurídica indispensável à vida de relação.

E é tal a sua relevância que, como decorre do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 629º, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na violação do caso julgado.

A decisão proferida sobre objecto já coberto pelo caso julgado é ineficaz – Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 2º Volume, 3ª edição, pág. 731 (anotação ao art.º 613º) e 766 (anotação ao art.º 625º).

E muito embora o art.º 625º n.º 1 apenas se refira expressamente às decisões contraditórias, ao dispor que “[h]havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”, o principio aplicável é o mesmo ainda que as decisões sejam coincidentes, pois a tal se opõe quer o esgotamento do poder jurisdicional resultante da prolação da primeira decisão (que só admite a arguição de nulidades e a reforma da decisão nos casos expressamente previstos na lei, no caso de a decisão não admitir recurso), quer o trânsito em julgado da mesma.

O despacho de 15/03/2023 – que validou o cálculo da remuneração variável apresentado pelo Sr. AI - admitia recurso de apelação autónomo, pelo que só podia ser impugnado por essa via.

Neste contexto e com a sua prolação esgotou-se o poder jurisdicional do tribunal (art.º 613º, n.º 1 do CPC) quanto à questão do cálculo da remuneração variável do Sr. AI.

Retomando a sequência, verifica-se que a EMP01..., S.A., credora e agora recorrente, foi notificada a 16/03/2023, na pessoa do seu Ilustre mandatário, quer do despacho proferido a 15/03/2023, quer do requerimento do Sr. AI, apresentado a 13/02/2023.

E a 27/03/2023 a EMP01... apresentou requerimento a dizer que “tendo sido notificada do douto despacho fls… (V/Ref: ...48), bem como do mapa de rateio final e remuneração variável apresentado pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, e não concordando com o teor do mesmo vem, muito respeitosamente, reclamar do mesmo…”, apresentando depois as razões da discordância e concluindo nos seguintes termos:
“Termos em que se requer a V. Exa:
 Que fixe a remuneração variável do Administrador de Insolvência em 50 000,00 € + IVA nos termos e para os efeitos do n.º 8 do artigo 23.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, à Lei 22/2013 de 26 de fevereiro, ou caso não seja esse o entendimento do Tribunal, que fixe a remuneração variável no limite máximo global de 100 000,00 € + IVA em conformidade com o n.º 10 do artigo 23.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, à Lei 22/2013 de 26 de fevereiro.
 A notificação do Senhor Administrador de Insolvência para vir aos autos apresentar novo mapa de rateio, no qual espelhe o novo valor da sua remuneração variável.”

Este requerimento traduz-se, na forma e no conteúdo, numa impugnação do despacho de 15/03/2023, pois não só a requerente apresenta as razões da discordância quanto ao cálculo da remuneração variável apresentado pelo Sr. AI e validado pelo despacho de 15/03/2023, como requer a modificação do mesmo.

Tal requerimento não era admissível, pois estava esgotado o poder jurisdicional e a decisão em causa só podia ser impugnada através de recurso.

Sucede que, foi ordenada a notificação daquele requerimento ao Sr. AI e, após que se pronunciasse o MP, o que ambos fizeram, tendo o primeiro vindo dizer que o despacho de 15-03-2023, que fixou a remuneração variável do signatário em 274.549,84€, não foi objecto de qualquer recurso e por conseguinte, encontra-se (…), transitado em julgado.
           
Sucede ainda que a 04/05/2023 a Sra. Juiz a quo proferiu o seguinte despacho, que no Citius tem a referência ...73:
Concordando com o MP, entendemos que cálculo da remuneração variável efetuado pelo Ex.mo Administrador da Insolvência está corretamente elaborado porque respeita a lei, nada havendo a corrigir.

Uma vez que, como referido, com a prolação do despacho de 15/03/2023, esgotou-se o poder jurisdicional quanto à questão do cálculo da remuneração variável só podendo tal despacho ser impugnado através de recurso de apelação, não sendo aquele requerimento de 27/03/2023 o meio idóneo para tal.

Não tendo sido interposto recurso daquele despacho, o mesmo transitou em julgado.

E isto tem consequências no despacho recorrido de 04/05/202, pois que, ao pronunciar-se sobre o objecto daquele despacho de 15/03/2023, ou seja, ao pronunciar-se sobre objecto já coberto pelo caso julgado, o mesmo é ineficaz.

Mas impõe-se aprofundar a análise

A agora recorrente, aquando da notificação, em 1ª instância, para se pronunciar quanto à inadmissibilidade do recurso do despacho de 04/05/2023 veio dizer que  foi notificada pela 1ª e única vez da proposta da remuneração variável apresentada pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, bem como da proposta do mapa de rateio final, no dia 16 de março de 2023; analisada a proposta de distribuição e de rateio, não se conformando com os valores constante da mesma, apresentou reclamação/pronuncia, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 182.º do CIRE, no dia 27 de março, pelo que o despacho que “fixou” a remuneração variável” ou homologação da proposta de distribuição aos credores não transitou em julgado.

Em primeiro lugar e ao contrário do invocado pela recorrente, o seu requerimento de 27/03/2023 não tinha por objecto a proposta de rateio final, mas sim, manifestamente, o cálculo da remuneração variável apresentado pelo Sr. AI, como resulta do seu pedido:
“Termos em que se requer a V. Exa:
 Que fixe a remuneração variável do Administrador de Insolvência em 50 000,00 € + IVA nos termos e para os efeitos do n.º 8 do artigo 23.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, à Lei 22/2013 de 26 de fevereiro, ou caso não seja esse o entendimento do Tribunal, que fixe a remuneração variável no limite máximo global de 100 000,00 € + IVA em conformidade com o n.º 10 do artigo 23.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, à Lei 22/2013 de 26 de fevereiro.
 A notificação do Senhor Administrador de Insolvência para vir aos autos apresentar novo mapa de rateio, no qual espelhe o novo valor da sua remuneração variável.”

Note-se que a proposta da remuneração variável apresentada pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência e a proposta do mapa de rateio final, são realidades materialmente bem distintas, além de que, processualmente, a apresentação da proposta de rateio final e a sua tramitação, nomeadamente modo de notificação e prazo de pronuncia, está prevista na lei – art.º 182º do CIRE –, o que não sucede com a proposta de remuneração variável.

Justifiquemos sinteticamente

Liquidados os bens do insolvente, há que dar destino ao produto da liquidação, procedendo, em primeiro lugar, ao pagamento das dividas da massa (art.º 172º n.º 1 do CIRE, o qual dispõe que antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo) e aos credores que viram os seus créditos verificados e graduados ( art.º 173º do CIRE).

O art.º 51º dispõe que são dividas da massa: a) as custas do processo de insolvência; b) as remunerações do administrador de insolvência e as despesas deste e membros da comissão de credores.

Relativamente a estas últimas, dispõe o art.º 60º n.º 1 do CIRE que o administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis.

E no mesmo sentido o art.º 22º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro que estabelece o estatuto do administrador judicial.

Dispõe o n.º 4 do art.º 23º que os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:
a) 10 /prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;
b) 5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.

De referir que nos termos do n.º 10 do art.º 23º, a remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100 000 (euro) (sobre a interpretação deste normativo vd. os Acs. da RL de 20/12/2022, processo 1159/11.7TYLSB-J.L1-1 e de 22770/19.2T8LSB-F.L1-1, de 20/12/2022, ambos consultáveis in www.dgsi.pt/jtrl; Ac. da RP de 18/04/2023, proc. 1024/10.5TYVNG-N.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp; Ac. da RC de 12/09/2023, proc. 1510/14.8TBACB.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc).

E dispõe o n.º 6 que, para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.

O n.º 7 do art.º 23º dispõe:
“O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.” (a respeito deste normativo cfr. o Ac. desta RG de 25/05/2023, processo 3465/20.0T8VIS-G.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg e o mais recente Ac. de SJT de 17/10/2023, proc. 1892/19.5T8AVR-L.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj).

O n.º 5 do art.º 29º do EAJ estabelece apenas que a remuneração variável relativa ao produto da liquidação da massa insolvente é paga a final, vencendo-se na data de encerramento do processo.

Nem o CIRE nem o Estatuto regulam a apresentação do Cálculo da remuneração variável por parte do AI.

Do ponto de vista temporal, uma vez que a remuneração do Sr. AI integra uma das dividas da massa e que estas são pagas antes dos credores, a mesma há-de estar definida antes do rateio final e, portanto, há-de ser apresentada e fixada antes da proposta deste.

A distribuição do produto da liquidação pode ser efectuada: i) ao longo do processo, à medida que for sendo gerada liquidez, em virtude das operações liquidatárias, através de pagamentos parciais aos credores, mediante rateios parciais (cfr. art.º 178º do CIRE); através de uma distribuição final do remanescente, mediante um rateio final (art.º 182º do CIRE); através de uma distribuição única, a que se aplica o disposto no art.º 182º do CIRE ( cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3ª edição, pág. 670, em anotação ao art.º 182º).

Relativamente ao rateio final, já no âmbito do CIRE, o Ac. do STJ de 15/02/2018, processo 3157/12.4TBPRD-I.P1.S3, consultável in www.dgsi.pt/jstj, considerou que “[r]atear significa distribuir proporcionalmente, podendo então definir-se o rateio como a distribuição proporcional do valor total da massa (passível de distribuição, dada a retenção obrigatória em processo de insolvência de montante afecto às custas e encargos da massa, a saírem precípuas), pelos credores concorrentes.

O rateio final está previsto no art.º 182º, cujo n.º 1 dispõe que encerrada a liquidação da massa insolvente, é elaborada a conta pela secretaria do tribunal, no prazo de 10 dias, não sendo o encerramento da liquidação prejudicado pela circunstância de a atividade do devedor gerar rendimentos que acresceriam à massa.

E de acordo com o n.º 3 do mesmo preceito, após julgadas as contas e paga a conta de custas, no prazo de 10 dias, o administrador da insolvência apresenta no processo proposta de distribuição e de rateio final, … e procede à publicação da proposta na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, dispondo a comissão de credores, caso tenha sido nomeada, e os credores de 15 dias, contados desde a data da publicação, para se pronunciarem sobre a mesma.

Finalmente, nos termos do n.º 4, decorrido o prazo de 15 dias previsto no número anterior, a secretaria aprecia a proposta de rateio final, elaborando para o efeito um termo nos autos, e conclui o processo ao juiz para, no prazo de 10 dias, decidir sobre as impugnações e validar a proposta.

Do exposto decorre que a proposta de rateio final só pode ser validada depois de fixada a remuneração variável do AI, pois esta sai precípua do produto da liquidação;  e será o remanescente deste, depois de pagas as dividas da massa, que será distribuído pelos credores.

Quanto ao modo de apresentação do Cálculo da remuneração variável, será por simples requerimento.

Não regulando especificamente a apresentação do Cálculo, a lei nada diz quanto à sua notificação aos credores.

Mas, não oferece dúvidas, face aos princípios gerais (art.º 3º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi art.º 17º do CIRE), que o Cálculo há-de ser sujeita ao contraditório do devedor e dos credores, a fim de verificar se o mesmo está conforme os ditames legais.

Não regendo a lei, especificamente, a apresentação do Cálculo, a lei também não dispõe especificamente sobre o modo como deve o AI comunicar o mesmo aos credores e ao devedor.

Aliás, em geral a lei é omissa quanto à forma das notificações/comunicações entre o administrador de insolvência e os intervenientes processuais, designadamente os credores da insolvência e seus mandatários judiciais.

Tem, portanto, aplicação a regra geral do n.º 2 do art.º 9º do CIRE, o qual dispõe que salvo disposição em contrário, as notificações de atos processuais praticados no processo de insolvência, seus incidentes e apensos, com exceção de atos das partes, podem ser efetuadas por qualquer das formas previstas no n.º 5 do artigo 172.º do Código de Processo Civil.

O n.º 5 do art.º 172º dispõe que na transmissão de quaisquer comunicações e na expedição ou devolução de cartas precatórias, os serviços judicias devem utilizar o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais ou, quando tal não seja possível, a via postal, a telecópia ou o correio eletrónico, nos termos previstos em portaria do membro do governo responsável pela área da Justiça; tratando-se de atos urgentes, pode ainda ser utilizado o telegrama, a comunicação telefónica ou outro meio análogo de telecomunicações.

Note-se o que dispõe o n.º 1 do artigo 25.º da Portaria n.º 280/2013: “As notificações por transmissão electrónica de dados são realizadas através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais, que assegura automaticamente a sua disponibilização e consulta no endereço electrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt”.

A regra é que a notificação seja efectuada via Citius e só na impossibilidade de a mesma não ser possível, é que via postal.

Destarte das duas uma: ou o AI notifica os credores ele próprio ou, não notificando, a secretaria deve dar cumprimento ao disposto nos art.º 247º e segs. do CPC: nos termos do n.º 1 do art.º 247º, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais, os quais, dispõe o n.º 1 do art.º 248º, são notificados por via eletrónica nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º; se a parte não tiver constituído mandatário, dispõe o n.º 1 do art.º 249º que as notificações são efetuadas nos termos previstos no n.º 5 do artigo 219.º, quando aplicável, ou por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se, nestes casos, feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.

O n.º 4 do art.º 9º do CIRE dispõe que com a publicação, no local próprio, dos anúncios requeridos neste Código, acompanhada da afixação de editais, se exigida, respeitantes a quaisquer actos, consideram-se citados ou notificados todos os credores, incluindo aqueles para os quais a lei exija formas diversas de comunicação e que não devam já haver-se por citados ou notificados em momento anterior….

Este preceito só tem aplicação nas situações em que estiverem em causa actos relativamente aos quais a lei exige a sua publicitação por anúncio, independentemente de ser acompanhada de editais e a notificação pessoal.

Finalmente, sendo o AI nomeado pelo juiz, a sua remuneração é também fixada pelo juiz.

Retomando a sequência e em segundo lugar e quanto à alegação de que foi notificada pela 1ª e única vez da proposta da remuneração variável apresentada pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, a 16 de março de 2023, ou seja, já depois de proferido o despacho de 15/03/2023 e com a notificação deste, traduz-se a mesma, em síntese, na alegação de que não foi notificada para exercer o contraditório relativamente àquela proposta

Vejamos

Assim, uma sentença (ou um despacho) pode ser visto como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença/despacho no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in https://blogippc.blogspot.com/2020/09/nulidades-do-processo-e-nulidades-da.html que seguimos de perto).
           
Enquanto trâmite está sujeita à nulidade processual plasmada no artigo 195º do CPC, se se verificar alguma das situações nele referidas: a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Enquanto acto está sujeito à nulidade da sentença, se se verificar alguma das situações plasmadas nas diversas alíneas do n.º 1 art.º 615º do CPC, nomeadamente, a referida na alínea d), quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
           
Sendo assim, é fácil verificar que os citados vícios não se confundem.
           
A decisão proferida sem dar cumprimento ao disposto no art.º 3º n.º 3 do CPC, não constitui uma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1 do CPC, mas uma nulidade da sentença de acordo com o estabelecido na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º, a qual é aplicável aos despachos nos termos do art.º 613º n.º 3 do CPC.
           
E isto porque a decisão proferida sem que tenha sido dada a possibilidade às partes de se pronunciarem, nada tem a ver com a decisão como trâmite, mas com a decisão como acto; a audição prévia das partes é um pressuposto ou uma condição da decisão, para que a mesma não seja violadora do principio do contraditório (o “contraditório” não é um acto da tramitação do processo, mas um principio estruturante de todo o processo); a não audição prévia das partes, numa situação em que a mesma se impunha, repercute-se na própria decisão, constituindo um vicio intrínseco da mesma, que determina a nulidade da mesma por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que se pronuncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se pode pronunciar.
           
E sendo assim, a sua invocação deve ser feita através da interposição de recurso, como dispõe o n.º 4 do art.º 615º do CPC, a menos que a decisão não o admita, situação – e só nesta situação - em que a mesma deve ser arguida perante o tribunal que proferiu a decisão.

Neste sentido refere Abrantes Geraldes, in Recursos em processo civil, 7ª edição, pág. 24-25 refere:
“Dos recursos deve distinguir-se a arguição de nulidades processuais, nos termos dos art.ºs 186º e ss.
A expressão usual segundo a qual “das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se” aparenta uma simplicidade que não condiz com o que a prática judiciária revela. Importa, pois, distinguir as nulidades de procedimento das nulidades de julgamento, uma vez que, nos termos do art.º 615, n.º 4, quando estas últimas decorram de qualquer dos vícios da sentença assinalados nas als. b) a e) do n.º 1, a sua invocação deve ser feita em sede de recurso, restringindo-se a reclamação para o próprio tribunal quando se trate de decisão irrecorrível.
A ocorrência de nulidades processuais pode derivar da omissão de um ato que a lei prescreva ou da prática de ato que a lei não admita, ou admita sob uma forma diversa daquela que foi executada. Sem embargo dos casos em que são de conhecimento oficioso, tais nulidades devem ser arguidas perante o juiz (art.ºs 196º e 197º) e é a decisão que for proferida que poderá ser impugnada pela via recursória, agora com a séria limitação  constante do n.º 2 do art.º 630º, segundo o qual:
Não é admissível recurso (…) das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º (…), salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.
Tal solução deve ser aplicada aos casos em que tenha sido praticada uma nulidade processual que se projete na sentença, mas que não se reporte a qualquer das als. do n.º 1 do art. 615. Se, por exemplo, não tiver ponderada na sentença a existência de contestação que, por erro do sistema informático ou da secretaria, não foi registada ou integrada nos autos, gerando uma situação de revelia aparente., estamos perante uma nulidade processual. Assim, embora a mesma afete a sentença, deve ser objecto de prévia reclamação que permita ao próprio juiz reparar as consequências que precipitadamente foram extraídas, ainda que com prejuízo da sentença proferida. Afinal, em tal situação, não se verifica qualquer erro de julgamento, na medida em que a falha nem sequer poderia ser detetada pelo juiz.
Mas a questão nem sempre encontra uma resposta tão evidente noutros casos, designadamente quando é cometida alguma nulidade de conhecimento oficioso ou em que é o próprio juiz que, ao proferir a sentença, omite uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo principio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa (art.º 3º, n.º 3).
Nestes casos, em que a nulidade é revelada apenas através da prolação da decisão com que a parte é confrontada, a sujeição ao regime geral das nulidades processuais, nos termos dos arts. 195º e 199º levaria a que a decisão que a deferisse se repercutiria na invalidação da sentença, com a vantagem adicional de tal ser determinado pelo próprio juiz, fora das exigências e dos encargos (inclusive financeiros) inerente à interposição de recurso.
Porém, tal solução defronta-se com o enorme impedimento constituído pela regra praticamente inultrapassável, ínsita no art. 613.º, à qual presidem razões de certeza e de segurança jurídica que levam a que, proferida sentença (ou qualquer outra decisão), fica esgotado o poder jurisdicional, de modo que, sendo admissível recurso, é exclusivamente por esta via que pode ser alcançada a revogação ou modificação do teor da decisão.
Perante esta dificuldades, parece mais seguro assentar em que, sempre que o juiz, ao proferir alguma decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, a parte interessada deve reagir através da interposição de recurso sustentado na nulidade da própria decisão, nos termos do art.º 615º, n.º 1, al. d). Afinal, designadamente, quando a sentença traduza para a parte uma verdadeira decisão-surpresa (não precedida de contraditório imposto pelo art.º 3º, n.º 3) a mesma nem sequer dispõe da possibilidade de arguir a nulidade processual correspondente à omissão do ato, pelo que o recurso constitui a via ajustada a recompor a situação, integrando-se no seu objeto a arguição daquela nulidade.”

Uma vez que o referido despacho de 15/03/2023 admitia recurso, era através dele que tinha cabimento a arguição de que o mesmo não havia sido precedido do exercício do contraditório.

Não tendo a recorrente interposto recurso daquele despacho, não sendo o requerimento de 27/03/2023 o meio próprio para o impugnar, o mesmo transitou em julgado, tornando inviável qualquer posterior alegação de violação do contraditório coberta pelo mesmo.
 
Em síntese: uma vez que o despacho recorrido - de 04/05/202 – se pronunciou sobre o objecto do despacho de 15/03/2023 – o cálculo da remuneração variável do Administrador de insolvência -, pronunciou-se sobre objecto já coberto pelo caso julgado, pelo que o mesmo é ineficaz.

E sendo ineficaz, não pode produzir efeitos e, portanto, não há que apreciar o respectivo mérito.

Uma vez que a pretensão recursiva tinha por objecto a reapreciação do mérito do despacho de 04/05/2023, por invocado erro de julgamento, não sendo isso viável, por ineficácia do referido despacho, o recurso deve ser julgado improcedente.

As custas devem ficar a cargo da recorrente por vencida – art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

4. Decisão

Termos em que acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso.

Custas da apelação pela recorrente

Notifique-se
*
Guimarães, 01/02/2023
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
           
Relator: José Carlos Pereira Duarte
Adjuntos: Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais
Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício