Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
107/16.2GAVNC-A.G1
Relator: ALDA CASIMIRO
Descritores: REABERTURA DA AUDIÊNCIA
PRESSUPOSTOS LEGAIS
ARTº 12º DA LEI 94/2017 DE 23.08 E ARTº 371º-A DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) O artº 2 da Lei 94/2007 apenas se aplica a condenados em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção (condenação a título principal ou condenação a prisão em regime contínuo que resulte do incumprimento das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres ou em regime de demidetenção) o que não é manifestamente a situação do recorrente dado que nos presentes autos foi condenado em prisão efectiva.

II) Para que se proceda à reabertura da audiência, nos termos do disposto no artº 371º-A do CPP, não basta que o condenado o requeira, nem que tenha havido uma sentença condenatória transitada em julgado sem que tenha ainda cessado a execução da pena. É ainda necessário que, em abstracto, a aplicação da lei penal nova possa trazer ao condenado um benefício.

III) No caso dos autos não se verificam tais pressupostos legais e, por isso, não há lugar à pretendida reabertura de audiência ao abrigo do citado artº 371º-A, do CPP.
Decisão Texto Integral:
Relatório

No âmbito do processo sumário com o nº 107/16.2GAVNC que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Vila Nova de Cerveira, Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, foi o arguido,

Alberto, divorciado, carpinteiro, nascido a … em …, Vila Nova de Cerveira, filho de (…) e de (…), residente na Rua (…), Vila Nova de Cerveira
condenado, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, nº 1 do Cód. Penal e 69º, nº 1, al. a) do mesmo diploma, na pena de 4 (quatro) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 14 (catorze) meses.
Esta decisão transitou em julgado em 27.03.2017.

Em 11.06.2018, pretendendo o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, veio o arguido requerer a reabertura da audiência para aplicação de lei mais favorável, invocando para o efeito o disposto no art. 12º da Lei 94/2017, de 23.08.
Esta pretensão foi indeferida.
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Sem se conformar com a decisão de indeferimento, o arguido interpôs o presente recurso onde formula as conclusões que se transcrevem:

1) O arguido requereu a reabertura da audiência para que o Tribunal se pronunciasse sobre a sua pretensão de cumprir o remanescente da pena em que foi condenado em prisão domiciliária, sujeito à medida de vigilância eletrónica;
2) O Tribunal recorrido ao não permitir tal reabertura, impediu uma possível decisão que determinasse a alteração da execução da pena de prisão imposta ao arguido, para uma forma mais favorável ao mesmo arguido;
3) O Tribunal recorrido, ao proferir a decisão ora posta em crise, violou frontalmente o disposto no artigo 43º do Código Penal, na redação que lhe foi dada pela Lei 94/2017 de 23 de agosto;
4) A decisão recorrida deve ser substituída por outra na qual se determine a reabertura da audiência conforme requerido pelo recorrente, a fim de o tribunal se pronunciar sobre a pretensão do mesmo recorrente em cumprir o remanescente da pena de prisão em prisão domiciliária, sujeito à medida de vigilância eletrónica, em vez de o fazer em EP.
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A Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância, ainda que sem apresentar conclusões, pugnou pelo indeferimento do recurso.
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Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer no sentido do indeferimento do recurso.

Efectuado o exame preliminar, entende-se que o recurso deve ser julgado por decisão sumária, ao abrigo do disposto no art. 417º, nº 6, alínea d) do Cód. Proc. Penal, dado a questão a decidir já ter sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado.
Em causa estão os pressupostos para a reabertura da audiência.
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Fundamentação

O despacho recorrido tem o seguinte teor:

Nos presentes autos o arguido Alberto foi condenado por sentença transitada em julgado na pena de quatro meses de prisão.
Veio agora requerer a reabertura da audiência para aplicação de lei mais favorável, pois pretende que a pena seja cumprida em regime de permanência na habitação.
Invoca para o efeito, o disposto no art. 12º da Lei nº 94/2017, de 23 de Agosto.

Dispõe esta norma que:

1 - O condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção, por sentença transitada em julgado, pode requerer ao tribunal a reabertura da audiência para que:
a) A prisão pelo tempo que faltar seja substituída por pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; ou
b) A prisão passe a ser cumprida, pelo tempo que faltar, no regime de permanência na habitação introduzido pela presente lei.
2 - À prisão em regime contínuo que resulte do incumprimento das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres ou em regime de semidetenção pode aplicar-se o regime de permanência na habitação introduzido pela presente lei.
3 - Para efeito do disposto nos números anteriores, cada período correspondente a um fim de semana equivale a cinco dias de prisão contínua.

Daqui resulta que só o condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção pode requerer a reabertura da audiência para cumprir a pena ou o remanescente na habitação.
Ora, no caso dos autos, como se disse, o arguido foi condenado a cumprir pena de prisão efetiva. Nessa sentença foi ponderado o cumprimento da pena em regime de prisão por dias livres ou em regime de permanência na habitação, sendo que essas possibilidades foram afastadas.
Ora, do exposto resulta que o ora requerido pelo arguido terá de ser indeferido por falta de fundamento legal.
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O presente recurso tem duas vertentes:

- a reabertura da audiência ao abrigo do disposto no art. 12º da Lei 94/2017, de 23.08; e
- a reabertura da audiência ao abrigo do disposto no art. 371º-A do Cód. Proc. Penal.

Compulsados os autos verificamos que o despacho recorrido incidiu sobre o requerimento que o ora recorrente apresentou em 11.06.2018 e em que solicitou a reabertura da audiência (com vista a cumprir, em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meio técnicos de controlo à distância, o “remanescente” da pena de prisão efectiva em que foi condenado) ao abrigo do disposto no art. 12º da Lei 94/2017, de 23.08.
Ora como bem refere o despacho recorrido, o art. 12º da Lei 94/2017 apenas se aplica a condenados em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção (condenação a título principal ou condenação a prisão em regime contínuo que resulte do incumprimento das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres ou em regime de semidetenção), o que não é manifestamente a situação do recorrente dado que nos presentes autos foi condenado em prisão efectiva.

Com efeito, preceitua o citado normativo que:

1 - O condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção, por sentença transitada em julgado, pode requerer ao tribunal a reabertura da audiência para que:
a) A prisão pelo tempo que faltar seja substituída por pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; ou
b) A prisão passe a ser cumprida, pelo tempo que faltar, no regime de permanência na habitação introduzido pela presente lei.
2 - À prisão em regime contínuo que resulte do incumprimento das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres ou em regime de semidetenção pode aplicar-se o regime de permanência na habitação introduzido pela presente lei.”

Assim, e nitidamente, bem andou o Tribunal recorrido ao indeferir, por ausência dos respectivos pressupostos legais, a reabertura da audiência com tal fundamento.

Em sede de recurso, vem agora o arguido alegar que o despacho recorrido violou o disposto no art. 43º do Cód. Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei 94/2017 de 23.08.
É certo que havendo lei nova mais favorável, pode ser requerida a reabertura da audiência ao abrigo do disposto no art. 371º-A do Cód. Proc. Penal.
Efectivamente, nos termos do art. 371º-A do Cód. Proc. Penal (na redacção introduzida pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto), “se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime”.

A possibilidade de reabertura da audiência para aplicação de lei penal mais favorável, prevista no art. 371º-A do Cód. Proc. Penal, está em sintonia com o disposto no art. 2º nº 4 do Cód. Penal, que estabelece (na redacção introduzida pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro) que “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior”.

Antes das referidas alterações introduzidas nos Códigos de Processo Penal e Penal, era pacífica, pelo menos ao nível da jurisprudência, a intangibilidade do caso julgado mesmo em face de lei posterior mais favorável. Aliás, a anterior redacção do nº 4 do art. 2º do Cód. Penal ressalvava expressamente o caso julgado – “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado” – tendo-se o Tribunal Constitucional pronunciado no sentido de que este normativo não era materialmente inconstitucional na parte em que ressalva o caso julgado por não ofender o nº 4 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa (cfr. o Ac. do Trib. Constitucional nº 644/98).

Actualmente, e dadas as redacções actuais dos preceitos referidos, o caso julgado deixou de ser intangível, claramente, no que se refere à execução da pena e aos efeitos penais, pois que nesse caso, independentemente de haver ou não caso julgado, será aplicada sempre a lei mais favorável. O único limite é apenas o de já ter cessado a execução da pena e os seus efeitos penais.

Todavia, para que se proceda à reabertura da audiência, não basta que o condenado o requeira, nem que tenha havido uma sentença condenatória transitada em julgado sem que tenha ainda cessado a execução da pena. É ainda necessário que, em abstracto, a aplicação da lei penal nova possa trazer ao condenado um benefício (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10.12.2018, disponível em www.dgsi.pt).

Ora não obstante se ter verificado uma sucessão de leis penais no que concerne à execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação – agora previsto no art. 43º do Cód. Penal na redacção conferida pela Lei 94/17 e antes no art. 44º do Cód. Penal – é manifesto que da aplicação da lei penal nova não decorre em abstracto para o Recorrente qualquer benefício.

Dispunha a alínea a) do nº 1 do art. 44º do Cód. Penal que “se o condenado o consentir, podem ser executados em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: a) A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano”.

Dispõe o art. 43° do Cód. Penal, com a versão que lhe foi introduzida pela Lei 94/2017, de 23.08 que: “1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80º a 82º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no nº 2 do artigo 45º”.
Do cotejo destes normativos se verifica que a lei penal nova não acarreta qualquer benefício em abstracto para o recorrente, condenado em 4 meses de prisão efectiva e em relação ao qual já teria sido possível a aplicação do regime de permanência na habitação em substituição da execução da pena de prisão efectiva que foi aplicada se se tivesse entendido que tal realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

E repare-se que o Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 06.03.2017, que confirmou a sentença da primeira instância, ponderou e afastou a possibilidade de cumprimento pelo recorrente da pena de prisão em regime de permanência na habitação. Ali se disse que:

«É sabido que a prisão deve ser reservada aos crimes mais graves e a situações em que já não é possível, por outros meios, dissuadir o agente da prática de novos crimes, mas, como resulta do normativo citado, o regime de permanência na habitação só pode ser aplicado se realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora considerando o caso em análise, nomeadamente que o recorrente já sofreu 4 condenações pela prática de crime idêntico (condução de veículo em estado de embriaguez), tendo sido sujeito a penas de multa, prisão suspensa na execução, regime de semidetenção e nenhuma destas condenações teve a virtualidade de o afastar destas condutas delituosas, é óbvio que o regime de permanência na habitação não se afigura nem adequado nem suficiente. Em face da personalidade do recorrente revelada nos autos, para ele tal regime nunca seria entendido como uma pena, representando apenas um incómodo.

Efectivamente, no caso, a prevenção geral que o caso exige, aliada à inexistência de expectativa razoável de que esta pena de substituição possa ser eficaz relativamente ao comportamento futuro do arguido, por tudo o que já se disse, não se mostrando suficiente para evitar que o arguido reincida, antes podendo ser entendida pela comunidade e pelo próprio, dada a personalidade do arguido, como uma benesse, leva a que este regime tenha que ser afastado.»

Pelo que se tem que concluir que os pressupostos legais da reabertura da audiência, ao abrigo do disposto no art. 371º-A do Cód. Proc. Penal, também não se verificam no caso.
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Decisão

Pelo exposto decide-se negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) UCs.

Guimarães, 21.08.2018
(processado e revisto pela signatária)


(Alda Tomé Casimiro)