Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
10321/02.2TAGMR.G1
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: QUEIXA
DESISTÊNCIA DA QUEIXA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: I – A desistência de queixa constitui um ato de vontade de fazer cessar o efeito da denúncia anteriormente exercida.
II – A mera ausência de resposta do queixoso à notificação do tribunal para esclarecer se pretende prosseguir com a instância crime, ainda que com a advertência de que o seu silêncio seria entendido como desistência de queixa, não permite deduzir a existência de uma vontade de desistência do procedimento criminal.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. Nestes autos de processo comum n.º 10321/02.2TAGMR, a Exm.ª juíza do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães proferiu em 14-01-2014 o seguinte despacho (transcrição):

“A sociedade comercial “F... Têxteis SA” apresentou queixa crime e deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido e demandado Zia C..., sustentado que o mesmo praticou de um crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelo artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do DL n.° 454/91 de 28/12, o que lhe causou (também) prejuízos de natureza patrimonial (e que quantificou).

Foi deduzida acusação pela prática de tal crime, que foi recebida, e designada data para a realização da audiência de julgamento.

Entretanto, verificou-se que o arguido nunca se havia apresentado ao processo e em juízo nem se encontrava com paradeiro conhecido ou fora notificado das datas indicadas para a realização da audiência de julgamento.

Tal circunstancialismo levou ao adiamento sine die da audiência e à declaração como contumaz do aqui arguido.

Mais verificou-se que o paradeiro do arguido não é conhecido desde, pelo menos, 01.01.2002, isto é, há mais de 10 anos, pese embora as inúmeras diligências realizadas para o localizar.

Face a todo este circunstancialismo, notificou-se a empresa ofendida (na pessoa do seu legal representante) para esclarecer se pretendia prosseguir com a presente instância crime e civil e com a advertência que o seu silêncio seria entendido como desistência da queixa, da instância crime e do pedido de indemnização civil.

A ofendida nada veio dizer, pese embora notificada.

O Ministério Público pronunciou-se num primeiro momento no sentido de não ser valorado o silêncio como desistência, dado entender que esta tem de ser expressa, livre, voluntária e sem reservas. Não enunciou fatos concretos que permitissem ser ponderados pelo tribunal.

O arguido, na pessoa da sua Ilustre Mandatária (por ausente em parte incerta), não deduziu oposição à desistência de queixa e da instância civil apresentados nos autos.

Isto posto, segundo o disposto no artigo 11°-A, n.° 1, do citado diploma legal, o procedimento criminal por este tipo de ilícito depende de queixa, pelo que, sem ela, ainda que supervenientemente, fica o processo sem objeto e o Ministério Público sem legitimidade pata prosseguir sozinho criminalmente contra alguém (cfr. ainda art°s 48° e 49° do Código de Processo Penal).

Por sua vez, dispõe-se no art.° 116°, n.° 2 do Código Penal que o ofendido pode (livre na sua pessoa, consciente dos seus atos e voluntariamente) desistir da queixa que apresentou até à publicação da sentença proferida em 1ª instância, desde que a isso não se oponha o arguido.

A desistência não exige forma, tem porém de se assumir concludente, unívoca e inequívoca.

Verificando-se a liberdade da vontade e a regularidade da sua manifestação, deve, então, a autoridade judiciária (Ministério Público, quando a desistência tenha lugar em inquérito; o Juiz quando tenha lugar na fase da instrução ou do julgamento) homologar a mesma (art.° 51° do Código de Processo Penal).

Revertendo o vindo de expor ao caso concreto, temos que regularmente a queixosa manifestou a sua vontade em desistir da queixa e do presente processo ao ser notificada (através do silêncio que adotou e cuja sentido seria unicamente interpretado com esse único significado, conforme foi esclarecida), ao fim de 10 anos, para se pronunciar quanto a um processo-crime e civil que iniciou e ao qual apenas participou inicialmente; por seu turno, temos também que o arguido, através da sua Il. Defensora, dado estar em paradeiro desconhecido e contumaz, a tal desistência não se opôs (cfr. ainda, n.°s 3 e 4 do art.° 51.0 do Código de Processo Penal).

Por conseguinte, não assiste razão ao Ministério Público quando sustenta que a desistência não é expressa, porque, conforme se vem de expor, é-o. Também não colhe a alegação (vaga e imprecisa) de a mesma não ser livre, voluntária e sem reservas, porque não foi alegado, muito menos demonstrado qualquer fato nesse sentido. Assim, atento o momento em que se apreciam tais posições assumidas nos autos e a natureza semi-pública do crime de emissão de cheque sem provisão, pelo qual o arguido vem acusado, nada obsta a que haja desistência de queixa, esta seja homologada e, nessa medida, o procedimento criminal contra este não prossiga os seus termos.

Por conseguinte, deverá ser homologada a desistência de queixa apresentada pelo crime de emissão de cheque sem provisão e dela serem extraídas as legais consequências (extinção do procedimento criminal, face ao disposto no art.° 51.º do Código de Processo Penal).

Acresce que a ofendida desistiu igualmente do pedido civil (atendendo a que lhe foi pedido que informasse do seu interesse no mesmo e que, em caso de silêncio, seria este entendido como desistência quanto ao mesmo).

A desistência do pedido põe fim ao direito que se reclamava, é livre e não precisa de aceitação; só poderá, porém acontecer, se em causa estiver um direito disponível, relativo (art.° 286.°, n.° 2, e 289.° a contrario, do Código de Processo Civil).

In casu, atenta a forma efetuada, a legitimidade das partes intervenientes, o objeto do direito de que se desiste (direito de crédito) e a tempestividade da declaração, nada obsta a que se homologue, por válida e eficaz a desistência apresentada.

Consequentemente e nos termos do art.° 277.°, al. d), do mesmo Código de Processo Civil, deverá a insffincia civil extinguir-se, por extinto que fica o direito por ela reclamado (art.° 285.° do C.P.Civil).

Aqui chegados, importa decidir.

IV. Decisão:

Pelo exposto, decide-se:

a) homologar, por válida e eficaz, a desistência de queixa formulada nos autos pela ofendida “Fioturco Têxteis, SA”, nos termos e ao abrigo do disposto nos art-°s 1160 do Código Penal e artigo 11°-A, n.° 1 do DL n.° 454/91 de 28/12; e art.° 510, n.° 2 do Código de Processo Penal;

b) declarar extinto, por força de a) e nos termos do art.° 510, n.° 3 do Código de Processo Penal, o procedimento criminal instaurado nos presentes autos contra o arguido Zia C...; c) homologar, por válida e eficaz, a desistência do pedido de indemnização civil apresentada pela ofendida, nos termos e ao abrigo do disposto no art.° 283?’ e sgs. do Código de Processo Civil ex vi art.° 4.° do Código de Processo Penal;

d) declarar extinto, por força de c), o procedimento civil instaurado contra o arguido e demandado Zia C..., nos termos do art°277.°, ai. d) do Código de Processo Civil;

e) não condenar os sujeitos processuais no pagamento das custas devidas pela instância criminal, por não serem devidas (art.°s 513.° e sgs. a contrario do Código de Processo Penal)

f) condenar a demandante nas custas da instância civil, caso sejam as mesmas devidas (art.° 527.° do Código de Processo Civil).

g) declarar cessada a medida de coação imposta ao arguido. Notifique e Deposite. (…) “

O Ministério Público interpôs recurso deste despacho judicial e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição) :

1- A Mmª juíza considerando que desde 01.01.2002 se tenta localizar o paradeiro do arguido, sem sucesso e com dispêndio de recursos financeiros e humanos, decidiu notificar a empresa ofendida, na pessoa do seu representante legal, para prestar aos autos todas as informações tidas por relevantes nesse mesmo sentido e - ou para informar se mantém interesse no prosseguimento criminal e civil dos presentes autos com a expressa advertência que nada sendo dito ou requerido será o seu silêncio entendido como desistência de queixa e da vontade de prosseguir criminal e civilmente contra o arguido.

2- A notificação pessoal foi efetuada - cfr. Fls. 343 frente e verso—e nada foi requerido ou junto aos autos.

3- A Mma Juíza decidiu que regularmente a queixosa manifestou a sua vontade em desistir da queixa e do presente processo ao ser notificada através do silêncio que adotou e cujo sentido seria unicamente interpretado com esse único significado conforme foi esclarecida.

4- Salvo o devido respeito por opinião contrária entendo que não pode ser dada a relevância jurídica ao silêncio nos termos em que foi dada pela Mma Juiza.

5- Ao silêncio da queixosa não pode ser dada a mesma interpretação e consequência jurídica que é dada ao silêncio do arguido notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art° 51°, n°2 do CPP.

6- A desistência de queixa tem de ser expressa, ou seja, o titular do direito de queixa tem que declarar nos autos expressamente que desiste da queixa, queixa que também expressamente e no prazo legal apresentou.

7- Não basta, assim, a notificação com prazo fixado para o titular da queixa dizer nos autos que pretende continuar o procedimento criminal e que se nada disser se entenderá do seu silêncio que pretende desistir da queixa, precisamente ao titular da queixa que em tempo e no prazo legal manifestou e apresentou queixa dando impulso à ação penal pelo crime de natureza semi publica e que nunca manifestou interesse em desistir da queixa.

8- A desistência de queixa terá ainda que ser livre e voluntária não se compadecendo tais requisitos com a notificação do queixoso nos termos em que foi efetuada nos autos.

9- Condicionando a queixosa a um prazo para declarar nos autos se pretendia prosseguir com a instância criminal e considerar-se que o silêncio equivale a desistência de queixa, quando a mesma apresentou queixa no prazo legal e nunca veio aos autos manifestar tal intenção, dando-se, assim, relevância a um silêncio a que o legislador não deu, não poderá concluir-se que se verifica uma desistência de queixa por falta dos requisitos da mesma, nomeadamente a forma expressa, livre e voluntária que deverá estar presente em cada manifestação de desistência de queixa ou de desejo de não prosseguir criminalmente num processo onde o mesmo titular apresentou queixa expressa por crime de natureza semi publica no prazo legal.

10- Considerando-se que a desistência de queixa valorada pela Mma Juiza não obedece aos requisitos legais, não poderia tal desistência ter sido homologada e declarado extinto o procedimento criminal instaurado contra o arguido.

11- Assim, deverá tal despacho ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos.

12- Encontram-se violadas as disposições legais previstas nos art°s 116°, n° 2 do Código Penal e art° 51°, n°3 do CPP.”

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, com o seguinte teor (transcrição) :

Acompanhamos, integralmente, o teor do recurso apresentado pelo M°P° na 1ª instância.

Com dois acrescentos constituindo um uma questão prévia, sendo o outro um apontamento sobre o mérito do recuso.

2. A questão prévia tem esta a ver com a representação no processo da ofendida e demandante civil, F... Têxteis, SA, não com a do arguido Zia C... em relação à qual nada há a assinalar.

Interposto o recurso, foi dele notificada a que se diz mandatária do dita sociedade queixosa, a Dr.ª Carla F... — vd. fls. 392.

Contudo esta renunciou à procuração, como se vê a fls. 187.

Tendo-se verificado a insolvência daquela sociedade, como assinala a documentação proveniente do Registo Comercia) — vd. f 214 a 239, o administrador da insolvência constituiu novo mandatário, achando-se a sua procuração a fls. 245, ficando aquela, então, a ser representada pelo Dr. Amílcar C....

Não foi este mandatário notificado da interposição do recurso. A notificação realizada na pessoa da anterior que renunciara à procuração não possui, por isso, qualquer valor.

Não se acha, então, cumprido validamente o disposto no art. 411, n.° 6 do CPPenal. Não se acha cumprido o contraditório em relação a uma das partes processuais.

3. A segunda questão dirige-se para o mérito do recurso, para a validade da desistência de queixa.

Entendeu o decisor proceder a uma notificação, a uma concreta notificação da sociedade queixosa, aqui também demandante civil, para que dissesse no processo se “mantém interesse no prosseguimento” criminal, procedendo, do mesmo passo, a uma precisa com inação em caso de nada dizer: “será o silêncio entendido como desistência de queixa” — vd. fls. 334.

Na sequência deste despacho foi notificada, pessoalmente — vd. f 343 e verso, Célia P... na qualidade de “Legal representante da demandante F... Têxteis, SA”. Esta consta do registo comercial como sendo uma das administradoras desta — fls. 227.

Porque nada este fez constar dos autos, surgiu então o despacho agora em apreciação que extinguiu o procedimento criminal.

Ora, como já se intui do que atrás se referiu, a notificada Célia Cristina, aquando da sua notificação, a 06/09/2013, já não era a legal representante da queixosa, para o efeito pretendido. A decretada insolvência da sociedade ficou a constar do registo respectivo a 22/09/2008 — fls. 228.

Efectivamente, dispõe o art. 81 do CIRE (Código da Insolvência e Recuperação de Empresas) que a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência, acrescentando-se no seu n.°4 que este assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência.

Indiscutivelmente que a desistência de queixa, tal como a desistência do pedido de indemnização civil, constituem actos de disposição patrimonial. Os créditos que nestes autos se litigam, por via da decretada insolvência, passaram a integrar a massa falida e, como tal, ficaram sob administração do seu nomeado administrador.

A presidente da administração da sociedade não possuía, pois, legitimidade para validamente desistir da queixa determinando o destino da queixa que anteriormente havia sido concretizada. Note-se que em causa se acha a prática de crimes de emissão de cheque sem provisão sendo intrínseco aos mesmos a verificação, justamente, de prejuízo patrimonial.

O administrador da massa insolvente, nem o mandatário da mesma, em momento algum foram notificados para os termos e fins versados no despacho em causa.

Omissão que, a final, constitui, uma vez mais, violação do contraditório.

c) Assim, concluindo, salvo melhor e mais avisado saber, o recurso merecerá integral provimento devendo o despacho recorrido ser revogado, não sem antes de proceder ao legal cumprimento do disposto no art. 411, n.°6 do CPPenal no mandatário constituído da ofendida/demandante civil.

d)Recurso a julgar em conferência.”

Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo sido apresentada resposta.

2. Cumpre apreciar em primeiro lugar a questão prévia que o magistrado do Ministério Público neste Tribunal da Relação suscita invocando houve omissão da comunicação do recurso à demandante e que para esse feito deve ser notificado o mandatário do administrador da massa insolvente, Dr. Amílcar C..., em conformidade com a procuração constante dos autos a fls.

Com interesse para a decisão neste âmbito, mostram os autos o seguinte:

a) Com a participação inicial foi junto instrumento de procuração pela qual a sociedade F... TÊXTEIS, SA. com o NIPC 503322... constituiu procuradoras as advogadas Drªs Célia P..., Teresa C..., Paula C... e Rosa A... (cfr. fls. 6);

b) Posteriormente, a Srª advogada Paula C... declarou substabelecer sem reservas na Sr.ª Advogada Carla F... os poderes gerais que lhe forma conferidos por F... TÊXTEIS, SA (fls. 148 e 149);

c) A Srª advogada Carla F... declarou renunciar à procuração que lhe foi outorgada por F... TÊXTEIS, SA. (fls. 187);

d) O Dr. Manuel C..., na qualidade de administrador da insolvência da sociedade anónima F... TÊXTEIS, SA juntou instrumento aos autos pelo qual constituiu procurador da sua representada o Exm.º Sr. Dr. Amílcar C....

Segundo consta dos autos, houve sentença de declaração de insolvência e nomeação de administrador judicial, mas em 7 de Janeiro de 2009 transitou em julgado a decisão de homologação do plano de insolvência e de encerramento do processo de insolvência (vide certidão de fls. 236 e 239 e certidão a fls. 349, 353 e 354).

Ora, nos termos do artigo 233.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, encerrado o processo de insolvência: a)Cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo seguinte;b) Cessam as atribuições da comissão de credores e do administrador da insolvência, com excepção das referentes à apresentação de contas e das conferidas, se for o caso, pelo plano de insolvência (…).

Desta disposição se conclui que uma vez extinto o processo de insolvência da sociedade aqui queixosa, cessaram implicitamente as atribuições do administrador da insolvência e naturalmente os poderes de representação e o mandato, quer do administrador da insolvência quer do advogado constituído neste processo.

Salvo melhor entendimento, não se justificava a notificação do administrador da insolvência nem do mandatário, Dr. Amílcar C... para se pronunciar quanto a eventual desistência da queixa, ou do teor do despacho recorrido ou para os termos do presente recurso.

Devemos ainda notar ainda que nem o substabelecimento nem a renúncia do mandato abrangem a plenitude dos mandatos constituídos pela procuração original e ainda permanecem válidas as procurações a favor da Drª Célia P..., Teresa C... e Rosa A..., que nunca declararam substabelecer, nem renunciar ao mandato.

Segundo tudo leva a crer, a advogada Drª Célia P... é também a pessoa que hoje consta na respectiva certidão das inscrições em vigor como administrador único da sociedade ofendida (fls. 356 e 357).

Nos termos do artigo 39.º do Código de Processo Civil então em vigor e aplicável por força do artigo 4.º do Código do Processo Penal, os efeitos da renúncia do mandato produzem-se a partir da notificação “pessoal” do mandante com advertência de que sendo obrigatória a constituição de advogado, se o autor ou demandante não constituir novo mandatário no prazo de vinte dias “suspende-se a instância”.

No caso destes autos e como resulta do processado de fls. 188 a 195, nunca foi possível concretizar por qualquer forma a notificação da sociedade demandante da renúncia ao mandato.

Nestes termos e salvo melhor entendimento, a procuração e os consequentes poderes de representação da sociedade pela Srª Drª Carla F... permaneceram válidos neste processo

Em conclusão, improcede a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, inexistindo irregularidade na notificação à demandada do despacho recorrido e dos termos do recurso.

3. Em conformidade com as conclusões que delimitam o objecto do recurso e os poderes de cognição deste tribunal, a questão a decidir consiste fundamentalmente em saber se o comportamento omissivo dos representantes da sociedade ofendida significa ou constitui uma declaração de desistência da queixa formulada contra o arguido pelo cometimento de dois crimes de emissão de cheque sem provisão.

A desistência da queixa vem referida no artigo 116.º n.º 2 do Código Penal nos seguintes termos: “O queixoso pode desistir da queixa, desde que não haja oposição do arguido, até à publicação da sentença da 1ª instância. A desistência impede que a queixa seja renovada”.

Como sabemos, a desistência da queixa constitui um acto de vontade que faz cessar o efeito da denúncia anteriormente exercida.

No campo dos negócios jurídicos, a declaração negocial pode ser expressa, sendo admissível a declaração tácita, quando se deduz de factos que com toda a probabilidade a revelam e o silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção (artigos 217.º e 218.º, ambos do CC).

Do regime legal decorrente dos artigos 113.º a 116.º do Código Penal e 48.º a 51.º do Código do Processo Penal resulta que queixa tem de ser necessariamente formulada de uma forma expressa e inequívoca.

Ao contrário do que sucede em relação à renúncia da queixa, em que a lei admite uma modalidade de “renúncia tácita” (116.º, n.º 1, 2ª parte C.P.), nenhuma norma legal se refere à “desistência tácita” da queixa pela prática de actos de onde necessariamente se deduza a vontade de por termo ao processo.

Também não existe fundamento atendível, na lei, uso ou convenção que permita ao tribunal atribuir ou “cominar” um comportamento meramente omissivo ou de inacção, como de desistência do procedimento criminal. Sendo mesmo de admitir a eventualidade de esse “silêncio”, alheamento ou persistente inércia da Srª advogada se possa ter ficado a dever a vicissitudes próprias da relação de mandato ou mesmo a causas de foro pessoal.

Concluindo, a mera ausência de resposta à notificação do tribunal, ainda que com advertência nesse sentido, não permite deduzir, com toda a probabilidade, a existência de uma vontade dos órgãos próprios da sociedade em desistir do procedimento criminal.

Em consequência, não se pode manter a decisão de extinção de procedimento criminal.

4. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e em revogar o despacho recorrido no segmento em que decretou a extinção do procedimento criminal.

Guimarães, 8 de Setembro de 2014.