Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
622/12.7TBMDL.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
CONTA CORRENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Constitui título executivo um contrato de crédito em conta corrente, assinado pelo devedor, com indicação do montante mutuado e da forma de pagamento, complementado por extracto de conta corrente, que demonstre a concretização das operações subsequentes de disponibilização do capital ao mutuário e pagamentos parcelares efectuados.
Decisão Texto Integral: - Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães-
I. RELATÓRIO
Nos autos supra identificados nos quais figura como exequente Arrow G Limited e executado Carlos A e como titulo executivo um documento particular apresentado nos termos do artº 46 nº1 al c) do Código de Processo Civil (C.P.C vigente) foi proferida decisão que indeferiu liminarmente a execução, pelo facto de o título executivo não incorporar o crédito exequendo que o credor pretende exercitar com a presente acção, ao abrigo do disposto no art. 812º nº2 al. a) do Código de Processo Civil com custas pela exequente.

Descontente, apela a exequente através deste recurso que termina com as seguintes conclusões:
A) O contrato junto aos autos deve ser considerado como título executivo válido, susceptível de fazer a acção prosseguir.
B) Dele constam todos os elementos exigidos pela lei para tal.
C) O Tribunal de que se recorre fez uma interpretação errada do clausulado do contrato que constitui esse título, para além de ter tomado a decisão baseado em factos não existentes e que não foram alegados pelas partes.
D). Deste modo, o Tribunal ad quo excedeu os seus poderes de cognição, violando o princípio do dispositivo disposto no Artigo 5º do CPC.
E). Por essa razão, nunca poderia o douto Tribunal a quo aplicar o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 812º E e do artigo 820º, n.º 1, do antigo CPC.
Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência deve ser revogado despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo, proferido pelo tribunal a quo, devendo ainda ser substituído por outro que mande prosseguir os trâmites da presente acção até final.
Assim se fazendo a costumada justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos compre decidir.

Como resulta do disposto nos art.º 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, nºs 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex. officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.



A questão que se coloca no recurso ora em apreço é a de se saber se a documentação apresentada pela exequente juntamente com o requerimento inicial da execução constitui título executivo relativamente à quantia exequenda.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Uma vez que a sentença não fixou os factos com base nos quais decidiu, importa, agora, fixar os factos assentes, que se reportam ao documento oferecido pela exequente como título executivo e ao histórico dos autos que nos foi enviado:
O requerimento executivo apresentado em 30.10.2010 tem o seguinte teor:
I -DA LEGITIMIDADE ACTIVA
1. A Exequente celebrou com a Credora Originária C, S.A., Contrato de Cessão de Créditos, conforme documento que ora se junta como DOC.1 e DOC. 2 que é folha extraída do Anexo onde se comprova a cedência do contrato sub judice, que se dão por integralmente reproduzidos.
2. A Exequente é assim parte legítima na presente execução, com interesse em demandar porque é a legítima titular do crédito resultante do incumprimento do contrato.
3. A presente execução constitui meio idóneo para dar conhecimento ao devedor da cessão de créditos em termos idênticos à notificação prevista no art. 583 º do Código Civil.cf. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Setembro de 2009 e 3 de Fevereiro de 2000 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 2009, disponíveis em http://www.dgsi.pt. II-DO TÍTULO EXECUTIVO
4. Nos termos e segundo o disposto da alínea c) do nº 1 do art. 46º do CPC, constitui título executivo “os documentos particulares, assinados pelo devedor que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas neles constantes”. 5. O documento aqui dado a execução é título executivo, conforme DOC. 3, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
6. No qual reconhece a existência de uma obrigação pecuniária.
7. Sendo o montante determinável através de simples cálculo aritmético como mais à frente se explanará.
8. Montante esse calculado de acordo com as cláusulas constantes no próprio documento. III- DO CRÉDITO
10. Por documento particular outorgado foi celebrado pela C com o Executado/a, um contrato de crédito em conta corrente no montante inicial constante nas condições que constam do título executivo.
11. O executado comprometeu-se ao pagamento em prestações mensais e sucessivas.
12. O Executado/a nunca denunciou o contrato nos termos das cláusulas do contrato.
13. No entanto, desde 2008-04-04 o/a executado/a nada pagou, data em que o referido contrato de crédito foi resolvido.
14. Tendo ficado em dívida o montante de 3 772,62 €, conforme extracto de conta corrente que se junta como DOC. 4 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
15. Nos termos das cláusulas do contrato, em caso de resolução devido ao incumprimento do executado, existirá um acréscimo de 8% sobre o capital em dívida, a título de cláusula penal.
16. Assim sendo, o valor em dívida é de 3 772,62 €.
17. Aquela quantia venceu juros legais desde a data atrás referida até à data da propositura da presente execução os quais são, neste momento no valor de 1 433,60 €.
18. Pelo que, é pois a quantia exequenda de 5 206,22 €, à qual acrescem juros vincendos até integral e efectivo pagamento, bem como todas as custas de parte, a apurar a final.

Com data de 03.11.2012 foram juntos os seguintes documentos (identificados no requerimento executivos com doc. 3):
Documento apelidado de “contrato de crédito pessoal” no qual vem aposto o nome e os dados de identificação do executado como 1.º titular, o valor do seu ordenado liquido, estando assinalada a opção € 3.000,00 em prestações de € 80,19, em 72 mensalidades com a TAEG de 23,44%. No mesmo documento está preenchida a autorização de débito em conta, com os dados bancários do executado, constando deste documento uma assinatura que reproduz o nome do executado e a data de 18.12.2007.
Documento apelidado de “Contrato de Crédito em Conta Corrente” datado de 18.12.2007 assinado pela Cofidis e onde consta uma assinatura que reproduz o nome do executado.

Extracto de conta corrente, de 20/12/2007 a 31/03/2009 (identificado no requerimento executivo como doc. nº 4) que se inicia pelo movimento positivo de € 3000,00, do qual constam registados pagamentos feitos por conta e a falta de pagamento com data de 04.04.2008.

Citado o executado no âmbito da execução não veio apresentar oposição.

De Direito
Em apreciação temos, portanto, a questão de saber se os documentos juntos ao processo constituem título executivo.
Entendemos que sim.
Como sabemos um dos pressupostos específicos da acção executiva, porventura o mais importante, é que o dever de prestar conste de um título, o título executivo. Sem este pressuposto, formal pela sua natureza, inexiste o grau de certeza que o sistema tem como necessário para o recurso à acção executiva, ou seja, à realização coactiva de uma determinada prestação. Tal título há-de oferecer a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito que se pretende executar.
Como refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1999, pág. 87, “o título executivo constitui pressuposto de carácter formal da acção executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de acção e o seu objecto, assim como a legitimidade activa e passiva para a acção”.
Nenhuma acção executiva deve ter seguimento sem que o tribunal de execução interprete o título que lhe serve de fundamento e, sempre que existam dúvidas acerca do tipo ou do objecto da obrigação titulada, o título não é exequível e o credor tem de recorrer previamente a uma acção declarativa de condenação ou de simples apreciação – cf. Lebre de Freitas in “A acção executiva depois da reforma da reforma”, 5.ª edição, pág. 35, nota 2.
De entre as diversas espécies de título executivo há que considerar aqui a que o art.º 46º do CPC indica sob a respectiva al. c) do nº 1: «Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto»(conforme se refere na decisão recorrida nos termos das disposições conjugadas dos art. 6.º, n.º 3 e 8.º da Lei 41/2013, de 26 de Junho, as disposições do Novo CPC não se aplicam à presente execução, uma vez que a mesma se iniciou a antes de 01/09/2013)
É exactamente esta espécie de título executivo que está aqui em causa.
O documento dado à execução formaliza um contrato de crédito em conta corrente e encontra-se assinado pelo devedor. Diz-se na sentença sob recurso que, “pode levantar-se a questão de saber se os documentos dados à execução encerram a constituição de uma qualquer obrigação por parte do executado já que do clausulado dos documentos não resulta com clareza a que se obrigou o executado, a razão porque se obrigou, se o montante foi efectivamente desembolsado pelo exequente e em que data devem ser pagas as prestações nele inscritas”.
Em face dos elementos concretos dos autos não pode concordar-se com a conclusão extraída.
Com efeito, dos documentos juntos resulta o valor do capital mutuado, as mensalidades a pagar e o tempo de duração das mesmas.
Embora como refere a decisão recorrida no documento que parece ser uma conta corrente não conste nenhum nome, a coincidência dos dados que do mesmo constam com o requerimento executivo faz acreditar que se reporta ao contrato em causa.
Infere-se claramente, que a quantia que o executado solicitou que lhe fosse mutuada - € 3000,00 -, foi efectivamente entregue na data de 01 de Fevereiro de 2008, seguindo-se diversos pagamentos da prestação mensal convencionada, vários débitos não pagos por falta de provisão na conta que suportava o débito em conta autorizado até que deixou de pagar com inicio em 04.04.2008 e se verifica a transição do contrato para contencioso.
Sabemos que o contrato de abertura de crédito em conta corrente. […é] – segundo lição de Luís Miguel D. P. Pestana de Vasconcelos,” A cessão de créditos em garantia e a insolvência, Em particular da posição do cessionário na insolvência do cedente, Coimbra Editora, Outubro de 2007, págs. 664 e 666 -, entre nós, um contrato nominado, integrado nas operações de banco (art. 362.º do Código Comercial), mas legalmente atípico. O elemento caracterizador da abertura de crédito consiste na disponibilização de uma quantia pecuniária ao beneficiário (o creditado), que este poderá de forma diversa mobilizar durante o prazo contratualmente fixado. […] A abertura de crédito poderá ainda ser simples ou em conta corrente. Nesta última hipótese, o beneficiário poderá ir fazendo restituições do crédito utilizado, o que permite dessa forma ir repondo, na medida em que o fizer, a disponibilidade. Se não for inserida a cláusula de conta corrente, o beneficiário só poderá utilizar o crédito uma vez, ou então por diversas vezes através de utilizações parciais, mas em qualquer caso, nesta modalidade de abertura de crédito [simples], as restituições que o beneficiário faça da quantia utilizada não permitem repor a disponibilidade.”
Note-se que, como diz este mesmo autor, poderá estar em causa a utilização imediata da totalidade do crédito concedido (pág. 665).
A obrigação exequenda reconduz-se ao reembolso do crédito mutuado, sendo para o caso irrelevante que as prestações sejam de imediato exigíveis, na totalidade, com a resolução operada pela exequente.
É que tais prestações são aquelas a que o executado se obrigou, são o montante em dívida do crédito que lhe foi concedido no âmbito do contrato escrito junto aos autos como título executivo.
Se a exequente viesse reclamar uma indemnização resultante, por exemplo, de danos emergentes, aí sim o documento não poderia constituir título executivo, uma vez que essa obrigação já não decorreria apenas do compromisso contratual assumido pelo executado, mas também de factores extrínsecos ao clausulado contratual, nomeadamente os factos consubstanciadores de tais danos.
No presente requerimento executivo não se pretende obter senão o pagamento da quantia em dívida, atinente ao reembolso do crédito concedido acrescido de 8% sobre o capital em divida a título de cláusula penal, nos termos acordados.
Indemnização esta que se encontra estabelecida nas cláusulas contratuais, cujo critério para a definição e delimitação da indemnização não requer ulterior indagação antes encontra suficiente suporte no documento apresentado como título.
Veja-se que no documento intitulado conta corrente estão feitas as contas devidas, encontrando-se, pois, a obrigação determinada e liquidada, outras contas não sendo preciso fazer.
Tal reembolso constitui obrigação expressa e pessoalmente assumida pelo devedor no contrato que agora titula a execução.
Releva, para o caso ainda, o facto de citado o executado o mesmo não ter apresentado oposição à execução.
Pelo que verificado o incumprimento e a resolução contratual a exequente ao pedir a restituição ou reembolso da totalidade do crédito mutuado limita-se a suscitar a efectivação do seu direito contratual, sem que sejam necessárias ulteriores ou mais amplas indagações.
O título executivo é suficiente e a obrigação aritmeticamente determinável.
Não se vê, pois, fundamento para retirar a tal documento a força de título executivo.
No seu “Manual da Acção Executiva”, p. 33, Eurico Lopes Cardoso referia linearmente:
“O que, em todo o caso, é indispensável, nos termos expressos da alínea c) do artigo 46º, para os documentos particulares poderem constituir títulos executivos, é que estejam assinados pelo devedor e que deles conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas ou de entrega de coisas fungíveis”.
Do mesmo modo, Amâncio Ferreira sublinha que “deve, assim, o título reunir a dupla exigência de conter uma obrigação que se pretende executar e cumprir as condições formais que o apresentem apto para a execução” - “Curso de Processo de Execução”, p. 42.
Diga-se, finalmente, que, como refere Lopes do Rego, in «Comentários ao Código de Processo Civil» Vol. I. 2.ª Edição, Almedina, 2004, a pág. 83, no caso de exigibilidade da obrigação prevista no artigo 804.º do CPC – por exemplo, por a obrigação estar dependente de uma prestação por parte do credor -, se pode fazer a sua prova complementar, defendendo este autor que, em tais condições, possa valer como título executivo o contrato de concessão de crédito, determinando-se, por essa prova, a real concessão do crédito ainda não pago.
Do que fica dito resulta, assim, a procedência das conclusões do recurso, com a necessária revogação da decisão recorrida, que será substituída por outra que ordene a prossecução da execução.

Sumário:
Constitui título executivo um contrato de crédito em conta corrente, assinado pelo devedor, com indicação do montante mutuado e da forma de pagamento, complementado por extracto de conta corrente, que demonstre a concretização das operações subsequentes de disponibilização do capital ao mutuário e pagamentos parcelares efectuados.
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento da execução.
Sem custas.
Notifique
Guimarães, 23 de junho de 2016
(Maria Purificação Carvalho)
(Espinheira Baltar)
(Henrique Andrade)