Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2231/21.0T8VRL.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: PEDIDO DE NULIDADE DE SENTENÇA
CONHECIMENTO DE MÉRITO EM AUDIÊNCIA PRÉVIA
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - A autoridade de caso julgado implica uma aceitação de uma decisão proferida numa ação anterior, decisão esta que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda ação, enquanto questão prejudicial, constituindo, assim, uma vinculação à decisão de distinto objeto posterior. Ao abrigo da autoridade do caso julgado não é admissível a repetição de uma causa, não pode ser novamente apreciada a mesma questão, estando o tribunal vinculado à primeira decisão.
2 – As nulidades da sentença são as previstas no artigo 615.º do CPC, não podendo peticionar-se a nulidade de uma sentença e/ou de um acórdão de tribunal superior com base na nulidade dos negócios jurídicos prevista no artigo 280.º do CC.
3 – A sentença transitada em julgada só pode ser objeto de revisão com os fundamentos do recurso de revisão previstos no artigo 696.º do CPC.
4 – A litigância de má-fé é um instituto que visa acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, destinando-se a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

M. P. deduziu ação declarativa contra M. H. pedindo que se declare a nulidade da sentença proferida a 3 de fevereiro de 2020 nos autos do processo n.º 309/19.0T8VRL do Juízo Central Cível de Vila Real – Juiz 1; do acórdão proferido a 5 de novembro de 2020 pelo Tribunal da Relação no mesmo processo; dos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça a 17 de junho de 2021 e a 28 de setembro de 2021, no mesmo processo, com as legais consequências, designadamente, não produzindo os efeitos a que tendiam e ainda de não se reconhecer à autora nos autos do processo n.º 309/19.0T8VRL do Juízo Central Cível de Vila Real – Juiz 1, aqui ré, M. H., o direito de haver para si o prédio vendido, melhor identificado no artigo 29.º da petição inicial dos referidos autos, nem se substituindo à 2.ª ré, “X – Comércio de Micro Informática, Lda.” na respetiva titularidade, mediante o pagamento do preço declarado na escritura de compra e venda. Mais pede que a ré seja condenada a reconhecer este pedido e que seja condenada nas custas.

Alegou, sumariamente, que vendeu à sociedade “X – Comércio de Micro Informática, Lda.” um prédio rústico do qual era arrendatária rural a ré e que esta intentou ação de preferência que veio a ser julgada procedente em 1.ª instância, tendo-lhe sido reconhecido o direito de haver para si o identificado prédio, mediante o pagamento do preço respetivo. Após ter sido proferida esta sentença, a autora e a X distrataram a compra e venda que haviam celebrado e a X interpôs recurso da sentença, sucessivamente, para o Tribunal da Relação e para o Supremo, pretendendo, com a junção do referido distrate, que se julgasse extinta a instância por inutilidade e/ou impossibilidade superveniente da lide. Tais recursos foram julgados improcedentes e a sentença da 1.ª instância confirmada.
Considerando que as sentenças proferidas configuram atos jurídicos, entende que os mesmos são nulos por o seu objeto, após o distrate, se ter tornado fisicamente impossível e contrário à lei.
A ré contestou, excecionando a autoridade do caso julgado. Peticionou a condenação da autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor da ré, de montante não inferior a € 14.760,00, destinada a compensá-la das despesas que terá de suportar com a defesa, incluindo os honorários ao seu mandatário.
A autora respondeu à matéria de exceção, pugnando pela sua improcedência, bem como pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé e pede que a ré seja condenada como litigante de má-fé.
Teve lugar a audiência prévia, tendo o Sr. Juiz informado os mandatários ser sua intenção conhecer do mérito da causa, concedendo a palavra aos mandatários das partes para, querendo, sobre tal se poderem pronunciar, os quais declararam não quererem fazê-lo.

De seguida foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido e condenou a autora como litigante de má-fé no pagamento de uma multa de 5 UC e no pagamento de uma indemnização à ré no valor de € 500,00. A ré foi também absolvida do pedido de condenação como litigante de má-fé.

A autora interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

1 – O Tribunal recorrido proferiu decisão por entender que o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação total, dos pedidos deduzidos tendo dispensado a designação de audiência final, com produção de qualquer prova.
2 – A Recorrida na sua petição inicial alegou os factos constitutivos da existência do seu invocado direito e para demonstração da factualidade indicou prova testemunhal e documental, meios de prova estes que tinham como objetivo demonstrar o direito/nulidade que invoca, a qual era essencial para se proceder à boa descoberta da verdade, e nessa sequência, pela justa procedência ou improcedência da ação.
3 - Nestes termos, ao dispensar a produção de prova quando esta se mostrava indispensável à correta apreciação da ação, a decisão recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 595º, nº 1 al. b) do C.P.C e 342º do Código Civil, devendo em consequência ser julgado procedente o presente recurso nesta parte.
4 - Em 8 de Fevereiro de 2019, a R. interpôs contra a A. e a X – Comércio de Micro Informática, Limitada uma Ação Declarativa com Processo Comum, com o seguinte pedido: Ser reconhecido à A., aqui R., o direito de haver para si o prédio vendido, substituindo-se à 2ª. R., aqui X – Comércio de Micro Informática, Limitada, na titularidade, mediante o pagamento do preço declarado na escritura de compra e venda; Ser ordenado o cancelamento do registo de aquisição e inscrição relativa à apresentação 4202 de 11/01/2019 do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia de ..., sob o número .../19901102; Serem as Rés condenadas nas respetivas custas e demais despesas judiciais que correu termos sob o Processo Nº.: 309/19.0T8VRL do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Central Cível de Vila Real – Juiz 1.
5 - A 3 de Fevereiro de 2020, foi proferida sentença judicial a qual decidiu: Reconhecer à Autora M. H. o direito de haver para si o prédio vendido, melhor identificado no artigo 29º da petição inicial, substituindo-se à 2ª Ré, X – Comércio de Micro Informática, Lda., na respetiva titularidade, mediante o pagamento do preço declarado na escritura de compra e venda; Ordenar o cancelamento do registo da aquisição e inscrição relativa à apresentação 4202 de 11/01/2019 do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia de ..., sob o número .../19901102; Julgar totalmente improcedente a reconvenção, pelo que absolveu a autora reconvinda dos pedidos; Com custas a cargo da ré contestante, quer da ação quer da reconvenção.
5 - A iniciativa e proposta da compra e venda efetuada pela A. à X – Comércio de Informática, Lda. foram realizadas por iniciativa desta como compradora e foi aceite pela A. por razões de amizade pessoal existente entre a A. e o sócio-gerente e legal representante da X – Comércio de Informática, Lda.. Engenheiro F. T. pelo que não sendo possível a compra e venda entre estes intervenientes, a A. não pretendeu manter tal negócio válido e em vigor entre as partes.
6 - No dia nove de Março de dois mil e vinte, no Cartório Notarial em Vila Real, sito na Quinta …, Lote .., Loja …, perante M. B., NIF ………, respetiva Notária, compareceram L. C. que interveio na qualidade de procurador de M. P. e F. T., que interveio na qualidade de sócio e gerente em representação da sociedade denominada “X-COMÉRCIO DE MICRO INFORMÁTICA LDA.”, tendo pelos outorgantes sido dito que pela presente escritura distrataram a referida escritura de Compra e Venda, tendo a constituinte do primeiro outorgante já restituído à sociedade X-COMÉRCIO DE MICRO INFORMÁTICA LDA o preço que ela pagou na escritura revogada, através do cheque número .............4, sacado sobre o Banco ..., no dia da escritura.
7 - Notificada do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a X- Comércio de Micro Informática, Lda. interpôs recurso de revista excecional e em 17 de Junho de 2021, foi proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, de cujo Sumário é: As hipóteses previstas de apresentação de documentos na fase de recurso, limitam-se às situações em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se torna necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente prever antes da decisão proferida, surgindo, pro isso, pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento. A apresentação de documento com as alegações do recurso de apelação, formado em data posterior á da prolação da sentença na 1ª instância e cuja produção se encontre na inteira disponibilidade do interessado, só deve ser admitido se o recorrente demonstrar as razões da sua “tardia” realização, de molde a afastar quaisquer dúvidas que pudessem surgir sobre a eventual negligência daquele na sua produção. O distrate da alienação não prejudica o exercício do direito de preferência cujo reconhecimento se peticiona, conforme decorre do disposto no art. 1410, nº 2 do C.C.. Tendo sido junto com a petição inicial um exemplar do contrato de arrendamento rural invocado na ação com vista ao exercício do direito de preferência na alienação feita a terceiros do prédio objeto daquele contrato, mostra-se cumprida a exigência prevista na Lei 76/77, não relevando, para este efeito, a questão de saber se o mesmo enferma ou não, de patologias que possam pôr em causa a sua validade. O contrato de arrendamento rural celebrado antes da publicação do DL nº 201/75 de 14.4.1975, diploma que revogou os artigos 1064º a 1082º do Código Civil e veio impor a redução a escrito do contrato de arrendamento rural, não está sujeito a forma especial, podendo ser celebrado verbalmente. O vício que possa afetar o contrato de arrendamento rural, não reduzido a escrito, corresponde a uma “nulidade atípica”, já que o contrato se encontra sujeito à possibilidade de “validação” e se veda a legitimidade para a sua invocação à parte que tenha recusado a formalização. A lei reguladora do direito de preferência é a vigente à data da celebração do ato de alienação, por o direito legal de preferência não passar de uma faculdade que integra o conteúdo do direito do arrendatário e que, só a prática do negócio translativo da propriedade, sem que o senhorio lhe tenha oferecido a preferência, o transforma em direito potestativo. O vinculado à preferência deve comunicar ao preferente o projeto do contrato “ajustado”, bem como as cláusulas essenciais, designadamente a identificação do bem a vender, o preço convencionado, as condições de pagamento e a data da celebração do respetivo contrato. Para além disso, deverá ainda transmitir-lhe os elementos que, em cada caso concreto, possam influir sobre a decisão do preferente de exercer, ou não, o seu direito, negando provimento ao recurso, acordou-se em confirmar a decisão recorrida.
8 - A X – Comércio de Micro Informática, Lda. pediu a reforma da decisão, a qual foi indeferida.
9 – As partes distrataram a referida escritura de Compra e Venda, tendo a constituinte do primeiro outorgante já restituído à sociedade X-COMÉRCIO DE MICRO INFORMÁTICA LDA o preço que ela pagou na escritura revogada, através do cheque número .............4, sacado sobre o Banco ..., no dia da escritura e por conseguinte, ocorreu no presente caso uma revogação do contrato por comum acordo, com eficácia retroativa entre as partes sendo o chamado contrato extintivo ou abolitivo ou “contrarius consensus” – artigo 406º, nº 1 do C.C. - as partes, por mútuo consentimento, extinguem a relação contratual existente entre eles.
10 - As partes com um novo consenso, dito ainda de mútuo dissenso, puseram fim às consequências da relação obrigatória existente entre si e esta eliminação de efeitos jurídicos do primeiro contrato terá uma eficácia ex tunc, conforme a vontade das partes, expressa e deduzida das circunstâncias do caso concreto, de tal maneira, que a A. restituído à sociedade X-COMÉRCIO DE MICRO INFORMÁTICA LDA o preço que ela pagou na escritura revogada, através do cheque número .............4, sacado sobre o Banco ..., no dia da escritura, ou seja, o efeito extintivo foi querido com eficácia retroativa o que implica até mais uma resolução do que uma revogação.
11 - Por conseguinte, deixaram de estar reunidos os requisitos para o invocado exercício do direito de preferência por parte da A., estipulado no artigo 31º, nº 2 do Decreto-Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro sendo que daquele normativo não resulta que o distrate não impede o exercício do direito de preferência que nasceu com o negócio distratado e desta maneira, é admissível e legítimo o entendimento segundo o qual, no âmbito do arrendamento rural o distrate impede o exercício do direito de preferência que nasceu com o negócio distratado.
12 - A sentença judicial proferida a 3 de Fevereiro de 2020 nos autos do Processo Nº. 309/19.0T8VRL do Juízo Central Cível de Vila Real – Juiz1; o acórdão proferido a 5 de Novembro de 2020 pelo Tribunal da Relação nos autos do Processo Nº 309/19.0T8VRL.G1 – Apelação em Processo Comum extraída dos autos de Ação de Processo Comum nº 309/19.0T8VRL do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – V. Real – JC Cível – Juiz 1; os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça a 17 de Junho de 2021 e a 28 de Setembro de 2021; são atos jurídicos, dispondo o artigo 295º do CC que aos atos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis as disposições dos negócios jurídicos, de entre elas a do artigo 280º, nº 1 do C.C., nos termos do qual é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível e contrário á lei.
13 – A sentença judicial proferida a 3 de Fevereiro de 2020 nos autos do Processo Nº. 309/19.0T8VRL do Juízo Central Cível de Vila Real – Juiz1; o acórdão proferido a 5 de Novembro de 2020 pelo Tribunal da Relação nos autos do Processo Nº 309/19.0T8VRL.G1 – Apelação em Processo Comum extraída dos autos de Ação de Processo Comum nº 309/19.0T8VRL do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – V. Real – JC Cível – Juiz 1; os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça a 17 de Junho de 2021 e a 28 de Setembro de 2021; são atos jurídicos nulos porquanto o respetivo objeto, designadamente na parte em que decidiram: a) Reconhecer a M. H. o direito de haver para si o prédio vendido, substituindo-se à X – Comércio de Micro Informática, Lda., na respetiva titularidade, mediante o pagamento do preço declarado na escritura de compra e venda; e b) Ordenar o cancelamento do registo da aquisição e inscrição relativa à apresentação 4202 de 11/01/2019 do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia de ..., sob o número .../19901102, é fisicamente impossível e contrário à lei.
14 - Tais atos são fisicamente impossíveis, porquanto o negócio preferido a compra e venda celebrada entre a A. e a X – Comércio de Micro Informática, Lda. foi distratado entre estas partes, pela escritura pública de 9 de Março de 2020, que, assim extinguiram a relação contratual existente entre elas, ou seja, tal negócio deixou de ter existência legal, material, física e jurídica de onde decorre que as prestações jurídicas decorrentes das decisões judiciais acima expostas traduzem-se e consistem em atos materialmente irrealizáveis dado que não é possível à R. substituir-se à X – Comércio de Micro Informática na titularidade do prédio vendido, mas que foi distratado.
14 – Tais atos são contrários à lei, porquanto, não só o negócio preferido a compra e venda celebrada entre a A. e a X – Comércio de Micro Informática, Lda. foi distratado entre estas partes, pela escritura pública de 9 de Março de 2020, como também porque das disposições conjugadas dos artigos 406º, nº 1 do C.C. e 31º do Decreto-lei nº 294/2009, de 13 de Outubro, relativo ao Direito de Preferência, não resulta que o distrate não impede o exercício do direito de preferência que nasceu com o negócio distratado.
15 - Estamos perante nulidade da sentença judicial proferida a 3 de Fevereiro de 2020 nos autos do Processo Nº. 309/19.0T8VRL do Juízo Central Cível de Vila Real – Juiz 1; do acórdão proferido a 5 de Novembro de 2020 pelo Tribunal da Relação nos autos do Processo Nº 309/19.0T8VRL.G1 – Apelação em Processo Comum extraída dos autos de Ação de Processo Comum nº 309/19.0T8VRL do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – V. Real – JC Cível – Juiz 1; dos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça a 17 de Junho de 2021 e a 28 de Setembro de 2021.
16 - Com as legais consequências, designadamente não produzindo os efeitos a que tendiam, e ainda de não se reconhecer à A. nos autos do Processo Nº. 309/19.0T8VRL do Juízo Central Cível de Vila Real – Juiz 1, aqui R., M. H. o direito de haver para si o prédio vendido, melhor identificado no artigo 29º da petição inicial dos referidos autos, nem se substituindo à 2ª Ré, X – Comércio de Micro Informática, Lda., na respetiva titularidade, mediante o pagamento do preço declarado na escritura de compra e venda a nulidade é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal – artigo 285º do C.C..
17 - Atendendo ao distrate da compra e venda que a A. e a X – Comércio de Micro Informática, Lda realizaram e ao facto de consequentemente deixar de assistir à arrendatária rural o direito de preferência que lhe foi reconhecido nas decisões em crise, estamos perante a nulidade prevista nos termos do n.º 1 daquele artigo 280º do Código Civil, porquanto, o respetivo objeto, designadamente na parte em que decidiram reconhecer a M. H. o direito de haver para si o prédio vendido, substituindo-se à X – Comércio de Micro Informática, Lda., na respetiva titularidade, mediante o pagamento do preço declarado na escritura de compra e venda e ordenar o cancelamento do registo da aquisição e inscrição relativa à apresentação 4202 de 11/01/2019 do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia de ..., sob o número .../19901102 são fisicamente impossíveis e contrários à lei.
18 - No processo n.º 309/19.0T8VRL a ali autora M. H. pretendeu que: Fosse reconhecido o direito de haver para si o prédio rústico (que melhor identificou) vendido pela 1.ª Ré (M. P.) à 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), mediante o pagamento do preço declarado na escritura pública de compra e venda; Fosse ordenado o cancelamento do registo da aquisição e inscrição relativa à apresentação 4202 de 11/10/2019, do dito prédio a favor da 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), em 09 de Março de 2021 foi realizada escritura na qual as partes distrataram a referida escritura de compra e venda, em 16 de Março de 2020 a X – Comércio de Micro Informática, Lda interpôs recurso de apelação da sentença proferida no processo n.º 309/19.0T8VRL para o Tribunal da Relação do Porto o qual, por acórdão, entendeu para além do mais e com interesse que: o documento superveniente apresentado em sede de recurso não se destina a trazer ao processo facto novo (somente então alegado) tendo antes de referir-se a facto ocorrido antes do encerramento da discussão em 1ª instância, devidamente introduzido na causa no respetivo articulado ou em articulado superveniente, que tem como limite temporal justamente aquele encerramento da discussão em 1ªa instância, não tendo naqueles autos sido analisada a pretensão da X – Comércio de Micro Informática, Lda em distratar a escritura de compra e venda e a mesma declarada improcedente.
19 - O que o Tribunal da Relação analisou foi a junção aos autos pelas partes de documento superveniente na fase de recurso e quais os requisitos a que o mesmo deve obedecer para ser considerado superveniente.
20 – Nos presentes autos não estamos perante uma nulidade da sentença e dos acórdãos nos termos dos artigos 613º a 617º e 666º a 685º todos do CPC, antes, através dos presentes autos a A. alega que a sentença judicial proferida a 3 de Fevereiro de 2020 nos autos do Processo Nº. 309/19.0T8VRL do Juízo Central Cível de Vila Real – Juiz 1; o acórdão proferido a 5 de Novembro de 2020 pelo Tribunal da Relação nos autos do Processo Nº 309/19.0T8VRL.G1 – Apelação em Processo Comum extraída dos autos de Ação de Processo Comum nº 309/19.0T8VRL do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – V. Real – JC Cível – Juiz 1; os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça a 17 de Junho de 2021 e a 28 de Setembro de 2021 são atos jurídicos, aos quais quando não sejam negócios jurídicos são aplicáveis as disposições dos negócios jurídicos – artigo 295º do CC – de entre elas a do artigo 280º, n.º 1 do CC nos termos do qual é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível e contrário à lei.
21 – Naquele processo n.º Processo n.º 309/19.0T8VRL que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Central Cível, Juiz 1 as partes – Autores e Réus – eram distintos das partes constituídas nessas qualidades nestes autos, sendo que também o pedido e a causa de pedir são distintos em ambos os processos, uma vez que no processo n.º 309/19.0T8VRL estava em causa o direito de preferência da autora M. H., enquanto que nos presentes autos está em causa que a sentença e os acórdão, enquanto atos jurídicos, sejam declarados atos jurídicos nulos porquanto o respetivo objeto é fisicamente impossível na sequência da escritura de distrate feita em 09-03-2020 através da qual ocorreu uma revogação do contrato com eficácia retroativa entre as partes.
22 - Nos presentes autos não se discute se assiste, ou não, a M. H. o direito de haver para si o prédio vendido em causa substituindo-se à 2ª Ré, X – Comércio de Micro informática, Lda., na respetiva titularidade, mediante o pagamento do preço declarado na escritura de compra e venda, tudo na sequência do direito de preferência, antes discute-se que a sentença e os acórdãos, enquanto atos jurídicos, são fisicamente impossíveis, contrários à lei e consequentemente atos nulos porquanto o negócio preferido a compra e venda entre a A. e a X – Comércio de Micro Informática, Lda foi distratado entre estas partes pela escritura de 09 de Março de 2020, como também porque das isposições conjugadas dos artigos 406º, n.º 1 do CC e 31º do Decreto-Lei n.º 294/2009 de 13 de Outubro relativo ao Direito de Preferência, não resulta que o distrate não impede o exercício do direito de preferência que nasceu com o negócio distratado inexistido a exceção de caso julgado, isto é, a função negativa da eficácia do caso julgado material.
23 – Inexiste autoridade de caso julgado na medida em que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto apreciadas no processo n.º 309/19.0T8VRL e decididas não são nem se assemelham às que a A. aqui pretende ver apreciadas e discutidas inexistindo, pois a necessária relação de prejudicialidade.
24 - O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos n.º 280º n.º 1, 295º, 406º, n.º 1 ambos do Código Civil, artigo 31º do Decreto – Lei 294/2009 de 18 de Outubro e artigos 619º, 621º e 581º todos do Código de Processo Civil.
Noutro segmento,
25 – A A. não atuou com má-fé, uma vez que, para que se mostre verificado tal instituto o que importa é que exista uma "intenção maliciosa (má fé em sentido psicológico) e não apenas com leviandade ou imprudência (má fé em sentido ético)" (Manuel de Andrade, ob. cit., pag. 358): não basta pois a imprudência, o erro, a falta de justa causa, é necessário o querer e o saber que se está a atuar contra a verdade ou com propósitos ilegais ("no dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida - dolo directo - ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial - dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se, dos meios e poderes processuais, um uso manifestamente reprovável" - Menezes Cordeiro, ob. cit., pag. 380).
26 - O fundamental é a equiparação ou aproximação do dolo à má-fé (ob. loc. cit.) ou, como diz José Alberto dos Reis, "na base da má-fé está este requisito essencial, a consciência de não ter razão. Não basta pois o erro grosseiro ou a culpa grave, é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição infundada" (Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra Editora, 1982, pag. 263).
27 - A factualidade alegada pela A. e o por ela peticionado - declaração de nulidade da sentença e dos acórdãos proferidos no processo n.º 309/19.9T8VRL, como fundamento jurídico de os mesmos violarem o disposto no artigo 280º, n.º 1 do CC, não é, por si só, fundamento de condenação como litigante de má-fé pois, caso contrário, muitos Réus sentir-se-iam inibidos de recorrerem a tribunal para exercerem os direitos que entendem estarem na sua esfera jurídica.
28 - É legítimo à Autora instaurar ação tendente à declaração de nulidade da sentença e dos acórdãos se a mesma entende que tal nulidade existe ao abrigo do artigo 280º, n.º 1 do CC, pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao entender que a A. atuou em litigância de má-fé, pois o facto de a A. ter instaurado os presentes autos tal não significa que a mesma não estivesse, como está, convicta de que a sentença e os acórdãos enfermam de nulidade.
29 - A A. não atua com dolo ou negligência grave, antes, atuou convicta de tudo o que alegou e que justificou com a matéria de direito que invocou, devendo ser absolvida do mesmo e consequentemente da indemnização a que foi condenada.
30 - O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto no arigo 542º, n.º 1 e 2 do CPC.
31 - Caso o Tribunal da Relação de Guimarães não entenda todo o supra exposto, sempre diremos que o valor da multa em 5 UC é exagerada e totalmente desproporcional, violando inclusivamente o estipulado no artigo 27º, n.º 4 do CPC.
32 - O artigo 27º n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais estabelece que a multa por litigância de má fé é fixada entre 2 UC e 100 UC, e que o seu montante dada a sua natureza de sanção deverá sempre obedecer aos princípios de adequação e proporcionalidade.
33 - É isso mesmo que resulta do artigo 27º n.º 4 do RCP que determina que o montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.
34 - Atendendo a que o próprio tribunal desconhece se a A. tem dificuldades financeiras, não se compreende nem se concebe que este mesmo Tribunal tenha condenado em 5 UC sendo este valor totalmente desproporcional por não respeitar a situação económica do agente, nem ter em conta a repercussão da condenação do seu património, conforme estipulado pelo artigo 27º, n.º 4 do RCP e caso douto Tribunal da Relação entenda ser de manter a condenação da A. por litigância de má-fé, deve o valor da multa ser aplicado pelo mínimo, isto é, 2 UC pois só assim se respeitará os princípios de adequação e proporcionalidade.
35 - O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 27º, n.º 4 do RCP

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, em consequência, deve a decisão recorrida ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, assim se fazendo a costumada e boa…JUSTIÇA.

A ré contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a possibilidade de o tribunal conhecer de mérito no saneador, sem necessidade de produzir prova; se ocorre caso julgado ou autoridade de caso julgado; se é possível declarar a nulidade das sentenças e acórdãos proferidos por estarmos perante actos jurídicos aos quais são aplicáveis as disposições dos negócios jurídicos; finalmente, averiguar se a autora deveria ou não ter sido condenada como litigante de má-fé.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Factos provados:

1 - A A. vendeu um prédio rústico à X - Comércio de Micro Informática, Lda.
2 - Posteriormente, a aqui R., arrogando-se o direito de preferência na venda realizada, enquanto arrendatária rural do prédio vendido, propôs ação contra a aqui A. e contra a X - Comércio de Micro Informática, Lda., pedindo que se lhe reconhecesse o direito de haver para si o prédio vendido, substituindo-se à compradora, na sua titularidade.
3 - Por decisão proferida na 1ª instância, tal pedido foi julgado procedente.
4 - Após ter sido proferida tal decisão, a aqui A. e a X - Comércio de Micro Informática, Lda., distrataram a compra e venda que haviam celebrado.
5 - A X - Comércio de Micro Informática, Lda., recorreu dessa decisão, para o Tribunal da Relação de Guimarães, pretendendo vê-la revogada, invocando, nomeadamente, ter ocorrido o distrate da compra e venda realizada, o que implicava a declaração de extinção da instância, com fundamento em inutilidade superveniente da lide.
6 - O Tribunal da Relação de Guimarães apreciou tal questão, julgando improcedente a exceção dilatória de inutilidade e/ou impossibilidade superveniente da lide, confirmando a sentença recorrida.
7 - A X - Comércio de Micro Informática, Lda., recorreu, para o STJ, da decisão do Tribunal das Relação de Guimarães, invocando, nomeadamente que, por força do distrate da compra e venda realizado, deixou de assistir à ali A., o direito de preferência.
8 - O STJ proferiu decisão, transitada em julgado, que julgou o recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida, decidindo, nomeadamente que, o distrate da alienação nunca poderia prejudicar o exercício do direito de preferência cujo reconhecimento foi peticionado na ação, conforme decorre expressamente do disposto no art. 1410º, n º 2, do CC., improcedendo assim, também nessa parte, o recurso.

A primeira questão colocada pela apelante prende-se com o imediato conhecimento do mérito da causa na audiência prévia sem que tenha sido dada a possibilidade às partes de produzirem a prova elencada nos articulados, designadamente, a prova testemunhal que a autora arrolou na petição inicial.
Verifica-se que a audiência prévia, que foi regularmente convocada nestes autos, destina-se, exatamente, entre outros, a facultar às partes a discussão de facto e de direito quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa – alínea b) do n.º1 do artigo 591.º do CPC.
Na audiência prévia foi anunciado às partes a intenção de se conhecer do mérito da causa e foi-lhes dada a possibilidade de se pronunciarem, tendo os mandatários declarado não quererem fazê-lo. As questões de que cumpria conhecer estavam já discutidas nos articulados e às partes foi dada a possibilidade de se pronunciarem em audiência prévia, pelo que foi observado o princípio do contraditório, não tendo sido proferida qualquer decisão que pudesse considerar-se uma decisão-surpresa.
Ora, o juiz deve conhecer do pedido sempre que não exista matéria controvertida suscetível de justificar a elaboração de temas de prova e a realização da audiência final, ou seja, quando o estado do processo possibilite tal decisão, sem necessidade de mais provas.
A apelante refere que havia necessidade de se produzir prova e que indicou prova testemunhal e documental que não foi produzida, mas, na verdade, não indica os factos, controvertidos, que estariam sujeitos a prova e também não se vislumbra quais seriam. Todos os factos com interesse para a decisão puderam ser considerados com base na prova documental junta aos autos, sendo certo que o distrate da escritura de compra e venda, em que a autora baseia o seu pedido de nulidade das sentenças, foi considerado (n.º 4 dos factos provados), sendo irrelevante a alegada relação de amizade que teria estado na base da compra e posterior distrate, uma vez que o que releva, em sede de autonomia e liberdade contratual, é o próprio distrate e não os motivos que conduziram ao mesmo.
Assim, não existindo factos controvertidos a apurar, o juiz devia conhecer, como conheceu, imediatamente, do pedido, improcedendo, nesta parte, o recurso.

Prosseguindo, entende a apelante que “é admissível o entendimento segundo o qual, no âmbito do arrendamento rural, o distrate impede o exercício do direito de preferência que nasceu com o negócio distratado”, sustentando-se para tal no facto de nada se dizer a propósito no artigo 31.º do DL n.º 294/2009, de 13 de outubro, relativo ao direito de preferência no regime do arrendamento rural (ao contrário do que dispõe o artigo 1410.º, n.º 2 do Código Civil).

Conforme decorre dos factos provados, a sentença proferida no processo n.º 309/19.0T8VRL, reconheceu à aqui ré, o direito de haver para si o prédio que a aqui autora havia vendido à X - Comércio de Micro Informática, Lda. (com fundamento no direito de preferência da aqui ré, enquanto arrendatária rural do prédio vendido, na venda do mesmo), substituindo-se a aqui ré à ali compradora, na respetiva titularidade.
A X - Comércio de Micro Informática, Lda., recorreu dessa decisão, para o Tribunal da Relação de Guimarães, pretendendo vê-la revogada, invocando, nomeadamente, ter ocorrido o distrate da compra e venda realizada, o que implicava a declaração de extinção da instância, com fundamento em inutilidade superveniente da lide.
O Tribunal da Relação de Guimarães apreciou tal questão, julgando improcedente a exceção dilatória de inutilidade e/ou impossibilidade superveniente da lide, confirmando a sentença recorrida.
Aí se refere, designadamente, que: “Não pode o documento em causa (escritura de distrate) ser admitido nos autos, já que se reporta a factos novos, de verificação posterior ao encerramento da discussão em primeira instância, momento que o artigo 611.º, n.º 1 in fine, do CPC fixa como limite derradeiro da sua atendibilidade (…) O que se trata aqui é de uma realidade bem diversa, já que o dito documento não se reporta ao âmbito dos factos que integravam o objeto do litígio, à respetiva discussão e prova, pretendendo antes certificar uma intencional e posterior alteração do mesmo, nomeadamente pela revogação do negócio onde a autora pretendia preferir.”
O acórdão prossegue, especificamente quanto à questão da impossibilidade superveniente da lide em função do distrate, citando o artigo 1410.º, n.º 2 do Código Civil, para concluir que: “As preferências legais conferem ao respetivo titular a faculdade de, em igualdade de condições, se substituir a qualquer adquirente da coisa sobre que incidem, em certas formas de alienação. Do exercício do direito de preferência resulta apenas uma modificação subjetiva do negócio de alienação: substituição do adquirente pelo preferente. Ora, a afirmação de que o distrate (rescisão por mútuo acordo) da alienação não prejudica o direito de preferência vem já do texto da reforma de 1930 como reação contra um expediente de que o comprador e vendedor se serviam para afastar o direito do preferente, quando viam a situação perdida; e manteve-se a expressão distrate (e não se usou o termo resolução ou rescisão) para acentuar o caráter voluntário do acto, sempre posterior à alienação (com várias citações de Antunes Varela). (…) A inerência que implica a eficácia real, significa que o direito do preferente atinja o imóvel, quaisquer que sejam as vicissitudes fáticas ou as atuações jurídicas de que seja objeto”.
E, finalmente, julgando improcedente a exceção dilatória de inutilidade/ impossibilidade supervenientes da lide, ao concluir que “a revogação pelas respetivas partes do primitivo negócio de alienação é, porém, inoponível à autora, M. H.”
Irresignada com tal decisão, a X - Comércio de Micro Informática, Lda., recorreu, para o STJ, da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, invocando, nomeadamente, que, por força do distrate da compra e venda realizado, deixou de assistir à ali A., o direito de preferência.
O STJ proferiu decisão, transitada em julgado, que julgou o recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida, decidindo, nomeadamente que, “o distrate da alienação nunca poderia prejudicar o exercício do direito de preferência cujo reconhecimento foi peticionado na ação, conforme decorre expressamente do disposto no art. 1410º, n º 2, do CC. Com efeito, e tal como refere Antunes Varela e Pires de Lima, a afirmação de que a rescisão por mútuo acordo da alienação (o distrate) não prejudica o direito de preferência é tida como uma reação contra um expediente de que o comprador e vendedor se serviam para afastar o direito de preferência, quando viam a situação perdida (CC Anotado, vol. III, Coimbra Editora, pág. 381)”
Assim, ainda que a ora autora/apelante entenda o contrário, já não pode vir sustentá-lo nesta ação, uma vez que, quer o Tribunal da Relação, quer o Supremo Tribunal de justiça consideraram que o distrate não prejudicava o direito de preferência que havia sido reconhecido à ali autora, aqui ré.
Tais decisões transitaram em julgado e, transitada em julgado a sentença que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória, dentro do processo e fora dele, nos termos do disposto no artigo 619.º do CPC.
É claro que se pode opor que as partes nas duas ações não foram as mesmas – na ação de preferência era autora a aqui ré e rés a aqui autora e a sociedade “X – Comércio de Micro Informática, Lda.” (apesar de apenas esta ter recorrido para a Relação e para o Supremo) e nesta ação os papéis invertem-se, sendo autora a que ali foi ré (vendedora do imóvel) e ré a que ali foi autora (preferente) -, sendo, de igual forma, diversos a causa de pedir e o pedido, apesar de, na fase de recurso, o pedido ter sido o mesmo que agora se repete, ou seja, que o distrate implique que deixem de estar reunidos os requisitos para o exercício do direito de preferência.
Ora, conforme é sabido e resulta do disposto nos artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil, a exceção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, pretendendo-se evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. Mais se explicita que a causa se repete quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, sendo que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
Com esta exceção de caso julgado pretende-se tutelar, no essencial, o prestígio e a credibilidade da função judicial e os valores da segurança jurídica e da certeza do direito – Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, vol. I, Almedina, pág. 660.
Na verdade, “seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse de constantemente defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalguns dos processos eles lhe serem negados pela respectiva sentença”, concluindo que “se a sentença reconheceu, no todo ou em parte, o direito do autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que poderia ter deduzido com base num direito seu (p. ex., ser ele, réu, o proprietário do prédio reivindicado)...” Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, págs. 306 e 324.
Contudo, como é sabido e resulta da evolução da jurisprudência e doutrina a exceção dilatória de caso julgado pode apresentar-se numa outra vertente, referente à violação da autoridade do caso julgado emergente da sentença proferida no primeiro processo.
«Desde que uma sentença, transitada em julgado, reconhece a alguém certo benefício, certo direito, é absolutamente indispensável, para que haja confiança e segurança nas relações sociais, que esse benefício, esse direito, esses bens constituam aquisições definitivas, isto é, que não lhe possam ser tirados por uma sentença posterior. Se assim não fosse, se uma nova sentença pudesse negar o que a primeira concedeu, ninguém podia estar seguro e tranquilo; a vida social, em vez de assentar sobre uma base de segurança e de certeza, ofereceria o aspecto da insegurança, da inquietação e da anarquia. (…) Depois de esgotados todos os meios que a lei processual põe à disposição dos litigantes para se assegurar o triunfo do direito, a sentença fica revestida de força obrigatória e de autoridade incontestável, por mais contrária que seja, afinal, à verdade dos factos e à pureza da lei» - assim define e explica o sentido da autoridade do caso julgado o Professor Alberto dos Reis, no seu “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 94.
Como defende Teixeira de Sousa, citado no Acórdão da Relação de Guimarães de 21/05/2013, in www.dgsi.pt, a autoridade de caso julgado implica uma aceitação de uma decisão proferida numa ação anterior, decisão esta que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda ação, enquanto questão prejudicial, constituindo, assim, uma vinculação à decisão de distinto objeto posterior.
Assim, “a decisão de mérito produzida num determinado processo, confirmando ou constituindo uma situação jurídica, pode, em variados casos, ser vinculativa noutros processos onde se vise a apreciação ou constituição de outras situações jurídicas com ela conflituantes. É ainda importante salientar a tendência jurisprudencial na defesa de que uma questão essencial num primeiro processo vincula a decisão do outro tribunal que julga a segunda ação. Com a autoridade do caso julgado, os tribunais ficam vinculados às decisões uns dos outros, quanto a questões essenciais. Se a decisão em causa foi decisiva para a procedência ou improcedência da ação, impõe-se aquela autoridade, não podendo o tribunal da segunda ação julgá-la em contrário, mesmo que a causa de pedir seja diferente” - Silva Carvalho, O Caso Julgado na Jurisdição Contenciosa (como excepção e como autoridade - limites objectivos) e na Jurisdição Voluntária (haverá caso julgado?), citado no Acórdão da Relação de Guimarães supra referido.
Veja-se, a propósito, o acórdão da Relação de Lisboa de 18.4.2013, processo n.º 2204/10.9TBTVD.L1.2, in www.dgsi.pt, que é lapidar: “A autoridade de caso julgado de sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica. Enquanto esta tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade - de sujeitos, de pedido e de causa de pedir - aquela implica a proibição de novamente ser apreciada certa questão, podendo actuar independentemente da mencionada tríplice identidade.”

No caso dos autos, a questão do distrate da compra e venda e os efeitos que tal negócio pudesse ter sobre o direito de preferência já reconhecido à aqui ré por sentença, já foi apreciada e conhecida, quer no Acórdão do Tribunal da Relação, quer no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que transitou em julgado, pelo que, por efeito da autoridade do caso julgado, não podia tal questão ser conhecida numa nova ação interposta apenas com o objetivo de obter sentença de conteúdo oposto àquele.
Nem pode a agora autora vir interpor ação, com base nos mesmos factos, mas enquadrando-os de forma diferente, de molde a tentar obter nesta ação aquilo que não conseguiu naquela.
Como refere Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, pags.178 e segs., “A paz e a ordem na sociedade civil não permitem que os processos se eternizem e os direitos das partes reconhecidos pelo juiz após uma investigação conduzida pelo juiz de acordo com as normas legais voltem a ser contestados sob qualquer pretexto”
Assim, bem se decidiu em 1.ª instância, quando aí se escreveu: “Tendo sido reconhecido à aqui ré o direito de preferência na venda que a aqui autora realizou à “X – Comércio de Micro Informática, Lda.” e, tendo até sido decidido especificamente, que o distrate havido, não prejudicava tal direito, não pode agora proferir-se uma decisão que tal contrarie ou que com ela seja incompatível, como seria declarar-se as decisões em causa nulas, pois que tal nulidade teria a consequência de “desreconhecer” o direito de preferência da aqui ré, de “desreconhecer” à aqui ré o direito de haver para si o prédio em causa, substituindo-se à compradora na respetiva titularidade, contrariando, assim, na prática/em termos de efeitos, o anteriormente decidido”.
Improcede, assim, nesta parte, a apelação.

Independentemente do que fica dito sobre a autoridade do caso julgado, que implica a impossibilidade de conhecer o pedido formulado nesta ação, sempre se dirá, ainda, o seguinte, quanto à pedida nulidade das decisões judiciais proferidas no processo n.º 309/19.0T8VRL:
Aduz a apelante que as sentenças são actos jurídicos e que aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos, se aplicam as disposições dos negócios jurídicos, pelo que tais sentenças/acórdãos seriam nulos por o seu objeto ser física ou legalmente impossível e contrário à lei – artigos 280.º e 295.º do Código Civil.
Em primeiro lugar, deve dizer-se que não se vê como o objeto da sentença que conferiu o direito de preferência à ré possa considerar-se física ou legalmente impossível ou contrário à lei, considerando que o distrate só foi efetuado após ter sido proferida a decisão em 1.ª instância e que, este distrate, como já vimos, é inoponível à ré, nos termos do artigo 1410.º, n.º 2 do CC.
Por outro lado, o artigo 295.º do CC estabelece que são aplicáveis aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos, as disposições dos artigos relativos aos negócios jurídicos “na medida em que a analogia das situações o justifique”, tendo-se em mente, claramente, as relações entre privados (veja-se os exemplos fornecidos por Antunes Varela e Pires de Lima, in CC Anotado, vol. I, pág. 270, em anotação a este artigo.
Ora, para as sentenças está previsto expressamente um regime próprio de nulidades – as enumeradas no artigo 615.º do Código de Processo Civil – e quanto às decisões transitadas em julgado, apenas é possível revê-las nos termos constantes do disposto no artigo 696.º e seguintes do CPC relativos ao recurso de revisão.
Assim, claramente, que não é aplicável às decisões judiciais o disposto no artigo 280.º do CC, quanto à nulidade do negócio jurídico e ao seu efeito retroactivo, improcedendo, também aqui, a pretensão da apelante.

Fica para analisar a questão da litigância de má-fé.
Na sentença recorrida entendeu-se que a autora litiga com má-fé por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar – artigo 542.º, n.º 2 do CPC.
Aí se refere o seguinte: “A A. viu proceder a ação que contra ela fora instaurada, onde foi reconhecido o direito de preferência da aqui R., na venda de um prédio rústico que a aqui A. fizera à X -Comércio de Micro Informática, Lda.
Tendo tido conhecimento da sentença proferida em 1ª instância, juntamente com a X, distrataram então a venda que fora objeto do direito de preferência reconhecido pelo tribunal de 1ª instância.
A X interpôs então recurso dessa decisão, invocando o distrate realizado, pugnado no sentido de que tal distrate implicava a inutilidade superveniente da lide.
Tal recurso foi julgado improcedente.
A X recorreu então para o STJ, invocando, nomeadamente que, por força do distrate havido, deixou de assistir à arrendatária rural o direito de preferência.
O STJ decidiu que, o distrate da alienação nunca poderia prejudicar o exercício do direito de preferência cujo reconhecimento foi peticionado na ação, conforme decorre expressamente do disposto no art. 1410º, n º 2, do CC., julgando o recurso interposto improcedente, inclusive nesta parte.
Sabedor de todas estas decisões, transitadas em julgado, instaurou agora a A., a presente ação, cujo objetivo é o de (pondo este tribunal - na prática como tribunal de 4ª instância -, a reapreciar as decisões, não só do STJ, mas também as demais anteriores) fazer reverter o resultado daquelas decisões, quando, por todos, em geral, é sabido (muito mais o sendo pela A., patrocinada por advogado e sabedora de todas as decisões que haviam sido proferidas) que, uma vez proferida uma decisão de mérito que reconheceu um determinado direito e transitada a mesma em julgado, essa decisão vincula as partes nesse processo e fora dele, não podendo ser objeto de nova ação e de nova decisão que a contrarie.
Ao intentar a presente ação, a A. não deveria ignorar e, não ignorava, a falta de fundamento da sua pretensão, inserindo-se a mesma numa tendência própria de quem nunca se resigna com as decisões judiciais que lhe são desfavoráveis, mesmo que transitadas em julgado, e que leva a que procure sempre mais um expediente processual, através do qual tente reverter essas mesmas decisões transitadas em julgado”.
Temos que concordar com o assim decidido.
O instituto em causa acautela um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, destinando-se a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça – destina-se a combater a específica virtualidade da má-fé processual, que transforma a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial – cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual Por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados No Processo, Almedina, pp. 55 e 56.
A condenação como litigante de má-fé há-de afirmar a reprovação e censura dos comportamentos da parte que, de forma dolosa ou, pelo menos, gravemente negligente (situações resultantes da inobservância das mais elementares regras de prudência, diligência e sensatez, aconselhadas pelas mais elementares regras do proceder corrente e normal da vida), pretendeu convencer o tribunal de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou a versão dos factos relativos ao litígio ou que fez do processo ou meios processuais uso manifestamente reprovável.
Face às decisões anteriores, às exceções de caso julgado/autoridade de caso julgado e ao valor do trânsito em julgado, bem como às normas processuais relativas às nulidades das sentenças e à possibilidade de rever sentença transitada em julgado, a autora não podia ignorar a falta de fundamento da sua pretensão. Não se trata de ter deduzido uma pretensão cujo decaimento sobreveio em virtude da fragilidade da prova ou por existirem diversas correntes jurisprudenciais ou doutrinais sobre o assunto, casos em que não poderá concluir-se pela má-fé, considerando a garantia de um amplo acesso aos tribunais, própria de um Estado de Direito.
Acontece é que a autora, representada por mandatário, não podia ignorar a falta de fundamento da sua pretensão, sendo que “basta que à parte seja exigível esse conhecimento, cabendo-lhe indagar se a sua pretensão era concretamente fundamentada no plano de facto e de direito. A parte pratica um acto desconforme e provocador de um dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir, devia ter observado os deveres de indagação que sobre ela impendiam; o desconhecimento quanto à falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável, tanto relevando a negligência consciente, como a negligência inconsciente” – cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, CPC Anotado, vol. I, pág. 593, citando Paula Costa e Silva, A Litigância de Má-Fé, pág. 394.
Daí que, no caso dos autos, seja evidente a litigância de má-fé da autora.
E nada há a opor, também, quanto ao valor fixado a título de multa, pois considerando os limites mínimo e máximo que a lei estabelece – de 2 a 100 UC (artigo 27.º, n.º 3 do RCP), o valor de 5 UC só peca por escasso, face ao comportamento da autora já exaustivamente analisado nos autos.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
***
Guimarães, 26 de maio de 2022

Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira