Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
308/19.IPBBGC.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ELEMENTOS TÍPICOS DO CRIME
CONDENAÇÃO ARGUIDO
FACTOS CARACTERIZADORES PERSONALIDADE
PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) No crime de violência doméstica, visando-se proteger muito mais do que a soma dos diversos ilícitos típicos que o podem preencher, está em causa a dignidade humana da vítima, a sua saúde física e psíquica, a sua liberdade de determinação, que são brutalmente ofendidas, não apenas através de ofensas, ameaças ou injúrias, mas essencialmente através de um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade e humilhação.
II) Assim, o que importa saber é se a conduta do agente, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre esta, evidencia um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal da mesma que permita classificar a situação como de maus tratos típicos, atendendo ao risco qualificado que a situação apresenta para a saúde psíquica da vítima.
III) Representam esse potencial de agressão que supera a proteção oferecida pelos crimes de injúria, ameaça e perseguição, revelando desprezo e desconsideração pela vítima e provocando-lhe maus tratos psíquicos atentatórios da sua dignidade, com afetação da saúde psíquica, os comportamentos do arguido traduzidos em repetidas insistências em contactar com a ex-namorada e ex-companheira e em reatarem o relacionamento afetivo, contra a vontade dela, com perturbações do sossego e tranquilidade da mesma, nomeadamente, passando regularmente pelo seu local de trabalho e olhando para ela, enviando-lhe mensagens, telefonando-lhe e tocando à campainha insistentemente de madrugada, querendo falar com ela, atirando-lhe um objeto à persiana do quarto, ameaçando partir tudo, desferindo pontapés à porta do prédio e partindo o respetivo vidro, e dizendo-lhe “tu queres é dar a cona a todos, por isso é que tu não queres estar mais comigo”, persistindo nesses comportamentos, indiferente ao facto de, na mesma noite, a PSP se ter deslocado ao local por três vezes, bem como, em duas ocasiões distintas, ameaçar a integridade física da ofendida e de outros rapazes com quem a mesma se quisesse vir a relacionar, coartando-lhe, assim, a sua liberdade de decisão e de ação, que assim se sentiu perturbada na sua tranquilidade, vigiada e envergonhada, tendo medo de se encontrar com o arguido e que o mesmo concretizasse as suas ameaças, vivendo num clima de medo, insegurança e intranquilidade.
IV) As condutas anteriores do arguido que não tenham dado lugar a qualquer condenação, como sucede, por exemplo, em caso de extinção do procedimento criminal por desistência de queixa, homologada na sentença após fixação dos factos provados, e arquivamento em caso de dispensa de pena ou suspensão provisória do processo, não devem ter qualquer peso especial na medida da pena por não se verificar a anterioridade de uma solene censura penal.
V) Todavia, esses elementos já podem ser valorados para determinar a medida da culpa e /ou as exigências de prevenção, desde se possa dizer que tais comportamentos anteriores contribuem para caracterizar uma personalidade do ponto de vista da sua conformação com o direito, não funcionando nunca automaticamente, mas exigindo-se que se encontrem relacionados com o facto cometido, tendo com ele uma conexão estrita e inquestionável.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de Tribunal Singular, com o NUIPC 308/19.1PBBGC, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo Local Criminal de Bragança, foi proferida sentença, datada e depositada a 15-07-2019, a:

«a) Condenar o arguido R. B., pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a)[1] do Código Penal na pena de 20 (vinte) meses de prisão efetiva.
b) Condenar o arguido na pena acessória de obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica.
c) Arbitrar a quantia de 1.500 € (mil e quinhentos euros) a título de reparação pelos prejuízos sofridos pela ofendida A. M., condenando o arguido no seu pagamento.
d) Condenar o arguido nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) unidades de conta (UC) artigos 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 e tabela III anexa do Regulamento das Custas Processuais.» (transcrição[2]).

2. Inconformado, o arguido recorreu da sentença, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:

«1ª
Conforme decorre do dispositivo da douta Sentença recorrida, o exponente foi condenado na pena de 20 (vinte) meses de prisão efetiva, pela prática em autoria material de um crime de violência doméstica, na forma consumada, previsto e punível pelo artº 152º, nº 1, alínea b) e nº 2, do Código Penal.

No nosso entendimento e salvo melhor opinião, existem na aludida decisão pontos de facto que foram incorretamente julgados pelo Tribunal de 1ª Instância.

Concretamente e pelas razões plasmadas na motivação que antecede e que aqui damos por reproduzidas, a matéria factual vertida no ponto 29 do elenco dos factos considerados provados deveria ter sido considerada como não provada.

No concernente ao episódio a que se reportam os factos descritos de 17 a 29 da factualidade considerada provada na Sentença ora em crise, a ofendida situa-os no dia 3 de Junho.

O arguido negou ter proferido aquela expressão mas é relevante também salientar que a testemunha J. L. da mesma forma desmentiu categoricamente que o arguido tenha pronunciado a frase injuriosa ínsita no sobredito ponto 29.

Daqui se extrai que no mínimo fica a pairar uma dúvida insanável quanto à ocorrência desta chamada telefónica nas condições descritas na decisão ora impugnada e sobretudo quanto às circunstâncias em que ela se desenrolou.

Muito menos se deveria ter considerado provada a expressão acima indicada, visto que a ofendida foi perentória em situar esta chamada não no dia 3 ou 6, mas no dia 5 de Junho, dia em que se verificou o episódio constante dos pontos 33 a 35, inclusive, do elenco dos factos provados.

Cremos por isso que o Tribunal recorrido deveria ter incluído no elenco dos factos não provados o aflorado teor do aludido ponto 29, como corolário e em obediência ao princípio constitucional do in dubio pro reo.

O recorrente não concorda que a matéria de facto que deveria ter sido considerada provada, na sua globalidade consubstancie esse ilícito criminal e pelo qual foi condenado.
10ª
Não infligiu agressões físicas à ofendida e as expressões que lhe dirigiu, quanto a nós, enquadradas num contexto de conflitualidade, ciúmes, melindre e avaliadas no em que se desenrolaram, não merecem a forte censura que a douta sentença lhes atribuiu, nem assumem uma gravidade intensa ao ponto de atentarem contra a dignidade da pessoa humana da vítima, sendo que e ademais, ocorreram durante um curtíssimo lapso temporal.
11ª
Notemos que o arguido nunca proferiu ameaças contra a vítima, ao invés, as parcas e pontuais ameaças que vêm provadas na douta Sentença dirigiram-se sempre a terceiros.
12ª
Neste trilho, também haverá que sublinhar que in casu houve provocação e atitudes impróprias da vítima, o que deve ser valorado.
13ª
Na nossa perspetiva, a despeito de o arguido ter assumido comportamentos desajustados e grosseiros que naturalmente merecem reprovação, a verdade é que achamos que em momento algum colocou a ofendida numa situação humanamente humilhante e degradante.
14ª
Colocar uma vítima numa situação humilhante e degradante é algo muito sério e socialmente delicado, e prende-se com dramas humanos que, na nossa visão, não se comparam com os factos in casu apurados.
15ª
O arguido não dirigiu palavras ou expressões obscenas e atentatórias da honra e da consideração social da ofendida.
16ª
Não obstante, as cenas lastimosas que fez para chegar ao diálogo com ela e que o envergonham e que foram degradantes sobretudo para si.
17ª
E no que concerne à ameaça dirigida pelo arguido à ofendida e seus amigos, esta ocorreu num contexto e num ambiente de franca e manifesta provocação da vítima.
18ª
Para mais, o último episódio dos autos já remonta ao pretérito dia 15 de Junho de 2019 e desde então não mais os envolvidos se encontraram nem se estabeleceu qualquer contacto entre ambos.
19ª
No caso em apreço Venerandos Desembargadores, a conduta do arguido não se nos afigura, só por si, suficiente para representar a afetação do bem jurídico protegido pela norma que incrimina a violência doméstica, não consubstanciando uma ofensa à dignidade da pessoa humana.
20ª
O exponente tem pautado a sua vida pelo respeito às normas jurídicas que regem a vida em sociedade, tem trabalho e hábitos de trabalho, conta com suporte familiar adequado, companheira, tem boa imagem social e não é alvo de rejeição alguma.
21ª
Independentemente de o Tribunal superior dar provimento ou não às pretensões e às razões de facto e de direito enunciadas ou aduzidas pelo recorrente, poder-se-á fazer em todo o caso um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do agente.
22ª
Ainda que o Tribunal superior venha a aplicar pena de prisão, entendemos que será de justiça suspender a execução da pena aplicada ao arguido.
23ª
Cremos por isso, que nesse caso a ameaça de prisão e a simples censura do facto realizam e asseguram no caso vertente as finalidades que estão na base da punição, atendendo à personalidade do arguido e essencialmente à boa conduta por este mantida.
24ª
Afigura-se-nos que o Tribunal recorrido foi excessiva e desmesuradamente atroz e injusto em relação ao recorrente.
25ª
E queremos sustentar que o arguido ao ter confessado grande parte da factualidade vertida na acusação pública, fê-lo por arrependimento e esse ato a nosso ver exprime isso.
26ª
Embora reconhecendo que não procedeu bem, que atuou com grosseria, impetuosidade e má educação no caso em apreço e que isso pode ter abalado ou provocado algum desconforto e até algum constrangimento à ofendida e a terceiros, entende igualmente que a decisão recorrida é devastadora, exagerada e suscetível de provocar consequências muito perniciosas e perversas na sua vida.
27ª
A pena de prisão efetiva é excessivamente atroz, atendendo ao carácter do ilícito e da culpa e no entender do arguido, além de ser injusta, em nada concorre para a sua socialização e reintegração social, sendo ao invés passível de gerar efeitos diametralmente opostos e comprometer o seu futuro e a sua vida.
28ª
As declarações prestadas J. L., testemunha perante OPC não foram lidas em Audiência, nem a leitura das mesmas foi suscitada ou requerida em momento algum, nem tal resulta da citada ata porque isso não sucedeu.
29ª
Quanto a nós, indevidamente, o Tribunal recorrido na fundamentação da decisão descredibiliza o depoimento desta testemunha, porquanto, e passamos a citar:
“a título exemplificativo, por sua iniciativa, justificou a memória de pormenores que relatou no facto de já ter sobre eles deposto (revelando uma preocupação em reforçar a sua credibilidade), sem que isso encontre respaldo no depoimento que prestou em sede de inquérito como o facto de guardar memória (…)
30ª
Ora, daí decorre que o Tribunal baseou a sua convicção na avaliação ou na comparação das versões que esta testemunha ofereceu em inquérito, perante OPC, e as prestadas em Julgamento e que no entender do Tribunal não serão coincidentes ou uma não encontra respaldo na outra.
31ª
Salvo melhor opinião que respeitaremos e acataremos, não o podia fazer naquelas condições sem que isso pressupusesse uma violação dos princípios da imediação, do contraditório e das garantias de defesa, plasmados nos artºs 355º e 327º do CPP, e 32º, nº 5 da CRP, respetivamente.
32ª
A consequência disso decorre do disposto no referido artº 379º, nº 1, alª c) parte final do CPP, que estatui que é nula a Sentença quando (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, nulidade essa que expressamente se invoca.
33ª
Foram violadas as seguintes normas jurídicas:
- art.ºs 127º, 327º, 355º, 356º e 379.º nº 1, alínea c), do C.P.P.
- art.ºs 14º, nº 1 ,26º, 40º, 50º, 70º,71º, 152º, nº 1, alínea b), do Código Penal, e;
- artº 32, nºs 2 e 5 da C.R.P.

NESTES TERMOS e nos mais de direito, que V. Exªs doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a Sentença recorrida e decretando o Tribunal superior:

1) – Ser declarada a nulidade da Sentença recorrida com as legais consequências por violação das normas constantes dos artºs art. 379º, nº 1, alª c) do C. Proc. Penal, ex vi artºs 355º e 356º do mesmo diploma legal e bem assim do artº 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa,

ou se assim se não entender;

2) - A alteração da matéria de facto provada e não provada constante da Sentença recorrido, conforme supra se expende.
3) - Absolver o arguido do crime de violência doméstica, de que vinha acusado ou caso assim se não entenda condená-lo pela prática do crime de ameaças simples, em pena não privativa da liberdade.
4) - Quando assim se não entenda, deverá ser aplicada pena de prisão e proceder-se à suspensão da sua execução pelo período e mediante as condições que o Tribunal superior considerar convenientes,
pois assim se contribuirá para que ao arguido seja feita inteira e merecida Justiça.»

3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao recurso, opinando no sentido de o mesmo dever ser rejeitado totalmente e, em consequência, mantida a íntegra a douta Sentença recorrida, porquanto:

- Tendo o tribunal fundamentado devidamente a decisão sobre a matéria de facto impugnada, a qual é plausível, neste particular, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção;
- O argumentário do arguido centra-se numa visão oitocentista da relação entre um casal, em que a violência relevante só pode ser física e a provocação da vítima (que nem sequer existiu) justifica qualquer atuação do agressor, não tendo, obviamente, esta visão a mais pequena adesão ao tipo legal da violência doméstica plasmado na nossa lei penal;
- O comportamento do arguido anterior e posterior à prática dos factos, do qual é patente o vertido neste recurso, que consubstancia mais uma vez a desvalorização da sua atuação, chegando a atribuir a responsabilidade a um comportamento provocatório da vítima, faz arredar qualquer possibilidade de prognose favorável, parecendo ser clara a inviabilidade da pretensão em ver suspensa a execução da pena;
- O tribunal não desvalorizou o depoimento da testemunha J. L. com base na comparação com as declarações prestadas em inquérito, ou, pelo menos, não foi essa a única circunstância que levou à desconsideração do depoimento, acrescendo que ainda que tal circunstancialismo se verificasse, o mesmo não tinha o efeito que lhe é atribuído pelo arguido, pois o depoimento da testemunha mostrava-se perfeitamente irrelevante para a prova da culpabilidade ou inocência do mesmo.

4. Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, entendendo que:

- O julgador não atendeu ao depoimento da testemunha J. L. na fase de inquérito para o efeito de formação da sua convicção, pelo que não violou a proibição de valoração de prova não produzida ou examinada na audiência de julgamento, contida no art. 355º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não tendo cometido qualquer nulidade que afete a sentença recorrida, antes tendo apreciado a prova produzida na audiência de julgamento segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, nos termos do art. 127º do Código de Processo Penal, não tendo valorado prova proibida nem não se descortinando qualquer erro de julgamento, que o recorrente não logrou demonstrar.
- Os factos provados não preenchem os elementos objetivos típicos do crime de violência doméstica pelo qual o recorrente foi condenado, porquanto a sua conduta não se reveste da gravidade nem tem o desvalor que o art. 152º do Código Penal reclama, não se mostrando preenchido o conceito de maus tratos psíquicos, já que, embora tenha atingido a ofendida na sua honra e consideração e perturbado o seu sossego e tranquilidade, provocando-lhe medo e inquietação e condicionando a sua liberdade, não revela desprezo pela mesma, desejo de a humilhar, desconsideração pela sua dignidade pessoal.

Em conformidade, defende a Exma. Procuradora-Geral Adjunta que o recurso merece provimento, devendo ser alterada a qualificação jurídica dos factos provados, convolando-se a imputação ao arguido de um crime de violência doméstica para a imputação de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153º do Código Penal, e de um crime de perseguição, p. e p. pelo art. 154º-A do Código Penal, devendo os autos ser arquivados quanto ao crime de injúria e o arguido condenado, pela prática de um crime de ameaça e de um crime de perseguição, em pena não privativa da liberdade.
5. Dado cumprimento ao disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não respondeu a esse parecer.
6. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência, de acordo com o art. 419º, n.º 3, al. c) do mesmo código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
Daí o entendimento unânime de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios decisórios previstos no n.º 2 do art. 410º do mesmo diploma[3].

Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

a) - A impugnação da matéria de facto por erro de julgamento, incluindo na parte em que o tribunal a quo valorou as declarações prestadas pela testemunha J. L. em inquérito, perante órgão de polícia criminal, apesar de não terem sido lidas em audiência, em violação dos princípios da imediação, do contraditório e das garantias de defesa (conclusões 2ª a 8ª e 28ª a 32ª).
b) - O não preenchimento dos elementos típicos do crime de violência doméstica (conclusões 9ª a 19ª).
c) - A suspensão da execução da pena (conclusões 20ª a 27ª.)

2. DA DECISÃO RECORRIDA

É do seguinte teor a fundamentação de facto constante da sentença recorrida (transcrição):

«a) Factos provados
Discutida a causa penal resultaram provados os seguintes factos:

Da acusação pública e da audiência de discussão e julgamento,

1. O arguido R. B. e A. M. mantiveram uma relação de namoro durante cerca de 11 meses - entre março de 2017 até 13 de fevereiro de 2018.
2. Entre janeiro e fevereiro de 2018, passaram a partilhar cama e mesa, vivendo como se de marido e mulher se tratassem.
3. Fixaram residência na Rua …, em Bragança.
4. A relação entre ambos decorreu com normalidade e respeito mútuo, mas eram frequentes as discussões motivadas por ciúmes e dificuldades económicas.
5. A relação de ambos veio a findar em fevereiro de 2018.
6. A ofendida apresentou contra o arguido uma queixa que levou à instauração do inquérito n.º 78/18.0PBBGC, cujo julgamento ocorreu no início de setembro de 2018.
7. A leitura da sentença ocorreu em 20 de setembro de 2018, constando do seu dispositivo:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
- absolver o arguido R. B. pela prática, como autor material, de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e 2 do Código Penal;
- julgar extinto o procedimento criminal quanto ao crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º do Código Penal”.
8. A extinção do procedimento criminal a que se aludiu foi determinada pela desistência de queixa formalizada pela ofendida.
9. Após a leitura da sentença, o arguido e a ofendida estiveram fisicamente separados, embora contactassem por mensagem nas quais o arguido insistia na reaproximação.
10. Em março/abril de 2019, a ofendida reencontrou o arguido, tendo este insistido que deviam estar juntos e conversar, ao que a mesma acedeu.
11. Nessa ocasião o arguido e a ofendida mantiveram, entre si, relações sexuais e trocaram mensagens nos dias subsequentes.
12. Porém, por não se sentir confortável com a decisão que tomou, a ofendida terminou a relação e afastou-se do arguido.
13. Após, ambos deixaram de se encontrar.
14. Nesse período a ofendida trocou mensagens escritas com o arguido dizendo-lhe que não queria mais estar com ele, o que o mesmo não aceitou.
15. Nessa altura, o arguido passou com frequência quinzenal, junto ao local de trabalho da ofendida (Pastelaria …), na Avenida … e olhava para ela até que o visse, rindo-se.
16. Até que em finais de maio de 2019, após nova insistência do arguido, reataram a relação de amizade por uma semana, durante a qual pernoitaram juntos, na casa do arguido, mantendo entre si relações sexuais e trocando mensagens durante o dia.
17. Em 6 de junho de 2019, pelas 03h00 da manhã, após a ofendida ter adormecido, o arguido deslocou-se para junto da residência da mesma e enviou-lhe mensagens para que descesse e falasse com ele, o que ela não fez pese embora tenha acordado.
18. Não satisfeito, o arguido telefonou para o telemóvel da ofendida, não tendo a mesma atendido.
19. Por causa disso, o arguido disse, com agressividade, dirigindo-se a R. P. – amiga da ofendida: “ou a R. P. vem cá em baixo ou eu parto-te o carro todo”.
20. Devido ao comportamento do arguido, foi necessário chamar a PSP e a ofendida acabou por sair de casa para o acalmar e para que ele se fosse embora.
21. Porém, pese embora o arguido tenha abandonado o local, logo após a PSP se ausentar, voltou para junto do prédio onde a ofendida vive e começou a bater na porta e a tocar à campainha.
22. Atirando objeto não concretamente apurado contra a persiana do quarto da ofendida, tendo novamente a PSP sido chamada ao local.
23. Aí chegada, a brigada da PSP abordou o arguido que se desculpou dizendo que aí tinha deixado o telemóvel esquecido, saindo do local.
24. Porém, cinco minutos depois, o arguido voltou ao local, gritando para a ofendida descer senão ia partir aquilo tudo, desferindo pontapés na porta da entrada, cujo vidro partiu.
25. Disse também, de forma insistente, que não saía dali enquanto a R. P. não falasse com ele.
26. Por conta de tais factos, e por medo do arguido, a ofendida teve de chamar novamente a PSP ao local.
27. Durante os factos vindos de descrever o arguido telefonou para o telemóvel da ofendida, pedindo-lhe para ter uma última conversa, o que a mesma continuou a negar.
28. Por esse facto J. L., amigo do arguido que o acompanhava, telefonou à ofendida, intercedendo junto dela para que falasse com o arguido.
29. Perante a recusa dela o arguido, de modo a fazer-se ouvir pela ofendida, disse “tu queres é dar a cona a todos, por isso é que tu não queres estar mais comigo.”.
30. No dia 15 de junho de 2019, a ofendida foi tomar café com amigos ao restaurante ... – em Bragança, onde o arguido trabalhava como empregado de mesa.
31. Depois de o arguido ter passado várias vezes pela mesa onde a ofendida estava, deixando-a desconfortável, decidiram sair.
32. Quando a ofendida estava a entrar para o carro, de forma inesperada, o arguido dirigiu-se-lhe dizendo “posso perder o trabalho mas fodo-vos os cornos aqui a todos”, o que perturbou a R. P., que não reagiu.
33. No dia 5 de julho de 2019, cerca das 04h15, a ofendida R. P. encontrava-se no “Café ...”, sito na Avenida ... – Bragança, quando o arguido foi ter com ela a propósito de lhe pedir a devolução de uma pulseira, após o que, com foros de seriedade e tom agressivo, disse-lhe: “se te encontro a falar com algum rapaz, fodo-lhe os cornos.”
34. Por se sentir perturbada com a presença do arguido e para evitar confusões, a ofendida saiu do estabelecimento em causa e foi para a sua residência, sita na Avenida ..., n.º … – Bragança.
35. Não satisfeito, o arguido, cerca de cinco minutos após, deslocou-se igualmente para tal local e, de forma incessante e para perturbar a ofendida, começou a tocar várias vezes à campainha da casa da mesma, gritando que queria falar com a mesma, o que a mesma recusou, tendo chamado a PSP ao local.
36. Como consequência direta e necessária do comportamento do arguido, a R. P. tem-se sentido perturbada na sua tranquilidade, vigiada e envergonhada, sentindo medo de se encontrar com o arguido e que o mesmo venha a concretizar as suas ameaças.
37. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sempre com o propósito concretizado de maltratar, ofender e atemorizar a ofendida, provocando-lhe grave perturbação na sua liberdade e tranquilidade, querendo e conseguindo contra a vontade da mesma impor a sua presença e forçá-la a reatar uma relação de proximidade, bem sabendo que com o seu comportamento violento e persecutório lhe causava receio de que viesse a sofrer atos atentatórios da sua integridade física e psíquica, que quanto a estes últimos efetivamente se concretizaram, criando-lhe, ainda, um estado permanente de medo e intranquilidade.
38. Sabia e quis, com o seu comportamento, lesar a saúde psíquica da ofendida, o que conseguiu, ofendendo-a no seu bom nome com as expressões que lhe dirigiu e descritas em 29, apesar de saber que, atento o tipo de relacionamento que mantiveram, a devia tratar com respeito e consideração e não diminuí-la como pessoa e mulher, respeitando a sua decisão de não manter contacto consigo.
39. Quis e conseguiu perturbar a ofendida por meio de ameaças contra si proferidas e contra pessoas com quem pudesse vir a relacionar-se, diminuindo-a na sua liberdade de atuação, bem sabendo que eram adequadas a causar-lhe medo e receio pela sua integridade física, o que conseguiu.
40. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, uma vez que, ainda que contra distinta parceira, o mesmo já foi condenado pela prática do crime de violência doméstica (processo n.º 274/15.2PBBGC), mas não se coibiu de atuar como atuou.

Dos autos

41. O processo de desenvolvimento do arguido decorreu no grupo familiar de origem, cuja dinâmica familiar foi condicionada pelo abandono da casa da morada da família da sua progenitora, contava o arguido poucos meses de idade, demitindo-se dos seus deveres maternais.
42. O pai assumiu os cuidados do arguido, com a ajuda dos avós paternos, com os quais passaram a viver.
43. O pai do arguido refez a sua vida afetiva passando a viver em união de facto com uma nova companheira, com a qual teve outro filho, integrando o arguido o novo agregado do pai, situação que lhe criou ansiedade, por ter sido vítima de maus tratos por parte da madrasta.
44. Iniciou as atividades escolares em idade própria, apresentando um percurso regular e normativo, frequentou o 12.º ano de escolaridade, que não concluiu.
45. Dedicou-se ao culturismo e frustrada a expectativa de competir em termos oficiais, ingressou no mercado de trabalho, experimentando diversos setores de atividade.
46. Afetivamente, R. B. manteve uma relação de namoro com A. R., com quem viveu em união de facto.
47. Após o termo da relação residiu sozinho por curto período de tempo, após o que regressou ao agregado familiar do seu progenitor, com o qual estabelece laços de afetividade coesos.
48. Nos tempos livres R. B. focava o seu quotidiano em convívio maioritariamente com a família e ao convívio pontual com os amigos.
49. Associava-se a grupos de pares pouco convencionais, com práticas aditivas, assumindo consumos de haxixe pontuais em contexto recreativo de festas noturnas.
50. À data dos factos o arguido tinha tido um desentendimento com o pai, situação que originou a sua saída da casa daquele, passando a residir em casa de J. L., com o qual partilhava as despesas do quotidiano.
51. Três meses volvidos voltou a residir junto do progenitor, numa habitação social, relativamente à qual o pai despende 150 € mensais.
52. O arguido trabalha no restaurante “...”, tendo sido suspenso de funções em março de 2020, devido à pandemia por Covid 19, aguardando o seu recomeço.
53. Economicamente o agregado subsiste do vencimento auferido pelo seu progenitor, no valor mensal de 800 €, contribuindo o arguido para parte das despesas familiares, quando inserido profissionalmente.
54. O arguido presentemente desenvolve novo relacionamento afetivo com uma estudante do IPB.
55. Encontra-se abstinente do consumo de haxixe.
56. Conta com o apoio do pai.
57. O arguido foi condenado no âmbito do processo 274/15.2PBBGC, deste Juízo, por sentença transitada em julgado em 05/12/2016, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova, com obrigação de o arguido frequentar programa de intervenção com agressores de violência doméstica ministrado pela DGRSP, e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima, pela prática, em 09/06/2015, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4, do CP, pena essa declarada extinta, por cumprimento, em 05/03/2018.

b) Factos não provados

i) No processo referido em 6 a ofendida remeteu-se ao silêncio.
ii) Por o arguido continuar a não aceitar a separação da ofendida, em datas não concretamente apuradas mas situadas entre Junho de 2019 até, pelo menos, 5 de Julho de 2019, mas pelo menos por uma vez, o arguido dirigiu-se à ofendida R. P. e disse-lhe, com foros de seriedade, que qualquer dia a vai matar, o que a deixou assustada.
iii) Antes da deslocação referida em 17 a ofendida estava a trocar mensagens escritas com o arguido, dizendo-lhe que não queria mais estar com ele.
iv) O arguido proferiu a expressão referida em 19 num telefonema que efetuou para R. P. – amiga da ofendida.
v) Aquando do referido em 22 o arguido atirou pedras.
vi) Aquando do facto referido em 30 a ofendida desconhecia que o arguido aí trabalhava como empregado de mesa.
vii) O referido em 31 ocorreu durante uma refeição.

b) Fundamentação da convicção do Tribunal

A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou da avaliação englobante do contexto probatório dos autos, designadamente, os documentos que deles constam e a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, enriquecida pelo que foi dado ao Tribunal ouvir e ver, resultado da oralidade e imediação de que beneficiou.
No que à prova documental concerne valorou-se:
- O auto de notícia de fls. 16 quanto à efetivação da deslocação da PSP aquando dos factos referidos em 17, que permitiu a concretização da data dos factos, posto que a presença daquela autoridade policial no local não se mostrou controvertida;
- A certidão judicial de fls. 62 e seguintes, da qual se retiram os factos vertidos em 6 a 8;
- O relatório social de fls. 188 e seguintes, do qual se retiram os factos mencionados em 41 a 56;
- O CRC de fls. 199 e seguintes, quanto ao antecedente criminal aludido em 40 e 57.
No mais, o arguido R. B. prestou declarações, confessando parcialmente factos, negando perentoriamente outros e integrando outros em distinto enquadramento motivacional.
Em suma, o arguido admitiu que após a leitura da sentença dos autos 78/18.0PBBGC houve um distanciamento físico e afetivo entre ele e a ofendida, que perdurou até março/abril de 2019, altura em que casualmente se cruzou com a ofendida e, nessa ocasião, mantiveram relações de trato sexual, negando ter insistido junto dela pelo reatamento da relação de namoro.
Com efeito vincou, por diversas vezes ao longo do seu depoimento, que o relacionamento que manteve com a ofendida, após o desfecho dos aludidos autos, foi meramente de cariz sexual, envolto em secretismo, nutrindo por ela apenas amizade, situação que era por ambos aceite. Admitiu, porém, que, cerca de um mês após o primeiro reencontro, a ofendida pernoitou cerca de 5 a 6 noites em sua casa, deslocando-se no período diurno para o seu trabalho, durante o qual trocavam mensagens cuidando de saber como estavam um e outro e falando de assuntos correntes da vida. Relatou que após a última dessas noites, e porquanto a ofendida teria uma festa familiar, resolveu sair à noite com o seu amigo J. L., com quem partilhava casa, o que fez, tendo ingerido bebidas alcoólicas em excesso. Daí que, à saída da discoteca, e mercê do facto de o ter feito, casualmente, na companhia de pessoas do sexo feminino, a ofendida – que se encontrava na janela da sua residência e constatou essa presença- abordou-o, insultando-o, manifestando ciúme. Por isso, tentou explicar-se junto dela, insistindo falar pessoalmente com ela, admitindo ter-se exaltado na conversa que com ela manteve, no decurso da qual a ofendida o distratou. Inconformado com a incompreensão manifestada pela ofendida, admitiu ter persistido, sem êxito, no propósito de se justificar, tendo dado um pontapé na porta do prédio que a ofendida habitava. Confirmou a deslocação da PSP ao local por 3 vezes e o seu regresso a ele, com o propósito de falar com a ofendida e, posteriormente, de procurar o seu telemóvel, nisso insistindo, designadamente através do contacto telefónico insistente com a ofendida, sem êxito, justificando os excessos cometidos por ter atuado sob a influência do álcool que consumira.
Admitiu a deslocação da ofendida ao restaurante onde trabalhava, acompanhada da amiga R. P. e de dois rapazes, considerando que aquela o fez com o propósito de desestabilizá-lo, lançando-lhe olhares provocatórios, o que o deixou nervoso, razão pela qual admitiu ter-se dirigido ao grupo nos termos vertidos em 26 da acusação.
Admitiu, igualmente, ter abordado a ofendida no Café ..., a propósito da devolução de uma pulseira de que a mesma se apossara e que recusou devolver-lhe, negando ter proferido a ameaça vertida em 27 da acusação. Assumiu que se deslocou à residência da ofendida e tocou à campainha no intuito de falar com ela, desistindo de o fazer perante a recusa da ofendida.
Mais atestou que o telefonema a que se reporta o ponto 30 da acusação ocorreu na noite dos primeiros factos, negando ter proferido a expressão que ali lhe é imputada.
Desde o contacto no Café ..., não manteve mais contactos físicos ou outros com a ofendida, negando ter-se deslocado ao seu local de trabalho com o intuito de a perturbar, ou qualquer outro.
No discurso do arguido, nos sobreditos termos sumariado, denotou-se uma postura desculpabilizante da sua atuação, ora pelo excesso de álcool com que atuou, ora pela atitude provocatória da ofendida, não se vislumbrando nele uma verdadeira interiorização do desvalor das suas condutas e uma sincera autocensura ou arrependimento.
Os factos por si negados vieram, porém, a obter confirmação que se recolheu da conjugação dos depoimentos prestados pela própria ofendida e pela testemunha R. P..
Do depoimento da ofendida ressalta o impacto que as atitudes do arguido tiveram na sua esfera individual, designadamente o abalo da sua segurança e bem-estar psíquico, atenta as ameaças, insistências e atitudes persecutórias do arguido que culminaram na queixa que apresentou e subjacente à instauração dos presentes autos. Tais consequências ganham relevo se enquadradas temporalmente após o decurso dos factos que motivaram a instauração do processo 78/18.0PBBGC, decorrendo da análise da sentença junta a fls. 66 e seguintes que foram neles julgados factos, cuja prática pelo arguido se provou após julgamento, e que integram o crime de ofensa à integridade física na pessoa da ofendida, cuja responsabilização penal apenas não ocorreu por ter a mesma desistido da queixa. Daí que os receios da ofendida e a afetação da sua integridade psíquica afiguram-se-nos inteiramente fundados, posto que o arguido já havia demonstrado, num passado recente, ser capaz de atuar sobre o corpo da ofendida.
Quanto aos depoimentos da ofendida e da testemunha R. P., não alcançou o Tribunal qualquer razão para a sua descredibilização.
No que à ofendida concerne, não se denota no seu relato qualquer pretensão vingativa, de retaliação ou exagero, antes se nos afigurando evidente a consciência da atuação abusiva do arguido e dos seus efeitos na sua esfera íntima, enquanto perturbadora da sua paz e desrespeitadora da sua decisão de pôr termo à convivência com ele mantida.
Quanto à testemunha R. P., o depoimento prestado afigurou-se-nos sincero e circunscrito aos factos para os quais a testemunha revelou adequada razão de ciência. No fundo caracterizou o relacionamento do arguido e da ofendida como conturbado, constatando que os comportamentos adotados pelo arguido e apurados nos autos afetaram a auto estima da ofendida, a sua tranquilidade e os seus hábitos, receando a mesma que o arguido lhe pudesse causar maior dano, do que é expressiva a teleassistência a que recorreu.
Já o depoimento da testemunha J. L., produzido na segunda das sessões de julgamento e após as declarações prestadas pelo arguido, afigurou-se-nos propositadamente decalcado sobre a versão por este trazida ao julgamento. Alguns pormenores do seu relato deixaram no Tribunal a firme convicção de que o depoimento produzido não foi espontâneo, assumindo a testemunha uma postura protetiva que, por antecipação, se viu tentado a justificar. A título exemplificativo, por sua iniciativa, justificou a memória de pormenores que relatou no facto de ter já ter sobre eles deposto (revelando uma preocupação em reforçar a sua credibilidade), sem que isso encontre respaldo no depoimento que prestou em sede de inquérito como o facto de guardar memória da data em que o arguido iniciara o trabalho no restaurante ... e de uma conversa em que o arguido a comunicara à ofendida; guardava memória da razão pela qual a ofendida não dormira em casa do arguido na noite em que acompanhou o arguido ao X (pormenor totalmente secundário e que, em termos de experiência comum, não seria expectável que reproduzisse por sua iniciativa); apesar de presente nessa noite e de ter acompanhado sempre o arguido, tendo inclusivamente tentado intermediar o contacto com a ofendida, afirmou não o ter visto arremessar qualquer objeto, nem partido o vidro da porta, facto que apenas concluiu, afirmando, porém, à semelhança do que fizera o arguido, que a porta não tinha ficado desguarnecida (pormenor que apenas o arguido e a testemunha valorizaram).
O depoimento da testemunha J. P. afigurou-se-nos inteiramente descomprometido e credível. Dele se retirou ter a testemunha despertado do sono mercê dos insistentes toques do arguido na campainha do prédio onde residia, o mesmo que a ofendida habitava. Estabeleceu contacto com o arguido na tentativa que o mesmo se ausentasse do local, sem êxito. Confirmou que a ofendida se apresentava assustada e que não queria falar com o arguido, tendo inclusivamente trancado a porta para sua segurança.
Da conjugação de todos os elementos de prova vindos de aludir resultou a prova, com o limiar da certeza exigível, dos factos que se tiveram como provados.
No que tange aos elementos subjetivos constantes dos pontos 37 a 40, sendo factos do foro psicológico e, por isso, indemonstráveis naturalisticamente, salvo no caso de confissão, atendeu-se ao conjunto da prova produzida, em confronto com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, em face da atuação desenvolvida pelo arguido e das circunstâncias em que agiu, reveladas nos demais factos objetivos que se deram como provados. Quanto à consumação da intencionalidade com que atuou, valoraram-se as declarações prestadas pela própria ofendida, que a confirmou. No que tange ao conhecimento da ilicitude da sua conduta, a sua confirmação resulta evidente da análise do certificado do registo criminal do arguido, do qual emerge a condenação pelo mesmo tipo de crime que ora se analisa, em data anterior aos factos apurados, pelo que, não podia o arguido deixar de ignorar que a atuação que perpetrava era proibida e punida pela lei penal como crime.
Já quanto aos factos não provados tal resultado emergiu da ausência de prova bastante que os confirmasse (ii e iv) ou da sua infirmação pela prova de versão distinta (i, iii, iv e v).»

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1 - Da impugnação da matéria de facto por erro de julgamento

Em sede de recurso sobre a matéria de facto, o recorrente sustenta que os factos dados como provados no ponto 29º foram incorretamente julgados, devendo ser considerados como não provados, como corolário e em obediência ao princípio in dubio pro reo (conclusões 3ª a 8ª).

3.1.1 - Nos termos do art. 428º do Código de Processo Penal, compêndio legal a que pertencem os preceitos doravante citados sem referência a qualquer diploma, os tribunais da relação conhecem não só de direito mas também de facto, assim se concretizando a garantia do duplo grau de jurisdição na matéria de facto, sendo que uma das vertentes aqui admitida é a da impugnação ampla, visando o chamado erro de julgamento.
Este erro resulta da forma como foi valorada a prova produzida, ocorrendo quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tenha sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. O erro de julgamento pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.
Nesta forma de impugnação ampla, os poderes de cognição do tribunal de recurso não se restringem ao texto da decisão recorrida (como acontece com os vícios previstos no art. 410º, n.º 2), alargando-se à apreciação do que contém e se pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, sempre delimitada pelo recorrente através do ónus de especificação previsto nos n.ºs 3 e 4 do art. 412º, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431º, al. b).
Todavia, conforme jurisprudência constante[4], esse recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição das gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorreções da mesma, na forma como apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O que se visa é, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, através da avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida.
Assim, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova nela indicados e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.
Daí a exigência feita nas als. a), b) e c) do n.º 3 do art. 412º, no sentido de o recorrente que pretenda impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto ter de especificar os concretos pontos da mesma que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e, sendo caso disso, as que devem ser renovadas.

3.1.2 - No caso em apreciação, como factos individualizados que, em seu entender, foram erroneamente julgados, a recorrente indica, na conclusão 3ª, a matéria factual vertida no ponto 29º do elenco dos factos provados, ou seja, que no decurso do telefonema efetuado no dia 06 de junho de 2019 pelo seu amigo J. L. à ofendida R. P., intercedendo junto dela para que falasse com o arguido (conforme dado como provado no ponto 28º), ele, arguido, perante a recusa dela e de modo a fazer-se ouvir pela mesma, tenha dito “tu queres é dar a cona a todos, por isso é que tu não queres estar mais comigo".
Para cumprir o ónus de especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o recorrente terá de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões.
In casu, é necessário que o recorrente refira o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que considera incorretamente julgado.
De acordo com o n.º 4 do art. 412º, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em ata, nos termos do n.º 2 do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, cabendo ao tribunal da relação proceder à audição e visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (art. 412º, n.º 6).
Sucede que as conclusões extraídas da motivação pelo recorrente são omissas quanto à localização das passagens da gravação em que se encontram registados os depoimentos que o mesmo convoca para demonstrar o invocado erro de julgamento.
Não obstante o art. 417º, n.º 3, permitir o convite ao aperfeiçoamento da respetiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do art. 412º, entendemos que, se analisada a peça do recurso, constatarmos que a indicação das especificações legais, embora não constando das conclusões, consta do corpo da motivação de forma suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não se deverá ser demasiado formalista ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente e por recurso ao texto das motivações, as mencionadas indicações.
Acresce que, ainda por uma outra razão não se justificaria proceder a esse convite, tanto mais que o seu não acatamento não conduziria à rejeição do recurso na parte relativa à questão da impugnação da matéria de facto, apesar de tal consequência estar prevista no art. 417º, n.º 3.
Isto porque como o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando[5], ainda que no âmbito do processo civil, mas que entendemos ser transponível para o processo penal[6], relativamente aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação, e um ónus secundário, este tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pelo tribunal da relação aos meios de prova gravados relevantes, atualmente consubstanciado na exigência de indicação concreta das passagens da gravação dos meios de prova oralmente produzidos e em que se funda a impugnação (art. 412º, n.º 4, in fine). Este ónus de indicação concreta das passagens relevantes das declarações e dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, mostrando-se satisfeito quando não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja baseado para demonstrar o invocado erro de julgamento.
É o que sucede no caso vertente, em que o recorrente, no corpo da motivação, indica os excertos dos depoimentos que, em seu entender, impõem uma decisão diferente da que foi proferida sobre a matéria de facto impugnada, por referência aos minutos e segundos da gravação em que se encontram registados, procedendo inclusivamente à sua transcrição, permitindo, assim, ao tribunal da relação proceder à fácil localização e audição dos mesmos.
Por conseguinte, entendemos que se mostra cabalmente cumprido o ónus de especificação previsto na al. b) do n.º 3 e no n.º 4 do art. 412º.

3.1.3 - Posto isto, apreciemos a impugnação da matéria de facto.

Como referimos, o recorrente discorda de ter sido dado como provado que, no decurso do telefonema efetuado pelo seu amigo J. L. à ofendida R. P. no dia 06 de junho de 2019, intercedendo junto dela para que falasse com o arguido (conforme dado como provado no ponto 28º), este, perante a recusa dela e de modo a fazer-se ouvir pela mesma, tenha dito “tu queres é dar a cona a todos, por isso é que tu não queres estar mais comigo".
Em ordem a indicar o conteúdo específico dos meios de prova que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida quanto aos factos impugnados, com explicitação das razões desse entendimento, o recorrente alega que a ofendida situa temporalmente esse telefonema no episódio que ocorreu no dia 05 de julho[7] de 2019 (descrito nos pontos 33º a 35º), que, por outro lado, como se aduz na sentença, ele negou ter proferido essa expressão e que, por último, a testemunha J. L. desmentiu categoricamente que o mesmo tenha pronunciado tal frase injuriosa.
No entender do recorrente, no mínimo fica a pairar uma dúvida insanável quanto à ocorrência desta chamada telefónica nas condições descritas na decisão impugnada e sobretudo quanto às circunstâncias em que ela se desenrolou, acrescendo que a própria ofendida foi perentória em situar essa chamada não no dia 03 de junho (em que ela situa o primeiro episódio, descrito nos pontos 17º a 29º) ou 06 de junho (conforme foi considerado na sentença), mas antes no episódio que teve lugar no dia 05 de julho (descrito nos pontos 33º a 35º).
Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, importa ter presente que entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º, nos termos do qual “[s]alvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Tal não significa que a atividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, bem como por algumas restrições legais.
Concedendo esse princípio uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, o julgador deverá ser capaz de o fundamentar de modo lógico e racional.
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária dos meios de prova, impondo-lhe a lei que extraia deles um convencimento lógico e motivado, avaliando-os com sentido de responsabilidade e bom senso.
Mais se exige que o julgador indique os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos pelos quais relevaram ou obtiveram credibilidade no seu espírito. Não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
Se a decisão factual se baseia numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível, optando o julgador por uma das soluções permitidas pelas regras de experiência comum e da lógica, a fonte de tal convicção, obtida com os benefícios da imediação e da oralidade, apenas deverá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização, pelas mesmas regras.
Não basta, pois, que o recorrente pretenda fazer uma revisão da convicção alcançada pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível, havendo antes que demonstrar que as provas indicadas a impõem, conforme resulta expressamente do art. 412º, n.º 3, al. b).
Na realidade, como já deixámos dito, ao tribunal de recurso cabe analisar o processo de formação da convicção do julgador do tribunal a quo, verificando se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar, não bastando, para uma eventual alteração, uma diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova produzida.
Por isso, a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzem a ela, já não o devendo ser quando, perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente. Ou seja, o tribunal da relação só pode e deve determinar uma modificação da matéria de facto quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão[8].
Primeiramente, esclareça-se que a divergência entre o declarado pela ofendida e o dado como provado quanto à data do primeiro episódio, referido ao longo do julgamento como o do dia da deslocação do arguido ao bar "X", encontra-se cabalmente esclarecida na fundamentação da decisão de facto exarada na sentença recorrida. Com efeito, apesar de a ofendida ter localizado tal situação no dia 03 de junho, afirmando que "fiquei sempre com essa data na cabeça" (cf. pág. 14 da transcrição das suas declarações para memória futura juntas com a ref.ª eletrónica 1485123), a Mmª. Juíza a quo atendeu ao «auto de notícia de fls. 16, quanto à efetivação da deslocação da PSP aquando dos factos referidos em 17, que permitiu a concretização da data dos factos, posto que a presença daquela autoridade policial no local não se mostrou controvertida».
Compreende-se e justifica-se essa opção da julgadora, pela maior objetividade fornecida pelo teor do referido auto de notícia, quando comparado com a natural falibilidade da memória da ofendida.
No que concerne à ocorrência do dito telefonema, refira-se que a mesma não é posta em causa pelo recorrente, na medida em que este admite que no episódio do "dia do X", ou seja, 06 de junho de 2019, pediu ao seu amigo J. L. para ligar à ofendida, a fim de lhe pedir que falasse consigo, o que ele fez, tendo ela desligado logo o telefone (cf. a primeira parte as suas declarações a partir do momento 00:35:16), sendo perentório ainda em afirmar que no dia do episódio do "Café ..." (05 de julho) não houve nenhuma chamada (cf. a partir do momento 00:53:39).
Acresce que a referida testemunha J. L. confirmou ter efetuado tal telefonema, localizando-o também no dia do episódio do "X", conforme se infere, para além do excerto do seu depoimento indicado pelo recorrente (00:17:03), também a partir dos momentos 00:11:35 e 00:31:55.
Aquilo que o recorrente refuta é que, durante o telefonema e por forma a ser ouvido pela ofendida, lhe tenha dirigido a frase injuriosa dada como provada no ponto 29º, invocando em corroboração das suas declarações o depoimento do amigo J. L..
Todavia, a ofendida é inequívoca em imputar tal comportamento ao arguido, embora situando-o no episódio do dia 05 de julho, tendo declarado o seguinte: «Ele [J. L.] disse-me que poderia … que eu e o R. B. poderíamos ter uma última conversa, para poder resolver tudo, e foi o que ele disse. E depois eu disse que não, que não queria voltar a falar com o R. B., e depois o R. B. acabou por dizer, "Pois tu gostas é de dar a cona a todos, por isso é que tu não queres estar mais comigo", basicamente foi isso».
Questionada como tinha ouvido isso, pois estava ao telefone com o amigo do arguido, a ofendida respondeu: «Tenho a certeza, estava em altifalante" (cf. transcrição das suas declarações para memória futura, a pág. 17 a 18).
Invocando essa oposição de versões, quer quanto à data do telefonema quer quanto ao facto de ele ter proferido a expressão em causa, defende o recorrente que o tribunal a quo deveria ter ficado em dúvida e aplicar o princípio in dubio pro reo, dando como não provado o facto impugnado.
Como se retira da motivação da respetiva decisão, quanto aos factos negados pelo arguido, onde se insere o ora impugnado, a Mmª. Juíza formou a sua convicção na conjugação dos depoimentos prestados pela própria ofendida e pela testemunha R. P., acrescentando que «(…) não alcançou o Tribunal qualquer razão para a sua descredibilização. No que à ofendida concerne, não se denota no seu relato qualquer pretensão vingativa, de retaliação ou exagero, antes se nos afigurando evidente a consciência da atuação abusiva do arguido e dos seus efeitos na sua esfera íntima, enquanto perturbadora da sua paz e desrespeitadora da sua decisão de pôr termo à convivência com ele mantida. Quanto à testemunha R. P., o depoimento prestado afigurou-se-nos sincero e circunscrito aos factos para os quais a testemunha revelou adequada razão de ciência. (…)»
Mais consignou que «[n]o discurso do arguido, nos sobreditos termos sumariado, denotou-se uma postura desculpabilizante da sua atuação, ora pelo excesso de álcool com que atuou, ora pela atitude provocatória da ofendida, não se vislumbrando nele uma verdadeira interiorização do desvalor das suas condutas e uma sincera autocensura ou arrependimento. (…) Já o depoimento da testemunha J. L., produzido na segunda das sessões de julgamento e após as declarações prestadas pelo arguido, afigurou-se-nos propositadamente decalcado sobre a versão por este trazida ao julgamento. Alguns pormenores do seu relato deixaram no Tribunal a firme convicção de que o depoimento produzido não foi espontâneo, assumindo a testemunha uma postura protetiva que, por antecipação, se viu tentado a justificar.»
Atento o teor da motivação do recorrente, este faz assentar as razões da sua discordância relativamente à forma como o tribunal a quo decidiu a factualidade impugnada na circunstância de a Mmª. Juíza ter atribuído credibilidade aos depoimentos da ofendida e da testemunha R. P., que valorou em detrimento das suas declarações e do depoimento da testemunha J. L., assentando, pois, a convicção sobre a decisão fática em elementos probatórios que, no seu entender, não permitem dar como provado o facto impugnado.
Não alega, pois, que a descrição que a sentença recorrida, na motivação da decisão, faz do conteúdo desses depoimentos não corresponde ou contraria o que, na realidade, disseram as testemunhas, antes se limitando a sustentar que, ao contrário do que sucedeu, não deveriam ter merecido credibilidade por parte do tribunal a quo ou que não poderiam ser valorados nos termos em que o foram.
Todavia, como resulta da leitura da motivação da decisão de facto, supra transcrita, a Mmª. Juíza norteou-se pelo princípio da livre apreciação da prova e pelas regras da experiência comum, procedendo à avaliação global da prova produzida, numa perspetiva crítica, expondo de forma clara, segura e cuidadosa as razões que fundamentaram a sua opção decisória, designadamente justificando por que razão atribui credibilidade ao depoimento da ofendida e da testemunha R. P., em detrimento das declarações do arguido (na parte em que este não admitiu os factos) e do depoimento da testemunha J. L..
Sem que tal oposição de versões tenha sido impeditiva da formação da sua convicção no sentido da prática, pelo recorrente, do facto em apreço, por o depoimento da ofendida lhe ter merecido credibilidade e encontrar apoio no depoimento da testemunha R. P..
Com efeito, esta afirmou ser frequente o arguido dirigir à ofendida a frase dada como provada no ponto 29º, o que ouviu em várias ocasiões (cf. o seu depoimento a partir do momento 00:11:15 e 00:24:43).
Refira-se que a mencionada divergência de versões nada tem de inesperado ou inusual, sendo até o que sucede na esmagadora maioria dos casos submetidos a julgamento.
Decorrendo da prova produzida em audiência diferentes versões dos factos, não é imperioso que o tribunal se fique por um non liquet nem que opte pela versão suportada pelo maior número de depoimentos. Estes valem pela credibilidade que merecem e não pela sua quantidade.
Na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, por referência ao homem médio suposto pela ordem jurídica[9].
Acresce que nada impede que a prova produzida em audiência assente essencialmente nas declarações da própria vítima, mesmo sem corroboração direta por qualquer outro elemento probatório, como aliás é muito frequente acontecer em situações como a dos autos, em que os factos ocorrem frequentemente fora dos olhares de terceiros, pelo que apenas a vítima e o agressor terão conhecimento direto dos mesmos.
Por outro lado, o facto de a ofendida ter localizado a ocorrência do telefonema numa data diferente daquela que foi dada como provada (aqui com apoio nas declarações do arguido e da testemunha J. L.), não é suscetível de pôr em causa a credibilidade que lhe foi atribuída pela Mmª. Juíza quanto a, nesse telefonema, o arguido ter proferido a expressão em causa.
Refira-se que o juiz, para além de não ter de encontrar o máximo denominador comum entre os diversos depoimentos, exigindo para a prova de um facto que todas as testemunhas o relatem de forma coincidente, também não tem de aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, antes lhe cabendo a tarefa, seguramente mais exigente e difícil, de procurar descobrir, em cada um deles, a parte que lhe merece crédito, recorrendo, para o efeito, às regras da experiência da vida e das coisas aferidas por critérios de razoabilidade.
Aliás, a própria existência de imprecisões ou incoerências num depoimento não é suficiente, por si só, para pôr em causa a credibilidade de quem o presta, uma vez que um testemunho não é necessariamente infalível nem necessariamente erróneo, sendo inúmeros os fatores que contribuem para a sua falibilidade.
Da mesma forma que, como refere Enrico Altavilla[10], «o interrogatório como qualquer testemunho está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras».
Não há, assim, fundamento suficiente para pôr em causa o depoimento da ofendida, pelo facto de localizar o telefonema em questão no dia 05 de julho, quando o tribunal a quo, com base nas declarações do arguido e no depoimento da testemunha J. L., que nesta parte considerou credíveis, apurou que o mesmo se inseriu no episódio do dia 06 de junho.
Por fim, alega o recorrente que o tribunal recorrido não atribuiu credibilidade ao depoimento da testemunha J. L., além do mais porque o depoimento deste em audiência de julgamento não encontra respaldo nas declarações prestadas em inquérito (perante OPC), sem que estas declarações tenham sido lidas em julgamento, nem sequer tendo sido suscitada ou requerida a sua leitura, conforme impunham os arts. 355 º e 356º, e, portanto não deveriam ter sedimentado esta decisão nem em circunstância alguma deveriam ter auxiliado o julgador a formar a sua convicção, nem que fosse para desvalorizar a credibilidade da testemunha, tendo assim sido violados os princípios da oralidade, imediação e do contraditório, cuja consequência decorre do disposto no art. 379º, n.º 1, al. c) parte final, que estatui que é nula a sentença quando (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Em primeiro lugar, refira-se que a situação invocada pelo recorrente é insuscetível de se enquadrar no invocado vício da sentença por excesso de pronúncia.
Com efeito, nos termos do art. 379º, n.º 1, al. c), parte final, é nula a sentença “quando o tribunal (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, configurando o denominado “excesso de pronúncia”.
Este fundamento da nulidade da decisão pressupõe que o tribunal tenha conhecido de uma questão de que não podia tomar conhecimento, sendo certo que as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal e as que sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, do Código de Processo Civil), isto é, de que deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual[11].
Na situação vertente, a alegação do recorrente não se reconduz a um qualquer excesso de pronúncia, mas sim a um eventual erro de julgamento da matéria de facto, traduzido na alegada consideração de um meio de prova inadmissível (o depoimento prestado pela testemunha em inquérito, perante o órgão de polícia criminal, fora do condicionalismo legal), para, do confronto com o depoimento prestado pela mesma em audiência, descredibilizar este último.
Por seu lado, não se vislumbra uma violação dos princípios da imediação, do contraditório e das garantias de defesa, na medida em que o conteúdo do depoimento da testemunha em inquérito não foi utilizado para o efeito de formação da convicção do tribunal.

Dito isto, vejamos o que a Mmª. Juíza a quo fez constar da motivação da decisão de facto (transcrição):
«Já o depoimento da testemunha J. L., produzido na segunda das sessões de julgamento e após as declarações prestadas pelo arguido, afigurou-se-nos propositadamente decalcado sobre a versão por este trazida ao julgamento. Alguns pormenores do seu relato deixaram no Tribunal a firme convicção de que o depoimento produzido não foi espontâneo, assumindo a testemunha uma postura protetiva que, por antecipação, se viu tentado a justificar. A título exemplificativo, por sua iniciativa, justificou a memória de pormenores que relatou no facto de ter já ter sobre eles deposto (revelando uma preocupação em reforçar a sua credibilidade), sem que isso encontre respaldo no depoimento que prestou em sede de inquérito como o facto de guardar memória da data em que o arguido iniciara o trabalho no restaurante ... e de uma conversa em que o arguido a comunicara à ofendida; guardava memória da razão pela qual a ofendida não dormira em casa do arguido na noite em que acompanhou o arguido ao X (pormenor totalmente secundário e que, em termos de experiência comum, não seria expectável que reproduzisse por sua iniciativa); apesar de presente nessa noite e de ter acompanhado sempre o arguido, tendo inclusivamente tentado intermediar o contacto com a ofendida, afirmou não o ter visto arremessar qualquer objeto, nem partido o vidro da porta, facto que apenas concluiu, afirmando, porém, à semelhança do que fizera o arguido, que a porta não tinha ficado desguarnecida (pormenor que apenas o arguido e a testemunha valorizaram).»
Constata-se, assim, que um dos argumentos invocados pela Mmª. Juíza para não atribuir credibilidade ao depoimento prestado pela testemunha em audiência consistiu no facto de esta, numa atitude protetiva, ter tido o cuidado de, por antecipação, justificar a memória que tinha de determinados factos por já anteriormente ter deposto sobre eles, sem que, todavia, isso encontre respaldo no depoimento que prestou em sede de inquérito, concretamente no que concerne ao facto de se recordar da data em que o arguido iniciara o trabalho no restaurante ... e de uma conversa em que o arguido a comunicara à ofendida.
Efetivamente, não tendo essas declarações sido validamente lidas em audiência, nos termos previstos no art. art. 356º, n.º 5, estava a Mmª. Juíza impedida de chamar à colação o respetivo teor, a fim de constatar que, nele, a testemunha não se referiria àquele facto, que em julgamento afirmou ter memória por já ter deposto sobre ele.
Não obstante, mesmo expurgando esse segmento da motivação da decisão de facto, a restante argumentação aduzida pela julgadora, corroborada pela audição que fizemos do referido depoimento em julgamento, é claramente suficiente para sustentar a conclusão a que chegou acerca da falta de credibilidade da testemunha.
Na verdade, para além da notória coincidência entre o teor desse depoimento e as declarações prestadas na sessão anterior pelo arguido, com quem a testemunha confirmou ter estado a conversar, não se pode deixar de estranhar a preocupação desta em, sem ser questionada sobre tal, justificar por que razão se recordava de determinados factos, bem como a circunstância de se recordar de um pormenor totalmente secundário e que, em termos de experiência comum, não seria expectável que reproduzisse por sua iniciativa, e de outro pormenor que apenas ela e o arguido valorizaram, tudo conforme explicitado pela Mmª. Juíza.
Tudo o que se vem de dizer justifica a nossa convicção, na mesma linha da formada pelo tribunal a quo, de que a ofendida se manteve fiel à verdade, motivo pelo qual não há razões suficientes para não conferir total credibilidade ao seu depoimento, nada havendo a censurar no processo lógico e racional subjacente à formação da convicção da Mmª. Juíza, o qual se mostra explicitado em termos percetíveis e assimiláveis, não se evidenciando qualquer afrontamento às regras da experiência comum, ou qualquer apreciação manifestamente incorreta, desadequada, fundada em juízos ilógicos ou arbitrários, de todo insustentáveis, em pleno respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, não tendo o recorrente logrado demonstrar a imposição de decisão diversa quanto ao facto impugnado.
Daí que também não tenha cabimento a invocada violação do princípio in dubio pro reo.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, será dado como não provado se lhe for desfavorável, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa.
Contudo, para tanto não basta dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou que derivem da sua interpretação da factualidade revelada nos autos. Acresce que não é toda a dúvida que justifica a absolvição com base neste princípio, mas apenas aquela em que for inultrapassável, séria e razoável a reserva intelectual à afirmação de um facto que constitui elemento de um tipo de crime ou com ele relacionado, deduzido da prova globalmente considerada. A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio[12].
A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Terá de ser uma dúvida séria, positiva, racional e que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a íntima convicção do tribunal, que seja argumentada e coerente.
Em suma, o princípio in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
No âmbito dos seus poderes de cognição sobre a matéria de facto, compete ao tribunal da relação sindicar a concreta utilização do princípio in dubio pro reo por parte da primeira instância.
Para além da situação - de verificação pouco frequente - em que a violação desse princípio resulta da análise do texto da própria decisão recorrida e do processo decisório nela evidenciado, concluindo-se que o tribunal recorrido ficou em dúvida quanto a elementos que permitem estabelecer o grau de culpabilidade do arguido e, nesse estado de dúvida, decidiu contra ele, a imputação da violação do princípio in dubio pro reo torna necessário demonstrar a existência de erro na apreciação dos meios probatórios produzidos, através do reexame dos mesmos, com vista a evidenciar que, em face da carência ou insuficiência da prova, o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida quanto a factos relevantes para a responsabilidade criminal do arguido.
No caso vertente, o recorrente faz assentar a violação desse princípio na alegada insuficiência da prova produzida em audiência, para considerar como provado o facto por si impugnado.
Porém, pelas razões supra explicitadas, é de concluir pela inteira correção do juízo probatório efetuado pelo tribunal a quo sobre tal facto, o que, no âmbito da reapreciação da prova, afasta a conclusão de que a Mmª. Juíza deveria ter ficado em estado de dúvida sobre o mesmo, não se mostrando violado o princípio in dubio pro reo.
Improcede, assim, a questão da impugnação da matéria de facto.

3.2 - Do não preenchimento dos elementos típicos do crime de violência doméstica

Discorda também o recorrente (conclusões 9ª a 19ª) que a matéria de facto, na sua globalidade, seja suficiente para representar a afetação do bem jurídico protegido pela norma que incrimina a violência doméstica, não consubstanciando uma ofensa à dignidade da pessoa humana, porquanto não infligiu agressões físicas à ofendida, nunca proferiu ameaças contra ela, mas sempre contra terceiros, e as expressões que lhe dirigiu, durante um curtíssimo lapso temporal e enquadradas num contexto de conflitualidade, ciúmes, melindre e avaliadas no contexto em que se desenrolaram, não merecem a forte censura que a sentença lhes atribuiu, nem assumem uma gravidade intensa ao ponto de atentarem contra a dignidade da pessoa humana da vítima, que em momento foi colocada numa situação humanamente humilhante e degradante, devendo ainda ser valorado que houve provocação e atitudes impróprias da vítima e que o último episódio dos autos já remonta a 15 de junho de 2019 e desde então não mais os envolvidos se encontraram nem se estabeleceu qualquer contacto entre ambos.

3.2.1 - Nos termos do art. 152º, n.º 1, al. b), do Código Penal, comete o crime de violência doméstica pelo qual o arguido foi condenado "quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namora ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação".
Designa-se por violência doméstica todo o tipo de agressões que existem no seio de uma relação familiar ou de união de facto ou somente de namoro, podendo tomar a forma de violência psicológica e mental (maus tratos psíquicos), que inclui agressões verbais, ameaças, humilhações, provocações, perseguições, clausura, privação de recurso físicos e financeiros, dificultação de contactos com familiares ou amigos, ou de violência física (maus tratos físicos), que pode ir das violações, empurrões, beliscões, pontapés, murros até espancamentos, ou ainda de privações da liberdade ou ofensas sexuais.
Como sucede na esmagadora maioria das situações de violência doméstica, este crime resulta da unificação de uma multiplicidade de condutas que, isoladamente consideradas, poderiam integrar vários tipos legais de crime autónomos, mas que, subsumindo-se a um só crime, perdem a sua autonomia jurídico-penal. Essa unidade de ação típica não é, assim, excluída pela realização repetida de atos parciais, quer estes integrem, quer não, outros tipos legais de crime.
Nesses casos, o crime consuma-se por atos sucessivos ou reiterados, mas que se traduzem num só crime, ainda que com pluralidade no seu modo de execução.

Como se refere no acórdão desta Relação de 11-02-2019[13]:

«No crime de violência doméstica, o comportamento imputado ao agente, normal e tendencialmente, pode ser suscetível de integrar, numa situação de concurso aparente, alguns outros crimes – como os de ofensas corporais simples (art. 143º, n.º 1), de injúria (art. 181º), de ameaça (art. 153º), de coação (art. 154º), de sequestro simples (art. 158º, n.º 1), de devassa da vida privada [art. 192º, n.º 1. al. b)], de gravações e fotografias ilícitas [art. 199º, nº 2, al b)] e de perseguição (art. 154º-A, n.º 1) –, que, pela subsunção a uma única previsão legal, deixam de ter relevância jurídico-penal autónoma, acabando por ser unificados naquele único crime (de violência doméstica), que é específico impróprio, pois a qualidade especial do agente ou o dever que sobre ele impende constitui o fundamento da agravação relativamente aos crimes que as condutas já integravam.»

A propósito do bem jurídico a que este ilícito se encontra vinculado, observa Nuno Brandão[14]:
«(…) o crime de violência doméstica assume não a natureza de crime de dano, mas de crime de perigo, nomeadamente, de crime de perigo abstrato. É, com efeito, o perigo para a saúde do objeto de ação alvo da conduta agressora que constitui motivo da criminalização, pretendendo-se deste modo oferecer uma tutela antecipada ao bem jurídico em apreço, própria dos crimes de perigo abstrato (…).
Sendo dado o devido relevo a este último aspeto justificativo da criminalização da violência doméstica, poderão superar-se eventuais objeções opostas a esta conceção fundadas na dificuldade em explicar por que razão a violência doméstica é punida mais severamente que a ofensa à integridade física se ambas protegem o mesmo bem jurídico e esta constitui crime de dano e aquela mero crime de perigo abstrato, com a concomitante pos­sibilidade de por esta razão a ofensa à integridade física ter prevalência sobre a aplicação da violência doméstica em caso de concurso. Reservas que todavia se mostrarão infundadas se os maus tratos forem encarados na perspetiva da ameaça de prejuízo sério e frequentemente irreversível que os mesmos em regra comportam para a paz e o bem-estar espirituais da vítima. Acresce que aqui sim e para este efeito deve entrar em cena a desconsideração pela dignidade pessoal da vítima imanente ao comportamento violento próprio dos maus tratos. Esse desprezo do agressor pela sua dignidade revela um pesado desvalor de ação que agrava a ilicitude material do facto. Tudo o que empresta à violência doméstica um grau de anti juridicidade que transcende o da mera ofensa à integridade física e assim justifica a sua punição mais severa e a sua prevalência em sede de concurso.»
Em sentido convergente se pronuncia André Lamas Leite[15], ao salientar que «(…) o fundamento último das ações e omissões abrangidas pelo tipo reconduz-se ao asseguramento das condições de livre desenvolvimento da personalidade de um indivíduo no âmbito de uma relação interpessoal próxima, de tipo familiar ou análogo. (…) o bem jurídico que identificámos é uma concretização do direito fundamental da integridade pessoal (art. 25º da Constituição), mas também do direito ao livre desenvolvimento da personalidade (art. 26º, n.º 1, da Constituição), nas dimensões não recobertas pelo art. 25º da Lei Fundamental, ambos emanações diretas do princípio da dignidade da pessoa humana. (…) A degradação, centrada na pessoa do ofendido, desses valores jurídico constitucionais deve ser a pergunta operatória no distinguo entre o crime de violência doméstica e todos os outros que, por via do até aqui designado “concurso legal”, com ele se relacionam».
O bem jurídico protegido é, assim, plural, complexo ou multímodo, visando essencialmente a defesa da integridade pessoal, nas suas vertentes física, psíquica e mental, e a proteção da dignidade humana no âmbito de uma particular relação interpessoal.
Como critério para delimitar os casos de violência doméstica daqueles em que a ação apenas preenche a previsão de outros tipos de crime, como a ofensa à integridade física, a injúria, a ameaça ou o sequestro, refere-se no acórdão desta Relação de 15-10-2012[16] que a «[a] solução está no conceito de "maus tratos", sejam eles físicos ou psíquicos. Há "maus tratos" quando, em face do comportamento demonstrado, for possível formular o juízo de que o agente manifestou desprezo, desejo de humilhar, ou especial desconsideração pela vítima».
Com efeito, o crime de violência doméstica visa proteger muito mais do que a soma dos diversos ilícitos típicos que o podem preencher. Está em causa a dignidade humana da vítima, a sua saúde física e psíquica, a sua liberdade de determinação, que são brutalmente ofendidas, não apenas através de ofensas, ameaças ou injúrias, mas essencialmente através de um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade e humilhação[17].
Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-04-2017[18], «(…) a violência doméstica pressupõe também uma contundente transgressão relativamente à esfera de autonomia da vítima sujeita na maioria dos casos, como a experiência demonstra, a uma situação de submissão à vontade do(a) agressor(a), "de alguém de quem possa depender, ao nível mesmo da vontade sobre as dimensões mais elementares da realização pessoal" redundando "numa específica agressão marcada por uma situação de domínio (…) geradora de um específico traço de acentuada censura" que escapa em geral à razão de ser dos tipos de ofensas à integridade física, coação, ameaça, injúria, violação, abuso sexual, sequestro, etc.».
O que importa saber é se a conduta do agente, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre esta, evidencia um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal da mesma que permita classificar a situação como de maus tratos, o que por si mesmo, constitui, nas palavras de Nuno Brandão[19], «um risco qualificado que a situação apresenta para a saúde psíquica da vítima».
Conforme já vinha sendo salientado antes da revisão do Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 04 de setembro, o preenchimento deste tipo legal de crime não se basta, em princípio, com uma ação isolada, nem tão-pouco com vários atos temporalmente muito distanciados entre si, embora também não se exija a habitualidade da conduta. Na verdade, o crime realiza-se normalmente com a reiteração do comportamento de maus tratos físicos ou psíquicos, em determinado período de tempo. Caso não se verifique essa reiteração, recair-se-á, pelo menos, no domínio dos referidos tipos legais autónomos.
Todavia, a verificação de tal crime não exige uma conduta plúrima e repetitiva ou a reiteração da conduta agressiva, já que a punição sempre ocorrerá quando a gravidade das agressões se assumir como suficiente para poder ser enquadrada na figura de maus tratos físicos ou psíquicos, enquanto violação da pessoa individual e da sua dignidade humana, com afetação da sua saúde (física ou psíquica). Assim, basta uma só conduta que, pela sua excecional violência e gravidade, permita considerar preenchida a previsão legal. Aliás, atualmente o texto da lei é expresso a esse ponto, ao incluir o segmento alternativo “de modo reiterado ou não”.

3.2.2 - Revertendo ao caso concreto, vejamos o que foi dado como provado em termos de comportamento objetivo do arguido:
- Tendo este e a ofendida mantido uma relação de namoro entre março de 2017 e 13 de fevereiro de 2018, chegando a viver em condições análogas às dos cônjuges nos dois últimos meses, o arguido sempre insistiu na reaproximação, tendo a ofendida acedido, em março/abril de 2019, em retomar o relacionamento, pondo-lhe termo passados alguns dias, por não se sentir confortável com a decisão que tomara.
- Não obstante continuar a dizer ao arguido que não queria mais estar com ele, este passou, com frequência quinzenal, junto ao local de trabalho da ofendida, olhando para ela até que a mesma o visse, até que, em finais de maio de 2019, após nova insistência do arguido, reataram o relacionamento, pernoitando juntos, mantendo relações sexuais e trocando mensagens durante o dia.
- No dia 06 de junho de 2019, pelas 03h, o arguido deslocou-se para junto da residência da ofendida e enviou-lhe mensagens, solicitando-lhe que descesse e falasse com ele, ao que ela não acedeu, apesar de ter acordado, o que o levou a telefonar-lhe para o telemóvel, não tendo a mesma atendido, após o que disse a uma amiga da ofendida “ou a R. P. vem cá em baixo ou eu parto-te o carro todo”. Chamada a PSP ao local, a ofendida acabou por sair de casa para acalmar o arguido e para que este fosse embora, o que ele fez, acabando todavia, logo após a PSP se ausentar, regressado, começado a bater na porta, a tocar à campainha e atirado um objeto não apurado contra a persiana do quarto da ofendida. Chamada a PSP novamente ao local, o arguido desculpou-se, dizendo que tinha aí deixado o telemóvel esquecido, após o que se ausentou, tendo, no entanto, regressado cinco minutos depois, gritando para a ofendida descer, senão ia partir aquilo tudo, desferindo pontapés na porta da entrada, cujo vidro partiu, e dizendo insistentemente que não saía dali enquanto a ofendida não falasse com ele, tendo ela, com medo, chamado mais uma vez a PSP. Durante estes factos, o arguido telefonou para o telemóvel da ofendida, pedindo-lhe para ter uma última conversa, o que a mesma continuou a negar, tendo então um amigo do arguido, que o acompanhava, telefonado à mesma, intercedendo junto dela para que falasse com o arguido. Perante a recusa da ofendida, de modo a ser ouvido por ela, o arguido disse “tu queres é dar a cona a todos, por isso é que tu não queres estar mais comigo”.
- No dia 15 de junho de 2019, tendo a ofendida ido tomado café com amigos ao restaurante onde o arguido trabalhava como empregado de mesa, este passou várias vezes pela mesma onde ela se encontrava, fazendo-a sentir-se desconfortável, pelo que decidiu sair do local. Quando a ofendida estava a entrar para o carro, o arguido dirigiu-se-lhe dizendo “posso perder o trabalho mas fodo-vos os cornos aqui a todos”, o que a deixou perturbada.
- Por fim, no dia 05 de julho de 2019, cerca das 04h e 15m, encontrando-se a ofendida num café, o arguido foi ter com ela a propósito de lhe pedir a devolução de uma pulseira, após o que, com foros de seriedade e tom agressivo, lhe disse: “se te encontro a falar com algum rapaz, fodo-lhe os cornos”, o que fez com que ela, para evitar confusões, fosse para casa. Todavia, minutos depois, o arguido deslocou-se para aí e, de forma incessante e para perturbar a ofendida, começou a tocar várias vezes à campainha da casa da mesma, gritando que queria falar com a mesma, o que a mesma recusou, tendo chamado a PSP ao local.
Como bem refere a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, o caso sub judice situa-se numa zona de fronteira, revestindo de especial melindre o seu enquadramento jurídico, optando por entender que a conduta do arguido não tem o desvalor exigido pelo tipo legal do crime de violência doméstica, com a consequente convolação da imputação desse crime ao arguido para a imputação de um crime de injúria, de um crime de ameaça e de um crime de perseguição.
Sem a mínima quebra de respeito por essa opinião, afigura-se-nos que os descritos comportamentos do arguido representam um potencial de agressão que supera ou transcende a proteção oferecida pelos crimes de injúria, ameaça e perseguição, na medida em que traduzem uma situação de maus tratos psíquicos, da qual resultaram sérios riscos para a integridade psíquica da vítima.

Vejamos porquê:
Com as repetidas insistências em contactar com a sua ex-namorada e ex-companheira e em reatarem o relacionamento afetivo, contra a vontade dela, com as perturbações do sossego e tranquilidade da mesma, nomeadamente, passando regularmente pelo seu local de trabalho e olhando para ela, enviando-lhe mensagens, telefonando-lhe e tocando à campainha insistentemente de madrugada, querendo falar com ela, atirando-lhe um objeto à persiana do quarto, ameaçando partir tudo, desferindo pontapés à porta do prédio e partindo o respetivo vidro, e injuriando-a dizendo-lhe “tu queres é dar a cona a todos, por isso é que tu não queres estar mais comigo”, persistindo nesses comportamentos, indiferente ao facto de, na mesma noite, a PSP se ter deslocado ao local por três vezes, bem como, em duas ocasiões distintas, ameaçando a integridade física da ofendida e de outros rapazes com quem a mesma se quisesse vir a relacionar, coartando-lhe, assim, a sua liberdade de decisão e de ação, o arguido revelou desprezo e desconsideração pela vítima, provocando-lhe maus tratos psíquicos que, a nosso ver, são atentatórios da dignidade humana e violadores da pessoa da mesma, com afetação da sua saúde psíquica, causando-lhe sofrimento moral, já que, tal como emerge dos factos provados, ela sentiu-se perturbada na sua tranquilidade, vigiada e envergonhada, tendo medo de se encontrar com o arguido e que o mesmo concretizasse as suas ameaças, vivendo, assim, num clima de medo, insegurança e intranquilidade.
Mais se deu como provado que o arguido quis ofender e atemorizar a ofendida, impor a sua presença contra a vontade dela, forçá-la a reatar uma relação de proximidade e limitar a sua liberdade de atuação.

Em suma, tendo presentes os ensinamentos supra explanados, é possível concluir que a "imagem global do facto" é reveladora de um maior desvalor da ação e de um potencial perigo de prejuízos sérios para a saúde e para o bem-estar da ofendida, causando-lhe um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da sua dignidade pessoal que permite classificar a situação como de maus tratos, constituindo a situação um risco qualificado para a saúde psíquica da mesma.

Não tem, pois, razão o recorrente quando invoca a existência de erro na qualificação jurídica da matéria de facto provada, alegando que esta é insuficiente para integrar o ilícito de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152º, n.º 1, al. b), do Código Penal, pelo qual foi condenado.

Improcede, pois, este segmento do recurso.

3.3 - Da suspensão da execução da pena

Por último, discorda o recorrente da decisão da Mmª. Juíza a quo em não suspender a execução da pena de prisão.
Para tanto, alega que «tem pautado a sua vida pelo respeito às normas jurídicas que regem a vida em sociedade, tem trabalho e hábitos de trabalho, conta com suporte familiar adequado, companheira, tem boa imagem social e não é alvo de rejeição alguma», que «ao ter confessado grande parte da factualidade vertida na acusação pública, fê-lo por arrependimento», que «a ameaça de prisão e a simples censura do facto realizam e asseguram no caso vertente as finalidades que estão na base da punição, atendendo à personalidade do arguido e essencialmente à boa conduta por este mantida», pelo que «poder-se-á fazer em todo o caso um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do agente», sendo que «a decisão recorrida é devastadora, exagerada e suscetível de provocar consequências muito perniciosas e perversas na sua vida», pois «a pena de prisão efetiva é excessivamente atroz, atendendo ao carácter do ilícito e da culpa e (…), além de ser injusta, em nada concorre para a sua socialização e reintegração social, sendo ao invés passível de gerar efeitos diametralmente opostos e comprometer o seu futuro e a sua vida» (conclusões 20ª a 27ª).

3.3.1 – De acordo com o disposto no art. 50º, n.º 1, do Código Penal, a pena de prisão fixada em medida não superior a cinco anos deve ser suspensa na sua execução se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Estas finalidades são a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, n.º 1, do mesmo código).
A proteção de bens jurídicos consubstancia-se na chamada prevenção geral, enquanto a reintegração do agente na sociedade, ou seja, o seu retorno ao tecido social lesado, se reporta à denominada prevenção especial.
Conforme refere Maria João Antunes[20], são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial, que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade, sem perder de vista que a finalidade primordial é a de proteção de bens jurídicos.
O pressuposto material da decisão suspensória da execução da pena é a existência de um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro.
A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, norteado pelo desiderato de afastar o delinquente da senda do crime, tendo em conta as concretas condições do caso. É necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, ao seu comportamento global (anterior e posterior aos factos), às condições da sua vida, à natureza e circunstâncias do crime e à sua adequação àquela personalidade, que o facto cometido não está de acordo com a mesma, que foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos, afastando-o da criminalidade.
Para decidir sobre a suspensão da execução da pena, o tribunal começará, pois, por um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente, decidindo depois em conformidade com o que resultar dessa previsão, só devendo decretar a suspensão da execução quando concluir, face aos apontados elementos, reportados ao momento da decisão, que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.
É certo que esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, mas antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se pois de uma convicção subjetiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso[21]. O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.
Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal. Ou seja, é necessário que a suspensão da pena não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafática das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.
Se, por um lado, a regra é o cumprimento efetivo da pena aplicada e não a sua suspensão, pois que esta só será decretada se se mostrarem verificadas as aludidas condições, por outro lado, a suspensão da execução da pena nunca poderá contender com as expectativas comunitárias na realização da justiça, pois que tal abalaria a estabilidade do ordenamento jurídico-penal. Como escreve Figueiredo Dias[22], «[a]pesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem "as necessidades de reprovação e prevenção do crime". (…) estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por essas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.».
Em síntese, exige-se que o tribunal, ponderando todas as referidas circunstâncias, esteja em condições de formular um juízo de prognose favorável, não podendo a suspensão, no entanto, beliscar as expectativas comunitárias e abalar a estabilidade do ordenamento jurídico-penal, uma vez que a comunidade deve rever-se nas decisões dos tribunais.

3.3.2 – No caso dos autos, o recorrente, para fundamentar a pretensão de ver suspensa a execução da pena, começa por alegar que "tem pautado a sua vida pelo respeito às normas jurídicas que regem a vida em sociedade, tem trabalho e hábitos de trabalho, conta com suporte familiar adequado, companheira, tem boa imagem social e não é alvo de rejeição alguma".
Todavia, tal como acertadamente foi notado na sentença recorrida, para além de o tipo de comportamento em apreço nos autos surgir à margem de qualquer projeção social, o certo é que o facto de o arguido beneficiar de fatores de integração familiar, profissional e social não é suficiente para fazer crer que, por via dessas condições de vida, não voltará a delinquir, pois a matéria de facto provada revela um percurso de vida em que o arguido sempre gozou de tais condições, mantendo-se profissionalmente ativo, contando com o apoio afetivo, económica e protetor do pai e gozando de uma normal integração na rede vicinal, contexto esse que não foi dissuasor do cometimento, não só do crime em apreço nos autos, mas também, no passado recente, de um outro crime da mesma tipologia, na pessoa da sua então companheira (A. R.), e ainda de um crime de ofensa à integridade física, contra a ofendida nos presentes autos, pelo qual não foi sancionado em virtude de, na sentença, após fixação dos factos provados e sua integração nesse tipo de crime, ter sido homologada a desistência de queixa.
O que, por seu turno, também infirma a alegação, ainda que conclusiva, de que o recorrente tem pautado sua vida pelo respeito pelas normas jurídicas que regem a vida em sociedade.
Por outro lado, a circunstância de o recorrente ter atualmente uma nova companheira, por si só, também não menoriza o risco de voltar a praticar factos semelhantes, pois os dois crimes de violência doméstica por ele praticados tiveram como vítimas duas companheiras distintas, notando-se alguma instabilidade em termos de relacionamento afetivo e uma repetição de comportamentos agressivos em relação a elas.
Daí a conclusão de que a conduta do arguido anterior aos factos também não abona a favor de um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro.
Na verdade, depois de ter sido condenado, por sentença transitada em julgado em 05-12-2016, pela prática, em 09-06-2015, de um outro crime de violência doméstica na pessoa da sua então companheira (A. R.), na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova, com obrigação de frequentar um programa específico de prevenção de violência doméstica, e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima, tendo essa pena sido extinta em 05-03-2018, volvidos cerca de um ano e 3 meses, o arguido incorreu na prática de novo crime de violência doméstica em apreço, praticando os factos em apreço nos presentes autos.
O que é claramente demonstrativo de uma absoluta e censurável indiferença do arguido perante o teor admonitório da referida condenação, bem como do insucesso do acompanhamento por regime de prova e da frequência do programa de prevenção da violência doméstica.
Seria de esperar que o arguido interiorizasse o desvalor da conduta subjacente a essa condenação, aproveitasse a oportunidade de ressocialização que lhe foi concedida e demonstrasse ser merecedor da prova de confiança que o tribunal depositou nele ao suspender-lhe a execução da pena, abstendo-se da prática de novos crimes, particularmente da mesma tipologia.
Todavia, ao invés disso, enveredou por um percurso inverso, o que significa que a referida pena de substituição não foi suficiente para o afastar da prática de novos factos ilícitos, inclusive um novo crime de violência doméstica, o que constitui forte óbice à renovação do prognóstico favorável.
Ademais, ainda durante o período de suspensão da referida pena, o arguido praticou, em 12-02-2018, na pessoa da ofendida nos presentes autos (R. P.), factos integrantes de um crime de ofensa à integridade física simples, dados como provados na sentença proferida em 20-09-2018 no processo n.º 78/18.0PBBGC, apenas não tendo sido condenado por, na sentença, ter sido homologada a desistência de queixa.
Como se colhe da certidão dessa sentença, junta a fls. 66 e ss. (ref.ª eletrónica 1434668), do elenco dos factos dados como provados consta que, para além de o arguido, de madrugada, ter telefonado várias vezes e enviado uma mensagem à ofendida, dizendo-lhe para ir para casa, quando ela aí chegou, do decurso de uma discussão, gritou-lhe "tu não brincas comigo", e, já na presença de uma amiga da ofendida, que tinha ficado por precaução nas escadas e que bateu à porta, desferiu-lhe uma pancada na cara, atingindo-lhe o olho esquerdo, provocando-lhe lesões que demandaram oito dias para cura, e, ainda, quando alguém tocou à campainha, muniu-se de uma faca e disse à referida amiga da ofendida "se tu abrires a porta faço aqui uma desgraça".
É certo que, tendo o procedimento criminal sido julgado extinto na sentença, por desistência de queixa, não se verifica a anterioridade da solene censura penal decorrente de uma condenação.
Daí que essa conduta anterior do arguido não deva ter qualquer peso especial na medida da pena, por não ser reveladora de uma personalidade particularmente desrespeitadora dos valores jurídico-criminais, justificadora de uma agravação da pena.
Todavia, já pode relevar nos termos gerais em que releva qualquer comportamento anterior que não deu lugar a qualquer condenação, como sucede nos casos de factos que tenham conduzido arquivamento em caso de dispensa de pena ou à suspensão provisória do processo, nos termos dos arts. 280º e 281º do Código de Processo Penal, relativamente aos quais refere Figueiredo Dias[23] que «(…) não podendo, decerto, o juiz equiparar estas situações às de “condenações anteriores”, nada parece impedir, em definitivo, que ele possa valorar estes elementos, em sua livre convicção, para determinar a medida da culpa e (ou) as exigências de prevenção».
Como igualmente refere Anabela Miranda Rodrigues[24], «(…) a pena da culpa poderá ser mais ou menos grave em função de comportamentos anteriores que não são recondutíveis a qualquer norma incriminadora e que fazem aparecer o facto com um certo valor à luz da culpa», «não se deve(ndo) também esquecer o caso daqueles comportamentos anteriores que, integrando embora condutas criminosas, não foram objeto de sentenças condenatórias por razões processuais».
Posto é que, também em relação a esses comportamentos anteriores, se possa dizer que contribuem para caracterizar uma personalidade do ponto de vista da sua conformação com o direito, não funcionando nunca automaticamente, exigindo-se, pois, que se encontrem relacionados com o facto cometido, tendo com ele uma conexão estrita e inquestionável[25], assim se limitando o perigo de intromissão indevida na inteira vida do agente.
Como salienta a referida autora[26], «(…) a personalidade a considerar para efeitos de prevenção vai além daquela que fundamenta o facto e nele se manifesta e que, (…), normalmente será relevante para a determinação da pena da culpa. Com efeito, também relativamente à personalidade se pode dizer que o que justifica a sua relevância para a determinação da medida da pena é a sua ligação à “necessidade de pena”: e o conceito de “prevenção”, ao contrário do de culpa, nem impõe que só se considere a personalidade onde o facto radica; nem que a personalidade a considerar tenha de ser a personalidade manifestada no facto.»
No entanto, nessa valoração da personalidade não se pode prescindir de uma qualquer ligação com o concreto facto cometido, por forma a observar-se a necessária relação que deve ser sentida, quer pela comunidade quer pelo agente, entre os fatores de medida da pena a considerar por essa via (da personalidade) e as finalidades de prevenção, geral e especial, tidas em vista com a aplicação da pena. Ou seja, a personalidade do agente só deverá relevar para a medida da pena, pela via da prevenção, quando a mesma permita formular juízos de prognose sobre a futura conduta do agente do ponto de vista do respeito pelas normas jurídico-penais (prevenção especial), ou quando a partir dela se possa também concluir sobre a necessidade da pena para se obter a estabilização da confiança da comunidade na validade das normas jurídico-penas (prevenção geral).
Posto isto, no caso concreto, pela proximidade temporal, pela semelhança do bem jurídico atingido e pela identidade da vítima, é possível estabelecer uma íntima conexão entre "o facto" agora em apreço e o referido comportamento anterior do arguido, traduzido na prática de factos integrantes do crime de ofensa à integridade física, revelando uma desconformidade da sua personalidade ao direito, por encarar com naturalidade a assunção desse tipo de condutas.
Esse comportamento e a condenação anterior pelo crime de violência doméstica revelam inequivocamente que os factos dos presentes autos não se tratam de um comportamento isolado e inédito na vida do arguido, fazendo antes recear muito seriamente que o mesmo possa continuar a incorrer em comportamentos semelhantes, assim acentuando as exigências de prevenção, sobretudo especial.
Por seu turno, em termos de comportamento posterior aos factos, alega o recorrente que "ao ter confessado grande parte da factualidade vertida na acusação pública, fê-lo por arrependimento".
Olvida, porém, que, tal como a Mmª. Juíza pôs em evidência na sentença recorrida, e pode ser constatado pela leitura da motivação da decisão de facto e pela audição das suas declarações, mesmo na parte em que o arguido assumiu ter praticado os factos, denota-se uma postura desculpabilizante da sua atuação, ora pelo excesso de álcool, ora pela atitude provocatória da ofendida, o que nem sequer ficou demonstrado, pelo que não se vislumbra uma verdadeira interiorização do desvalor das suas condutas, um sentido crítico e uma sincera autocensura ou arrependimento.
Numa visão global, os factos, associados aos comportamentos anteriores, revelam antes uma personalidade do arguido com sérias dificuldades em lidar com a frustração das suas expectativas em ver restabelecido o relacionamento afetivo com a ofendida, o que pretende impor a esta, contra a vontade da mesma, fazendo recear que, num futuro relacionamento com outra mulher ou até com a própria ofendida, possa comportar-se da mesma forma.
Acresce que a circunstância de após a prática dos factos não haver notícia de novos comportamentos desviantes não pode ser dissociada de, nesse período, o arguido se mostrar a braços com a pendência dos presentes autos, ciente das consequências que deles podem advir, e de a ofendida se encontrar com teleassistência, o que é do conhecimento do arguido, beneficiando, assim, da proteção permitida por tal meio de controlo.
Alega ainda o recorrente que «a pena de prisão efetiva é excessivamente atroz, atendendo ao carácter do ilícito e da culpa e (…), além de ser injusta, em nada concorre para a sua socialização e reintegração social, sendo ao invés passível de gerar efeitos diametralmente opostos e comprometer o seu futuro e a sua vida».
Conquanto não se tenha apurado a existência de maus tratos físicos, hoje é pacificamente reconhecido, como também é referido na sentença recorrida, que «há que reforçar a ideia de que a violência emocional é dilacerante, tão ou mais perversa que a violência física. Não é apenas violência doméstica aquilo que choca no plano das consequências visíveis. A ofensa emocional, do reduto da intimidade de cada um e do autoconceito reclama tanta proteção quanto qualquer outra, com reflexo na medida da pena mas não na consumação do crime. Nisso se enquadram o rebaixamento das qualidades do outro, a afetação da sua paz psíquica e relacional, as condutas intrusivas e persistentes, os atos persecutórios não queridos e perturbadores para a vítima como as formas de comunicação, vigilância e contacto, exercidas sobre alguém que é alvo de um interesse e atenção continuados e indesejados, capazes de afetar a confiança do agredido no seu próprio juízo de valor e na sua auto estima, uma violência silenciosa a que, decididamente, há que pôr cobro, com reflexo ao nível da exteriorização física da reprovação que merece».
É neste quadro que se inserem as insistentes pressões exercidas pelo arguido sobre a ofendida com vista a, contra a manifesta vontade da mesma, contactar com ela e reatar o relacionamento afetivo, bem como a violência exercida sobre as coisas (atirando objetos à persiana do quarto e partindo o vidro da porta da residência da mesma), as expressões a ela dirigidas, insultuosas e ameaçadoras e, sobretudo a oposição, acompanhada de ameaças contra a integridade física ou a vida, ao relacionamento da ofendida com terceiros, coartando-a na sua liberdade pessoal, mantendo-se indiferente, num dos episódios, à presença da PSP, que numa só noite foi chamada ao local por três vezes.
Assim, do ponto de vista das necessidades de prevenção especial, não é possível concluir que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão apresentem potencialidades para levar o recorrente a afastar-se da criminalidade e satisfazer as exigências de reparação e de prevenção do crime, por não haver uma esperança fundada de que a ressocialização em liberdade poderá ser alcançada.
Pelo que fica exposto, afigura-se-nos ser de concluir que o juízo de prognose quanto ao futuro comportamento do recorrente é desfavorável ou claramente negativo.
Como referimos, tendo o tribunal sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, como é o caso, a prognose deve ser negativa.
Por seu turno, são muito avultadas as necessidades de prevenção geral em relação ao crime de violência doméstica, atenta a frequência com que tal ilícito é cometido, com nefastas consequências para as vítimas e para a sociedade em geral, e tendo em consideração a crescente censura da sociedade em geral para com quem pratica este tipo de atos.
Prevenção geral essa encarada como prevenção positiva ou de integração, ou seja, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida, ou, dito de outra forma, como estabilização contrafáctica das expetativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida.
Ora, atenta a elevada reprovação e censurabilidade dos comportamentos do arguido, os traços de personalidade do mesmo e a circunstância de, no passado recente, já ter sofrido uma condenação em pena suspensa pela prática do mesmo tipo de crime, uma nova suspensão da execução da pena constituiria motivo de apreensão comunitária, sendo que, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare a suspensão como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança no sistema repressivo penal[27].
Pelo exposto, tal como entendeu a Mmª. Juíza, a suspensão da execução da pena não satisfaz as necessidades de reprovação e prevenção, antes se mostrando justificada a necessidade de cumprimento efetivo da pena de prisão, sendo certo que o arguido não se insurge contra o afastamento, na sentença recorrida, do cumprimento em regime de permanência na habitação, limitando-se a pugnar pela aplicação de uma pena suspensa.
Assim, não sendo de optar por esta pena de substituição, improcede o segmento em apreço do recurso.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a quatro unidades de conta (arts. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).
*
(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
*
Guimarães, 09 de novembro de 2020

(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)
(assinado eletronicamente, conforme assinaturas apostas no canto superior esquerdo da primeira página)



1. - A referência feita no dispositivo da sentença ao n.º 2, al. b), do art. 152º do Código Penal deveu-se a mero lapso de escrita, porquanto resulta inequivocamente da fundamentação de direito que o arguido foi condenado pela prática do crime de violência doméstica previsto e punido pelo n.º 1 do art. 152º, conforme, aliás, vinha acusado.
2. - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes, a formatação e a ortografia utilizada, que são da responsabilidade do relator.
3. - Conforme jurisprudência uniformizada pelo acórdão n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995).
4. - Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 18-01-2018 (processo n.º 563/14.3TABRG.S1), de 17-03-2016 (processo n.º 849/12.1JACBR.C1.S1), de 20-01-2010 (processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1), de 14-03-2007 (processo n.º 07P21) e de 23-05-2007 (processo n.º 07P1498) e do TRP de 11-07-2001 (processo n.º 110407), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
5. - Cf., nomeadamente, o acórdão de 29-10-2015 (processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1), disponível em http://www.dgsi.pt.
6. - Conforme, aliás, já foi entendido no acórdão desta Relação de 11-07-2017 (processo n.º 376/11.4TACHV.G2), disponível em http://www.dgsi.pt.
7. - E não de junho como, por mero lapso de escrita, refere o recorrente.
8. - Cf. o acórdão do STJ de 25-03-2010 (processo n.º 427/08.OTBSTB.E1.S1), disponível em http://www.dgsi.pt.
9. - Cf. o acórdão do TRP de 20-12-2011 (processo n.º 51/08.7GAMCD.P1), disponível em http://www.dgsi.pt.
10. - Psicologia Judiciária, volume II, 3ª edição, página 12.
11. - Cf. os acórdãos do STJ de 14-07-2010 (processo n.º 408/08.3PRLSB.L2.S1), 25-03-2010 (processo n.º 427/08.0TBSTB.E1.S1), 24-02-2010 (processo n.º 563/03.0PRPRT) e 13-01-2010 (processo 274/08.9JASTB.L1.S1), todos disponíveis em http//www.dgsi.pt.
12. - Cf. o acórdão do STJ de 04-11-1998, in BMJ n.º 481, pág. 265.
13. - Proferido no processo n.º 1128/16.0 PBGMR.G1, disponível em http://www.dgsi.pt.
14. - “A Tutela penal especial reforçada da violência doméstica”, in Revista Julgar, 12 (Especial), págs. 9 a 24.
15. - “A violência relacional íntima: reflexões cruzadas entre o Direito Penal e a Criminologia”, in Revista Julgar, 12 (Especial), págs. 25 a 66.
16. - Proferido no processo n.º 639/08.6GBFLG.G1, disponível em http://www.dgsi.pt.
17. - Vd. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 132, e Conde Fernandes, in Violência Doméstica, Novo Quadro Penal e Processual Penal, Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, Revista do CEJ, n.º 8, pág. 305.
18. - Proferido no processo n.º 2263/15.8JAPRT. P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt.
19. - In texto citado na nota 15.
20. - As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, nota 4, pág. 71.
21. - Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 344.
22. - Ob. cit., pág. 344.
23. - Ob. cit., pág. 253.
24. - A determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade – Os critérios da culpa e da prevenção, Reimpressão, Coimbra Editora, págs. 668 a 670.
25. - Vd. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 254.
26. - Ob. cit., pág. 672.
27. - Cf. o acórdão do STJ de 18-02-2016, disponível em http://www.dgsi.pt.