Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2556/18.2T8GMR-B.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: RECURSO
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
LEVANTAMENTO
TRÂNSITO EM JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela Relatora):

1. Os n.ºs 3 e 4 do art. 650.º do Código de Processo Civil foram introduzidos em 2013 apenas com a intenção de consagrar expressamente o entendimento até aí maioritário de que a caução prestada numa das modalidades aí indicadas não se extingue com o mero trânsito em julgado da decisão recorrida, mas se mantém até ao efectivo cumprimento da obrigação garantida, no caso de a mesma ser definitivamente reconhecida, estabelecendo-se o mecanismo para o cumprimento pelo terceiro que prestou a caução, na falta de cumprimento pelo devedor.
2. Assim, transitada em julgado uma decisão em sentido favorável ao recorrente, sem o reconhecimento de qualquer obrigação sua perante a parte contrária, que tivesse de manter-se garantida pela caução prestada, esta podia ser levantada, e, não o tendo sido, nada obsta a que, atento o princípio da celeridade processual, seja afectada a recurso interposto posteriormente pela mesma parte, com vista a conferir-lhe efeito suspensivo.
3. A colisão entre o direito à prova e outros direitos fundamentais que não sejam o direito à integridade física e moral das pessoas não evidencia, por si só, uma superioridade absoluta dos segundos sobre o primeiro, pelo que deve ter-se como admissível a produção de prova ilícita relativa em função da ponderação dos interesses concretos e das circunstâncias de cada caso, à luz do princípio constitucional da proporcionalidade.
4. Assim, no confronto entre, por um lado, o direito à prova/contraprova e à colaboração da parte contrária para a descoberta da verdade material, e, por outro lado, o direito ao sigilo comercial e à confidencialidade da correspondência, deve ser dada prevalência aos primeiros se e na estrita medida em que o meio de prova ilícito seja idóneo a demonstrar o facto carecido de prova, a parte não tenha acesso a meios de prova lícitos igualmente eficazes e as vantagens daí decorrentes sejam atendíveis em grau superior aos interesses postergados.
Decisão Texto Integral:
1. Relatório

I. C. intentou acção declarativa de condenação, com processo especial de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento, contra X - Electrobombas Submersíveis, S.A., no decurso da qual a empregadora interpôs recurso de despacho que determinou a junção de documentos pela mesma e recurso do despacho que fixou o valor da caução requerida pela mesma com vista à obtenção de efeito suspensivo.
Nessa sequência, foi organizado o apenso A para subida daqueles recursos em separado, tendo em 10 de Julho de 2019 sido proferido Acórdão por este tribunal e secção que terminou com o seguinte dispositivo:
«Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida no que concerne ao valor da caução, que se fixa em € 20.000,00, devendo o recurso interposto do despacho de 15/11/2018 subir e ser distribuído (à ora Relatora, para salvaguarda do resultado da distribuição anterior) após fixação do respectivo efeito em conformidade com o ora decidido e a inerente tramitação subsequente.»
Tendo a empregadora prestado caução no valor de € 20.000,00, por meio de depósito bancário na Caixa ..., e sido fixado o efeito suspensivo ao recurso que havia sido interposto em 1.º lugar, o apenso A voltou a subir a este tribunal e secção, tendo sido proferido Acórdão em 7 de Novembro de 2019, transitado em julgado, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente, e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que convide a A. a especificar os factos que quer provar com cada um dos documentos em questão, procedendo-se, após audiência contraditória, a prolação de despacho nos termos do art. 429.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.»
Nessa sequência, a trabalhadora apresentou o seguinte requerimento em 17/01/2020:
«Requer que seja notificada a Ré para vir aos presentes autos, no prazo máximo de 10 dias, juntar cópia certificada dos seguintes documentos:
1) Recibos de vencimento desde o ano de 2010 a 2018 de todos os trabalhadores ao seu serviço, para melhor prova da matéria alegada sob os artigos 167º, 168º e 169º da contestação/reconvenção, pois, os mesmos são idóneos a demonstrar o assédio moral a que a Autora foi sujeita ao longo destes anos de trabalho, nomeadamente, sendo vítima de discriminação relativamente aos seus outros colegas, que viram os seus salários serem aumentados, enquanto que, a Autora inexplicavelmente nunca foi aumentada, quando a qualidade de trabalho da Autora era idêntica ou superior, à daqueles funcionários que viram os seus vencimentos aumentados.
Pelo que, tais documentos são aptos a demonstrar a forma desrespeitosa com que a entidade empregadora tratou a Autora, violando princípios basilares como o da igualdade de tratamento e o da boa-fé.
2) Anexo C do Relatório único - Relatório anual da formação contínua dos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, para melhor prova da matéria alegada sob os artigos 98º, 101º, 133º, 134º, 135º, 136º da contestação/reconvenção,
3) E-mails enviados ao Dr. C. S. da AIMMAP em 07/02/2017 às 9:14, 22/02/2017 às 8:46 e em 04/04/2017 às 15:46 e à Sra. I. R. da seguradora Y-Gestão de Sinistros da IP Assistance em 03/01/2017 às 11:59, e em 01/03/2017 às 11:42 (com anexos) do computador afeto à Autora, para melhor prova da matéria alegada sob os artigos 52º, 53º, 54º, 55º, 56º e 153º, da contestação/reconvenção, de modo a provar que o computador que era utilizado habitualmente pela trabalhadora, também era utilizado por outros trabalhadores da entidade empregadora ou por esta, que tinham igualmente acesso às password´s, pois, durante o período em que esteve de baixa médica, de 11/11/2016 a 20/11/2017, foram enviados e-mails e alguns deles com anexos, inclusive em nome da trabalhadora.
4) Cópia do IES referente aos últimos 3 anos de exercício, para melhor prova da matéria alegada sob o artigo 48º da contestação/reconvenção;
5) Fichas da avaliação médica da A. da medicina do trabalho desde 2010 a 2018, para melhor prova da matéria alegada sob os artigos 115º, 116º, 117º e 118º da contestação/reconvenção;
6) E-mails enviados pela A. para os bancos que trabalhavam com a Ré e que se encontram no computador habitualmente usado por esta, no seu Outlook, em pasta de arquivo denominada “bancos” e, por sua vez, em sub-pastas com o nome de cada um dos bancos (BANCO ..., BANCO ...; Banco …; BANCO ...; Banco …; BANCO ...; CAIXA ...) para melhor prova da matéria alegada sob os artigos 113º, 124º e 171º, da contestação/reconvenção.»
Após oposição da empregadora, foi proferido o seguinte despacho em 17/02/2020:
«Em face do exposto quer na contestação/reconvenção da trabalhadora quer no seu requerimento sob refª. 34568532 e por se afigurar com interesse para o esclarecimento da verdade material, para a decisão da causa com a justa composição do litígio, notifique a empregadora para, no prazo geral e sob a cominação de multa, juntar cópia dos seguintes documentos ainda em falta, no prazo geral e a título devolutivo - ficando salvaguardada a não publicidade dos mesmos através da criação de um anexo depositado na secretaria, contendo os mesmos, sem digitalização, cuja consulta dependerá de prévia autorização e a devolver a final (cfr. os arts. 417º, nºs 1 e 2, 418º, 429º, nº 2, 436º e 442º, nº 2, 2ª parte, do C.P.C.) - :
Ficha individual completa desta trabalhadora desde a sua admissão até ao despedimento e o seu registo disciplinar;
Recibos de vencimento de todos os trabalhadores desta empregadora, no mês de Fevereiro dos anos de 2010 até 2018 inclusive;
Relatório da formação profissional contínua a esta trabalhadora nos anos de 2011 a 2017 inclusive;
IES relativo aos últimos 3 anos de exercício da empregadora, na parte relativa ao volume de negócios e número de trabalhadores;
Os e-mails aludidos em 3) e 6) do item b)-aa) de fls. 87, sendo quanto a este último (ponto 6) apenas aqueles cuja remetente seja esta trabalhadora.»
A empregadora, inconformada, interpôs recurso deste despacho em 28/02/2020, em que requereu o seguinte e formulou as seguintes conclusões:
«Por não se conformar com o douto despacho de 17 de Fevereiro de 2020 que ordena que a Ré junte aos Autos os documentos nele referidos, dele vem recorrer para o Tribunal da Relação de Guimarães.
O recurso é de apelação (art.os 644.º, n.º 2, al. d) do CPC e art.º 79.º-A, n.º 2, al. i) do Código de Processo do Trabalho ex vi art.º 98.º-M, n.º 1, do mesmo Código) e sobe em separado (art.º 645.º, n.º 2 do CPC);
Ao abrigo do art.º 647.º do CPC, a Ré requer que a apelação tenha efeito suspensivo, uma vez que, pelos fundamentos alegados em B-I) e B-II) das Alegações do Recurso que se anexam (que por brevidade aqui se dão por integralmente reproduzidos), a execução da decisão obrigaria a Ré a revelar documentos e comunicações absolutamente sigilosas, com dados da Ré e de terceiros estranhos aos presentes autos, o que causará avultado prejuízo à Ré e aos seus legais representantes, quer na sua actividade mercantil, quer a título penal e de responsabilidade civil para com os terceiros titulares dos referidos dados;
Tanto mais que, a Ré já prestou caução no valor de 20.000,00€, a qual ainda se encontra depositada à ordem dos presentes autos, pelo que se requer que aquela caução fique afecta ao presente recurso que deverá ter efeito suspensivo.
(…)
EM CONCLUSÃO:
1. Ao abrigo dos art.os 644.º, n.º 2, al. d) do CPC e art.º 79.º-A, n.º 2, al. i) do Código de Processo do Trabalho ex vi art.º 98.º-M, n.º 1, do mesmo Código, vem o presente recurso interposto do douto despacho de 17 de fevereiro de 2020, refª 167131431, que, em face do exposto na contestação/reconvenção da A. e no seu requerimento refª 34568532, ordena que a Ré junte aos Autos o requerido pela A. nos itens B), aa), nºs 1, 3, 4 e 6, de fls. 87 e verso.;
2. No douto despacho o tribunal “a quo” não fundamentou devidamente a conclusão a que chegou para ordenar a junção daqueles documentos, desde logo, não apresenta as respectivas premissas nem especifica os reais motivos que levam à admissão daqueles documentos, pelo que padece de insuficiente e deficiente fundamentação, por violação do disposto no art. 154º, do CPC, devendo ser revogado.
3. Nos presentes Autos discute-se a existência, ou não, da factualidade integradora da noção de justa causa que justifique a aplicação, pela entidade empregadora, da sanção disciplinar de despedimento da trabalhadora e, na negativa, se a trabalhadora tem direito às indemnizações peticionadas (a título de danos morais pelo despedimento, de horas de formação, de retribuição do mês anterior à propositura da acção, de indemnização de antiguidade e de danos morais por assédio);
4. São temas da prova:
a. Saber se a trabalhadora praticou os factos constantes da nota de culpa deduzida pela empregadora no PD movido contra si e, em caso afirmativo, se tal foi de molde a tornar impossível a manutenção dessa relação laboral.
b. Saber se, em consequência desse despedimento, a trabalhadora sofreu os alegados danos patrimoniais e não patrimoniais que sejam merecedores de tutela jus-laboral, para além da peticionada indemnização por antiguidade e falta de formação profissional.
c. Saber se a empregadora e/ou a trabalhadora pretendem obter um benefício patrimonial indevido, deturpando a realidade dos factos na presente acção.
5. Ao abrigo do princípio contido nos art.os 6.º, n.º 1 e 130.º do CPC, o Juiz deve recusar ou mandar retirar do processo os documentos impertinentes ou desnecessários, que nenhum contributo útil tenham a dar para a boa decisão da causa e descoberta da verdade sob pena de, admitindo a junção de todos e quaisquer documentos aos autos, violar também os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º, n.º 1 e 131.º, do CPC;
6. Sendo certo que, o deferimento de um um meio de prova restritivo de direitos está necessariamente sujeito aos limites impostos pela necessidade, adequação e proporcionalidade (cfr. arts. 18.º e 34.º da CRP);
7. São impertinentes os documentos que, por sua natureza, não possam ter qualquer influência na decisão da causa e são desnecessários os documentos que, atento o estado da causa, nada sejam susceptíveis de acrescentar no bom desfecho da lide, ou por dizerem respeito a factos que já se mostrem devidamente comprovados, ou por respeitarem a factos que não constem do elenco a apurar na discussão da causa;
8. A A. tenta “chantagear” a Ré, formulando um requerimento probatório manifestamente impertinente e inútil para a instrução dos factos em discussão, sendo muitos desses documentos de carácter sigiloso, contendo dados protegidos da Ré e de terceiros.
9. Não existe qualquer utilidade na junção aos autos dos recibos de vencimento de todos os trabalhadores ao serviço da Ré desde o ano de 2010 a 2018 (que contêm dados sigilosos de terceiros), pois para prova da evolução salarial da A., bastam os seus recibos de vencimento; na Ré existem diferentes categorias profissionais, cada uma com as suas funções, que não podem ser comparadas às funções exercidas pela A. para efeitos de remuneração.
10. Também é inútil e impertinente a junção dos IES referentes aos últimos três anos de exercício da Ré, para prova do alegado no art. 48º da contestação/reconvenção, pois tal facto nem sequer foi impugnado pela Ré e, como tal, tratam-se de documentos desnecessários ao objecto do litígio, sendo certo que o dever de colaboração – cooperação para a descoberta da verdade , previsto no CPC (art.º 417.º), não obriga as sociedades a fornecer informação que não se conforme com as disposições legais a que se reportam os art.os 42.º e 43.º do Código Comercial;
11. Para além de não se vislumbrar a utilidade e pertinência da junção dos e-mails enviados ao Dr. C. S. da AIMMAP em 07/02/2017 às 9:14; 22/02/2017 às 8:45; e em 04/04/2017 às 15:46 e à Sr.ª I. R. da Seguradora Y – Gestão de Sinistros da IP Assistance em 03/01/2017 às 11:50 e em 01\/03/2017 às 11:42 (com anexos) do computador afecto à A., e e-mails enviados para o bancos que trabalhem com a Ré e que se encontram no computador habitualmente utilizado pelo A., no seu Outlook, na pasta de arquivo denominada “bancos” e, por sua vez, em subpastas com o nome de cada um dos bancos (Banco …, BANCO ..., ST, BANCO ..., Banco …, BANCO ..., CAIXA ...) cujo remetente seja a A.;
12. Pois tais documentos, que porventura tenham sido enviados pela A. foram-no ao serviço da Ré e a pedido desta, sobre assuntos relacionados com o quotidiano da empresa e não com a A., consubstanciando correspondência sigilosa, da Ré e de terceiros, cuja junção viola o art.º 34., n.os 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, que proíbe toda e qualquer ingerência nos meios de comunicação privados;e não podem ser juntos aos autos, sob pena de se violar o art.º 34., n.os 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa;
13. Contendo, inclusive, informações igualmente abrangidas pelos art.os 42.º e 43.º do Código Comercial, cuja junção é violadora de direitos e interesses legítimos da Ré, sendo desnecessária à boa decisão da causa.
14. E, não pode a Ré ser obrigada a proceder à sua junção, por se tratar de informação protegida pelo disposto nos art. 41º, 42 e 43º, do C. Comercial, que estabelecem o princípio do segredo da escrituração mercantil, sob pena, escancaradamente e num processo de acesso público, se ter acesso por parte de terceiros a documentos que refletem a actividade comercial da Ré, cuja junção é frontalmente proibida pela citada legislação comercial.
15. O douto despacho recorrido viola os art.os 6.º, n.º 1, 130.º e 443º, nº1, do CPC, os art.os 41º, 42.º e 43.º do Código Comercial e ainda os art.os 18.º e 34.º, n.os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, concedendo provimento à presente apelação, deve ser proferido douto acórdão que, revogando o douto despacho recorrido, indefira o requerimento probatório da A., relativamente aos pontos 1, 3, 4 e 6 da alínea aa) do item B) de fls. 87 e verso (contestação/reconvenção da A.).»
A trabalhadora apresentou resposta ao recurso da empregadora, pugnando pela sua improcedência e opondo-se à fixação de efeito suspensivo nos termos requeridos.
Seguidamente, em 19/05/2020, foi proferido o seguinte despacho:
«Requerimento sob a refª. 9848504: A caução anteriormente prestada pela recorrente reportou-se a um anterior e autónomo recurso sob o apenso A, pelo que não pode ser atendida para efeitos deste novo recurso – cfr. o art. 650º, nº 3, do C.P.C.
Tendo em conta a data da interposição do actual recurso, a delonga que previsivelmente irá implicar para a presente lide se ao mesmo for fixado o pretendido efeito suspensivo e com vista a acautelar o eventual prejuízo para a recorrida, à luz dos critérios já utilizados pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães aquando da parte final do Acórdão sob a refª.6534857 do apenso A aqui dados por reproduzidos, considero ajustada a quantia de € 20.000.
Nesta conformidade, fixo em 10 dias o prazo para a recorrente prestar uma nova caução, no valor de € 20.000, relativamente ao novo recurso intentado pela mesma e com o pretendido efeito suspensivo – cfr. o art. 83º, nº 4, do C.P.T. e o art. 650º, nº 2, do C.P.C.
Notifique.»

A empregadora, inconformada, interpôs recurso deste despacho em 25/05/2020, formulando as seguintes conclusões:

«1. O art.° 650º, n.° 3 do CPC dispõe que ‘Se a caução tiver sido prestada por fiança, garantia bancária ou seguro-caução, a mesma mantém-se até ao trânsito em julgado da decisão final proferida no último recurso interposto, só podendo ser libertada em caso de absolvição do pedido ou, tendo a parte sido condenada, provando que cumpriu a obrigação no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado”;
2. Tal redacção foi claramente pensada pelo legislador para as decisões finais de mérito da acção, pelo que carece de ser interpretada e adaptada pata os recursos interlocutórios, que sobem imediatamente e em separado, como foi o caso do recurso do douto despacho de 15 de Novembro de 2018;
3. Não sendo o acórdão de 07 de Novembro de 2019, proferido no apenso A.G1, uma decisão final de mérito da acção, importa identificar qual foi o fim que se visou garantir com a prestação da caução e se, com o decidido no referido douto acórdão, subsistem ainda razões pata a manutenção da caução;
4. Como naquele acórdão se refere, “No caso em apreço, o que se visa garantir ë o eventual prejuízo da trabalhadora decorrente do desfecho da acção poder demorar mais tempo pelo facto de a empregadora não ser obrigada a juntar os referidos documentos enquanto estiver pendendo o recurso interposto da respectiva decisão, se ao mesmo for fixado o efeito suspensivo”.
5. O douto acórdão de 07 de Novembro de 2019, proferido no apenso A.G1, onde foi prestada a caução de €20.000,00, é para todos os efeitos a “decisão final proferida no último recurso interposto” a que alude o art.° 650°, n.° 3 do CPC;
6. Julgado procedente o recurso interposto pela Ré e revogado o douto despacho de 15 de Novembro de 2018, em razão de a A. ter incumprido o mencionado dever legal e de aquele douto despacho recorrido violar as mencionadas disposições legais, a Ré foi, para todos os efeitos, desobrigada da junção dos documentos requeridos pela A.
7. Considerando o decidido naquele douto acórdão, só à A. é imputável o “eventual prejuízo (..) decorrente do desfecho da acção poder demorar mais tempo pelo facto de a empregadora não ser obrigada a juntar os referidos documentos enquanto estiver pendente o recurso interposto da respectiva decisão, se ao mesmo for fixado o efeito suspensivo”, uma vez que a A. omitiu o dever de especificação dos factos que pretendia provar com cada um dos documentos e, dessa forma, inviabilizou o esclarecido exercício da audiência contraditório pela Rë;
8. Ao interpor recurso e ao requerer o seu efeito suspensivo, mediante a prestação de caução, a Ré não praticou qualquer facto ilícito ou gerador de dano na esfera jurídica da A., pelo que não pode, em circunstância alguma, ser responsabilizada por qualquer “eventual prejuízo” da A.;
9. Destarte, ao abrigo do art° 650°, n.° 3 do CPC, seria lícito à Ré requerer o levantamento ou libertação da caução, como também lhe é lícito, ao abrigo dos princípios da celeridade e da economia processual, requerer que aquela caução seja afecta ao recurso do douto despacho de 19 de Maio de 2020, ao invés de requerer o seu levantamento a fim de constituir nova caução, de igual valor e natureza.
10.0 douto despacho recorrido viola o art° 650.°, n.° 3 do CPC.

Termos em que, concedendo provimento à presente apelação, deve ser proferido douto acórdão que, revogando o douto despacho recorrido, defira a requerida afectação da caução já prestada nos autos ao recurso interposto pela Ré do douto despacho de 19 de Maio de 2020.»
A trabalhadora apresentou resposta ao recurso da empregadora, pugnando pela sua improcedência.
Os recursos foram admitidos como apelação, para subirem em separado, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto foi emitido parecer no sentido da improcedência do primeiro recurso (do despacho de 17/02/2020) e da procedência do segundo recurso (do despacho de 19/05/2020).
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto dos recursos

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes, por ordem da sua precedência lógica:
- no recurso interposto em 25/05/2020 (do despacho de 19/05/2020), saber se a caução antes prestada nos autos pela empregadora pode servir para garantir o efeito suspensivo do recurso interposto pela mesma em 28/02/2020 (do despacho de 17/02/2020);
- no recurso interposto em 28/02/2020, saber se deve ser revogado o despacho de 17/02/2020 que determinou que a empregadora juntasse documentos aos autos.

3. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão dos recursos são os que decorrem do Relatório supra.

4. Apreciação dos recursos

4.1. Como se disse, quanto ao recurso interposto em 25/05/2020, do despacho de 19/05/2020, importa decidir se a caução já prestada nos autos pela empregadora, com vista à fixação de efeito suspensivo a anterior recurso, tudo nos termos constantes do apenso A, pode servir para garantir o efeito suspensivo do recurso interposto pela mesma em 28/02/2020 (do despacho de 17/02/2020).
Isto é, não está em causa a admissibilidade de prestação de caução com o objectivo pretendido pela empregadora, nem o valor da mesma, questões definitivamente assentes por falta de impugnação do despacho recorrido nessa parte, sendo certo que o valor ora fixado é igual ao da caução já prestada (€ 20.000,00), pelo que resta saber se a forma de prestação requerida é idónea.
No despacho recorrido, entendeu-se que, porque a caução anteriormente prestada se reportou a um outro recurso, não pode ser atendida para efeitos do novo recurso, atento o disposto no art. 650.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, pelo que se determinou a prestação de nova caução no valor de € 20.000,00.
Vejamos.
No Acórdão proferido em 10 de Julho de 2019 no Apenso A, entendeu-se que o caso então em análise não cabia no n.º 2 do art. 83.º do Código de Processo do Trabalho, posto que não estava em causa recurso de decisão a condenar no pagamento de qualquer importância, mas sim na parte final do n.º 3 do mesmo preceito, conjugado com o n.º 4 do art. 647.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efectiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal.

E acrescentou-se:
«No caso em apreço, o que se visa garantir é o eventual prejuízo da trabalhadora decorrente de o desfecho da acção poder demorar mais tempo pelo facto de a empregadora não ser obrigada a juntar os referidos documentos enquanto estiver pendente o recurso interposto da respectiva decisão, se ao mesmo for fixado efeito suspensivo.
Assim, atendendo à duração previsível de tal recurso, apresentado em 29/11/2018, considera-se adequado fixar o valor da caução em € 20.000,00, que se julga suficiente para acautelar as diferenças das quantias pedidas na contestação/reconvenção que são influenciáveis pelo decurso do tempo, isto é, as que se vencem ou aumentam de valor na pendência daquele recurso (retribuições mensais e acréscimos da indemnização de antiguidade e dos subsídios de férias e de Natal, tendo por base a retribuição mensal de € 1.133,94, bem como juros de mora).»

Posteriormente, relembra-se, no Acórdão proferido em 7 de Novembro de 2019, transitado em julgado, decidiu-se:
«Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente, e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que convide a A. a especificar os factos que quer provar com cada um dos documentos em questão, procedendo-se, após audiência contraditória, a prolação de despacho nos termos do art. 429.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.»
Constata-se, assim, que se consumou a finalidade da caução prestada pela empregadora, que era garantir o eventual prejuízo da trabalhadora decorrente de o desfecho da acção poder demorar mais tempo pelo facto de a empregadora não ser obrigada a juntar os documentos enquanto estivesse pendente o recurso interposto da respectiva decisão, uma vez que aquele Acórdão julgou procedente o recurso e revogou a decisão recorrida, por ser deficiente o requerimento da trabalhadora de junção de documentos, ou seja, a demora do processo decorrente da interposição e julgamento do recurso tem de ser imputada à trabalhadora e não à empregadora.
Conforme resulta do disposto nos arts. 623.º e ss. do Código Civil, a prestação de caução configura uma garantia especial da obrigação, extinguindo-se se esta se extinguir, como sucede no caso em apreço.
Esse princípio subjaz, como não podia deixar de ser, ao estipulado no n.º 3 do art. 650.º do Código de Processo Civil, invocado no despacho recorrido, nos termos do qual, se a caução tiver sido prestada por fiança, garantia bancária ou seguro-caução, a mesma mantém-se até ao trânsito em julgado da decisão final proferida no último recurso interposto, só podendo ser libertada em caso de absolvição do pedido ou, tendo a parte sido condenada, provando que cumpriu a obrigação no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado.
Não obstante, este preceito nada tem a ver com a situação em análise.
Desde logo, nos presentes autos, a caução foi prestada por meio de depósito na Caixa ..., e não por meio de fiança, garantia bancária ou seguro-caução.
Por outro lado, os n.ºs 3 e 4 do artigo em referência foram introduzidos no Código de Processo Civil de 2013 apenas com a intenção de consagrar expressamente o entendimento até aí maioritário de que a caução prestada numa das aludidas modalidades não se extingue com o mero trânsito em julgado da decisão recorrida, mas se mantém até ao efectivo cumprimento da obrigação garantida, no caso de a mesma ser definitivamente reconhecida, estabelecendo-se o mecanismo para o cumprimento pelo terceiro que prestou a caução, na falta de cumprimento pelo devedor. (1)
Ora, no caso em apreço, o Acórdão de 7 de Novembro de 2019, transitado em julgado, foi favorável à empregadora, não resultando do mesmo o reconhecimento de qualquer obrigação sua perante a trabalhadora, que tivesse de manter-se garantida pela caução prestada.
Em face do exposto, uma vez que a caução podia ser levantada pela empregadora, mas não o foi, não se vislumbra que, atento o princípio da celeridade processual, haja impedimento a que seja afectada ao recurso interposto em 28/02/2020 (do despacho de 17/02/2020), com vista a conferir-lhe efeito suspensivo, o que se decide.
Procede, pois, o recurso interposto em 25/05/2020 (do despacho de 19/05/2020).

4.2. Importa, então, apreciar e decidir se deve ser revogado o despacho de 17/02/2020, que determinou que a empregadora juntasse documentos aos autos.
Estabelece o art. 429.º do Código de Processo Civil, no seu n.º 1, que, quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado, devendo, no requerimento, identificar quanto possível o documento e especificar os factos que com ele quer provar. Acrescenta o n.º 2 que, se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação.
Por sua vez, dispõe o art. 430.º que, se o notificado não apresentar o documento, é-lhe aplicável o disposto no n.º 2 do art. 417.º, o qual, sob a epígrafe «Dever de cooperação para a descoberta da verdade», determina que, aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis, e que, se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil, isto é, quando o recusante tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado.
O regime em análise constitui manifestação, no campo da instrução da causa, do princípio da cooperação plasmado no art. 7.º, e pressupõe que o requerente não pode, por ele, obter o documento, tendo em vista a prova de factos desfavoráveis ao detentor do documento.
Todavia, não obstante o dever de cooperação, este meio de prova não pode ser admitido nem produzido sem audiência contraditória da parte contrária, visada pelo requerimento (art. 415.º, n.º 1).
Por outro lado, como resulta do n.º 2 do citado art. 429.º, ao juiz cabe controlar a pretensa idoneidade do documento para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova, ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus, o que se compreende, visto que, por um lado, ao juiz cabe recusar o que for impertinente ou meramente dilatório (art. 6.º, n.º 1), e, por outro lado, assegurar um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais (art. 4.º).

Em face do exposto, o normativo em análise exige que o requerente:
- identifique tanto quanto possível o documento; e
- especifique os factos que com ele quer provar.

Na verdade, somente a observância de tais requisitos possibilita que a parte contrária avalie de modo esclarecido a legalidade e pertinência do solicitado, de forma a lhe dar cabal cumprimento ou a recusá-lo justificadamente, sem incorrer nas gravosas sanções previstas; e, nessa sequência, permite o efectivo controlo judicial, habilitando o juiz a deferir ou indeferir o requerimento e, sendo caso disso, a aplicar adequadamente as aludidas sanções.

Retornando ao caso em apreço, verifica-se que, na sequência do decidido no Acórdão desta Relação e secção de 7 de Novembro de 2019, a trabalhadora apresentou o seguinte requerimento em 17/01/2020:
«Requer que seja notificada a Ré para vir aos presentes autos, no prazo máximo de 10 dias, juntar cópia certificada dos seguintes documentos:
1) Recibos de vencimento desde o ano de 2010 a 2018 de todos os trabalhadores ao seu serviço, para melhor prova da matéria alegada sob os artigos 167º, 168º e 169º da contestação/reconvenção, pois, os mesmos são idóneos a demonstrar o assédio moral a que a Autora foi sujeita ao longo destes anos de trabalho, nomeadamente, sendo vítima de discriminação relativamente aos seus outros colegas, que viram os seus salários serem aumentados, enquanto que, a Autora inexplicavelmente nunca foi aumentada, quando a qualidade de trabalho da Autora era idêntica ou superior, à daqueles funcionários que viram os seus vencimentos aumentados.
Pelo que, tais documentos são aptos a demonstrar a forma desrespeitosa com que a entidade empregadora tratou a Autora, violando princípios basilares como o da igualdade de tratamento e o da boa-fé.
2) Anexo C do Relatório único - Relatório anual da formação contínua dos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, para melhor prova da matéria alegada sob os artigos 98º, 101º, 133º, 134º, 135º, 136º da contestação/reconvenção,
3) E-mails enviados ao Dr. C. S. da AIMMAP em 07/02/2017 às 9:14, 22/02/2017 às 8:46 e em 04/04/2017 às 15:46 e à Sra. I. R. da seguradora Y-Gestão de Sinistros da IP Assistance em 03/01/2017 às 11:59, e em 01/03/2017 às 11:42 (com anexos) do computador afeto à Autora, para melhor prova da matéria alegada sob os artigos 52º, 53º, 54º, 55º, 56º e 153º, da contestação/reconvenção, de modo a provar que o computador que era utilizado habitualmente pela trabalhadora, também era utilizado por outros trabalhadores da entidade empregadora ou por esta, que tinham igualmente acesso às password´s, pois, durante o período em que esteve de baixa médica, de 11/11/2016 a 20/11/2017, foram enviados e-mails e alguns deles com anexos, inclusive em nome da trabalhadora.
4) Cópia do IES referente aos últimos 3 anos de exercício, para melhor prova da matéria alegada sob o artigo 48º da contestação/reconvenção;
5) Fichas da avaliação médica da A. da medicina do trabalho desde 2010 a 2018, para melhor prova da matéria alegada sob os artigos 115º, 116º, 117º e 118º da contestação/reconvenção;
6) E-mails enviados pela A. para os bancos que trabalhavam com a Ré e que se encontram no computador habitualmente usado por esta, no seu Outlook, em pasta de arquivo denominada “bancos” e, por sua vez, em sub-pastas com o nome de cada um dos bancos (BANCO ..., BANCO ...; ST; BANCO ...; Banco …; BANCO ...; CAIXA ...) para melhor prova da matéria alegada sob os artigos 113º, 124º e 171º, da contestação/reconvenção.»
Constata-se, pois, que a trabalhadora identificou suficientemente 6 grupos de documentos em poder da parte contrária e especificou e esclareceu os factos alegados no seu articulado que visa provar com cada um deles, assim viabilizando o exercício da audiência contraditória pela parte contrária e o efectivo controlo judicial norteado pelos princípios do dispositivo, da igualdade das partes e da economia processual.

Em conformidade, após oposição da empregadora, foi proferido o seguinte despacho em 17/02/2020:
«Em face do exposto quer na contestação/reconvenção da trabalhadora quer no seu requerimento sob refª. 34568532 e por se afigurar com interesse para o esclarecimento da verdade material, para a decisão da causa com a justa composição do litígio, notifique a empregadora para, no prazo geral e sob a cominação de multa, juntar cópia dos seguintes documentos ainda em falta, no prazo geral e a título devolutivo - ficando salvaguardada a não publicidade dos mesmos através da criação de um anexo depositado na secretaria, contendo os mesmos, sem digitalização, cuja consulta dependerá de prévia autorização e a devolver a final (cfr. os arts. 417º, nºs 1 e 2, 418º, 429º, nº 2, 436º e 442º, nº 2, 2ª parte, do C.P.C.) - :
Ficha individual completa desta trabalhadora desde a sua admissão até ao despedimento e o seu registo disciplinar;
Recibos de vencimento de todos os trabalhadores desta empregadora, no mês de Fevereiro dos anos de 2010 até 2018 inclusive;
Relatório da formação profissional contínua a esta trabalhadora nos anos de 2011 a 2017 inclusive;
IES relativo aos últimos 3 anos de exercício da empregadora, na parte relativa ao volume de negócios e número de trabalhadores;
Os e-mails aludidos em 3) e 6) do item b)-aa) de fls. 87, sendo quanto a este último (ponto 6) apenas aqueles cuja remetente seja esta trabalhadora.»
A Apelante insurge-se contra o despacho, na parte em que ordena a junção dos documentos identificados nos pontos 1, 3, 4 e 6 do requerimento da trabalhadora, invocando, desde logo, que o mesmo se encontra insuficientemente fundamentado.
Todavia, tem de ter-se em conta que se trata de mera decisão interlocutória, e para mais relativa à admissão de meios de prova em função dum juízo de prognose.
Ora, o despacho recorrido especifica as disposições legais que enquadraram a verificação dos pressupostos da decisão e evidencia que estes, nos termos constantes do requerimento, foram efectivamente controlados, quer na vertente da pertinência dos documentos para o esclarecimento de factos relevantes para a solução do litígio (reduzindo nalguns casos a amplitude do que estava requerido), quer na vertente da salvaguarda dos interesses da Recorrente (através da mencionada redução e ainda da restrição de publicidade).
Não ocorre, pois, insuficiência ou deficiência de fundamentação, que não se confunde com eventual erro de julgamento.
A Apelante invoca também a desnecessidade para a boa decisão da causa da junção aos autos dos aludidos documentos.
Contudo, como reconhece a Recorrente, nos presentes autos discute-se a existência, ou não, de factualidade integradora de justa causa do despedimento da trabalhadora pela empregadora, com as legais consequências, incluindo pedido de indemnização por danos morais, bem como se a trabalhadora tem direito a compensação por horas de formação não proporcionadas e a indemnização por danos morais fundamentada em assédio moral.
A apresentação de um documento em poder da parte contrária, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 429.º, conjugadamente com o citado art. 6.º, n.º 1, depende da idoneidade do mesmo para provar ou infirmar a prova de factos indicados pelo requerente que tenham interesse para a decisão da causa, o que deve ser compaginado com o disposto nos arts. 5.º e 410.º, de onde resulta que “[o] dever de cooperação das partes na instrução encontra como limite o princípio dispositivo, incidindo sobre os factos essenciais alegados e podendo ainda reportar-se a factos instrumentais não alegados.” (2)
Isto é, em regra, basta que se trate de documentos pertinentes, com interesse, apenas devendo ser rejeitados os que se mostrem impertinentes ou meramente dilatórios.
Ora, os documentos identificados sob os n.ºs 1 e 6 do requerimento da trabalhadora são, num juízo de prognose, idóneos a provar os factos que indicou e por si alegados como fundamento do pedido de indemnização por assédio moral e os identificados sob o n.º 3 a provar os factos que indicou e por si alegados para fazer a contraprova dos factos invocados pela empregadora para fundamentar a justa causa de despedimento.
Apenas o documento indicado sob o n.º 4 – cópia do IES referente aos últimos 3 anos de exercício – se deve ter como inútil, considerando a posição da empregadora de não impugnar a factualidade constante do art. 48.º do articulado da trabalhadora, a cuja prova foi indicado.
Conclui-se, assim, que não é impertinente ou dilatório o requerimento de junção dos documentos identificados sob os n.ºs 1, 3 e 6 do requerimento da trabalhadora, nos termos constantes do despacho recorrido, tanto mais que este restringiu substancialmente a amplitude do pedido.
Finalmente, a Apelante invoca que a junção dos e-mails identificados é susceptível de violar o sigilo de correspondência e o segredo da escrituração mercantil protegido pelos arts. 41.º, 42.º e 43.º do Código Comercial.
Ora, no que ao segredo da escrituração mercantil diz respeito, estabelece o art. 435.º do Código de Processo Civil, com a epígrafe «Ressalva da escrituração comercial», que a exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos se rege pelo disposto na legislação comercial.
Como é por demais evidente, os e-mails em causa são documentos que não integram livros de escrituração comercial nem documentos a ela relativos, e muito menos a sua junção importaria a exibição judicial, por inteiro, de tais elementos.
Tratando-se de partes da escrituração comercial (art. 43.º do Código Comercial), ou de outros documentos susceptíveis de ferirem o direito ao sigilo comercial (sendo que os e-mails em apreço cabem nesta segunda categoria), há que aplicar o regime do art. 417.º do Código de Processo Civil; o mesmo sucedendo, aliás, na medida em que a junção dos mesmos e-mails é susceptível de implicar intromissão na correspondência ou telecomunicações.

Com efeito, estabelece tal norma:
Artigo 417.º
Dever de cooperação para a descoberta da verdade
1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
2 - Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.
3 - A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
4 - Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.

A recusa de junção dos e-mails em apreço, com fundamento em violação do direito ao sigilo comercial (“vida privada” da sociedade) e do direito à confidencialidade da correspondência, parece caber sem reticências na al. b) do n.º 3 do preceito em referência.
Não obstante, não faria sentido que até o sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou o segredo de Estado, a que se refere a al. c) do n.º 3, pudessem ser afastados mediante o procedimento previsto no n.º 4, e aos interesses protegidos na al. b) do n.º 3 fosse reconhecida protecção absoluta, tanto mais que estes também são susceptíveis de serem atingidos com aquela dispensa de dever de sigilo que seja invocado.
Afigura-se igualmente impressivo que os interesses relevantes não constantes da al. c) tenham sido enunciados em duas alíneas distintas, como se merecessem tratamento distinto, decorrente da correspondente hierarquização na tutela constitucional.
Assim, a doutrina e a jurisprudência têm feito a diferenciação entre provas ilícitas absolutas e provas ilícitas relativas: provas ilícitas absolutas são as obtidas com violação da integridade física ou moral das pessoas (al. a) do n.º 3 e arts. 25.º e 32.º, n.º 8 da Constituição) e são inadmissíveis em juízo na medida em que atentam contra o princípio da dignidade humana; provas ilícitas relativas são aquelas cuja obtenção importa a colisão entre o direito à prova e outros direitos fundamentais (al. b) do n.º 3 e arts. 26.º, n.º 1 e 34.º da Constituição).
A colisão entre o direito à prova e outros direitos fundamentais que não sejam o direito à integridade física e moral das pessoas não evidencia, por si só, uma superioridade absoluta dos segundos sobre o primeiro, como é confirmado pelo disposto nos n.ºs 3, al. c) e n.º 4 da norma em apreço, pelo que deve ter-se como admissível a produção de prova ilícita relativa em função da ponderação dos interesses concretos e das circunstâncias de cada caso, à luz do princípio da proporcionalidade e seus três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (art. 18.º, n.º 2 da Constituição). (3)
Assim, no confronto entre, por um lado, o direito à prova/contraprova e à colaboração da parte contrária para a descoberta da verdade material, e, por outro lado, o direito ao sigilo comercial e à confidencialidade da correspondência, deve ser dada prevalência aos primeiros se e na estrita medida em que o meio de prova ilícito seja idóneo a demonstrar o facto carecido de prova, a parte não tenha acesso a meios de prova lícitos igualmente eficazes e as vantagens daí decorrentes sejam atendíveis em grau superior aos interesses postergados. (4)
Posto isto, vejamos o que a trabalhadora pretende, em concreto.

Em 1.º lugar:
«3) E-mails enviados ao Dr. C. S. da AIMMAP em 07/02/2017 às 9:14, 22/02/2017 às 8:46 e em 04/04/2017 às 15:46 e à Sra. I. R. da seguradora Y-Gestão de Sinistros da IP Assistance em 03/01/2017 às 11:59, e em 01/03/2017 às 11:42 (com anexos) do computador afeto à Autora, para melhor prova da matéria alegada sob os artigos 52º, 53º, 54º, 55º, 56º e 153º, da contestação/reconvenção, de modo a provar que o computador que era utilizado habitualmente pela trabalhadora, também era utilizado por outros trabalhadores da entidade empregadora ou por esta, que tinham igualmente acesso às password´s, pois, durante o período em que esteve de baixa médica, de 11/11/2016 a 20/11/2017, foram enviados e-mails e alguns deles com anexos, inclusive em nome da trabalhadora.»

Os artigos indicados têm a seguinte redacção:
«52) Para além da Autora, também, outras pessoas tinham acesso e acediam ao computador desta, nomeadamente o seu colega Manuel e os Administradores;
53) Além da trabalhadora e do seu colega Manuel, os administradores da empresa conhecem a “password”/senha de acesso (criada pelo administrador Sr F.) ao computador da autora;
54) Todos acediam e utilizavam o computador da A. quando bem entendiam;
55) Durante o período em que a trabalhadora se encontrou de baixa médica, de 11/11/2016 a 20/11/2017, o seu computador foi utilizado e usado e, inclusive em nome da trabalhadora, foram enviados vários e-mails e alguns deles com anexos.
56) Foram enviados e-mails do computador da A. e usando o seu nome (assinando I. C.), sem o conhecimento e autorização desta, a título de exemplo:
 ao Dr. C. S. da AIMMAP em 07/02/2017 às 9:14, 22/02/2017 às 8:46 e em 04/04/2017 às 15:46;
 à Sra. I. R. da seguradora Y-Gestão de Sinistros da IP Assistance em 03/01/2017 às 11:59, e em 01/03/2017 às 11:42 (com anexos);
(…)
153) No dia 22/1/2018 (segunda-feira) às 9h00, quando a trabalhadora chegou ao escritório reparou que tinham alterado no computador de trabalho que utilizava a sua password do programa Visual Sgix, do programa de Gestão Integrada, das aplicações de Contabilidade, Contas Correntes de Clientes e Fornecedores, Facturação Interna e Externa, Stocks, Gestão Industrial, Salários, Recursos Humanos, Cheque de Clientes, Imobilizado etc., da qual tinha e sempre teve a password mestra;»
Constata-se, assim, que os arts. 52.º a 56.º visam infirmar os factos que fundamentam a justa causa de despedimento, cujo ónus de prova cabe à empregadora; o art. 153.º reporta-se ao pedido de indemnização por danos morais assente em assédio moral, cuja prova compete à trabalhadora.
De qualquer modo, o envio e autoria dos aludidos e-mails comportam meros factos instrumentais, na medida em que, a provarem-se, serão ou não suficientes para provar que o computador da trabalhadora e as suas passwords eram acessíveis e manipuláveis por colegas e administradores, sendo estes os factos que directamente interessam.
Acresce que a trabalhadora requereu o depoimento de parte de três administradores da empregadora, juntou documentos, requereu perícia a computador e arrolou 20 testemunhas.
Em face do exposto, considera-se que a utilidade, para a trabalhadora, daquilo que requereu, é susceptível de se satisfazer suficientemente com a mera junção da impressão da listagem daqueles e-mails na caixa de correio electrónico, identificando remetente, destinatário, data e hora de envio, assunto e se tem anexos, aspectos que se afiguram inócuos para os interesses da empregadora, ao contrário da devassa do conteúdo dos ditos e-mails, que seria manifestamente excessiva nas circunstâncias mencionadas respeitantes ao relevo dos factos em causa, ónus de prova e alternativas de meios probatórios.

Em 2.º lugar:
«6) E-mails enviados pela A. para os bancos que trabalhavam com a Ré e que se encontram no computador habitualmente usado por esta, no seu Outlook, em pasta de arquivo denominada “bancos” e, por sua vez, em sub-pastas com o nome de cada um dos bancos (BANCO ..., BANCO ...; ST; BANCO ...; Banco …; BANCO ...; CAIXA ...) para melhor prova da matéria alegada sob os artigos 113º, 124º e 171º, da contestação/reconvenção.»

Os artigos indicados têm a seguinte redacção:
«113) Pela administração, ao longo dos tempos, foram introduzidas alterações às funções da Autora tendo sido retiradas aos poucos todas as tarefas exercidas por esta no escritório, incluindo permissões de uso das várias aplicações informáticas, bem como a partilha de algumas pastas, nomeadamente, a dos Recursos Humanos, que se encontrava no seu ambiente de trabalho e à qual acedia sempre que tinha necessidade com a password mestra;
(…)
124) Ora, a partir de 21.11.2017 a Entidade Patronal deixou de atribuir trabalho à trabalhadora; deixou de dar que lhe fazer, de lhe atribuir tarefas, apesar da trabalhadora lhe solicitar, obtendo sempre como resposta “arranja que fazer”.
(…)
171) O que, como supra relatado, deixou de fazer. Aliás, a partir do ano de 2014 foi proibida de tratar qualquer assunto relacionado com os bancos, quando é certo que anteriormente, comunicava com todos os bancos diariamente através de e-mails que se encontram guardados no computador (outlook) que usava habitualmente;»
Trata-se, pois, de factualidade atinente ao pedido de indemnização por danos morais assente em assédio moral, cuja prova compete à trabalhadora.
Não obstante, o desiderato de demonstrar a parte final do art. 171.º, que consubstancia o facto directamente visado, basta-se com a prova da existência dos e-mails em causa identificáveis por remetente, destinatário e data, sendo irrelevantes os respectivos conteúdos.
Também nesta parte é de atender a que a trabalhadora requereu o depoimento de parte de três administradores da empregadora, juntou documentos, requereu perícia a computador e arrolou 20 testemunhas.
Em face do exposto, considera-se que a utilidade, para a trabalhadora, daquilo que requereu, é susceptível de se satisfazer cabalmente com a mera junção da impressão da listagem daqueles e-mails nas pastas e subpastas de Outlook que a mesma indica, identificando remetente, destinatário, data e hora de envio, assunto e se tem anexos, aspectos que se afiguram inócuos para os interesses da empregadora, ao contrário da devassa do conteúdo dos ditos e-mails, que seria manifestamente excessiva em face da correspondente (in)utilidade para a trabalhadora.
Em face do exposto, o recurso interposto em 28/02/2020 (do despacho de 17/02/2020) procede parcialmente.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em:
a) julgar procedente o recurso interposto em 25/05/2020 (do despacho de 19/05/2020), e, em consequência, admite-se a afectação da caução prestada nos autos ao recurso interposto em 28/02/2020 (do despacho de 17/02/2020), com vista a conferir-lhe efeito suspensivo;
b) julgar parcialmente procedente o recurso interposto do despacho de 17/02/2020, e, em consequência, revoga-se este quanto ao ponto 4 do requerimento da trabalhadora e altera-se o mesmo quanto aos pontos 3 e 6 de tal requerimento, nos termos sobreditos, mantendo-se quanto ao mais.
Custas do recurso de 25/05/2020 pela trabalhadora e do recurso de 28/02/2020 por ambas as partes na proporção de metade.
Em 24 de Setembro de 2020

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso



1. V. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 181-183.
2. Neste sentido, cfr. o Acórdão da Relação do Porto de 5 de Outubro de 2015, proferido no processo n.º 12128/14.5T8PRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt.
3. V. António Santos Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2.ª ed., pp. 512-513, bem como a doutrina aí indicada.
4. Aplicando em concreto estes princípios, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2018, proferido no processo n.º 5408/10.0TBVFX-C L1, e os Acórdãos da Relação de Lisboa de 17 de Abril de 2008, proferido no processo n.º 9558/2007-6, 12 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 744/14.0T8SXL-B.L1-7, e 28 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 1267/15.5T8FNC-B.L1-4. Veja-se ainda a enumeração comentada em José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Almedina, 3.ª ed., pp. 223-224.