Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2343/18.8T8VNF-B.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: INSOLVÊNCIA
VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PRIVILÉGIOS IMOBILIÁRIOS ESPECIAIS
CRÉDITOS LABORAIS
HIPOTECA
DIREITO DE RETENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Os privilégios imobiliários especiais que garantem os créditos laborais prevalecem à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores (arts. 751º CC e 377º CT).

2. Na base desta solução legal está o interesse público na proteção dos créditos salariais, atento o relevo social destes.

3. A constituição de um privilégio imobiliário especial a favor dos créditos laborais demanda a existência de uma conexão, em termos funcionais, entre a atividade dos trabalhadores e a integração dos imóveis na estrutura empresarial da insolvente.

4. É ao trabalhador reclamante que compete a alegação e prova dos factos constitutivos do privilégio creditório que invoca, mas o tribunal deverá atender a tudo o que de relevante resultar da globalidade do processo de insolvência.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1. Ex vi dos arts. 751º CC e 377º CT, os privilégios imobiliários especiais que garantem os créditos laborais prevalecem à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores. 2. Na base desta solução legal está o interesse público na protecção dos créditos salariais, atento o relevo social destes. 3. A constituição de um privilégio imobiliário especial a favor dos créditos laborais demanda a existência de uma conexão, em termos funcionais, entre a actividade dos trabalhadores e a integração dos imóveis na estrutura empresarial da insolvente. 4. É ao trabalhador reclamante que compete a alegação e prova dos factos constitutivos do privilégio creditório que invoca, mas o tribunal deverá atender a tudo o que de relevante resultar da globalidade do processo de insolvência

I- Relatório

Por apenso aos autos de declaração de insolvência de X – INDÚSTRIA DE VESTUÁRIO, SA, vieram os respectivos credores reclamar os seus créditos.

O Administrador Judicial veio juntar aos autos, neste apenso B, a lista dos créditos reconhecidos, nos termos do disposto no art. 129º CIRE, e lista de créditos não reconhecidos.

Cumpridos os trâmites legais, foi então proferida sentença de verificação e graduação de créditos.

Inconformados com esta decisão, que graduou em primeiro lugar, em relação a todos os bens imóveis da massa insolvente, os “créditos que beneficiem de hipoteca, pela ordem registral – Banco A e Instituto da Segurança Social”- e, consequentemente, antes dos créditos laborais reconhecidos, os seguintes credores dela interpuseram recurso, que foram recebidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.

Terminam as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

A. C.:

I – Por sentença de verificação e graduação de créditos proferida nestes autos em 08.10.2018, o Tribunal “a quo” decidiu que pelo produto da venda dos bens imóveis que compõem a massa insolvente, identificados pelas verbas 151,152 e 153, seriam pagos em primeiro lugar os créditos que beneficiam de hipoteca, ou seja do “Banco A” e “Instituto da Segurança Social”, colocando-os, assim, antes dos créditos laborais da Recorrente.
II – Os imóveis em causa correspondem ao estabelecimento fabril da insolvente “X – Indústria de Vestuário S.A”, identificados por “X 1 (verba n.º 151), “X 2, lote A” (verba n.º 152) e ”X 2, lote B”, (verba 153).
III – Tais imóveis correspondem ao local de trabalho da Recorrente, sendo certo que o seu crédito, que figura nestes autos sob o n.º 10, foi qualificado como privilegiado, “nos termos do artº 333º do Código do Trabalho”, ou seja, com privilégio imobiliário especial.
IV - Nos termos do disposto nos artigo 333º, n.º 1, al. b) 3 n.º 2, al. b) do Código do Trabalho e 748º do Código Civil, os créditos laborais são graduados antes dos créditos garantidos por hipoteca, consequentemente o crédito da Recorrente terá de ser graduado de forma a ser pago em primeiro lugar, antes dos demais credores, designadamente os hipotecários (Banco A e Instituto da Segurança Social), pelo produto da venda dos imóveis.
V – Ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo”, não fez correcta aplicação dos artigos 333º, n.º 1, al. b), n.º 2, al. b) do Código do Trabalho e artigo 748º do Código Civil.

M. F.:

I – Por sentença de verificação e graduação de créditos proferida nestes autos em 08.10.2018, o Tribunal “a quo”, decidiu que pelo produto da venda dos bens imóveis que compõem a massa insolvente, identificados pelas verbas 151,152 e 153, seriam pagos em primeiro lugar os créditos que beneficiam de hipoteca, ou seja do “Banco A” e “Instituto da Segurança Social”, colocando-os, assim, antes dos créditos laborais da Recorrente.
II – Os imóveis em causa correspondem ao estabelecimento fabril da insolvente “X – Indústria de Vestuário S.A”, identificados por “X 1 (verba n.º 151), “X 2, lote A” (verba n.º 152) e ”X 2, lote B”, (verba 153).
III – Tais imóveis correspondem ao local de trabalho da Recorrente, sendo certo que o seu crédito, que figura nestes autos sob o n.º 10, foi qualificado como privilegiado, “nos termos do Artº 333º do Código do Trabalho”, ou seja, com privilégio imobiliário especial.
IV - Nos termos do disposto nos artigo 333º, n.º 1, al. b) 3 n.º 2, al. b) do Código do Trabalho e 748º do Código Civil, os créditos laborais são graduados antes dos créditos garantidos por hipoteca, consequentemente o crédito da Recorrente terá de ser graduado de forma a ser pago em primeiro lugar, antes dos demais credores, designadamente os hipotecários (Banco A e Instituto da Segurança Social), pelo produto da venda dos imóveis.
V – Ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo”, não fez correcta aplicação dos artigos 333º, n.º 1, al. b), n.º 2, al. b) do Código do Trabalho e artigo 748º do Código Civil.

J. S.:

1. A sentença em crise, viola, por erro de interpretação o disposto nos arts. 333°, n.º 1, alínea b) e nº 2, alínea b), do Código do Trabalho e art° 748° do C. Civil;
2. Com efeito, na sentença em crise foi decidido que pelo produto da venda dos bens imóveis que compõem a massa insolvente, identificados sob verbas 151, 152 e 153, seriam pagos em primeiro lugar os créditos que beneficiam de hipoteca, colocando os credores Banco A e Instituto da Segurança Social em primeiro lugar nessa graduação em detrimentos dos créditos laborais os quais não são mencionados na graduação quanto a esses bens;
3. O crédito laboral do recorrente (sob nº 40) foi reconhecido na lista de créditos reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência como privilegiado, nos termos do art. 333º do Código do Trabalho e art. 748º do C. Civil;
4. O crédito laboral do recorrente foi reconhecido na sentença em crise como "privilegiado", gozando de "privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade";
5. Consta dos autos que nos prédios relacionados sob verbas 151, 152 e 153 encontra-se instalado o estabelecimento fabril da insolvente, identificado também como X 1 e X 2;
6. Resulta igualmente dos autos que os referidos imóveis correspondem ao local de trabalho do recorrente;
7. Assim, pelo produto da venda dos imóveis relacionados sob verbas 151, 152 e 153, que constituem os estabelecimentos fabris da insolvente, deve o crédito do ora recorrente dado beneficiar de privilegio imobiliário especial, ser graduado antes dos créditos que beneficiam de hipoteca constituída a favor dos credores Banco A e Instituto da Segurança Social;
8. A decisão em crise, não obstante considerar que os créditos laborais, no que incluiu o crédito do ora recorrente (nº 40) beneficiavam de privilégio imobiliário especial, ao decidir que pelo produto da venda daqueles imóveis (verbas 151, 152 e 153) seriam pagos os credores que beneficiam de hipoteca, omitiu o privilégio dos trabalhadores, com o que não fez uma correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais, nomeadamente os referidos arts. 333°, n.º 1, alínea b) e nº 2, alínea b) do C. Trabalho e art. 748° do C. Civil.

A. J.:
C. M.:
C. A.:
C. D.:
M. C.:
M. S.:
M. L.:
M. A.:
M. G.:
M. M.:
M. O.:
M. H.:
M. I.:
MARIA:
M. F. C.:
M. P.:
M. S. G.:
O. P.:
T. F.:
T. J.: e
V. R.:

A) Vem o presente recurso interposto da sentença de verificação e raduação de créditos proferida nestes autos em que, pelo produto da venda dos bens imóveis que compõem a massa insolvente, identificados pelas verbas 151, 152 e 153, graduou em primeiro lugar os créditos que beneficiam de hipoteca, ou seja do Banco A e Instituto da Segurança Social, colocando, assim, à frente dos créditos laborais dos Recorrentes;
B) A sentença recorrida não fez correcta apreciação da factualidade vertida nos autos, como não aplicou e interpretou correctamente os preceitos legais atinentes;
C) Conforme resulta dos autos, nomeadamente do requerimento de apresentação à insolvência, no auto de apreensão de bens, das cadernetas prediais e certidão das descrições prediais dos imóveis identificados por verbas 151, 152 e 153, dos relatórios de avaliação destes efectuado em 2017 e 2018, é manifesto que os prédios em causa correspondem ao estabelecimento fabril da insolvente, identificados também por “X 1 (verba 151) e “X 2, lote A (verba 152) e ”X 2, lote B (verba 153);
D) Resulta, também dos autos, que os referidos imóveis correspondem ao local de trabalho dos recorrentes, sendo que o próprio AI, na lista de créditos reconhecidos reconhece com privilégio nos termos do art.º 333º do CT, o que inclui, naturalmente o privilégio imobiliário especial ínsito neste artigo;
E) É indiscutível no nosso ordenamento jurídico que, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 333º, n.º 1, al. b) 3 n.º 2, al. b) do Código do Trabalho e 748º do Código Civil, os créditos de natureza laboral são graduados antes dos créditos garantidos por hipotecas, pelo que os recorrentes naturalmente têm de ser graduados, pelo produto da venda dos bens imóveis da insolvente, à frente dos demais credores, incluindo os que se encontram garantidos por hipotecas como é o caso do Banco A e Instituto da Segurança Social;
F) Nestas circunstâncias, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, não fez correcta apreciação da factualidade nos autos, como não interpretou e aplicou correctamente os preceitos legais atinentes, nomeadamente os art.ºs 333º, n.º 1, al. b), n.º 2, al. b) do Código do Trabalho e art.º 748º do Código Civil.

A. C.:
A. M.:
A. V.:
A. L.:
A. B.:
D. M.:
G. C.:
M. B.:
M. T.:
M. J.
M. D.:
M. C. O.:
TERESA:
P. C.:
ROSA:
ROSA M. :
R. S.:
S. G.: e
T. P.:

A) As ora Recorrentes reclamaram e viram reconhecidos os seus créditos salariais, no montante de 27.309,90€, 23.950,70€, 27.169,74€, 23.834,74€, 27.532,24€, 20.960,39€, 30.794,74€, 1.231,76€, 6.334,93€, 869,44€, 25.154,16€, 31.519,74€, 28.726,51€, 31.882,24€, 15.692,94€, 27.430,70€, 14.064,55€, 23.891,04€, e 1.062,41€, respectivamente.
B) Estes créditos foram reconhecidos na íntegra pelo Exmo Senhor Administrador da Insolvência, como créditos laborais ,com garantias e privilégios decorrentes dos arts. 333º do Código do Trabalho e art. 748º do Código Civil.
C) Privilégio imobiliário especial sobre os imóveis identificados como verbas nº 151, 152 e 153, sitos no Lugar …, freguesia de ..., e …, em Braga.
D) Correspondendo a todos os imóveis que fazem parte da massa insolvente e às instalações fabris da Insolvente e ao local de trabalho das aqui Recorrentes.
E) O privilégio imobiliário especial abrange os imóveis existentes na massa insolvente que estejam afectos à actividade industrial.
F) Os créditos das Recorrentes constam dos autos sob os nºs 5, 6, 7, 8, 9, 28, 37, 45, 47, 49, 52, 55, 65, 71, 73, 74, 75, 76 e 79, e foram qualificados e reconhecidos como privilegiados, nos termos do Art. 333º do Código do Trabalho.
G) Na sentença recorrida o crédito da aqui Recorrente ROSA – credora nº 73 - não se encontra mencionado na graduação efectuada.
H) Não podem as aqui Recorrentes concordar com a douta sentença recorrida, já que os seus créditos gozam de privilégio creditório imobiliário especial sobre os imóveis da massa insolvente.
I) Pelo produto da venda dos prédios identificados como verbas 151, 152 e 153, correspondendo à totalidade do património da Insolvente X, devem os créditos das aqui Recorrentes, prevalecer sobre as hipotecas voluntárias e legais - créditos do Banco A e Instituto da Segurança Social-, por gozar de privilégio imobiliário especial

- arts. 333º,2 do CT e art. 748º do CCivil.


Não houve contra-alegações.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso.

Assim, e, considerando as conclusões de recurso, a única questão a decidir consiste em saber se os créditos dos recorrentes, trabalhadores da insolvente, e que gozam de privilégio imobiliário especial, devem ser graduados antes dos créditos do Banco A e Instituto da Segurança Social, garantidos por hipotecas voluntárias e legais.

III
A sentença recorrida tem o seguinte teor:

Da análise das certidões de registo predial dos imóveis que constituem as verbas n.ºs 152 e 153, juntas a fls. 35 e 37 do apenso de apreensão de bens resulta vigente as hipotecas beneficiando o ISS, IP.

Assim, e em conformidade com a realidade registral reportada, deverá ser graduado este crédito, como garantido.
*
No decurso do fixado prazo foram reclamados os créditos relacionados pelo Ex.mo Administrador de Insolvência.

Vem agora o processo para cumprimento do disposto nos art.ºs 510 e 511 CPC.

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

As Partes, dotadas de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas.

Não há nulidades, ainda que não tenham por efeito anular todo o processo, nem excepções de que cumpra conhecer e obstem à decisão do fundo da causa.

Os créditos reclamados foram relacionados como:

Garantidos – os n.ºs 17, do Banco A, incidente sobre as verbas 151, 152 e 153; da Segurança Social (n.º 23), incidente sobre as mesmas verbas, e o da N. (n.º 68), cuja garantia incide sobre as acções que constituem a verba 150;

Privilegiados – os créditos laborais relacionados sob os n.ºs 3, 5 a 10, 12, 13, 21, 25 a 29, 33, 37, 40, 45, 47 a 66, 69 a 71, 74, 75, 76, 78 a 81, e 83; reclamados pela Fazenda Nacional (n.º 31), relativos a IRS e IVA; e o n.º 23, do ISS, IP.

Subordinados – parte dos relacionados sob os n.ºs 11, 24 e 35 – art.º 47,4,b), 48 e 49,2, c) CIRE; e

Comuns – todos os restantes.

Visto o disposto nos n.ºs 4 e 5 do art.º 136 CIRE, julgo reconhecidos os créditos relacionados na lista de fls. 82 e ss, com a excepção referida no início do despacho, referente à hipoteca incidente sobre as verbas 152 e 153, beneficiando o crédito da SS.
Quanto à graduação destes créditos, necessário é atentar que, nos termos do n.º 1 do art.º 91 CIRE, a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva;

Como disposto nas al. a) e b) do n.º 1 do art.º 97 do mesmo CIRE, extinguem-se, com a declaração de insolvência:

a) Os privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência;
b) Os privilégios creditórios especiais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social vencidos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência;

A graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios, sendo que na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a proveniente da penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa insolvente – n.ºs 2 e 3 do art.º 140 CIRE;

Nos pagamentos há-de atender-se à proporção do montante dos créditos – art.º 174 a 17 CIRE – quando a massa seja insuficiente para a sua satisfação pagamento integral.

Porque fez inscrever a seu favor hipoteca legal sobre os três imóveis apreendidos e atento o disposto no n.º 1 do art.º 686 C. Civil, o Instituto da Segurança Social goza do direito de ser pago pelo valor dos imóveis hipotecados com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial.

Com efeito, nos termos do art.º 12 Dec-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, o pagamento das contribuições será também garantido por hipoteca legal sobre os imóveis existentes no património das entidades patronais, nos mesmos termos que a contribuição predial.

Por sua vez, nos termos do art.º 377 do Código do Trabalho,

1- Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:

a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
2- A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747º do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social.

As custas e despesas de administração saem precípuas – arts. 140,3 e nº 1 do art.º 172 CIRE.

Vistas as normas legais atrás citadas e o disposto nos art.ºs 510,1, b) CPC e n.ºs 4 a 6 do art.º 136 CIRE,

a) - Julgo reconhecidos os créditos relacionados nos termos e montantes aí referidos.
b) – Graduo os créditos assim reconhecidos para serem pagos pela forma seguinte:

-Pelo produto da verba 151, 152 e 153, serão pagos os créditos que beneficiem de hipoteca, pela ordem registral – Banco A e Instituto da Segurança Social (art.º 686,1 CC);
-Pelo produto da verba 150, será pago o crédito da N., beneficiando de penhor.
-Pelo produto da restante massa insolvente, serão pagos, em primeiro lugar, os créditos laborais relacionados, incluindo os juros dos últimos dois anos que gozam do mesmo privilégio imobiliário especial – art.º 734 CC - na proporção dos respectivos montantes, se necessário – art.º 377,1, b) e n.º 2, b) C. do Trabalho;
-De seguida e pelo excedente, se o houver, será paga a Fazenda Nacional;
-Depois, será pago o ainda em dívida da Segurança Social – art.º 686,1 CC.
-A seguir serão pagos, também em rateio se necessário, os créditos relacionados e reconhecidos como comuns;
-Por fim, os créditos subordinados – n.º 1 do art.º 177 CIRE.

Como dito acima, as custas e despesas de administração saem precípuas – art.º 140,3 e nº 1 do art.º 172 CIRE.
Custas pela massa insolvente.
Registe e notifique”.

IV
Conhecendo do recurso.

A sentença de verificação e graduação dos créditos surge regulada no art. 140º CIRE, que dispõe:

1- Finda a audiência de julgamento, o juiz profere sentença de verificação e graduação dos créditos, nos 10 dias subsequentes.
2- A graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios.
3- Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a proveniente da penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa insolvente.

Como escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda em anotação a este artigo, “na graduação, o Tribunal deve hierarquizar os créditos em conformidade com a ordem de preferência estabelecida na lei. A graduação desdobra-se em duas relações de créditos, cada uma delas organizada hierarquicamente segundo a sua prevalência.

Assim, há uma graduação geral para todos os bens da massa insolvente e outra especial para os bens sobre que recaiam direitos reais de garantia e privilégios creditórios invocáveis na insolvência.

No caso em apreço verifica-se que os recorrentes são todos eles trabalhadores da insolvente, e todos eles vêm nesta instância de recurso, colocar a mesma questão jurídica.

A questão que eles vêm todos colocar é a de que a sentença recorrida errou ao estatuir que “pelo produto da verba 151, 152 e 153, serão pagos os créditos que beneficiem de hipoteca, pela ordem registral – Banco A e Instituto da Segurança Social (art.º 686,1 CC)”. Entendem os recorrentes que os seus créditos laborais, garantidos por privilégio imobiliário especial, deveriam ter sido graduados antes daqueles credores hipotecários.

Vejamos.

Escreve-se na sentença recorrida que os créditos reclamados foram relacionados como:

a) garantidos – os n.ºs 17, do Banco A, incidente sobre as verbas 151, 152 e 153; e da Segurança Social (n.º 23), incidente sobre as mesmas verbas.
b) Privilegiados – os créditos laborais relacionados sob os n.ºs 3, 5 a 10, 12, 13, 21, 25 a 29, 33, 37, 40, 45, 47 a 66, 69 a 71, 74, 75, 76, 78 a 81, e 83.

Depois, afirma-se igualmente que “porque fez inscrever a seu favor hipoteca legal sobre os três imóveis apreendidos e atento o disposto no n.º 1 do art.º 686 C. Civil, o Instituto da Segurança Social goza do direito de ser pago pelo valor dos imóveis hipotecados com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial.

Esta afirmação está inteiramente correcta, pois ex vi do art. 751º CC, os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca (1) ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores.

Continua a sentença, referindo que “por sua vez, nos termos do art.º 377 do Código do Trabalho, os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade”.

Depois, afirma-se que o crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social.

Para depois, a final, fazer a seguinte graduação: pelo produto das verbas 151, 152 e 153, serão pagos os créditos que beneficiem de hipoteca, pela ordem registral – Banco A e Instituto da Segurança Social (art.º 686,1 CC), sendo que os créditos laborais relacionados, que gozam de privilégio imobiliário especial -art.º 734 CC- são remetidos para o produto da restante massa insolvente.

O privilégio creditório imobiliário referido é por natureza especial, e como tal recai apenas sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.

Assim, tudo está em saber se entre os imóveis referidos nas verbas 151, 152 e 153 e os trabalhadores ora recorrentes existe o elemento de conexão exigido pela lei para conceder o privilégio imobiliário especial.

A sentença nada disse sobre essa questão. Depois de resumir, e bem, o regime jurídico sobre a graduação dos créditos, nomeadamente afirmando que os créditos laborais gozam de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade, graduou apenas os credores hipotecários quanto aos referidos imóveis, excluindo deles os referidos créditos laborais, sem dizer uma palavra sobre o porquê de tal afastamento.

Porém, considerando que ninguém impugnou a afirmação dos trabalhadores, de que exerciam as suas funções nos referidos imóveis, considerando que o próprio Administrador de Insolvência relacionou os referidos créditos como beneficiando de privilégio imobiliário especial, e considerando que de toda a documentação junta aos autos isso resulta como pacífico, supomos que a ausência de referência na sentença a esse facto deve ter resultado de mero lapso.

Podemos pois ter como assente, para efeitos da decisão, que os imóveis referidos nas verbas 151, 152 e 153 correspondem ao estabelecimento fabril da insolvente “X – Indústria de Vestuário S.A”, onde os recorrentes exerciam as suas funções laborais.

A constituição de um privilégio imobiliário especial a favor dos créditos laborais demanda, como tem sido salientado maioritariamente pela jurisprudência (2), a existência de uma conexão, em termos funcionais, entre a actividade dos trabalhadores e a integração dos imóveis na estrutura empresarial da insolvente, e não uma conexão naturalística, ficando excluídos os imóveis que integram o património do empregador que não se encontram afectos à sua organização empresarial, mormente por se destinarem à sua fruição pessoal, por estarem afectos a outro estabelecimento, ou por constituírem o resultado da actividade desenvolvida pelo empregador (v.g. os imóveis edificados por empresas de construção civil para serem comercializados), sob pena de tratamento desigual entre trabalhadores da mesma entidade empregadora, ao arrepio do que prescreve o artigo 13.º, n.º 1, da C.R.P.

É igualmente pacífico que “os chamados créditos laborais que beneficiem de privilégio imobiliário especial (sobre os bens do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade) prevalecem ou têm prioridade de graduação sobre outros créditos mesmo que garantidos por hipoteca voluntária anteriormente constituída.

Quanto ao elemento de conexão exigido, com pequenas nuances, a jurisprudência tem sido uniforme.

Como se pode ler no Acórdão do TRC de 12-06-2012 (Relator: Jaime Carlos Ferreira), “o privilégio imobiliário especial previsto no art. 377º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/08) / art. 333º do actual CT (aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12/02) abrange os imóveis existentes na massa insolvente que estavam afectos à actividade empresarial da insolvente, independentemente de uma qualquer conexão específica ou imediata entre o imóvel e a concreta actividade laboral de cada um dos trabalhadores reclamantes. É ao trabalhador reclamante que compete a alegação e prova dos factos constitutivos do privilégio creditório que invoca, mas o tribunal deverá atender a tudo o que de relevante resultar da globalidade do processo de insolvência. Tendo o sr. Administrador da Insolvência listado todos os créditos (laborais) como privilegiados nos termos do art. 333º do Código de Trabalho, e uma vez que é a própria Recorrente a reconhecer que o imóvel em causa é onde funciona/funcionou a sede da Insolvente, manifesto se torna que tal prédio faz parte do seu “estabelecimento” ou organização empresarial, à qual esses trabalhadores estavam necessariamente afectos, pelo que beneficiam do referido privilégio creditório especial sobre tal imóvel.

Ou então, como se decidiu no Acórdão da TRL de 19.1.2017 (Relator: Ezaguy Martins), “o privilégio imobiliário especial, concedido aos créditos laborais pelo artigo 333.º, n.º 1, al, b), do Código do Trabalho, abrange todos os bens imóveis integrantes do património da insolvente afectos ao desenvolvimento da respectiva actividade empresarial, exigindo-se uma conexão, em termos funcionais, entre a actividade dos trabalhadores reclamantes e a unidade empresarial da insolvente, integrada por tais imóveis. Tendo sido apreendidos para a massa insolvente dois imóveis pertencentes à insolvente, sendo um, um armazém e o outro um espaço destinado em exclusivo ao comércio, é de presumir terem estado tais imóveis afectos à organização empresarial da insolvente, uma sociedade comercial por quotas, tendo por objecto o comércio de mobiliário, artes decorativas, electrodomésticos, electrificações e colocação de alcatifas.

Nessa circunstância, os créditos dos trabalhadores da insolvente – distribuidores, vendedores, empregados de limpeza, fiéis de armazém, gerente de loja, administrativos – gozam de privilégio imobiliário sobre os referidos imóveis”.

E ainda, o Acórdão do TRC de 21.2.2018 (Relator: Arlindo Oliveira) considerou que “o entendimento do que se considera “local onde o trabalhador exerce a actividade", deve ser interpretado de forma lata, abrangendo todos os imóveis da entidade patronal que estejam afectos à sua actividade empresarial, à qual os trabalhadores estão funcionalmente ligados, independentemente da localização, em concreto, do respectivo posto de trabalho, ficando, consequentemente, excluídos, os imóveis que embora pertença da entidade patronal não estivessem afectos ao escopo societário, à actividade empresarial da entidade patronal.

Esta solução passou pelo crivo do Tribunal Constitucional, como se pode ver do Acórdão de 19 de Junho de 2008 (João Cura Mariano, Joaquim de Sousa Ribeiro, Mário José de Araújo Torres, Benjamim Rodrigues, Rui Manuel Moura Ramos), o qual se pronunciou sobre uma situação em que o credor bancário interpôs recurso de decisão do Supremo Tribunal de Justiça (que o preteriu) para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organi­zação, Funcionamento e Processo do Tribu­nal Constitucional (LTC), suscitando a apreciação da inconstitucionalidade material da norma constante da alínea b), do n.º 1, do art. 377.º, do Código do Trabalho, na interpretação segundo a qual os créditos laborais garantidos por privilégio imobiliá­rio especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade prevalecem sobre os créditos garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre esses bens em data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, por violação do princípio constitucional da protecção da confiança, ínsito no Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º, da Constituição da República Portuguesa.

Esse acórdão chamou a atenção para o interesse público na protecção dos créditos salariais, patente no facto de o regime previsto no art. 377.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho se ter destinado nitidamente a melhorar a graduação concedida aos créditos laborais no confronto com outros direitos reais de garantia. E os salários, continua aquele Tribunal, devem gozar expressamente de garantias especiais segundo a Constituição pelo que o legislador ordinário está constitucionalmente credenciado para limitar ou restringir os direitos patrimoniais dos demais credores para assegurar aquele desiderato (artigo 59.º, n.º 3 da C.R.P.). (…) Esta especial consideração pelos créditos laborais afasta qualquer juízo de arbitrariedade sobre a aplicação retrospectiva da norma constante da alínea b), do n.º 1, do artigo 377.º, do Código Trabalho, com a consequência dos créditos laborais garantidos por privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel do empregador onde o trabalhador preste a sua actividade prevalecerem sobre os créditos garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre esses bens em data anterior à da entrada em vigor do referido diploma legal, desde que a data do evento que determinou o concurso entre os dois tipos de créditos – a falência do devedor-empregador – seja superveniente.

Em conclusão, é pacífico que os créditos dos recorrentes gozam de privilégio imobiliário especial sobre os imóveis descritos nas referidas verbas 151, 152 e 153, correspondentes ao estabelecimento fabril da insolvente “X – Indústria de Vestuário S.A”, onde os recorrentes exerciam as suas funções laborais.

É igualmente pacífico que esse privilégio prevalece sobre hipotecas anteriores registadas, atentos os interesses sociais em conflito.

Donde, os recursos merecem total provimento.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar os recursos totalmente procedentes, e em consequência altera a sentença recorrida, nos seguintes termos:

a) Graduam-se os créditos assim reconhecidos para serem pagos pela forma seguinte:
-Pelo produto das verbas 151, 152 e 153, serão pagos em primeiro lugar os créditos laborais dos recorrentes, e em segundo lugar os créditos que beneficiem de hipoteca, pela ordem registral – Banco A e Instituto da Segurança Social (art.º 686,1 CC).
b) No mais, mantém-se na íntegra a decisão recorrida.

As custas são encargo da massa insolvente (art. 304º CIRE).

Data: 14/2/2019

Relator ­(Afonso Cabral de Andrade)

1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto ­­­­­­­(Joaquim Boavida)

1 - Destaque nosso.
2 - Como se dá nota na fundamentação do A.U.J. n.º 8/2016, publicado no D.R.-I, de 15/04/2016, identificando os arestos onde tal solução foi preconizada.