Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2847/14.1TBBRG.G1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: UNIÃO DE FACTO
PATRIMÓNIO
LIQUIDAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. Não obstante o crescendo regime de protecção jurídica actualmente conferido às uniões de facto o legislador não estabeleceu um regime legal de bens pré-definido com o objectivo de regular o património adquirido pelos unidos de facto, durante a comunhão de vida.
II. Existe o entendimento na doutrina e jurisprudência de que não é de aplicar à união de facto o regime do casamento quanto aos efeitos patrimoniais, porquanto são institutos diferentes.
III. Tal não significa, porém, que a união de facto, para além dos seus domínios de protecção específicos e regulamentados, não possa relevar, em termos gerais, como situação de facto geradora de efeitos, designadamente no que respeita aos efeitos patrimoniais emergentes da vivência em comum e, em particular, à liquidação dos mesmos em consequência da cessação dessa vida em comum.
IV. De facto, reconhece-se que, cessada a união de facto, por morte ou separação, o membro sobrevivo ou o outro sujeito da relação tem direito a participar na liquidação do património adquirido pelo esforço comum, recorrendo-se ao regime geral das relações obrigacionais e reais para solucionar as questões relativas à divisão daquele acervo.
V. Assim, para liquidação do património comum tem sido admitida a aplicação do instituto da liquidação das sociedades civis disciplinado nos artigos 1010.º e seguintes do Código Civil, mas também o recurso aos meios comuns, podendo qualquer um dos conviventes obter a restituição de bens ou valores com que o outro convivente se tenha indevidamente locupletado à custa do seu património a coberto das regras do enriquecimento sem causa, nos termos previstos nos artigos 473.º e seguintes do Código Civil.
VI. É uniformemente entendido, que só há enriquecimento sem causa, quando o património de certa pessoa ficou em melhor situação, se valorizou ou deixou de desvalorizar, à custa de outra pessoa, sem que para tal exista causa.
VII. O enriquecimento traduz-se na obtenção de um valor, de uma vantagem de carácter patrimonial susceptível de avaliação pecuniária, resultando da comparação entre a situação em que se encontra actualmente o património do enriquecido, e aquela que se verificaria se não se tivesse dado o enriquecimento.
VIII. A falta de causa do enriquecimento não se basta com a cessação da união de facto; torna-se necessário que o autor alegue e prove que as deslocações patrimoniais se verificaram no pressuposto, entretanto desaparecido, da continuação e subsistência da união de facto.
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO DA 2ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO
1. MARILDA R intentou acção de processo comum contra FRANCISCO M, alegando, em síntese que ambos viveram em situação análoga à dos cônjuges, em absoluta comunhão de vida entre o dia 9 de Novembro de 1998 e o dia 10 de Março de 2013, que dessa união nasceu uma filha de nome Beatriz A, em 19/01/1999, e um filho de nome Gustavo A, em 25/05/2005, sendo a Autora protésica de profissão e o Réu médico dentista.
Acrescenta que, a Autora durante a união de facto contribuiu para a formação e aumento do património inscrito em nome do Réu e este, após a ruptura da união de facto, apossou-se de todo o património no valor global de € 526.230,00.
Mais alega que atenta a sua prestação para o incremento patrimonial do casal tem direito a pelo menos 50% daquele valor, que fundamenta no instituto do enriquecimento sem causa.
Assim, conclui, pedindo a condenação do Réu (i) a reconhecer que, com início em 9/11/1998 e terminus em 10/03/2013, Autora e Réu viveram em condições análogas às dos cônjuges, e (ii) que naquele período Autora e Réu contribuíram na mesma proporção e em partes iguais para a formação do património mobiliário e imobiliário, depósitos bancários e bens indiferenciados, de valor não inferior a €526.230,00, pelo que o Réu se encontra injustamente enriquecido à custa da Autora na proporção de 50% do referido capital ou da correspondente meação nos imóveis, com a consequente (iii) condenação do Réu a restituir à Autora 50% do indicado capital ou da correspondente meação nos ditos imóveis em valor não inferior a €263.115,00 (duzentos e sessenta e três mil cento e quinze euros), (iv) bem com 50% de todo os bens que se encontrem na sua posse adquiridos durante a união de facto, para além dos já peticionados e 50% dos saldos bancários que se vierem a apurar em outras instituições bancárias e que existiam à data da separação, e (v) no pagamento de juros de mora sobre o montante peticionado, desde a data de citação até efectivo e integral pagamento.

2. O réu contestou, alegando, além do mais, que todos os meses entregava à Autora, para além do seu salário, a quantia de €800,00, sendo que €300,00 se destinavam a entregar à Segurança Social Brasileira para que a Autora pudesse vir a beneficiar de uma reforma nesse país, que suportou sozinho todas as despesas e que para esse efeito entregava à autora o seu cartão bancário para que esta pudesse adquirir tudo o que fosse necessário sem qualquer custo para si.
Mais alegou que a Autora é possuidora de um imóvel no Brasil, mas que o custo com a sua aquisição e obras foram suportados quase exclusivamente pelo Réu e que o seu património não foi adquirido pelo esforço comum mas só com seu esforço individual pelo que se não verifica qualquer enriquecimento sem justa causa.

3. Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador a fls. 184 e seguintes, tendo sido identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Instruídos os autos procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, após o que veio a ser proferida a sentença de fls. 293 a 312, na qual se decidiu julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver o Réu dos pedidos formulados pela Autora.

4. Inconformada veio a Autora interpor recurso, pedindo a revogação da sentença e a condenação do Réu, com os seguintes fundamentos [segue transcrição das conclusões do recurso]:
1.ª Nos termos do disposto nos artigos 615º, 627º, 629º, 631º, 637º, 638º, 639º, 645º do C.P.C., vem a Autora/Recorrente interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, por violação da lei processual e da lei substantiva.
2.ª O Tribunal a quo julgou totalmente improcedente por não provada a acção intentada pela ora Recorrente contra o ora Recorrido, por entender não existir qualquer enriquecimento sem causa por parte deste à conta daquela.
3.ª Contudo, os factos dados como provados teriam, forçosamente, que levar a decisão diversa.
4.ª Diz o artigo 615º, nº 1, al. c) do C.P.C. que “É nula a sentença quando: c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão (...)”
5.ª No caso em apreço, o Tribunal a quo violou esta disposição legal,
6.ª Bem como o disposto no artigo 473º do Código Civil.
7.ª O Tribunal a quo deu como provados certos factos, tendo depois decidido contra os mesmos.
8.ª Na verdade, entendeu o Tribunal a quo que a Recorrente e o Recorrido viveram em união de facto por mais de 14 anos,
9.ª Que durante esse período a Autora contribuiu para o bem estar dos filhos de ambos e do próprio casal, que comprou alimentação, vestuário e calçado e brinquedos, pagou algumas contas de telefone, que para além da sua actividade profissional (protésica) realizava tarefas domésticas, preparava refeições, acompanhava os filhos na e à escola, ao médico e em actividades extracurriculares que estes praticassem.
10.ª Para além disso, ficou provado em sede de primeira instância que o Réu/Recorrido, é proprietário de dois imóveis: um sito na Rua José Afonso, freguesia de São Vicente, em Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 3, fracção “AB”, segundo andar esquerdo, tipo T4, destinado exclusivamente a habitação,
11.ª E outro sito na Rua de Santa Margarida, freguesia de São Vicente, também em Braga, correspondente a fracção autónoma designada pelas letras “AQ”, tipo T4 duplex, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 800, com garagem, bem como 7/300 indivisos do prédio urbano composto de parcela de terreno para construção destinada a jardim e infra-estruturas de lazer, nomeadamente piscina e parque infantil, tudo no valor de €: 200.000,00 (duzentos mil euros).
12.ª Baseia a sua convicção nas escrituras públicas de compra e venda de ambos os imóveis e entende que não se prova o valor do primeiro quando do referido documento consta que o mesmo é de vinte e dois milhões e quinhentos mil escudos (ou seja, €: 112.230,00 (cento e doze mil duzentos e trinta euros), sendo certo que quinze milhões de escudos foram aplicados na compra do imóvel e sete milhões e quinhentos mil escudos em obras de beneficiação do mesmo).
13.ª Mais deu como provado o Tribunal a quo que o Recorrido tem várias contas bancárias, designadamente no D Bank, no Millennium e na Caixa G, cujo somatório ascendia, à data da união, a €: 265.514,36 (duzentos e sessenta e cinco mil quinhentos catorze euros e trinta a seis cêntimos).
14.ª O Tribunal a quo considerou provado que a Autora/Recorrente é legítima proprietária de um imóvel sito em Santos, São Paulo, no Brasil.
15.ª Contudo, não atendeu ao valor do mesmo, que é manifestamente inferior ao do Réu, e podia tê-lo feito, uma vez que o valor consta do documento junto aos autos.
16.ª Entendeu que a aquisição do mesmo e as obras a que foi sujeita a fracção foram pagas pelo Recorrido. Contudo, não fundamenta no seu aresto o que levou o Tribunal a tal conclusão. Nem podia, uma vez que tal não foi provado na presente acção.

17.ª O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, não teve em conta toda a colaboração prestada pela Recorrente para o bem do casal e dos filhos de ambos,
18.ª Nem tão pouco a discrepância injustificada entre o património da Recorrente e do Recorrido após 14 anos de vida em comum.
19.ª Enquanto a primeira, não obstante a sua dedicação e desempenho, ter ficado com um património de cerca de € 20.803,07 (vinte mil oitocentos e três euros e sete cêntimos).
20.ª O Recorrido ficou com um património de pelo menos, € 486.486,93 (quatrocentos e oitenta e seis mil quatrocentos e oitenta e seis euros e noventa e três cêntimos).
21.ª Dúvidas não podiam restar ao Tribunal a quo, ao dar como provados os factos que deu, que houve enriquecimento sem causa por parte do Recorrido,
22.ª À custa do contributo da Recorrente para a vida em comum de ambos e dos filhos.
23.ª A conduta da Recorrente durante os anos de vivência comum, designadamente no trabalho, em casa, com os filhos e com o casal, permitiram ao Recorrido ficar com mais tempo para se dedicar ao seu trabalho e aumentar o seu património.
24.ª O Tribunal a quo deu como provado a participação da Recorrente nesse aumento patrimonial do Recorrido, tanto de forma directa (pelo trabalho que desenvolvia na sociedade),
25.ª Como indirecta (através do seu contributo em casa, nas lides domésticas e no acompanhamento dos filhos).
26.ª Por tal motivo, impunha-se que a decisão fosse outra: deveria o Tribunal a quo ter reconhecido o direito da Recorrente ao ressarcimento por conta do enriquecimento sem causa do Recorrido, à conta daquela.
27.ª Diz o artigo 473º, nº 1 do Código Civil que “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.”
28.ª Ora, não obstante ter sido reconhecido pelo Tribunal a quo toda a colaboração e participação da Recorrente para a vida do casal e dos filhos
29.ª Decidiu que o Recorrido não se locupletou injustificadamente à sua custa, o que não se pode admitir.
30.ª Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 615º, nº 1, al. c) do C.P.C., bem como o artigo 473º do Código Civil,
31.ª Pelo que deverá este Tribunal da Relação revogar a sentença proferida e estipular a medida do enriquecimento injustificado do Recorrido à custa da Recorrente, atento o contributo directo e indirecto da mesma no aumento patrimonial daquele.
TERMOS EM QUE e nos melhores de Direito e que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, e, consequentemente, reconhecer-se o direito da Autora/Recorrente a parte do património do Réu/Recorrido, por conta do enriquecimento sem causa, fazendo-se assim a habitual a sã JUSTIÇA!

5. Contra-alegou o Réu, pugnando pela confirmação da sentença, invocando que a recorrente não impugnou a matéria de facto, que a sentença não enferma de qualquer nulidade e que da factualidade provada não resultam provados os requisitos do enriquecimento sem causa alegado pela Autora.

6. O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.
No Tribunal a quo a Mma. Juíza emitiu o despacho a que se reporta o n.º 1 do artigo 641º do Código de Processo Civil, concluindo pela inexistência da invocada nulidade da sentença.
Remetidos os autos a esta Relação e colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
*
II – OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Da nulidade da sentença; e
(ii) Se ocorrem os requisitos do enriquecimento sem causa.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
A) - OS FACTOS
A.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. Autora e Réu viveram em situação análoga à dos cônjuges, em absoluta comunhão de vida entre o dia 9 de Novembro de 1998 e o dia 10 de Março de 2013.
2. Dessa união nasceu uma filha de nome Beatriz A em 19/01/1999 e um filho de nome Gustavo A, em 25/05/2005.
3. A Autora é protésica de profissão, sendo o Réu médico dentista.
4. Algum tempo após o início da sua relação, a Autora foi trabalhar para o Réu, aproveitando o facto das suas formações profissionais serem compatíveis.
5. No ano de 2002 a Autora trabalhava para o Réu como ajudante de prótese dentária e até essa data trabalhara por conta própria.
6. Em 02 de Maio de 2008, o Réu constituiu a sociedade Francisco, Unipessoal, Lda., cujo objecto social da sociedade em causa era “Exploração de clínica de medicina dentária com apoio de outras especialidades médicas. Exploração de laboratório de prótese dentária.”
7. A Ré passou a ser funcionária da sociedade referida no número anterior a partir de 01 de Junho de 2008.
8. A sociedade referida em 6) foi transformada em sociedade por quotas com a denominação Francisco P, Lda., com o capital social de €5.000,00, tendo sido tal acto levado ao registo comercial em 05/05/2011 tendo a sociedade como sócios o Réu e José J, aquele com uma quota de €4.900,00 e este de €100,00.
9. Por escritura pública de compra e venda e mutuo com hipoteca outorgada em 30 de Novembro de 1998 José C na qualidade de representante da sociedade “Rodrigues, Lda.” declarou vender ao Réu, que declarou aceitar a venda, o imóvel sito na Rua José Afonso, freguesia de São Vicente, concelho de Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 3, fracção “AB”, segundo andar esquerdo, tipo T4, destinado exclusivamente a habitação, pelo preço de quinze milhões de escudos.
10. Na escritura referida no número anterior o Réu confessou-se devedor ao Banco M, SA., da importância de vinte e dois milhões e quinhentos mil escudos pelo prazo de 30 anos sendo a quantia de quinze milhões de escudos aplicada na compra e a quantia de sete milhões e quinhentos mil escudos em obras de beneficiação da fracção adquirida, tendo sido constituída hipoteca sobre o referido imóvel.
11. Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, outorgada em 07 de Agosto de 2006, Domingos J declarou vender ao Réu, que declarou aceitar a venda, pelo preço de € 197.500,00 a fracção autónoma designada pelas letras “AQ”, tipo T4 Duplex, sita na Rua de Santa Margarida, freguesia de São Vicente, concelho de Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 800, com garagem, e valor patrimonial tributário para IMT de €135.537,07 e pelo preço de € 2.500,00 7/300 indivisos do prédio urbano composto de parcela de terreno para construção destinada a jardim e infra-estruturas de lazer, nomeadamente piscina e parque infantil, com o valor patrimonial tributário para IMT de €1.119,53.
12. Na escritura referida no número anterior o Réu confessou-se devedor ao Banco C da importância de cento e noventa e sete mil e quinhentos euros que recebeu de empréstimo para ser aplicada na referida compra, tendo sido constituída hipoteca sobre o imóvel.
13. Em Março de 2013 o Réu tinha na conta bancária nº 0043 0001 0405200275517 do D Bank depósitos à ordem de 126.325,58 Francos Suíços e de €2.378,07 e depósitos a prazo no montante de 84.562,67 Francos Suíços.
14. Em 28 de Janeiro de 2013 o Réu era co-titular da conta bancária nº 0158005396900 da Caixa G que apresentava naquela data o saldo de € 328,09.
15. Em Março de 2013 o Réu tinha na conta bancária nº 1354248 do Millennium de depósitos à ordem o saldo de €8.419,02 e o saldo devedor de €179.023,39 respeitante ao empréstimo para habitação permanente referido em 12).
16. Em Fevereiro de 2013 o Réu procedeu ao resgate de €50.000,00 de uma carteira de obrigações tendo recebido o reembolso de tal quantia na referida conta nº 1354248 do Millennium e liquidou dois empréstimos para habitação secundária no montante de €18.461,76 e €25.096,99.
17. Em Dezembro de 2012 o Réu tinha na conta bancária de depósitos à ordem nº 50122256519 do Millennium o saldo de €1.072,46.
18. Durante o período referido em 1) o Réu adquiriu dois veículos automóveis: um Toyota Yaris Verso, com a chapa de matrícula 67-35-OS, do ano de 2000 e um Suzuki Grand Vitara, com a chapa de matrícula 66-BP-47, adquirido em 2006.
19. O veículo Toyota Yaris Verso referido no número anterior está registado em nome da Autora desde 2013.
20. O veículo Suzuki Grand Vitara encontra-se em nome da sociedade Francisco, Unipessoal, Lda., e é habitualmente utilizado pelo Réu.
21. Durante o período referido em 1) a Autora contribuiu para o bem-estar dos filhos de ambos, bem como do casal.
22. Durante o período referido em 1) a Autora comprou alimentação, vestuário e calçado e brinquedos.
23. A Autora no período referido em 1) pagou algumas contas de telefone.
24. A Autora no período referido em 1), para além da actividade profissional, realizava tarefas domésticas, preparava refeições, acompanhava os filhos na e à escola, ao médico e em actividades extracurriculares que estes praticassem.
25. A Autora por força do horário de trabalho tinha mais tempo disponível do que o Réu para as actividades referidas em 20).
26. O Réu desenvolve a sua profissão desde 1990, inicialmente apenas em Braga, e posteriormente e até 2007, juntamente com mais 2 sócios, também numa clínica na cidade do Porto, denominada “Centro, Lda.”, que acumulou com o consultório que mantinha em Braga.
27. Por força da relação existente a Autora foi trabalhar para o Réu que lhe pagava o correspectivo salário.
28. O Réu suportava a generalidade das despesas.
29. Além do salário, a Autora recebia todos os meses, cerca de €800,00, perfazendo um total de aproximadamente €1.300,00, dos quais €300,00 se destinam a entregar à Segurança Social brasileira (país de que esta é nacional) para que, fruto dessa carreira contributiva, possa vir a beneficiar de uma reforma também naquele país.
30. O Réu suportava sozinho as despesas com os empréstimos bancários para aquisição dos imóveis identificados em 9) e 11) e o condomínio.
31. O Réu suportava sozinho os custos associados à empregada de limpeza que prestava serviço na casa onde residia com a Autora e filhos.
32. O Réu suportava a generalidade das despesas com vestuário e alimentação e despesas escolares e médicas dos menores.
33. Por vezes o Réu entregava à Autora o seu cartão bancário para que esta pudesse adquirir tudo o que fosse necessário.
34. A Autora é possuidora de um imóvel em Santos, São Paulo, Brasil cujo custo com a sua aquisição e com as obras a que foi sujeito foram suportadas quase exclusivamente pelo Réu.
35. A dedicação e esforço investidos pelo Réu no trabalho nunca o impediram de se dedicar aos seus filhos, estando presente em todos os momentos importantes das suas vidas.
36. O Réu acompanhava a vida dos seus filhos, fazendo parte das suas rotinas diárias, indo levá-los ou indo buscá-los à escola, e acompanhando-os nas idas ao médico.
37. Cessada a relação, por contrato de comodato celebrado em 23 de Maio de 2013, o Réu cedeu à Autora, gratuitamente e pelo período de cinco anos o imóvel sito na Rua Sta. Margarida e identificado em 11), para aí residir com os seus filhos.
38. Nos termos acordados e constantes do contrato de comodato o Réu assumiu o pagamento de metade das despesas com o consumo de água, electricidade e telecomunicações e ainda a responsabilidade exclusiva pelo pagamento das prestações mensais bancárias associadas à amortização do mútuo bancário contraído no BCP para aquisição da fracção autónoma dada de comodato e de todas as despesas de condomínio e encargos resultantes de impostos e taxas devidos pela propriedade da mesma.
39. Cessada a relação o Réu arrendou um apartamento para si e para os seus filhos, onde reside actualmente.
40. O Réu paga uma pensão de alimentos a cada um dos filhos no valor de €350,00, num total de €700,00, e metade das despesas escolares, como seja a mensalidade do colégio, manuais e material escolar, despesas com explicações e actividades extracurriculares.
*
A.2. E foram dados como não provados os seguintes factos dos relevantes para a decisão:
1. Que o imóvel identificado em 9) dos Factos Provados tem o valor de €112.230,00 (cento e doze mil duzentos e trinta euros).
2. Que o recheio mobiliário dos imóveis identificados em 9) e 11) tem valor não inferior a €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros)
3. Que o veículo Toyota Yaris Verso referido em 14) foi adquirido pelo valor de €2.000,00 (dois mil euros).
4. Que o veículo Suzuki referido em 14) tem valor não inferior a €12.000,00 (doze mil euros).
5. Que no período referido em 1) dos Factos Provados a Autora contribuiu para o aumento do património inscrito em nome do Réu.
6. Que a Autora comprou o referido em 18) dos Factos provados com o seu dinheiro.
7. Que no período referido em 1) dos Factos provados a Autora pagou a água, a luz e o gás.
8. Que a Autora foi para o Réu e para a sociedade do qual é sócio, uma mais-valia, aumentando o número de pacientes.
9. Que com a ruptura da união de fato vivida por ambos o Réu se apossou de todo o património, imobiliário, depósitos bancários e bens indiferenciados no valor de, pelo menos, €526.230,00.
10. Que atenta a contribuição da Autora, o património mobiliário e imobiliário do casal sofreu aumentos, os quais sem a intervenção desta não teriam ocorrido.
11. Que com a separação, e uma vez que todo o património construído conjuntamente encontrava-se em nome do Réu, a Autora ficou sem qualquer património.
12. Que foi através da prática que a Autora foi adquirindo as competências básicas e incipientes de ajudante de laboratório de prótese, assimiláveis aos que possui uma assistente dentária treinada para o efeito, limitando-se a pequenos trabalhos, menos sofisticados e exigentes do ponto de vista técnico.
13. Que a Autora nunca cumpriu o seu horário de trabalho, ausentou-se do serviço sempre que pretendeu, faltou e falta ao trabalho frequentemente, e nem cumpriu com as obrigações mais elementares de qualquer trabalhador perante a sua entidade patronal, beneficiando da condescendência do réu.
14. Que o Réu adquiriu o imóvel identificado em 11), para além do empréstimo bancário, com dinheiro proveniente da venda da sua participação da sociedade que explorava a clínica do Porto aos seus dois (2) sócios e com recurso a dinheiro emprestado por um amigo.
*
B) – O DIREITO
1. Da nulidade da sentença
Invoca a recorrente a nulidade da sentença prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º, na qual se comina com a nulidade a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível.
A oposição entre os fundamentos e a decisão reconduz-se a um vício de raciocínio do julgador em que as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente.
No caso em apreço, basta ler a sentença para se concluir que os fundamentos de facto e de direito invocados estão em consonância com a decisão tomada e não existe qualquer ambiguidade, ou obscuridade que torne a sentença ininteligível, e a recorrente bem a percebeu.
Aliás, resulta manifesto das alegações e respectivas conclusões que a recorrente o que não aceita é que com base nos factos provados a solução do litígio seja aquela a que se chegou na sentença, mas tal situação não consubstancia qualquer nulidade da sentença, antes poderá implicar um erro de julgamento, a apreciar em sede de apreciação jurídica da causa, o que a seguir se fará.
Assim, carece, pois, de fundamento a arguida nulidade.

2. Da decisão jurídica da causa
2.1. Como ponto prévio não deixará de ser referir que a recorrente tece algumas considerações em relação à matéria de facto.
Contudo, como bem salienta o recorrido, não deduziu impugnação da matéria de facto, nos termos previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil, com recurso à prova gravada.
Porém, a recorrente insurge-se contra o facto de se ter dado como não provado o valor do imóvel referido no ponto 9 dos factos provados, por entender que o valor resulta da escritura pública de aquisição respectiva. Mas sem razão, porquanto o que da escritura pública resulta é o valor de compra do imóvel e não o seu valor real.
Também menciona a recorrente que não se atendeu ao valor do imóvel no Brasil. Ora o que consta igualmente do documento que titula a aquisição do imóvel é o valor declarado na compra, sendo que a questão da ponderação da desproporção entre o valor do património em nome da Autora e do Réu só releva em termos de decisão jurídica da causa e não no momento da fixação dos factos provados. E, se necessário, sempre o tribunal poderá considerar aquele valor de aquisição ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil (cf. artigo 663º, n.º 2).
Deste modo, e não ocorrendo fundamento para alteração oficiosa da matéria de facto, nos termos previstos no artigo 662º do Código de Processo Civil, os factos a considerar são os dados como provados na sentença, cuja fundamentação está muito bem elaborada, evidenciando à saciedade as provas e as razões que presidiram à formação da convicção do julgador relativamente a cada facto, o que não pode deixar de se salientar.

2.2. Entendeu-se na sentença recorrida que, no caso em apreço, face à factualidade provada era inquestionável que Autora e Réu viveram em economia comum e que tal união se encontra dissolvida desde 10 de Março de 2013, o que, aliás, foi aceite por ambas as partes (daí que se tenha concluído não haver fundamento para condenação do Réu a reconhecer a existência dessa união e a sua cessação), o que não é posto em causa no recurso.
Porém, entendeu-se não ocorrer fundamento para condenar o Réu na restituição à Autora do montante em que proporcionalmente enriqueceu à custa da Autora durante a vivência em comum, absolvendo-se, em consonância com este entendimento, o Réu do pedido.
A Autora discorda, em síntese, invocando a diferença do acervo patrimonial em seu nome e do Réu, a sua contribuição para as despesas do agregado familiar, e para o bem-estar do Réu e dos filhos de ambos, dedicando mais tempo à família, bem como as lides domésticas, o que permitiu ao Réu ficar com mais tempo para se dedicar ao seu trabalho e aumentar o seu património.
Vejamos:

2.3. A Autora veio pediu a condenação do Réu a reconhecer que, com início em 9/12/1998 e terminus em 10/03/2013, viveram em condições análogas às dos cônjuges e que naquele período ambos contribuíram na mesma proporção e em partes iguais para a formação do património mobiliário e imobiliário, depósitos bancários e bens indiferenciados de valor não inferior a €526.230,00, pretendendo a restituição de 50% deste valor ou idêntica meação nos imóveis adquiridos e saldos bancários, fundando a sua pretensão na dissolução da união de facto e no enriquecimento sem justa causa do Réu.
A questão da existência da união de facto e da sua dissolução em 10 de Março de 2013, não se coloca em sede de recurso, porquanto foi aceite por ambas as partes, como se disse.
Assim, comprovada a existência da união de facto e a sua dissolução, o que está em causa é apenas a tutela dos direitos patrimoniais decorrentes da cessação da união de facto, concretamente, saber se a recorrente tem direito à quota-parte dos bens a que se arroga.

2.4. Como se diz na sentença recorrida, a nossa ordem jurídica não reconhece a união de facto como fonte típica de relações jurídicas familiares conforme decorre do disposto no artigo 1576.º do Código Civil, não obstante se tratar de uma realidade sociológica cada vez mais implantada e até objecto de cada vez mais alargada protecção jurídica, tanto na área do direito da segurança social como no âmbito do direito civil (cf. a este propósito, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal da Justiça, de 9/3/2004 (Proc. n.º 04B111), com citação da anotação do Professor PEREIRA COELHO, in RLJ Ano 120º, págs. 79-86, disponível, como os demais citados sem outra referência, em www.dgsi.pt/), bastando atentar actualmente na Lei de Protecção das Uniões de Facto (Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, recentemente actualizada pela Lei n.º 2/2016, de 29/02).
Porém, não obstante este regime de protecção jurídica não curou o legislador de estabelecer um regime legal de bens pré-definido com o objectivo de regular o património adquirido pelos unidos de facto, durante a comunhão de vida.
A este respeito, parece-nos existir entendimento unânime na doutrina e jurisprudência de que não é de aplicar à união de facto o regime do casamento quanto aos efeitos patrimoniais, porquanto são institutos diferentes.
Tal não significa, no entanto, que a união de facto, para além dos seus domínios de protecção específicos e regulamentados, não possa relevar, em termos gerais, como situação de facto geradora de efeitos, designadamente no que respeita aos efeitos patrimoniais emergentes da vivência em comum e, em particular, à liquidação dos mesmos em consequência da cessação dessa vida em comum (neste sentido, cf. entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 18/01/2011 - proc. n.º 3149/06.2TBCSC.L1-7).
De facto, reconhece-se, tanto na doutrina, como na jurisprudência que, cessada a união de facto (por morte ou separação), o membro sobrevivo ou o outro sujeito da relação tem direito a participar na liquidação do património adquirido pelo esforço comum, recorrendo-se ao regime geral das relações obrigacionais e reais para solucionar as questões relativas à divisão daquele acervo, ou, no dizer do acórdão da Relação de Lisboa, de 23/11/2010 (proc. n.º 1638/08.3TVLSB.L1-1), ao instituto de direito comum que melhor se enquadre na situação fáctica a resolver.
Assim, para liquidação do património comum tem sido admitida a aplicação do instituto da liquidação das sociedades civis disciplinado nos artigos 1010.º e seguintes do Código Civil, mas também o recurso aos meios comuns, podendo qualquer um dos conviventes obter a restituição de bens ou valores com que o outro convivente se tenha indevidamente locupletado à custa do seu património a coberto das regras do enriquecimento sem causa, nos termos previstos nos artigos 473.º e seguintes do Código Civil (cf. neste sentido, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 18/01/2011, já citado, e o Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça, de 20/03/2014 – proc. n.º 2152/09.5TBBRG.G1.S1).

2.5. No caso em apreço a Autora/Recorrente fundou o pedido nas regras do enriquecimento sem causa.
Determina o art.º 473.º do Código Civil que “[a]quele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou” (n.º 1), sendo que “[a] obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou” (n.º 2).
Acresce que, nos termos do artigo 479º do Código Civil, “[a] obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente” (nº 1), e “[a] obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte” (nº 2).
O enriquecimento sem causa é, assim, uma fonte de obrigações que cria uma obrigação de restituir, em que figura como credor o sujeito à custa de quem o enriquecimento se verificou e como devedor o beneficiário desse.
É uniformemente entendido, que só há enriquecimento sem causa, quando o património de certa pessoa ficou em melhor situação, se valorizou ou deixou de desvalorizar, à custa de outra pessoa, sem que para tal exista causa justificativa (Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 6ª edição, pág. 179; Vaz Serra, BMJ nº 81, pág. 56).
O enriquecimento traduz-se na obtenção de um valor, de uma vantagem de carácter patrimonial susceptível de avaliação pecuniária, resultando da comparação entre a situação em que se encontra actualmente o património do enriquecido, e aquela que se verificaria se não se tivesse dado o enriquecimento.
Em suma, dir-se-á que o facto que enriquece uma pessoa tem de produzir o empobrecimento de outra.
Para que exista enriquecimento sem causa é, pois, necessário que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos (incumbindo o ónus da prova ao empobrecido – cf. artigo 342º, n.º 1, do Código Civil): (i) que alguém obtenha um enriquecimento, (ii) à custa de outrem e (iii) que o enriquecimento não tenha causa justificativa.
O primeiro requisito consiste, pois, na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, traduzindo-se por regra num aumento do activo patrimonial e, o último, exige uma correlação entre o enriquecimento e o empobrecimento, no sentido de que a vantagem patrimonial alcançada por um sujeito resulte do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro.
A falta justificativa, em situações de enriquecimento de prestação, tem-se por verificada quando alguém tenha recebido coisa indevidamente, isto é, sem qualquer fonte ou título jurídico a suportá-la, ou que tendo por base causa, esta tenha deixado de existir, ou quando a prestação assim efectuada tivesse em vista um efeito que acabou por não se verificar.

2.6. Ora, no caso concreto, analisada a factualidade dada como provada embora se verifique que durante a vivência em união de facto com a Autora o Réu aumentou gradualmente, o seu património, não podemos concluir que não exista causa justificativa para tal enriquecimento, em função da profissão e do trabalho do Réu, nem que o aumento do património do Réu ocorreu à custa do empobrecimento da Autora.
Na verdade, como se diz na sentença:
«… ficou provado que a Autora é protésica de profissão e o Réu médico dentista e que algum tempo após o início da sua relação, a Autora foi trabalhar para o Réu, aproveitando o facto das suas formações profissionais serem compatíveis.
No ano de 2002 a Autora trabalhava para o Réu como ajudante de prótese dentária e até essa data trabalhara por conta própria; já o Réu desenvolve a sua profissão desde 1990, inicialmente apenas em Braga, e posteriormente e até 2007, juntamente com mais 2 sócios, também numa clínica na cidade do Porto, denominada “Centro, Lda.”, que acumulou com o consultório que mantinha em Braga.
Em 2 de Maio de 2008, o Réu constituiu a sociedade Francisco, Unipessoal, Lda., cujo objecto social da sociedade em causa era “Exploração de clínica de medicina dentária com apoio de outras especialidades médicas. Exploração de laboratório de prótese dentária e a Ré passou a ser funcionária da sociedade a partir de 01 de Junho de 2008.
Tal sociedade foi transformada em sociedade por quotas com a denominação Francisco, Lda., com o capital social de €5.000,00, tendo sido tal acto levado ao registo comercial em 05/05/2011 tendo a sociedade como sócios o Réu e a José J, aquele com uma quota de €4.900,00 e este de €100,00.
Além do salário, a Autora recebia todos os meses, cerca de €800,00, perfazendo um total de aproximadamente €1.300,00, dos quais €300,00 se destinam a entregar à Segurança Social brasileira (país de que esta é nacional) para que, fruto dessa carreira contributiva, possa vir a beneficiar de uma reforma também naquele pais.
Durante o período em que viveram em união de facto, e em face da factualidade apurada o Réu adquiriu dois imóveis em Braga; assim, por escritura pública de compra e venda e mutuo com hipoteca outorgada em 30 de Novembro de 1998 José C na qualidade de representante da sociedade “Rodrigues, Lda.” declarou vender ao Réu, que declarou aceitar a venda, o imóvel sito na Rua José Afonso, freguesia de São Vicente, concelho de Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 3, fracção “AB”, segundo andar esquerdo, tipo T4, destinado exclusivamente a habitação, pelo preço de quinze milhões de escudos e por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca outorgada em 07 de Agosto de 2006 Domingos J declarou vender ao Réu, que declarou aceitar a venda, pelo preço de €197.500,00 a fracção autónoma designada pelas letras “AQ”, tipo T4 Duplex, sita na Rua de Santa Margarida, freguesia de São Vicente, concelho de Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 800, com garagem, e valor patrimonial tributário para IMT de €135.537,07 e pelo preço de €2.500,00 7/300 indivisos do prédio urbano composto de parcela de terreno para construção destinada a jardim e infra-estruturas de lazer, nomeadamente piscina e parque infantil, com o valor patrimonial tributário para IMT de €1.119,53.
A aquisição dos referidos imóveis pelo Réu foi feita com recurso ao crédito bancário: relativamente ao primeiro imóvel o Réu confessou-se devedor ao Banco M Imobiliário SA da importância de vinte e dois milhões e quinhentos mil escudos pelo prazo de 30 anos sendo a quantia de quinze milhões de escudos aplicada na compra e a quantia de sete milhões e quinhentos mil escudos em obras de beneficiação da fracção adquirida, tendo sido constituída hipoteca sobre o referido imóvel e quanto ao segundo o Réu confessou-se devedor ao Banco C da importância de cento e noventa e sete mil e quinhentos euros que recebeu de empréstimo para ser aplicada na referida compra, tendo sido constituída hipoteca sobre o imóvel.
A Autora é possuidora de um imóvel em Santos, São Paulo, Brasil adquirido durante o período em que viveu em união de facto com o Réu cujo custo com a aquisição e com as obras a que foi sujeito foram suportadas quase exclusivamente pelo Réu.
Durante o período da união de facto o Réu adquiriu dois veículos automóveis: um Toyota Yaris Verso, com a chapa de matrícula 67-35-OS, do ano de 2000 e um Suzuki Grand Vitara, com a chapa de matrícula 66-BP-47, adquirido em 2006; o veículo Toyota Yaris Verso referido no número anterior está registado em nome da Autora desde 2013 e o veículo Suzuki Grand Vitara encontra-se em nome da sociedade Francisco, Unipessoal, Lda. e é habitualmente utilizado pelo Réu.
No que toca a depósitos bancários ficou provado que em Março de 2013 o Réu tinha na conta bancária nº 0043 0001 0405200275517 do D Bank depósitos à ordem de 126.325,58 Francos Suíços e de €2.378,07 e depósitos a prazo no montante de 84.562,67 Francos Suíços; nessa data o Réu tinha na conta bancária de depósitos à ordem nº 1354248 do Millennium o saldo de €8.419,02 e o saldo devedor de €179.023,39 respeitante ao empréstimo para habitação permanente do prédio sito na Ria de Santa Margarida. Em Fevereiro de 2013 o Réu procedeu ao resgate de €50.000,00 de uma carteira de obrigações tendo recebido o reembolso de tal quantia na referida conta nº 1354248 do Millennium e liquidou dois empréstimos para habitação secundária no montante de €18.461,76 e €25.096,99.
Em 28 de Janeiro de 2013 o Réu era ainda co-titular da conta bancária nº 0158005396900 da Caixa G que apresentava naquela data o saldo de €328,09 e em Dezembro de 2012 o Réu tinha na conta bancária de depósitos à ordem nº 50122256519 do Millennium o saldo de €1.072,46.
Quanto à relação das partes durante o período da união de facto ficou demonstrado que a Autora contribuiu para o bem-estar dos filhos de ambos, bem como do casal, comprou alimentação, vestuário e calçado e brinquedos e pagou algumas contas de telefone; que a Autora para além da actividade profissional, realizava tarefas domésticas, preparava refeições, acompanhava os filhos na e à escola, ao médico e em actividades extracurriculares que estes praticassem. E que a Autora por força do horário de trabalho tinha mais tempo disponível do que o Réu para estas actividades.
E quanto ao Réu, que era ele que suportava a generalidade das despesas, que suportava sozinho as despesas com os empréstimos bancários para aquisição dos imóveis e o condomínio, que suportava sozinho os custos associados à empregada de limpeza que prestava serviço na casa onde residia com a Autora e filhos e que suportava a generalidade das despesas com vestuário e alimentação e despesas escolares e médicas dos menores.
Mais ficou apurado que por vezes o Réu entregava à Autora o seu cartão bancário para que esta pudesse adquirir tudo o que fosse necessário e que a dedicação e esforço investidos pelo Réu no trabalho nunca o impediram de se dedicar aos seus filhos, estando presente em todos os momentos importantes das suas vidas, acompanhando a vida dos filhos, fazendo parte das suas rotinas diárias, indo levá-los ou indo buscá-los à escola, e acompanhando-os nas idas ao médico.
Quanto ao fim da relação ficou ainda demonstrado que por contrato de comodato celebrado em 23 de Maio de 2013, o Réu cedeu à Autora, gratuitamente e pelo período de cinco anos o imóvel sito na Rua Sta. Margarida para aí residir com os seus filhos e nos termos acordados no contrato de comodato o Réu assumiu o pagamento de metade das despesas com o consumo de água, electricidade e telecomunicações e ainda a responsabilidade exclusiva pelo pagamento das prestações mensais bancárias associadas à amortização do mútuo bancário contraído no BC para aquisição da fracção autónoma dada de comodato e de todas as despesas de condomínio e encargos resultantes de impostos e taxas devidos pela propriedade da mesma; que cessada a relação o Réu arrendou um apartamento para si e para os seus filhos, onde reside actualmente e que o Réu paga uma pensão de alimentos a cada um dos filhos no valor de €350,00, num total de €700,00, e metade das despesas escolares, como seja a mensalidade do colégio, manuais e material escolar, despesas com explicações e actividades extracurriculares.»

2.7. Do exposto resulta, pois, que Autora e Réu trabalhavam, tendo a Autora, que é protésica de profissão, passado a trabalhar para o Réu, que é médico dentista.
Em função das respectivas profissões, pelo facto de o Réu desenvolver a sua profissão desde 1990, ter exercido actividade em 2 locais, e ser sócio, desde Maio de 2008, de uma sociedade que explora uma clínica de medicina dentária, sendo titular de uma quota correspondente a 98% do capital, é de concluir que o Réu aufira rendimentos em montante muito superior aos da Autora, que recebia do Réu de ordenado no total, cerca de € 1.300,00, sendo que € 300,00 se destinavam a entregar à Segurança Social Brasileira para que a Autora viesse a beneficiar de uma reforma no Brasil, país de onde é nacional.
É verdade que o Réu adquiriu os bens imóveis referidos nos pontos 9 e 11, mas como resulta dos factos provados (pontos 10 e 12), para a respectiva aquisição e obras recorreu a mútuos bancários, que garantiu com hipotecas sobre os imóveis, nos quais ele figura como único devedor, e é ele sozinho que suporta as despesas com estes empréstimos (cf. ponto 30 dos factos provados).
Acresce que não é verdade que a Autora tenha ficado sem nada, porquanto está provado que a Autora tem um imóvel em Santos, Brasil, adquirido durante o período em que viveu em união de facto com o Réu.
É certo que este imóvel foi adquirido por valor inferior aos que o Réu comprou em seu nome, mas o custo de aquisição e com as obras do imóvel da Autora foram suportados quase exclusivamente pelo Réu (ponto 34). Também o Réu adquiriu 2 veículos no período da união de facto com a Autora, um dos quais está registado em nome desta.
Contudo, é verdade que a Autora, para além da actividade profissional realizava tarefas domésticas, preparava refeições, acompanhava os filhos na e à escola e em actividades extracurriculares que estes praticasse, o que podia fazer porque tinha mais tempo disponível do que o Réu para estas actividades. Mas, em contrapartida, era o Réu que suportava a generalidade das despesas domésticas, com alimentação e vestuário, e as despesas escolares e médicas dos menores, entregando o seu cartão bancário à Autora para que esta adquirisse o que fosse necessário (pontos 31 a 33), e não deixou de acompanhar os filhos, estando presente nos momentos importantes das suas vidas, como resulta dos pontos 35 e 36 da matéria de facto.
Ou seja, não obstante tenha havido da parte da Autora, digamos, uma maior dedicação à família, em função da maior disponibilidade, o Réu, não deixou de estar presente e contribuiu e sustentou economicamente o bem-estar familiar, tendo a Autora também mantido o seu emprego. Não houve um sacrifício da vida profissional da Autora em prol da família de onde se pudesse concluir benefício para o incremento patrimonial do Réu.
É certo que afectos não se compensam com dinheiro e que cada um dos elementos desta união de facto tinha o seu papel no agregado familiar, mas da factualidade provada não resulta que tenha havido da parte da Autora, durante o período da união de facto, uma contribuição relevante na angariação do património em nome do Réu, muito menos que essa proporção corresponda a 50% desse património, como reclama, a justificar que, uma vez cessada a vivência em comum se divida o património.
Acresce que o aumento patrimonial do Réu foi acompanhado de um aumento também de dívidas, no caso bancárias, que não oneram a Autora, nem esta parece quer a sua repartição.
Em função da factualidade provada, não há da parte da Autora qualquer empobrecimento, nem sacrifício a tal equiparado, muito menos com correspondência directa no enriquecimento patrimonial do Réu.
Como se concluiu no Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça, de 20/03/2014 (proc. n.º 2152/09.5TBBRG.G1.S1), a falta de causa do enriquecimento não se basta com a cessação da união de facto; torna-se necessário que o autor alegue e prove que as deslocações patrimoniais se verificaram no pressuposto, entretanto desaparecido, da continuação e subsistência da união de facto.
Ora no caso dos autos, não só não se provaram essas deslocações patrimoniais, como o aumento do património do Réu surge justificado em função da sua actividade profissional, sem que se possa concluir pela existência de uma comunhão de esforços entre os unidos de facto para esse fim.
Não há, pois, fundamento para liquidação do património em nome do Réu por o mesmo não ter sido adquirido pelo esforço comum.


C) - SUMÁRIO
I. Não obstante o crescendo regime de protecção jurídica actualmente conferido às uniões de facto o legislador não estabeleceu um regime legal de bens pré-definido com o objectivo de regular o património adquirido pelos unidos de facto, durante a comunhão de vida.
II. Existe o entendimento na doutrina e jurisprudência de que não é de aplicar à união de facto o regime do casamento quanto aos efeitos patrimoniais, porquanto são institutos diferentes.
III. Tal não significa, porém, que a união de facto, para além dos seus domínios de protecção específicos e regulamentados, não possa relevar, em termos gerais, como situação de facto geradora de efeitos, designadamente no que respeita aos efeitos patrimoniais emergentes da vivência em comum e, em particular, à liquidação dos mesmos em consequência da cessação dessa vida em comum.
IV. De facto, reconhece-se que, cessada a união de facto, por morte ou separação, o membro sobrevivo ou o outro sujeito da relação tem direito a participar na liquidação do património adquirido pelo esforço comum, recorrendo-se ao regime geral das relações obrigacionais e reais para solucionar as questões relativas à divisão daquele acervo.
V. Assim, para liquidação do património comum tem sido admitida a aplicação do instituto da liquidação das sociedades civis disciplinado nos artigos 1010.º e seguintes do Código Civil, mas também o recurso aos meios comuns, podendo qualquer um dos conviventes obter a restituição de bens ou valores com que o outro convivente se tenha indevidamente locupletado à custa do seu património a coberto das regras do enriquecimento sem causa, nos termos previstos nos artigos 473.º e seguintes do Código Civil.
VI. É uniformemente entendido, que só há enriquecimento sem causa, quando o património de certa pessoa ficou em melhor situação, se valorizou ou deixou de desvalorizar, à custa de outra pessoa, sem que para tal exista causa.
VII. O enriquecimento traduz-se na obtenção de um valor, de uma vantagem de carácter patrimonial susceptível de avaliação pecuniária, resultando da comparação entre a situação em que se encontra actualmente o património do enriquecido, e aquela que se verificaria se não se tivesse dado o enriquecimento.
VIII. A falta de causa do enriquecimento não se basta com a cessação da união de facto; torna-se necessário que o autor alegue e prove que as deslocações patrimoniais se verificaram no pressuposto, entretanto desaparecido, da continuação e subsistência da união de facto.
*
IV – DECISÃO
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
*
Guimarães, 9 de Junho de 2016
(Francisco Cunha Xavier)
(Francisca Mendes)
(João Diogo Rodrigues)