Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
202/20.0T8VCT.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
REJEIÇÃO DO RECURSO
FALTA DE CONCLUSÕES DE RECURSO/REPETIÇÃO DA ALEGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO AUTORA E RÉ - IMPROCEDENTES
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – As conclusões de recurso destinam-se a sintetizar as razões de discórdia relativamente à decisão impugnada, servindo, além do mais para delimitar as questões a decidir pelo tribunal ad quem, tal como resulta do disposto no art.º 637.º n.º 2 do CPC., por isso devem apenas conter proposições sintéticas dos fundamentos, de facto e ou de direito, por que se pede a alteração ou a anulação da decisão.
II – As conclusões da alegação de recurso é onde se sumaria a exposição analítica do corpo das alegações, devendo por isso apenas conter a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses desenvolvidas nas alegações.
III - Não constituem conclusões válidas, já que não delimitam nem definem o objecto do recurso, as proposições longas e confusas que se limitam a reproduzir de forma arrazoada as alegações de recurso.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTES: AA
CENTRO PAROQUIAL DE PROMOÇÃO SOCIAL E CULTURAL DE ...

No Tribunal Judicial da Comarca ... Juízo do Trabalho ... - Juiz ..., correu termos a presente acção de processo comum emergente de contrato individual de trabalho, interposta por AA, contra CENTRO PAROQUIAL DE PROMOÇÃO SOCIAL E CULTURAL DE ..., com sede na Rua ..., ..., ..., tendo sido proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Assim, e face a tudo o exposto, decide-se:
Condenar a R. a reconhecer a ilicitude da cessação do contrato de trabalho com a A. e a pagar-lhe:
- as retribuições que esta deixou de auferir desde 15/12/2019 até ao trânsito em julgado da presente sentença, sendo que já é devida a este título a quantia de €23.164,75;
- a indemnização por despedimento ilícito no montante de €5.208,00;
- a quantia de €263,00 por férias não gozadas;
- a quantia de €42,07 por trabalho num dia feriado;
- juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da citação e até integral pagamento, à taxa de 4%.
Custas pela R.
Registe e notifique.”

A Autora e Ré inconformadas com a sentença interpuseram recurso de apelação, apresentando a respectiva alegação, pedindo a final a sua procedência, com a consequente revogação da decisão recorrida, em conformidade com as respectivas alegações.
No final da sua alegação a Autora/Recorrente formulou 90 (noventa) conclusões, extensas, complexas e que na verdade reproduziam praticamente na totalidade as alegações apresentadas, não revestindo assim dos requisitos previstos na lei. O mesmo sucedeu com o recurso interposto pelo Réu/Recorrente, no qual, no final da sua alegação formulou 67 (sessenta e sete) conclusões, extensas, complexas que reproduziam praticamente as alegações apresentadas, não revestindo assim dos requisitos previstos na lei.
Foi proferido despacho de aperfeiçoamento tendo-se convidado ambos Recorrentes, “… para no prazo de 5 dias, apresentarem novas conclusões, de modo a realizar uma efectiva síntese de tudo quanto alegam, sob pena de não o fazendo, não se conhecer do objecto de cada um dos recursos.”    
No prazo concedido, foram apresentadas por cada um, dos Recorrentes, novas conclusões da alegação de recurso, que de novo não foram efectuadas nos termos previstos na lei, já que desprovidas de proposições sintéticas.
Afigurando-se à Relatora não ser de admitir os recursos da decisão em causa, foi dado cumprimento do disposto no artigo 655.º, n.º 1, do CPC., determinando-se assim a notificação das partes para se pronunciarem sobre a rejeição do recurso, atento o disposto no artigo 639.º, n.º 3, do citado diploma legal.
Os Recorrentes pronunciaram-se manifestando e justificando a adequação das novas conclusões apresentadas por cada um. Contudo, quer o Réu, quer a Autora vieram apresentar outras novas conclusões, que embora elaboradas de harmonia com o que havia sido determinado no despacho proferido em 8-11-2022, se revelam de manifestamente extemporâneas, não podendo por isso ser tidas em atenção.

Em decisão singular foi decidido não admitir os recursos por falta de síntese conclusiva, com os seguintes fundamentos:

Estabelece o art.º 639.º do CPC. com a epígrafe “ónus de alegar e formular conclusões”, o seguinte:
“ 1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
 b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”

Daqui resulta inequívoco que tal ónus se decompõe em duas vertentes a saber:

- apresentação tempestiva da alegação, consistindo esta na apresentação dos argumentos pelos quais se reclama a alteração da decisão;
- formulação de conclusões, que constituem a síntese dos fundamentos que constam da alegação e têm por objectivo a delimitação do objecto do recurso fixando com exactidão as questões a decidir.

Como escreve a propósito das conclusões de recurso o Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos, nas “Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299.”:

“As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…
Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” (sublinhado nosso).
Ora, resulta do previsto na al. b) do n.º 2 do art.º 641.º do CPC. que quer a falta absoluta de alegação, quer a falta absoluta de conclusões dão lugar ao indeferimento do recurso, a declarar pelo juiz recorrido.
Nestas situações não há sequer lugar ao convite à supressão de tal falta, antes se impondo a imediata rejeição do recurso a ser determinado logo pelo tribunal a quo, sem prejuízo de tribunal ad quem vir a intervir quando assim o entender - cfr. arts. 639.º n.º 3 conjugado com o art. 641.º n.º 2 al. b) do CPC.

No caso dos autos não se verificou uma falta absoluta de conclusões, quer no recurso interposto pela Autora, quer no recurso interposto pelo Réu, mas as mesmas revelaram-se de extensas, complexas e prolixas, não passando de uma cópia literal da motivação de cada um dos respectivos recursos, razão pela qual em conformidade com o previsto no citado art.º 639.º n.º 2 do CPC, o qual prevê a possibilidade de a recorrente ser convidado a corrigir, completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões da sua alegação, foi determinada a sua notificação para o efeito.
Sucede que cada um dos Recorrentes apresentou novas conclusões sem que delas fizesse constar significativas alterações relativamente às primeiras, não fazendo de novo conclusões sintetizantes das alegações apresentadas, nem fazendo delas constar proposições sintéticas com os requisitos legalmente previstos. Ou seja, não resumem o âmbito do recurso, ao invés continuam a ser longas e complexas limitando-se a reproduzir de forma arrazoada as alegações de recurso, nada sintetizando, nem discriminando com facilidade as questões invocadas.
. Apesar de Autora e Réu em cada um dos respetivos recursos ter procedido à redução do número de conclusões (recurso da Autora de 90 para 72 conclusões; recurso da Ré de 67 para 42 conclusões), o certo é que como já fizemos constar, não passam de uma cópia das anteriores, tendo-se condensado alguns números das anteriores nos novos números de forma a reduzir o número das conclusões, tendo-se eliminado outros números que não passavam de mera repetição do já dito, ou eliminado a transcrição de algumas disposições legais, optando-se agora só pela enumeração, ou ainda eliminado a transcrição de alguma matéria de facto, bem como a transcrição de alguns dos depoimentos prestados.

Em suma, as novas conclusões, quer apresentadas pela Autora, quer as apresentadas pelo Réu estão longe de cumprir as exigências de sintetização, já que não passam de uma repetição/cópia dos argumentos das respectivas alegações, ao invés de condensarem os fundamentos por que pedem a revogação da decisão, traduzindo-se na enunciação das questões de direito ou de facto que pretendem ver reapreciadas e sem que se confundam com os argumentos jurisprudenciais ou doutrinários que apenas devem constar da motivação.

Ora, apesar de qualquer um dos recorrentes ter sido convidado a corrigir as conclusões da sua alegação de recurso, o certo é que não as corrigiu, já que continuam a enfermar dos mesmos vícios, pois não passam da repetição integral dos argumentos apresentadas na respectiva alegação não cumprindo assim a exigência de sintetização.

Pelo exposto e ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 639.º do CPC decide-se não conhecer dos recursos de apelação interpostos quer pela Autora, quer pelo Réu.”
Ambos os Recorrentes reclamaram para a conferência nos termos do artigo 652.º, 3 e 4 do CPC.
A Autora Recorrente vem de novo reforçar a sua tese de que as conclusões por si formuladas permitem claramente o tribunal conhecer o objecto do recurso, nada acrescentando de novo, em face da posição já por si assumida.

O Réu/Recorrente na sua reclamação formula as seguintes conclusões:

“ 1.º É entendimento da Apelante que o recurso de Apelação que interpôs com as alegações e conclusões aperfeiçoadas deveria ter sido admitido e conhecido do seu mérito, ao contrário do que foi o entendimento da douta decisão singular ora reclamada.
2.º Considera a Apelante que as 48 conclusões que apresentou aperfeiçoadas, referentes á impugnação da matéria de facto e às diversas questões jurídicas, se contém dentro do que é uma formulação admissível, se não mesmo exigida, nos termos do art. 639º, nº 1 e 2º, alínea a), b), c), e 640º do CPC. ex vi art. 1º e 81º do CPT, e como tal deveriam ter sido admitidas, prosseguindo o recurso os seus termos legais.
3º É inquestionável que a substancia deve prevalecer sempre sobre a forma, objectivo final da almejada justiça material, pelo que uma visão redutora e/ou restritiva da formulação das conclusões, conduziria certamente a uma situação insuficiência conclusiva e reverter contra a Apelante, e dai a necessidade de conceder-se uma margem de tolerância, sob pena de pode estar em causa a denegação da própria justiça material, que nem a lei nem a Constituição consentem.
4º Salvo melhor entendimento, a douta decisão singular, opera uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. nos termos do art. 639º, nº 1 e 2º, alínea a), b), c), e 640º do CPC. ex vi art. 1º e 81º do CPT, o que implica a sua revogação e substituição por outra que, admita o recurso de Apelação interposto, prosseguindo os seus termos legais.”

Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não podemos concordar nem com a Autora/Recorrente, nem com o Réu/Recorrente, designadamente quanto ao teor das conclusões agora por si formuladas em sede de reclamação.
Na verdade, os Recorrentes têm o ónus de formular conclusões que são a enunciação resumida do alegado, pretendendo com isto uma determinação precisa e clara das questões a reapreciar.
As conclusões de recurso destinam-se a sintetizar as razões de discórdia relativamente à decisão impugnada, servindo, além do mais para delimitar as questões a decidir pelo tribunal ad quem, tal como resulta do disposto no art.º 637.º n.º 2 do CPC., por isso devem apenas conter proposições sintéticas dos fundamentos, de facto e ou de direito, por que se pede a alteração ou a anulação da decisão.
As conclusões são assim proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo das alegações, não valendo como tal as conclusões longas confusas em que não se discriminam com facilidade as questões a decidir.
Resumindo é onde se sumaria a exposição analítica do corpo das alegações, devendo por isso apenas conter a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses desenvolvidas nas alegações.
Não constituem conclusões válidas, já que não delimitam nem definem o objecto do recurso, as proposições longas e confusas que se limitam a reproduzir de forma arrazoada as alegações de recurso.
Como se sumariou, a propósito de situação similar, no Acórdão desta Relação de 20/11/2014, proc. n.º 1016/10.4TBVVD.G1 (relator Jorge Teixeira) “I- Exercendo os recursos a função de impugnação das decisões judiciais, o recorrente deve expor ao tribunal as razões em que se fundamenta, a fim de que o tribunal aprecie se tais razões procedem ou não.
II- As conclusões têm, assim, por objectivo, delimitar o objecto do recurso, fixando com exactidão quais as questões a decidir, e ainda tornar mais fácil, célere e segura a apreciação do recurso, devendo, por consequência, ser elaboradas sob a forma de proposições claras e sintéticas, que condensem o exposto na motivação do recurso.
III- E, enquanto proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação, para serem legítimas e razoáveis, devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação.
IV- Não valendo, por isso, como conclusões, arrazoadas longas e confusas em que se não discriminam com facilidade as questões invocadas.
Voltamos a frisar que por se ter considerado que as conclusões de ambos os recorrentes não respeitavam a forma sintética exigida, foi formulado convite para que procedessem à sua síntese, não tendo sido suprida a apontada irregularidade, já que as proposições finais continuaram a não constituir qualquer enunciado fundamentado, sintético e resumido dos fundamentos do recurso, limitando-se qualquer dos Recorrentes a diminuir o número de conclusões, sem que verdadeiramente as sintetizasse. Eliminaram algumas repetições, eliminaram a transcrição de algumas das disposições legais citadas, eliminaram alguma transcrição da matéria de facto e de alguns depoimentos e concentraram, sem condensar, a sua exposição, reduzindo de forma fictícia o número das conclusões.
Os Recorrentes apesar de convidados a aperfeiçoar e sintetizar as conclusões, limitaram-se a, prolixamente, formular novas pretensas conclusões, sem denotar qualquer esforço de condensação, não cumprindo as exigências de sintetização a que se refere o art.º 639.º, n.º 1, do CPC.
Em suma, não foram efectuadas nem pela Autora, nem pelo Réu alterações relevantes relativamente às primeiras, continuando a não cumprir as exigências de sintetização, nem a discriminar com facilidade as questões invocadas, não passando de uma mera repetição dos argumentos anteriormente apresentados nas alegações, enfermando por isso dos mesmos vícios. Tal é de alguma forma reconhecido por qualquer um dos Recorrentes ao pretenderem depois de decorrido o prazo concedido para o efeito, vir juntar novas conclusões, essas sim formuladas tardiamente de harmonia com o por nós determinado no despacho de aperfeiçoamento, do qual resulta, desde logo que a falta do cumprimento do solicitada daria lugar ao não conhecimento dos recursos.
Por outro lado, as doutas reclamações em nada acrescentam ou alteram, no que respeita à posição assumida relativamente à falta de sintetização das razões da discórdia referentes à decisão impugnada.
Nem se diga que uma visão redutora e/ou restritiva da formulação das conclusões, conduziria certamente a uma situação insuficiência conclusiva a reverter contra a Apelante ou à denegação da própria justiça material, pois o Tribunal de Recurso só está obrigado a conhecer das questões colocadas e não dos argumentos que as partes invocam nas alegações.
Assim sendo e tendo presente o disposto no art.º 639.º n.º 3 do CPC não se irá conhecer dos recursos.
*
DECISÃO

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedentes as reclamações, confirmando a decisão singular oportunamente proferida, que se mantém, de não conhecimento dos recursos interposto por Autora e Réu, em razão da manifesta deficiência e complexidade das conclusões formuladas.
Custas de cada um dos respectivos recursos a cargo do Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 30 de Março de 2023

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Francisco Sousa Pereira