Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
746/11.8PBGMR.G1
Relator: ANA TEIXEIRA E SILVA
Descritores: ADIAMENTO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
VIOLÊNCIA
PROVAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – O limite temporal de 30 dias previsto na norma do art. 328 nº 6 do CPP para os adiamentos da audiência radica na oralidade da prova e rege apenas até ao encerramento da audiência. Não se aplica ao acto da leitura da sentença.
II – Para a prática do crime de violência doméstica, não são inócuos os factos que, globalmente considerados, são reveladores de um comportamento de perseguição agressiva, de um constante importunar, de uma vontade conseguida de amedrontar através da inesperada abordagem pessoal e da ameaça velada.
III – A norma do art. 355 nº 1 do CPP nos termos da qual “não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”, visa apenas evitar que concorram para a formação da convicção do tribunal provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo com respeito pelo princípio do contraditório. Não exige que todas as provas tenham de ser reproduzidas na audiência de julgamento.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes, em conferência, na Secção Penal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
MANUEL C... veio interpor recurso da sentença que pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artº 152º, nºs 1, al. a), e 2, do CP, o condenou na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa condicionalmente por igual período de tempo, e no pagamento da indemnização de €4.000,00 à demandante Catarina C....
O arguido expressa as seguintes conclusões:
1ª Vem o presente recurso interposto da sentença que condenou o recorrente na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período na condição de pagar durante esse período a quantia de 2.000 €, sendo ainda condenado a pagar a quantia de 4.000 € a título de danos não patrimoniais.
2ª A audiência de julgamento foi realizada em cinco sessões no dia 30/5/12 - teve lugar a 1ª sessão de julgamento (cfr. fls. 223) na qual o arguido prestou declarações -; no dia 6/6/12 - teve lugar a segunda sessão de julgamento (cfr. fls. 228) na qual se terminou o depoimento do arguido e foi inquirida a demandante/queixosa -; no dia 14/6/12 - teve lugar a terceira sessão de julgamento (cfr. fls. 231) tendo sido inquirida a testemunha Vítor C... -; no dia 20/6/12 teve lugar a quarta sessão de julgamento (cfr. fls. 234) na qual foram ouvidas as testemunhas Ana C..., Maria S... e Maria C...; foi proferido despacho no dia 16/7 considerando importante a junção de certidão de casamento e o CRC do arguido. Tal certidão foi junta aos autos em 24/7/12 (cfr. fls. 252 verso), sendo a data da leitura da sentença adiada para 14 de Agosto e finalmente no dia 22/8/12 teve lugar a notificação do arguido para uma alteração não substancial dos factos e a leitura da sentença (cfr. fls. 288).
3ª Assim, entre a quarta sessão de julgamento - 20/6/12 - e a junção aos autos da certidão de casamento - 24/7/12 - mediaram mais do que 30 dias, pelo que se encontra violado o artº 328º nº6 do Código de Processo Penal.
4ª Por outro lado, entre o último depoimento prestado em audiência de julgamento e a prolação da sentença mediaram mais de 2 meses, devendo considerar-se aplicável tal prazo ao período que medeia entre a última sessão de julgamento e a leitura da sentença.
5ª Assim, tendo atendido o tribunal a quo à prova produzida em audiência de julgamento o acórdão recorrido conheceu de matéria que não podia conhecer, porquanto a prova já se havia tornado ineficaz, sendo a sentença nula nos termos do disposto no artº 379º nº1 al. c) do Código de Processo Penal.
6ª Os factos descritos sob os nºs 11, 12, 13, 16 e 18 a 24 devem considerar-se criminalmente inócuos não carregando em si qualquer intenção criminosa.
7ª Por outro lado, nenhuma conexão se faz entre os factos narrados nesses pontos da matéria de facto, com as expressões conclusivas que pretendem introduzir o elemento subjectivo do tipo de crime, designadamente os factos contidos nos nºs 26, 27 e 29.
8ª Acresce que, nem lançando mão da fundamentação da sentença se consegue descortinar, em concreto, quais os factos que o Tribunal entendeu como integradores do crime de injúria e quais os factos que entendeu que consubstanciavam o crime de ameaça, limitando-se a dizer que as mensagens de telemóvel, na sua maioria, eram de conteúdo fortemente ofensivo.
9ª Assim, ocorre o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto prevista no artº 410º nº2 al. a) do Código de Processo Penal, porquanto o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão final (cfr. neste sentido Leal Henriques e Simas Santos, in Recursos em processo penal, 5ª edição, pag. 62), sendo certo que quanto a tal factualidade “a conclusão” vertida nos factos nº 26, 27 e 29 extravasa claramente as premissas não se conseguindo concluir quais os factos que se encaixam nas conclusões supra referidas, pelo que a sentença deve ser anulada, em consonância com o disposto no artº 410º nº2 al. a) e 426º do Código de Processo Penal.
10ª Quanto ao depoimento da ofendida e à sua credibilidade os argumentos que a sentença usa não permitem chegar à conclusão de que o depoimento da ofendida é credível: quer porque a sentença não explicita em concreto qual o depoimento da ofendida; quer porque foi feito uso na fundamentação da credibilidade do depoimento de prova proibida; quer porque as premissas de que parte a sentença recorrida para credibilizar o depoimento da ofendida não são de molde a chegar a tal conclusão.
11ª Na análise que se fez do depoimento da ofendida na sentença recorrida relata-se um facto que a ofendida terá narrado, na descrição do qual seria fácil à ofendida mentir ao Tribunal, imputando as culpas ao arguido. No entanto, sendo a mentira o ponto mais alto da falta de credibilidade - se assim se pode dizer - não se pode concluir que um depoimento é credível, tão-só porque sendo fácil mentir se optou por se dizer a verdade. Quantos depoimentos inverosímeis há polvilhados aqui e acolá pela mais pura verdade? De facto, a melhor mentira é aquela que tem algo de verdade, é a meia-verdade.
12ª Por outro lado, diz-se na sentença recorrida que não há razões para a ofendida mentir quando já findou a sua vida em comum com o arguido e que mantém uma boa relação com o mesmo. No entanto, é consabido que as decisões judiciais ou das Conservatórias relativas a divórcios não têm o condão de, de um momento para o outro, porem fim aos rancores acumulados durante o casamento e que muitos desses rancores sobrevivem no íntimo das pessoas até à sua morte, independentemente de se manter uma relação cordial com a pessoa com quem se tem um filho em comum.
13ª Acresce que, as mesmas razões - que não há razões para a ofendida mentir quando já findou a sua vida em comum com o arguido e que mantém uma boa relação com o mesmo - serviriam como uma luva para credibilizar o depoimento do arguido.
14ª Quer isto dizer que a fundamentação da sentença nesta parte não é suficiente, nem tem o condão de credibilizar o depoimento da ofendida, as premissas ultrapassam largamente a conclusão, pelo que se deve concluir que se incorreu no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto.
15ª Os factos nº 5, 6, 9 e 17 demonstram que o Tribunal não investigou devidamente a matéria factual neles contida.
16ª O facto de a ofendida ter ou não um relacionamento extra-conjugal não é, de todo, inócuo relativamente ao crime pelo qual o arguido vem acusado, porquanto mesmo que se entenda que a existência dessa relação extra-conjugal não justifica os factos alegadamente praticados, certo é que nos fornece a eventual motivação do crime que, pode ser valorada positiva ou negativamente, mas não pode deixar de ser valorada, quanto mais não seja em sede de medida da pena.
17ª Assim, o facto de a ofendida ter ou não um caso extra-conjugal, apesar de apenas descrito como um “convencimento”, deveria ser investigado, levado à matéria de facto e dado como assente ou não provado.
18ª Da mesma forma, o facto nº6 (em conexão com o nº5) dado como assente demonstra que existiu uma discussão entre o arguido e a ofendida, no entanto nos factos dados como provados escreve-se o que o arguido terá dito, mas não se diz aquilo que a ofendida transmitiu ao arguido.
19ª Ora, o que a ofendida disse ao arguido antes de este ter alegadamente dito o que consta da acusação é importante para a descoberta da verdade material, tendo em conta que quanto às expressões constantes da acusação estas podem ter decorrido de uma resposta a outras que a ofendida lhe possa ter lançado ou de qualquer outra circunstância que exclua a culpa ou que a diminua (cfr. o caso para lelo do artº 186º nº3 do Código Penal), o que, quanto mais não fosse, relevaria em sede de medida da pena.
20ª Assim, as expressões que a ofendida dirigiu ao arguido aquando dessa discussão, ainda que não alegadas, deveriam ter sido investigadas, levadas à matéria de facto e dadas como assentes ou não assentes (cfr. os artºs 124º nº 1 e 339.º, n.º 4 e 368º do Código de Processo Penal).
21ª A sentença recorrida ao não levar tal factualidade à fundamentação fáctica da sentença incorreu no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto (cfr. artº 410º nº 2 al. a) do Código de Processo Penal), mas ainda que assim não se entendesse sempre a sentença não conheceu de questões de que deveria conhecer, sendo, do mesmo passo nula, nos termos do disposto no artº 379º nº1 al. c) do Código de Processo Penal.
22ª No facto nº17 diz-se que o arguido abordou a ofendida de forma intimidatória, contudo não se explicita, em concreto, qual foi a conduta do arguido, sendo que dizer-se que o arguido abordou a ofendida de forma intimidatória é, como acima se disse, conclusivo, pelo que nos mesmos termos do que acima se disse, tal matéria deveria ter sido investigada, não o tendo sido.
23ª Assim, deve considerar-se que a sentença recorrida incorreu no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto ou quando assim não se entenda, não fez uma correcta enumeração dos factos, violando os artºs 374º nº2 e 379º nº1 al. a) do Código de Processo Penal, devendo, nesta parte ser julgada nula.
24ª A sentença recorrida ao dar como provada a matéria do ponto 9 dos factos provados emitiu juízos de valor que extravasam os seus poderes de cognição, nomeadamente científicos que violam além do mais o princípio da livre apreciação da prova previsto no artº 127º do Código de Processo Penal, designadamente quando deu como assente que a ofendida vivia num estado geral de preocupação, receio e ansiedade e de sentimentos de impotência e inferioridade.
25ª Tal apreciação e conclusão apenas poderia ter lugar através da realização de prova pericial, uma vez que para apreciação desses factos exigem-se especiais conhecimentos técnicos e científicos que o julgador não possui, encontrando-se assim subtraído à livre apreciação do tribunal, sendo que apenas se poderiam dar como provados tais factos, através de prova pericial realizar os termos do artº 151º e seguintes do C.P.P., ou, pelo menos, através de exame médico a realizar nos termos do disposto nos artº 171º e seguintes do mesmo Código (neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 1990, publicado no B.M.J. 397, pag. 349).
26ª Quer isto dizer que a prova produzida quanto à matéria do ponto 9 é insuficiente para se dar como assente tal factualidade, tornando-se necessário realizar-se prova pericial, pelo que se deve concluir, do mesmo passo, que ocorre o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto.
27ª Ao nível da enumeração dos factos provados, a sentença recorrida fez uso de factos conclusivos, designadamente os nºs 3, 4, 5, 9, 17, o que lhe estava vedado.
28ª De facto, no ponto 3 não se concretiza espácio-temporalmente qualquer injúria ou agressão, tendo em conta que o casamento do arguido e da ofendida durou 22 anos e não que se especifica quais as alegadas injúrias e agressões de que a ofendida terá sido vítima, deixando inconcretizados quaisquer factos e traduzir meras conclusões.
29ª Da mesma forma, o uso da expressão “episódios mais violentos” no ponto 4 da matéria de facto - que através da leitura do ponto 4 nem sequer se conclui se tiveram como protagonista o arguido - não vem concretizada, aludindo-se a tais episódios.
30ª O uso da expressão “acusá-la de lhe ser infiel, convencida de que a ofendida tinha um caso extra-conjugal”, relativamente aos pontos 5 e 6 da matéria de facto assente, sem que se especifique qual a conversa que, concretamente foi mantida entre o arguido e a ofendida;
31ª O facto 9 no qual se usam as expressões “estado geral de preocupação”, “receio”, “ansiedade”, sentimento de impotência e inferioridade”, sem que se concretize em factos, em que é se traduziram esses estados;
32ª E, por fim, o uso da expressão “abordou-a de uma forma intimidatória”, constante do facto assente nº 17, também não concretiza a forma da abordagem;
33ª Não traduzem factos, antes conclusões, o que torna a matéria de facto, nesta parte insindicável por parte do arguido, constituindo o uso de tais expressões violação do princípio do contraditório e do direito ao recurso (cfr. neste sentido o acórdão do STJ de 6 de Maio de 1999, proferido no Proc. nº 325/99 - 3ª, in SASTJ, nº 31, 79, citado in Código de Processo Penal Anotado e Legislação Complementar de Maia Gonçalves, 16ª edição, 2007, pag. 688 entre outros supra citados
34ª Assim, relativamente aos factos descritos sob os nºs 3, 4, 5, 9, 17 deve concluir-se que foi incumprido o dever de fundamentação, porquanto não foram devidamente enumerados os “factos” que levaram à condenação do arguido, sendo assim a sentença nula, por violação dos artºs 374º nº2 e 379º nº1 al. a) do Código de Processo Penal.
35ª A fundamentação da sentença não é minimamente convincente na parte em que afasta a credibilidade do depoimento do arguido, porquanto alude ao seu grau de formação académica, mal se percebendo o que é que se quer dizer com tal afirmação.
36ª Isto a menos que na sentença recorrida se concluísse - e não se conclui - qual o trecho do seu depoimento que não é credível pelo facto de o arguido ser licenciado em Matemática.
37ª Por outro lado, não se compreende o que se quer dizer com o conteúdo fortemente ofensivo da maior parte das mensagens, porquanto não se descortina a quais mensagens se alude e, por consequência, quais, de entre estas são fortemente ofensivas.
38ª Por fim, acaba por se dizer que o depoimento do ofendido foi frontal e convincentemente infirmado pelo depoimento da ofendida. Contudo, como a seguir se verá na sentença recorrida não cuidou de se dizer o que a ofendida afirmou no seu depoimento.
39ª Assim, deve considerar-se que a sentença é nula por falta de fundamentação (artºs 374º nº2 e 379º nº1 al. a) do Código de Processo Penal, porquanto se efectuou um deficiente exame crítico do depoimento do arguido sendo impossível restabelecer o raciocínio lógico-racional que o Tribunal trilhou para concluir pela falta de credibilidade do depoimento do arguido.
40ª A fundamentação da sentença quanto ao depoimento da ofendida diz que esta narrou os factos de que foi vítima por parte do arguido e as consequências que lhe advieram, o que tudo fez tal como a atinente factualidade resultou provada, ou que confirmou os factos constantes da acusação, pelo que se fica sem saber, em concreto, o que esta disse, o que é insuficiente para que se considere cumprido o disposto no artº 374º nº2 do Código de Processo Penal (neste sentido, o acórdão do STJ de 17/3/04, proferido no Proc. nº 4026/03-3ª Secção, citado in Código de Processo Penal, Comentários e Notas Práticas dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, pag. 955/956).
41ª A interpretação que se extraia do disposto no artº 374º nº2 do Código de Processo Penal no sentido de que satisfaz o dever de fundamentação da sentença a decisão que não reflicta, ainda que por súmula, o depoimento das testemunhas que serviram para fundar a convicção do Tribunal deve ser considerado inconstitucional por violação do direito ao recurso e do dever de fundamentação das decisões, previsto nos artºs 32º nº1 e 205º nº1 da Constituição.
42ª Deve, assim, nesta parte ser julgada nula a sentença recorrida.
43ª O mesmo que atrás se disse se pode dizer quanto à análise que a sentença recorrida faz do depoimento das testemunhas Vítor C... e Dulce.
44ª Quanto à primeira, naquilo em que esta depôs seguindo-se as regras da inquirição das testemunhas, ou seja, perguntando-lhe os factos de que tem conhecimento directo (cfr. os artºs 128º nº1 e 348º nº1 do Código de Processo Penal), disse que os pais tinham discussões amiúde no decurso das quais eram proferidas injúrias, no entanto fica-se sem saber quem as proferia: se o arguido, se a ofendida ou se ambos.
45ª Acrescenta-se, ainda quanto a esta testemunha, que o facto de este ficar com o pai quando regressa de fim-de-semana da Universidade constitui “facto gerador de um maior grau de proximidade e cumplicidade em relação ao pai e capaz de toldar de algum modo a sua percepção e juízos sobre os factos.”, no entanto não nos diz se a percepção e juízo sobre os factos se encontrava ou não toldada.
46ª O depoimento da testemunha Dulce é integralmente indirecto, no entanto na sentença recorrida pôde-se dizer que esta narrou “vários episódios” com pormenor, apesar de não concretizar quais os episódios narrados.
47ª Pelo exposto, tem que se concluir também quanto a estes depoimentos que o exame crítico da prova produzida é insuficiente e, como tal, a sentença recorrida deve ser declarada nula, também nesta parte, por força do disposto nas normas conjugadas dos artºs 374º nº2 e 379º nº1 al. a) do Código de Processo Penal.
48ª Na fundamentação da sentença relativamente ao exame crítico do depoimento da ofendida valoraram-se as queixas, mas para que tal prova fosse válida teria de ser lida em audiência, lançando-se mão do disposto no artº 356º nº1 al. b) e nº2 e 5 do Código de Processo Penal, o que não aconteceu como decorre das actas das sessões de julgamento.
49ªAssim, nesta parte a sentença recorrida tomou conhecimento de questões de que não podia conhecer, pelo que a sentença é nula por violação do disposto no artº 379º nº1 al. c) do Código de Processo Penal e 410º nº3 do Código de Processo Penal (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2007, pag. 946.
50ª No entanto, ainda que assim não se entenda, há que concluir como se concluiu no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/6/10, relatado por Maria Augusta e disponível em www.dgsi.pt) que ocorre erro notório na apreciação da prova.
51ª Aliás, o entendimento que se extraia do disposto nos artºs 355º nº1, 356º nº1 al. b), nº2 e 5 e 374º nº2 do Código de Processo Penal, no sentido de que se pode valorar em julgamento e fundamentar a sentença, a queixa apresentada por parte do ofendido, é violador dos artºs 2º, 32º nº5 na vertente do princípio do acusatório, contraditório e da imediação e 205º nº1 da Constituição.
52ª Inexistem na sentença recorrida factos que preencham a agravação do crime de violência doméstica pelo nº2 do artº 152º do Código Penal.
53ª De facto, não basta dar como assente que o arguido empreendeu condutas capazes de preencher o crime de violência doméstica no domicílio comum, necessário se torna que se prove que o arguido ao empreender tais condutas, fê-lo sabendo que assim procedendo poderia ocultar os factos e agir a coberto do anonimato, diminuindo as possibilidades de defesa da vítima, podendo facilmente negar a conduta, uma vez que ninguém a terá visto.
54ª Assim, não se tendo dado como assente que o arguido teve a intenção de praticar o crime no domicílio por forma que pudesse beneficiar da dificuldade de reacção e da existência de testemunhas, ocultar os factos e agir a coberto do anonimato, diminuindo as possibilidades de defesa da vítima, podendo facilmente negar a conduta, uma vez que ninguém a terá visto, este apenas poderia ser punido pela prática do crime de violência doméstica previsto no nº1 do artº 152º do Código Penal.
55ª A sentença não se mostra fundamentada, mais uma vez quanto à necessidade da condição da suspensão da execução da pena, porquanto usando a expressão é conveniente e adequado à realização das finalidades da punição e porque tal não representa um sacrifício incomportável para o arguido, está-se a usar apenas a nomenclatura legal - artº 50º nº2 e 51º nº1 al. a) do Código Penal - e não a avançar com factos que exijam a determinação da condição de suspensão da execução da pena.
56ª Por outro lado, a sentença recorrida desconsiderou totalmente que o arguido tem um filho maior a seu cargo a frequentar a Universidade, com os inerentes custos que tal circunstancialismo acarreta.
57ª Assim, deve considerar-se, do mesmo passo a sentença nula por violação do disposto no artº 374º nº2, 375º nº1 e 379º nº1 al. a) do Código de Processo Penal.
58ª Entende o recorrente, na sequência da errada convicção do Tribunal acerca dos factos dados como provados, como explanado supra, não tem de pagar qualquer indemnização à assistente a título de danos não patrimoniais.
59ª Ainda assim, a subsistir a condenação criminal, o que não se concede, o montante da indemnização por danos não patrimoniais em que foi condenado deve ser reduzido, à luz do disposto no art. 496º do Cód. Civil, porquanto o montante fixado é exagerado, tendo em conta o dano moral sofrido pela assistente, sendo certo que, como se disse não foi levado em consideração que o arguido tem um filho maior a seu cargo a frequentar a Universidade, com os inerentes custos que tal circunstancialismo acarreta, sendo a sentença nula por violação do disposto no artº 668º nº1 al. d) do Código de Processo Civil.
60ª Por fim dir-se-á que, atendendo ao grau de culpa (dolo), à modesta condição económica do agente e à gravidade das ofensas, julgamos que não foi causada à ofendida um sofrimento que mereça uma compensação tão elevada como a que foi fixada na sentença, a qual deve ser fixada em montante não superior a 1.000 €.
61ª Entende o aqui recorrente que os n.os 5), 6), 7), 8), 9), 14), 15), 21), 22), 23), 24), 25), 26), 27), 28) 29) e 31) foram erradamente dados como provados pelo tribunal a quo.
62ª Quanto ao ponto 5 da matéria de facto assente o depoimento do arguido, da ofendida e da testemunha Vítor C... supra transcritos, deveria levar a que fosse considerado provado que a ofendida tinha uma relação extra-conjugal.
63ª Quanto aos pontos 6), 7), 8) e 9) da matéria de facto dada como provada, nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou quaisquer agressões e respectivas sequelas. Na verdade, quer o arguido, quer a testemunha Vítor C... atestaram que a ofendida era hipersensível, magoando-se e ficando marcada com facilidade, conforme a transcrição supra.
64ª Por estas razões entende o arguido que não poderia ter sido dado como provado que o arguido agrediu a ofendida da forma relatada no ponto 6) da matéria assente e que a sua actuação lhe causou as lesões descritas no ponto 7) da mesma, quanto mais não fosse em homenagem ao princípio in dubio pro reo .
65ª Já relativamente às alegadas injúrias, nenhuma testemunha foi capaz de atestar com certeza e segurança as expressões que o arguido alegadamente dirigiu à ofendida, sempre confessando ter tido conhecimento das mesmas por intermédio desta (cfr. o depoimento da testemunha Maria das Dores e Dulce supra transcritas).
66ª Nenhuma prova foi produzida que indicasse que o arguido agrediu a ofendida, mas tão só que as lesões verificadas eram compatíveis com uma tal conduta (cfr. relatório médico de fls. 20 a 23). E este juízo de compatibilidade, aliado aos factos novos trazidos para audiência de discussão e julgamento, suscita inevitavelmente uma dúvida razoável, nomeadamente se teria realmente o arguido agredido a ofendida, ou se teriam tais ferimentos sido produzidos em virtude de um acidente doméstico com moldes idênticos aos que já sucederam no passado.
67ª Assim, uma vez que ninguém presenciou as alegadas agressões, físicas e verbais, foram erradamente dado como provados os pontos 5), 6), 7), 8), e 9) da matéria de facto assente.
68ª A matéria dos nºs 14 e 15 dos factos provados é infirmada pelo depoimento do arguido. Por esta razão, sendo que tais pontos de facto foram incorrectamente dados como provados, porquanto o trecho do depoimento por este prestado impõe uma decisão diversa da recorrida.
69ª No facto nº 31 deu-se como assente que a demandante começou a dormir mal e teve de ir ao médico e tomar medicamentos, tendo em conta a conduta do arguido. No entanto, como se pode ver do depoimento do arguido supra transcrito, durante toda a vida a ofendida teve que ser sujeita a tratamento em virtude de depressões motivadas pelo trabalho sendo que por várias vezes tomou medicação para conseguir ultrapassar períodos de ansiedade e perturbações psicológicas, pelo que a conduta do arguido não foi causal dos factos constantes no nº 31.
70ª A sentença recorrida violou ou fez errada aplicação das disposições legais citadas na motivação e que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais, não podendo, pois, manter-se.
O Ministério Público e a demandante responderam defendendo a manutenção da sentença nos seus precisos termos.
II - FUNDAMENTOS
1. O OBJECTO DO RECURSO.
As razões da suscitada discordância podem ser assim delineadas:
1ª) a perda de eficácia da prova;
2ª) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
3ª) a falta ou insuficiência da fundamentação;
4ª) O conhecimento de questões “proibidas”;
5ª) A impugnação da matéria de facto;
6ª) A agravação do crime de violência doméstica;
7ª) A condição de suspensão da execução da pena de prisão;
8ª) O pedido de indemnização civil.
2. A SENTENÇA RECORRIDA.
Encontra-se provada a seguinte factualidade:
1) O arguido e a ofendida Catarina C... contraíram casamento a 29 de Julho de 1989, vivendo desde essa data em comunhão de cama, mesa e habitação.
2) O que sucedeu até ao dia 8 de Maio de 2011, data em que a ofendida abandonou definitivamente a casa de morada de família, sita na Rua X... direito, freguesia da Y, concelho de Guimarães.
3) Desde o início do casamento da ofendida com o arguido que este a vinha insultando e agredindo, criando um ambiente familiar desagradável e intimidatório, sujeitando-se a ofendida ao mesmo, na esperança de mudança do comportamento do arguido e de proporcionar um lar ao filho de ambos.
4) Na sequência de alguns episódios mais violentos a ofendida saiu da casa de morada de família, acabando, no entanto, por se reconciliar com o arguido e voltar à residência de ambos.
5) No dia 7 de Maio de 2011, cerca das 12:30 horas, tendo a ofendida chegado a casa do ginásio, o arguido começou a inquiri-la sobre onde havia estado e a acusá-la de lhe ser infiel, convencido que a ofendida tinha um caso extra-conjugal.
6) No decurso das perguntas e das acusações, o arguido dirigiu à ofendida expressões como “vaca”, “puta”, “ordinária”, “traidora”, desferiu-lhe um empurrão, projectando-a contra um radiador de aquecimento existente na casa, e apertou-lhe com violência ambos os braços.
7) A actuação do arguido causou à ofendida as seguintes lesões nos membros superior direito e esquerdo e no membro inferior direito: equimose com 1 cm de diâmetro na face lateral do braço direito; equimose com 1 cm de diâmetro na face lateral do 1/3 superior do braço esquerdo; equimose com 5 por 1 cm na face posterior do 1/3 médio do braço esquerdo; equimose de 6 por 4 cm na face posterior do 1/3 superior da coxa direita; duas equimoses com 2 cm de diâmetro cada, na região posterior do 1/3 médio da perna direita.
8) Tais lesões foram consequência directa e necessária do padecimento pela da ofendida de cinco dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional, e de fenómenos dolorosos nas zonas atingidas pelos golpes perpetrados pelo arguido.
9) Bem como foram consequência da vivência de um estado geral de preocupação, receio e ansiedade e de sentimentos de impotência e inferioridade enquanto pessoa, por parte da ofendida.
10) Nessa sequência, no dia 8 de Maio de 2011, a ofendida decidiu abandonar definitivamente a casa de morada de família, refugiando-se na casa de sua mãe, por recear pela sua integridade física e mesmo pela sua vida.
11) No dia 8 de Maio de 2011, quando a ofendida fazia as mudanças para a sua nova residência, sita na Rua Dr. Augusto Ferreira Cunha, em Guimarães, o arguido apareceu no local e dirigiu à ofendida a seguinte expressão “nem sabes o que vais passar”, tendo a mãe da ofendida, que se encontrava no local, impedido o arguido de se aproximar da ofendida.
12) No dia 13 de Maio de 2011, às 9:15 horas e às 18:54 horas, o arguido enviou, a partir do seu telemóvel, as mensagens de texto para o telemóvel da ofendida dizendo “Minha quer. não é o inxa-cabras c/ esse fal. na cama!.. é o cor.. Logo est. no KK pra aula. Cump.” e “amanha de manha ou outro dia qq. la estarei Jorge C...”.
13) No dia 14 de Maio de 2011, às 18:46 horas, o arguido enviou, a partir do seu telemóvel, uma mensagem de texto para o telemóvel da ofendida dizendo “Não digas mentiras à tua amiga!... Um dia vais comer as provas todas!... e mais”.
14) No dia 16 de Maio de 2011, pelas 20:00 horas, o arguido deslocou-se à casa da mãe da ofendida e começou a empurrar a porta do prédio, gritando para que lhe abrissem a porta e o deixassem entrar, ao que a mãe da ofendida acabou por aceder, para pôr fim àquele comportamento do arguido.
15) Uma vez no interior da habitação, o arguido dirigiu-se à ofendida e disse-lhe “ou tratas rapidamente do divórcio ou dou-te dois tiros na testa”.
16) No dia 30 de Maio de 2011, às 15:00 horas, o arguido enviou, a partir do seu telemóvel, uma mensagem de texto para o telemóvel da ofendida dizendo “Miss não fales c/ gigolô. Vais-te dar muito mal! Jorge C...”.
17) No mesmo dia 30 de Maio, cerca das 20:00 horas, quando a ofendida saía do ginásio que frequentava, sito na Praça Francisco Sá Carneiro, em Guimarães, o arguido encontrava-se no local à sua espera, tendo-a abordado de uma forma intimidatória, pretendendo que esta assinasse uma declaração de onde constasse que a mesma lhe havia sido infiel durante o casamento, o que a ofendida recusou, tendo-se afastado do local.
18) Posteriormente e tentando a ofendida retirar o seu carro do estacionamento para sair do local, o arguido posicionou o seu veículo de forma a impossibilitar que a ofendida movimentasse o seu e saísse do local.
19) No dia 6 de Junho de 2011, o arguido deslocou-se à casa da ofendida e, simultaneamente, contactou-a telefonicamente, exigindo que saísse do interior da mesma para falar com ele e dizendo-lhe que caso não o fizesse que a seguiria até ao seu ginásio e aí a confrontaria.
20) Como a ofendida não acedeu às exigências do arguido, este concretizou a advertência que havia feito e quando a ofendida se dirigia para as instalações do ginásio que frequentava, o arguido encontrava-se no local à sua espera, embora não a tenha abordado, uma vez que esta se encontrava acompanhada de agentes de autoridade.
21) No dia 10 de Junho de 2011, às 23:44 horas, o arguido enviou, a partir do seu telemóvel, uma mensagem de texto para o telemóvel da ofendida dizendo “Não tenho que te fiscalizar, mas se estas com o gigolô ao teu lado como percebi, não perdes por esperar”.
22) No dia 12 de Junho de 2011, às 12:40 horas, o arguido enviou, a partir do seu telemóvel, uma mensagem de texto para o telemóvel da ofendida dizendo “Conf# que estou muito atento às tuas escapadelas”.
23) No dia 13 de Junho de 2011, às 14:43 horas, o arguido enviou, a partir do seu telemóvel, uma mensagem de texto para o telemóvel da ofendida dizendo “Miss como já tenho os contactos e provas que queria, só te vou avisar que cada vez sei mais e que ainda vais chorar muito pelo que fizes. Estou muito atento…”.
24) No mesmo dia 13, às 14:47 horas, o arguido enviou, a partir do seu telemóvel, uma mensagem de texto para o telemóvel da ofendida dizendo “Estarei sempre at/e com o que me act ultimam/ não tho nada a perder! Nem tenho mais ameaças da tua parte. Por isso espera que terás o que mereces qualquer dia. Bjs”.
25) Ao desferir os golpes supra descritos, o arguido actuou, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde da ofendida e de lhe produzir as lesões verificadas, resultado que representou.
26) Também ao dirigir à ofendida as expressões supra referenciadas, o arguido actuou ainda com o propósito concretizado de ofender a ofendida, na sua honra e consideração, sabendo que as expressões que utilizou eram aptas a alcançar esse efeito.
27) Bem como, ao dirigir à ofendida as expressões intimidatórias que se descreveram, o arguido actuou com o propósito conseguido de causar intranquilidade, receio e temor no espírito daquela, convicta que ficou da possibilidade do arguido poder vir a concretizar as ameaças, bem sabendo que a sua conduta e expressões proferidas eram adequadas a tal.
28) O arguido praticou os alguns dos factos descritos na residência comum do casal, sita na Rua X... direito, Costa, Guimarães, o que sabia e queria.
29) Com as condutas descritas, o arguido quis e conseguiu humilhar, denegrir e aterrorizar a sua mulher, afectando-a na sua integridade física e psicológica, na sua saúde e bem-estar, o que fez de forma reiterado ao longo dos vários anos de casamento e de convivência comum, criando assim uma permanente ambiência de medo e perturbação no espírito da ofendida.
30) Em todas as suas actuações o arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
31) Em consequência da conduta do arguido, a demandante passou a dormir mal, com períodos de insónia, necessitou de ir ao médico e de tomar medicamentos.
32) Por causa do comportamento do arguido, a demandante viu-se forçada a abandonar a casa de morada de família, o que a desgostou.
33) Depois de sair da casa de morada de família, a ofendida não mais retomou a vida em comum com o arguido, tendo o respectivo casamento sido dissolvido por divórcio decretado por sentença de 19/09/2011, transitada na mesma data.
34) O arguido não assumiu qualquer atitude reveladora de arrependimento.
35) O arguido não tem antecedentes criminais.
36) O arguido tem como habilitações literárias a licenciatura em matemática.
É professor de matemática do ensino secundário, auferindo o vencimento mensal de € 1.250,00.
Vive em casa própria, pagando a prestação mensal de € 71,00 para amortização do empréstimo bancário que contraiu para a sua aquisição.
Paga o montante mensal total de cerca de € 500,00 para amortização de créditos pessoais.
Vive com o filho, com 20 anos de idade, estudante universitário, suportando o encargo mensal de cerca de € 350,00 para pagamento das suas despesas.
37) A demandante é professora de matemática do ensino secundário, auferindo o vencimento mensal de € 1.350,00.
Vive sozinha em casa arrendada, pagando a renda mensal de € 375,00.
Contribuiu com a quantia mensal de € 200,00 para as despesas mensais do filho, estudante universitário.
E não provada:
Não se provaram outros factos, em contradição com os provados ou para além deles.
Sobre a formação da convicção do Tribunal:
Relativamente aos factos provados, o Tribunal ancorou a sua convicção no conjunto da prova produzida, que analisou e valorou de forma crítica, fazendo apelo às regras da experiência comum e a critérios de normalidade do acontecer e razoabilidade.
Assim:
Foram tidas em consideração as declarações prestadas pelo arguido na audiência de discussão e julgamento. O arguido assumiu que a relação conjugal com a ofendida foi marcada por frequentes discussões e algumas separações. Confirmou que no dia 7/05/2011 ocorreu uma discussão com a ofendida, gerada pelo seu convencimento de que a mesma mantinha um caso extra-conjugal, e admitiu ter na altura chamado a ofendida de “traidora”. Porém, negou ter naquela data ou em qualquer outra altura dirigido à ofendida as demais expressões injuriosas referidas na pronúncia, bem como negou ter alguma vez agredido fisicamente a ofendida. A respeito das mensagens referidas na pronúncia, admitiu ter enviado mensagens à ofendida, mas não reconheceu ter enviado aquelas concretas mensagens, afirmando não se recordar. Cumpre dizer que o arguido, na parte negatória dos factos, não logrou convencer, pois para além da sua apontada postura relativamente às mensagens enviadas não se nos ter afigurado minimamente crível, à luz das regras da experiência comum, tendo nomeadamente em conta o grau de formação académica do arguido e o conteúdo fortemente ofensivo de grande parte dessas mensagens, o certo é que a sua versão foi frontal e convincentemente infirmada pela demais prova produzida, mormente pelas declarações da ofendida Catarina C..., nos termos que passamos a explicitar.
Assumiram particular relevância as declarações prestadas pela ofendida Catarina C..., a qual narrou os factos de que foi vítima por parte do arguido e as consequências que lhe advieram, o que tudo fez tal como a atinente factualidade resultou provada. Estas declarações afiguraram-se-nos merecedoras de credibilidade, não apenas pela forma pormenorizada, coerente e sentida como foram prestadas, mas ainda porque o relato feita pela ofendida na audiência de julgamento se revelou consonante com as denúncias por ela apresentadas logo após a ocorrência de alguns dos factos (cfr. fls. 2 a 5 dos presentes autos e fls. 3 a 5 dos apensos A, B e C), e também porque o comportamento da ofendida posterior a 7/05/2011, em que logo depois abandonou a casa de morada de família, não mais retomando a vida em comum com o arguido, se revelou consonante, à luz das regras da experiência, com a ocorrência de um episódio mais grave na via conjugal como o relatado, e ainda porque tais declarações resultaram corroboradas pela demais prova testemunhal e pericial produzida (nos termos a que de seguida faremos alusão), e cumprindo ainda notar em abono da credibilidade das declarações em apreço o facto de a ofendida ter narrado um episódio em que sofreu um acidente em casa do qual lhe advieram lesões, e em que, podendo pensar-se que afinal seria fácil àquela atribuir mais um facto ao arguido, foi a própria ofendida a afastar qualquer responsabilidade por parte do arguido relativamente a essa situação, e cabendo, finalmente, dizer que não se vislumbra qualquer razão/motivo para a ofendida neste momento, em que já findou a sua vida em comum com o arguido com a dissolução por divórcio do casamento, em que existe um filho fruto da união com o arguido e em que presentemente a ofendida até mantém boa relação com o arguido, tendo-se ambos encontrado algumas vezes depois dos factos para tratar de assuntos relativos ao filho de ambos e à partilha (como foi reconhecido pelo próprio arguido), vir à audiência de julgamento relatar factos da sua vida conjugal com o arguido não condizentes com a realidade.
Foi também importante o depoimento da testemunha Vítor C..., filho do arguido e da ofendida, com 20 anos de idade, que sempre viveu com os pais até aos 18 anos de idade, altura em que foi estudar e viver para o Porto, e que com ambos os progenitores mantém bom relacionamento, na medida em que veio dizer que o casamento dos seus pais sempre se pautou pela desarmonia, tendo presenciado inúmeras discussões entre ambos, no decurso das quais eram proferidas palavras injuriosas, e em que, apesar de nunca ter presenciado qualquer agressão perpetrada pelo seu pai/arguido na pessoa de sua mãe/ofendida, afirmou que esta algumas vezes se lhe queixou dizendo que o pai/arguido a agredia, e sucedendo ainda que esta testemunha, apesar de não ter presenciado qualquer das situações imputadas ao arguido, elucidou que na altura estava a estudar e a viver no Porto e só regressava à casa dos pais nalguns fins-de-semana. O mais que esta testemunha espontaneamente afirmou em audiência de julgamento consubstancia juízos de valor, que muito naturalmente não puderam ser considerados pelo tribunal para efeito de afastamento da prática dos factos imputados ao arguido, cumprindo em todo o caso aqui registar o facto de a testemunha presentemente ficar com o pai quando regressa aos fins-de-semana, o que muito naturalmente constitui facto gerador de um maior grau de proximidade e cumplicidade em relação ao pai e capaz de toldar de algum modo a sua percepção e juízos sobre os factos.
Assumiu ainda relevo o depoimento da testemunha Maria Dulce Rocha Silva, amiga de longa data e confidente da ofendida, a qual referiu que, apesar de nunca ter presenciado qualquer episódio entre o casal, a ofendida ao longo do casamento por várias vezes lhe confidenciou que o arguido a injuriava e a agredia, narrando a testemunha com pormenor vários episódios concretos, fazendo-o de forma perfeitamente harmoniosa e concordante com o relato das situações em causa feito pela ofendida na audiência de julgamento, e mais elucidou, esta testemunha, sobre as consequências que advieram à ofendida da conduta do arguido. Este depoimento, pese embora a apontada relação de amizade, afigurou-se-nos digno de acolhimento, pela espontaneidade e sinceridade com que foi prestado (o próprio arguido reconheceu não vislumbrar qualquer razão/motivo para esta testemunha vir mentir ao tribunal).
Também foi considerado o depoimento da testemunha Maria C..., tia da ofendida, a qual referiu que nunca assistiu a qualquer situação entre o casal, mas afirmou que o casamento da ofendida com o arguido sempre foi muito atribulado, com várias discussões e algumas separações, esclareceu que acompanhou a ofendida quando esta apresentou queixa em 13/05/2011, confirmando que a ofendida na altura exibiu à autoridade policial o seu telemóvel com a mensagem enviada pelo arguido, tal como retrata a fotografia de fls. 9, e elucidou ainda sobre os sofrimentos padecidos pela ofendida em resultado da conduta do arguido.
Finalmente, foi valorada a prova documental e pericial produzida, muito concretamente: o auto de denúncia de fls. 2 a 5 dos presentes autos e os autos de denúncia de fls. 3 a 5 dos apensos A, B e C, em complemento das declarações prestadas pela ofendida na audiência de julgamento, que declarou que no dia 13/05/2011 apresentou queixa contra o arguido pelos factos de que estava a ser vítima por parte do mesmo, tendo, entre o mais, exibido o seu telemóvel, de onde constava a mensagem que o arguido nesse dia lhe tinha enviado, confirmando estar a situação retratada no suporte fotográfico de fls. 9, e em que também declarou que a partir daquele dia 13/05/2011, passou a ir à autoridade policial a denunciar os factos que continuava a ser vítima por parte do arguido, e que nessa altura fazia a transmissão das mensagens que o mesmo lhe enviava para o seu telemóvel; o suporte fotográfico de fls. 9, de onde consta a mensagem enviada pelo arguido para o telemóvel da ofendida no dia 13/05/2011; o relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal constante de fls. 20 a 23, de onde resulta que a ofendida, tendo sido examinada dez dias depois dos factos ocorridos no dia 7/05/2011, apresentava as lesões aí descritas e consideradas provadas, as quais são compatíveis com a agressão que a mesma afirmou ter sido vítima por parte do arguido na referida data; a informação clínica de fls. 209, importante ao apuramento da factualidade considerada provada em 31); a certidão do assento de casamento do arguido com a ofendida de fls. 252, de onde consta o averbamento da dissolução por divórcio de tal casamento; e o certificado de registo criminal do arguido de fls. 250, fundamental ao apuramento dos antecedentes criminais do arguido.
Ora, da conjugação de toda a prova descrita, com apelo às regras da experiência comum e a critérios de normalidade e razoabilidade, foi possível ao tribunal formar a sua convicção, com o necessário grau de certeza e segurança, no sentido dos factos considerados provados.

As condições sociais e pessoais do arguido e a sua situação económica foram apuradas com base nas suas próprias declarações prestadas sobre a matéria.

A situação económica da demandante foi apurada a partir das suas próprias declarações.

A propósito do enquadramento jurídico dos factos, a Mmª Juiz do 1º Juízo do Tribunal de Guimarães escreveu:
Ao arguido vem imputada a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4/09.
Dispõe o citado art.º 152.º, sob a epígrafe “violência doméstica”:
“1 – Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 – No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.”
O crime em análise constitui um crime próprio ou específico, ou seja, só pode ser levado a cabo por certas e determinadas categorias de pessoas – no caso, pelo cônjuge.
O sujeito passivo só pode ser aquele que mantém com o agente, entre outras, uma relação conjugal – o que ocorre no caso.
O âmbito punitivo do tipo legal em apreço inclui uma multiplicidade de comportamentos que, de forma reiterada ou não, lesam a saúde da vítima: maus tratos físicos, psíquicos, tratamento cruel.
O conceito de maus tratos é impreciso, pelo que carece de concretização. Nesta tarefa importa considerar que as situações da vida real susceptíveis de integrar este conceito são inúmeras, surgindo sempre novas formas de atentados à saúde física e psíquica. Todavia, dentro daquilo que é razoável, parece ser correcto considerar como sinónimo de “maus tratos” a agressão física (caso de maus tratos físicos sinónimos, aqui, de ofensa à integridade física simples – como ocorre in casu), a agressão psíquica (como por exemplo, quando esta se traduz em ameaças puníveis em si mesmas ou em humilhações, molestações, injúrias – o que ocorre, também, no caso). Assim, existirá violência doméstica quando estivermos perante situações em que, reiteradamente ou não, por acção ou omissão, de uma forma grave, se ofende o direito à integridade física ou moral e psicológica do outro com quem o agente vive maritalmente e, quando, se compromete o direito ao seu integral bem estar físico, à sua honra e à sua liberdade pessoal.
Face à introdução da expressão “reiterada ou não”, julgamos estar definitivamente afastada a questão que se levantava com a anterior redacção em que se discutia se o crime de maus tratos apenas se satisfazia com uma conduta reiterada ou se bastava uma conduta isolada do agente, sendo certo que já na anterior redacção se admitia que para preenchimento do crime seria suficiente uma conduta isolada desde que suficientemente caracterizada.
É assim de afirmar que perante a nova redacção do preceito legal em apreço para o preenchimento do crime de violência doméstica basta uma conduta isolada do agente, não se exigindo uma conduta reiterada.
Importa ainda referir que a criminalização destes comportamentos foi o resultado da progressiva consciencialização da necessidade de punir com dignidade penal os casos mais chocantes de maus tratos a cônjuges ou pessoas que coabitem em situação análoga à dos cônjuges com o agente.
Destarte, o normativo em apreciação penaliza a violência na família, mas a ratio do tipo não está na protecção da comunidade familiar mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana.
Pretendeu-se, como refere A. Taipa de Carvalho, “prevenir as frequentes e, por vezes, tão “subtis” quão perniciosas – para a saúde física e psíquica e/ou para o desenvolvimento harmonioso da personalidade ou para o bem-estar – formas de violência no âmbito da família (...)”.
Na verdade, os efeitos destas actuações são gravosos a curto e a longo prazo, não sendo de esquecer que, além das enfermidades físicas, as agressões, físicas e verbais, são, a nível psicológico, extremamente traumatizantes.
No n.º 2 do artigo em análise consagra-se uma agravação do limite mínimo da moldura penal, nomeadamente, no caso de o agente praticar o facto no domicílio comum, visando-se censurar mais gravemente os casos de violência doméstica velada, em que a acção do agressor é favorecida pelo confinamento da vítima ao espaço do domicílio e pela inexistência de testemunhas.
Quanto ao elemento subjectivo do tipo de crime em análise, estamos na presença de um crime cuja perfeição exige o dolo, mas, contrariamente ao n.º 1 do artigo na sua versão originária, agora só se exige o dolo genérico, em qualquer das modalidade previstas no art.º 14.º do Código Penal (directo, necessário ou eventual).
Importa ainda dizer que o crime em análise, quando cometido através de agressões, está numa relação de especialidade com o crime de ofensa à integridade física (art.º 143.º do Código Penal) ou, sendo a agressão cometida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, com o crime de ofensa à integridade física qualificada (art.º 145.º do Código Penal).
E, quando cometido através de ameaça e através de injúria também se encontra na referida relação de especialidade com o crime de ameaça (art.º 153.º do Cód. Penal) e de injúria (art.º 181.º do Código Penal), respectivamente.
A especialidade é definida por Honig “como aquela relação que se estabelece entre dois ou mais preceitos, sempre que numa lei (lex specialis) se contêm todos os elementos de outra (lex generalis) e, além disso, ainda algum ou alguns outros elementos especializadores”.
No caso presente, resultou provado que, nas circunstâncias e no modo acima descritos, o arguido insultou, agrediu e ameaçou a ofendida Catarina C..., sua cônjuge.
Tais factos, de forma reiterada, e alguns praticados no domicílio comum, lesaram a integridade física e psíquica da ofendida.
Ficou, ainda, demonstrado que o arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
Assim, dúvidas não podem restar de que se mostram preenchidos todos os elementos constitutivos do crime de violência doméstica que vem imputado ao arguido, assumindo o dolo a forma directa e o modo de participação a autoria material (art.ºs 14.º, n.º 1, e 26.º, 1.ª parte, do Código Penal).
Nestes termos, e não se divisando qualquer causa susceptível de excluir a ilicitude e/ou a culpa, resta concluir que o arguido, com a sua apurada conduta, incorreu na prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 152.º, n.º 1, al. a), n.º 2, 14.º, n.º 1, e 26.º, 1.ª parte, do Código Penal.
Finalmente, sobre a aplicação da condição de suspensão da execução da pena e o pedido de indemnização civil, consta da sentença:
Todavia, por o julgarmos conveniente e adequado à realização das finalidades da punição e porque tal não representa um sacrifício incomportável para o arguido, ao abrigo do disposto nos art.ºs 50.º, n.º 2, e 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, entendemos ser de subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de dever destinado a reparar de algum modo o mal do crime, mediante a obrigação de o mesmo, dentro do período da suspensão, pagar parte da indemnização devida à lesada, no montante de € 2.000,00, do total que a esta será arbitrada no âmbito do pedido cível.
Pedido de indemnização civil
Catarina C..., ofendida nos autos, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 7.500,00, por danos não patrimoniais resultantes da sua conduta descrita na pronúncia, acrescida de juros à taxa legal desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento (cfr. fls. 140 a 146).
Nos termos do art.º 129.º do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes da prática de um crime é regulada, nos seus pressupostos e na determinação do seu montante, pela lei civil, ou seja, pelos art.ºs 483.º e ss. e 562.º e ss. do Código Civil.
Dispõe o citado art.º 483.º: “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem (...) fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Como se infere deste preceito legal, são os seguintes os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: um facto voluntário do agente; o carácter ilícito desse acto; o nexo de imputação do facto ao lesante; a ocorrência de um dano; um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Verificados cumulativamente estes requisitos da responsabilidade civil, nasce para o lesante a obrigação de indemnizar.

Considerando os factos provados, facilmente se conclui pela verificação de todos os enunciados pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, tendo-se, por isso, o demandado constituído na obrigação de indemnizar a demandante.
O dano pode ser patrimonial ou não patrimonial, consoante seja ou não susceptível de avaliação pecuniária, sendo que no caso apenas estão em causa danos da última natureza.
Nos termos do preceituado no n.º 1 do art.º 496.º do Código Civil, são indemnizáveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
E segundo o disposto no n.º 3 do mesmo art.º 496.º, a indemnização por danos não patrimoniais, que não visa reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento, mas antes compensar o lesado, deve ser fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.º 494.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, designadamente, as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, a desvalorização da moeda e os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.
Com relevo para o que aqui cabe atentar, provou-se que, em consequência da apurada conduta do arguido/demandado, como vimos ilícita e dolosa, a demandante foi afectada na sua integridade física e psicológica, na sua saúde e bem-estar, em que sofreu lesões e dores, sentiu-se humilhada, receosa, angustiada e desgostosa e padeceu de ansiedade e intranquilidade, passando a dormir mal, com períodos de insónia, e necessitando de ir ao médico e de tomar medicamentos.
Perante este quadro factual, entendemos estarmos na presença de danos não patrimoniais suficientemente graves por forma a merecerem a tutela do direito (cfr. art.º 496.º do Código Civil).
Tudo sopesado, e tendo presentes os parâmetros definidos pelo art.º 494.º, ex vi do n.º 3 do art.º 496.º, ambos do Código Civil, nomeadamente, o grau de culpa do lesante, a situação económica da lesada e do lesante, a natureza das agressões, das lesões, das injúrias e das ameaças e os correspondentes sofrimentos físicos e psicológicos, as demais circunstâncias consideradas aquando da determinação da medida concreta da pena, a desvalorização monetária verificada e os padrões de indemnização geralmente seguidos na jurisprudência, afigura-se ajustado fixar em € 4.000,00 (quatro mil euros) a quantia devida pelo demandado à demandante para compensar os apurados danos não patrimoniais.
A demandante peticiona juros de mora desde a notificação do pedido até integral pagamento.
De acordo com o estabelecido no art.º 805.º, n.º 3, do Código Civil, nos casos de responsabilidade por facto ilícito, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte da citada disposição legal.
Todavia, na compensação pelos danos não patrimoniais não se justifica tal solução, uma vez que não se trata de uma dívida de valor. O que deverá suceder é que o juiz, no momento da fixação da indemnização, “dentro das demais circunstâncias do caso” deverá ter em conta a desvalorização da moeda, justificando-se, porém, a condenação em juros com referência ao tempo posterior à data da decisão e até efectivo pagamento da indemnização.
Neste mesmo sentido decidiu o Acórdão de fixação de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9/05/2002.
Serve isto para dizer que no caso, em que na fixação da sobredita quantia indemnizatória por danos não patrimoniais já se atendeu à desvalorização da moeda, à demandante não são devidos os peticionados juros de mora sobre aquele quantitativo desde a notificação do pedido de indemnização ao demandado, mas apenas lhe assiste o direito a esses juros desde a data da presente decisão até integral pagamento.
Os juros são devidos à taxa legal de 4% (cfr. Portaria n.º 291/2003, de 8/04).
Impõe-se, assim, a procedência parcial do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante contra o demandado.

3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
3.1. A perda de eficácia da prova
A análise do processo mostra que:
- a audiência de discussão e julgamento comportou 5 sessões, realizadas: a 1ª, em 30/05/2012 (abertura e tomada de declarações ao arguido); a 2ª, em 06/06/2012 (tomada de declarações à denunciante-demandante); a 3ª, em 14/06/2012 (inquirição de 1 testemunha); a 4ª, em 20/06/2012 (inquirição de 3 testemunhas, alegações orais e últimas declarações do arguido); e a 5ª, em 22/08/2012 (comunicação de uma alteração não substancial dos factos e leitura da sentença) Actas de fls. 223-225, 228-230, 231-233, 234-236, 288-289.;
- em 16/07/2012, foi proferido despacho a ordenar a junção de certidão de casamento da demandante e arguido e do certificado de registo criminal deste Fls. 245.;
- o referido certificado veio a ser emitido e incorporado no dia 16/07 e a certidão de casamento deu entrada no Tribunal em 24/07/2012 Fls. 250 e 252.;
- ambos os documentos foram notificados à Distinta Defensora do arguido por cartas registadas de 20/07 e 24/07/2012 Fls. 251 e 256.;
- a leitura da sentença foi adiada por 4 vezes (de 11/07 para 17/07, 24/07, 14/08 e 22/08) Fls. 236, 238, 245, 253 e 259..
Do registo assim efectuado, pode concluir-se que: entre a 4ª sessão de julgamento e a junção do certificado de registo criminal não mediaram mais que 30 dias Facto olvidado pelo Recorrente, que nenhuma referência fez a este documento.; e que entre a 4ª e a 5ª sessões mediaram mais de 2 meses Como sustenta o Recorrente. (com a junção de documentos de permeio, antes de decorridos 30 dias sobre a 4ª sessão – o c.r.c. - e a menos de 30 dias da 5ª sessão – a certidão de casamento).
A norma do artº 328º do CPP, radicando na oralidade e na imediação da prova, rege apenas até ao encerramento da discussão da causa, não se aplicando ao acto de leitura da sentença (cujo prazo está fixado em norma própria – artº 373º, nº1, do CPP).
Esta posição não é contrariada pelo citado Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 11/08, o que não só decorre claramente do teor do respectivo dispositivo - Nos termos do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma – como também de inúmeros arestos depois dele proferidos, confirmando-a.
De que se citam, a título de exemplo:
IV - O facto de a leitura do acórdão ter sido feita mais de 30 dias após o fim da produção da prova também não constitui nulidade. Com efeito, conforme jurisprudência uniforme deste STJ, a regra do n.º 6 do art. 328.º do CPP refere-se apenas à fase da produção da prova, pretendendo o legislador que esta seja concentrada, de forma a proporcionar ao julgador a evocação fácil do conjunto das provas produzidas oralmente, devendo a deliberação seguir-se imediatamente ao termo da produção da prova (art. 365.º, n.º 1, do CPP)” – ac. do STJ de 28/10/2009, relatado pelo Cons. Maia Costa no proc. 121/07.9PBPTM.E1.S1;
I - O limite temporal de 30 dias previsto no n.º 6 do art.º 328.º do CPP para os adiamentos da audiência sem perda de eficácia da prova anteriormente realizada reporta-se apenas à audiência em sentido estrito, compreendendo os atos de produção de prova e discussão da causa e já não o momento da decisão e de elaboração e leitura da sentença ou acórdão” – ac. da RP de 04/07/2012, proc. 251/06.4JAPRT.P1. Ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
E o citado ac. da RP de 16/01/2002, relatado pelo Desemb. Dias Cabral no proc. 0140953 não tem qualquer aplicação por se debruçar sobre hipótese diversa destes autos, em que mediaram mais de 30 dias entre 2 sessões de produção de prova pessoal (como se pode constatar do seguinte excerto: “(…) a audiência de julgamento iniciou-se em 21/2/01, com a audição do arguido e das testemunhas de acusação. Nessa data foi proferido despacho para a acta em que se adiou a audiência para continuar em 4/4/01. Nesta data procedeu-se à audição da testemunha do pedido civil e das testemunhas de defesa, procedeu-se a alegações, tendo a leitura do acórdão sido adiada para 27/4/01. (…) O espaço temporal que medeia entre a interrupção da audiência (21/2/01) e a sua continuação (4/4/01) é superior a 30 dias.”).
Consequentemente, não perdeu eficácia a produção de prova realizada e não se verifica a nulidade da sentença do artº 379º, nº1, al. c), do CPP.
3.2. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
Estatui o artº 410º, nº2, do CPP:
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é o que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, porque o Tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deviam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão.
«É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada», sendo indispensável para se verificar tal vício que «a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão»” (ac. da RG de 11/07/2011, relatado pelo Desemb. Paulo Fernandes da Silva no proc. 438/07.2PBVCT.G1).
3.2.1. A inocuidade dos factos descritos na sentença sob os nºs 11, 12, 13, 16, 18-24 Sub-título do Recorrente.
Relativamente à factualidade típica da “violência doméstica”, trata-se de um crime “de execução não vinculada, podendo os maus-tratos físicos ou psíquicos consistir nas mais variadas acções ou omissões Plácido Conde Fernandes, “Violência Doméstica – novo quadro penal e processual penal”, Revista do CEJ, 1º semestre 2008, nº 8 (especial), p. 306..
Os factos em apreço não são criminalmente inócuos, carregando em si evidente intenção criminosa Aproveitando a terminologia do Recorrente..
Ainda que um ou outro, de per si, pudesse assumir menor ressonância, não há dúvida que globalmente considerados (e com os demais narrados, v.g., nos nºs 5, 6, 14, 15, 17), são reveladores de um comportamento de perseguição agressiva, de um constante importunar, de uma vontade plenamente conseguida de amedrontar através da inesperada abordagem pessoal e da ameaça velada.
Dentro dessa panorâmica, suficientemente caracterizada na factualidade considerada assente, são patentemente adequadas a assustar mensagens do teor das enviadas pelo arguido (nem sabes o que vais passar… um dia vais comer as provas todas... e mais …vais-te dar muito mal… não perdes por esperar… estou muito atento às tuas escapadelas… ainda vais chorar muito pelo que fizes … espera que terás o que mereces qualquer dia…); como efectivamente assustaram, de tal maneira que a arguida se deslocou por várias vezes à PSP, cuja presença ainda pediu e conseguiu no dia 6 de Junho (v. Facto Provado 20).
Enfim, são actos, sucessivamente repetidos, inequivocamente demonstrativos de uma conduta maltratante e bem assim, susceptíveis de conduzir ao preenchimento do tipo criminal de violência doméstica, na vertente dos “maus tratos psíquicos”.
Assim como nenhuma dúvida suscita a “conexão” dos ditos factos com o “elemento subjectivo” do tipo criminal introduzido nos Factos Provados 26, 27 e 29, os quais não “extravasam as premissas” Aproveitando a terminologia do Recorrente.; sendo certo que o que nestes se descreve não se reporta apenas àqueles mas também a outros, tais como os dos nºs 6 e 15.
Em suma, a matéria factual apurada – que se não limita aos nºs 11-13, 16, 18-24 – não é insuficiente para a decisão de direito e por isso, não ocorre o vício do artº 410º, nº2, al. a), do CPP.
3.2.2. A fundamentação relativa à credibilidade do depoimento da ofendida Sub-título do Recorrente.
O artº 374º, nº2, do CPP contempla as exigências de fundamentação da sentença penal, desenvolvendo o imperativo constitucional constante do artº 205º, nº1, da CRP Artº 205º da CRP: As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Face a esse preceito, o acórdão comporta necessariamente, sob pena de nulidade, a enumeração dos factos provados e não provados, de forma a assegurar que o Tribunal ponderou todos os factos relevantes; a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos que conduziram à decisão, por referência às fontes de prova; e, finalmente, a explicitação do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, ou seja, «os elementos que, em razão das regras da experiência ou critérios lógicos, constituem o substrato lógico-racional que conduziu a que a convicção probatória se determinasse num dado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios probatórios» Ac. do STJ de 29-03-2006, relator Conselheiro Santos Monteiro, Pº 06P478, www.stj.pt., sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão não é ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras de experiência comum.” (ac. RG de 30/11/2009, relatado pelo Desemb. Fernando Ventura no proc. 459/05.0GAFLG, www.dgsi.pt).
Se o que o Recorrente pretende com a alegação de que “a sentença não explicita em concreto qual o depoimento da ofendida” é que a Mmª Juiz enunciasse aquilo que ela disse, nada na lei impõe que o fizesse.
O que é importante e foi feito é que o Tribunal explicou, concisa mas proficientemente, o processo lógico-racional subjacente à sua convicção, apreciando de forma crítica os vários elementos de prova que lhe foram submetidos.
Analisado o que a Mmª Juiz a quo escreveu, em sede de “Motivação da decisão de facto” a propósito das declarações da ofendida, fácil é concluir que logrou a sua legitimação externa (possibilitando a qualquer cidadão verificar os critérios valorativos que determinaram o juízo) e a finalidade intra-processual de permitir ao tribunal superior conhecer o processo de formação do juízo de “particular relevância” que àquelas foi atribuído.
A decisão recorrida, na parte da valoração das declarações da demandante, não é “ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras de experiência comum Ac. RG de 30/11/2009 já citado. nem insuficiente.
O argumentário esgrimido pelo Recorrente (v.g., as Conclusões 11ª-13ª) nada tem a ver com o pretendido vício da “insuficiência” nos termos do artº 410º, nº2, al. a), do CPP – o qual manifestamente se não verifica – mas antes e tão-só com a sua própria maneira de entender e valorar as ditas declarações, diferente da do Tribunal a quo.
3.2.3. Os Factos 5, 6, 9 e 17 – A investigação que não se fez Sub-título do Recorrente.
A alegação de que “o Tribunal não investigou devidamente a matéria factual neles contida” é infundada, surpreendente mesmo.
Em primeiro lugar, porque não esclarece – minimamente – que “investigação” deveria ser feita em ordem ao apuramento do “relacionamento extra-conjugal”, “daquilo que a ofendida disse ao arguido” no dia 7 de Maio e da “concreta” abordagem da ofendida em 30 de Maio.
Em segundo lugar, porque o Tribunal efectuou a “investigação” possível e que estava ao seu alcance, inquirindo em audiência de julgamento quer os intervenientes – arguido e demandante – quer as demais testemunhas arroladas sobre todo o circunstancialismo envolvente à factualidade descrita no libelo (o que ressalta à evidência da audição da prova gravada, mormente, das declarações do arguido e demandante, e dos depoimentos de Vítor C... e Dulce Silva).
Logo, se o Tribunal não enumerou os ditos factos (como, por exemplo, o da existência do “caso extra-conjugal”) nos “Provados” é porque os não considerou assentes (v.
o ponto II.2 da sentença).
Depois, não deixa de ser surpreendente a total inércia do arguido nessa matéria que só agora, em sede de recurso, parece reputar de importante; nunca antes alegou a factualidade correspondente (nas contestações ou suscitando em audiência alteração dos factos E nem sequer no requerimento de abertura de instrução – cf. fls. 122-129, 198-199, 200-201.) nem requereu quaisquer diligências, para além da indicação do seu filho, Vítor C..., como testemunha.
Olvida o Recorrente que entre nós não vigora o princípio da oficiosidade pura e que o processo não é um palco onde, sem qualquer limite temporal, se podem praticar quaisquer actos, e a esmo, sem submissão a regras ou limites, sob pena de se afectar o encadeamento lógico em que se traduz, em ordem a atingir-se um objectivo final pré-definido.
Relativamente ao Facto Provado 9, temos por certo que a respectiva percepção ou apreciação não exige “especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos”.
Estados de alma ou de espírito”, especialmente quando se repercutem no comportamento exterior (como aqui aconteceu) podem ser percebidos e compreendidos, com fiabilidade, quer pelo próprio quer pelos que lhe estão próximos ou com ele convivem; e assim, podem ser objecto de prova testemunhal (artº 128º, nº1, do CPP).
Nada na lei o proíbe nem se conhece jurisprudência “impeditiva”, sendo certo que também não se vislumbra pertinência para o caso na invocação de um Ac. do STJ (de 09/05/1990) referente à necessidade de submeter a prova pericial médico-psiquiátrica um arguido cujas faculdades mentais eram postas em causa.
E nada do que se consignou na sentença permite inferir que o apuramento de tal Facto resultou da “percepção directa do Tribunal”, através de “métodos empíricos” ou “convicções interiores do julgador” insondáveis.
Consequentemente, não ocorreram o vício da “insuficiência” do artº 410º, nº2, al. a), nem as nulidades da sentença do artº 379º, nº1, als. a) e c), ambos do CPP.
3.3. A falta ou insuficiência da fundamentação.
Se entende – como agora propala - que “determinados erros de valoração, apreciação e fixação da matéria de facto derivavam já da acusação pública deduzida”, mal se compreende, mais uma vez, a inércia do Recorrente, não se vendo que alguma vez os tenha apontado ao longo de todo o processo (cujo desenrolar na 1ª Instância comportou as 3 fases possíveis, inquérito, instrução e julgamento).
De todo o modo, estatuem os artºs 374º, nº2, e 379º, nº1, al. a), do CPP:
Artº 374º (Requisitos da sentença)
2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Artº 379º (Nulidade da sentença)
1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
3.3.1. Do uso de factos conclusivos Sub-título do Recorrente.
Ainda que se pudesse atribuir aos mencionados Factos Provados nºs 3, 4, 5, 9 e 17 natureza pura e exclusivamente “conclusiva” (e não pode, como aliás resulta da sua mera leitura), dela nunca poderia resultar a propugnada nulidade do artº 379º, nº1, al. a), do CPP, quando muito erro de julgamento em matéria de direito que se traduziria na condenação sem factos que integrem a prática do crime (neste sentido, v. o ac. da RE de de 08/01/2013 relatado pelo Desemb. António João Latas no proc. 134/10.3GCABF.E1 Onde se pode ler “Estas imputações genéricas não integram vícios processuais, nomeadamente dos previstos no art. 410º do CPP ou erro de julgamento em matéria de facto impugnável nos termos do art. 412º nº3 do CPP, mas antes erro de julgamento em matéria de direito que se traduz na condenação sem factos que integrem a prática do crime., www.dgsi.pt).
Carácter “conclusivo” esse que sempre insusceptível de inquinar a restante factualidade assente (e de que sempre representaria uma ínfima parte).
Ou seja, mesmo que se considerasse que o Facto Provado 3 mais não contém do que “generalidades” - porque deficientemente especificadas quanto ao lugar, ao tempo, e ao modo de agir do arguido -, não pode ser desgarrado dos demais e deve ser interpretado como servindo-lhes de “introdução”, de descrição do “ambiente” em que aqueles se desenrolaram.
Ao contrário do que pretende o Recorrente, a sentença “enumerou os factos que levaram à condenação” e não é nula por violação dos artºs 374º, nº2, e 379º, nº1, al. a), do CPP.
3.3.2. A indicação e o exame crítico das provas
VI - O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (cf., v.g., Ac. do STJ de 30-01-2002, Proc. n.º 3063/01).
VII - O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. (…)
X - Não existe insuficiência da fundamentação se na decisão estão enunciados, especificadamente, os meios de prova que serviram à convicção do tribunal, permitindo, no contexto ambiental, de espaço e de tempo, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum.” (ac. do STJ de 21/03/2007, relatado pelo Cons. Henriques Gaspar no proc. 07P024 Disponível em www.dgsi.pt.).
Nada na lei obriga ao relato, mesmo que por súmula, daquilo que o arguido, declarante e testemunhas disseram em audiência de julgamento O que mal se compreenderia, perante a imposição legal de gravação – artº 364º do CPP -, que nestes autos foi respeitada., a respectiva apreciação não tem que reflectir cenários factuais hipotéticos nem é exigível que o julgador equacione todos os detalhes suscitados pelos sujeitos processuais.
Lida e relida a “Motivação da decisão de facto”, constata-se que permite acompanhar o raciocínio sentenciado, explanando com clareza o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num determinado sentido e não noutro, pelo que a única conclusão possível é a do cumprimento do dever de fundamentação.
Compreende-se que o Recorrente a apelide de “inconvincente” (daí o presente recurso) mas semelhante juízo de valor não radicará, seguramente, numa “falta” de fundamentação, antes numa declarada discordância com o respectivo teor (expressa ao longo de sucessivos passos da Motivação – veja-se a recorrente temática da “relação extra-conjugal Onde o Recorrente exprime a incorrecção da afirmação do Tribunal sobre o “convencimento” e retoma o tema da importância da sua existência – cf. fls. 321.); e afinal, só a sentença que “não contiver Artº 379º, nº1, al. a), do CPP. a “indicação e exame crítico das provas” padecerá de nulidade.
A decisão recorrida contém a indicação e o exame crítico das provas, designadamente das declarações do arguido, demandante e testemunhas Vítor C... e Dulce Silva.
Por isso, não enferma da nulidade prevista no artº 379º, nº1, al. a), do CPP nem afronta os preceitos constitucionais dos artºs 32º, nº1, e 205º, nº1, da CRP.
4. O conhecimento de questões “proibidas”
De acordo com o disposto no artº 379º, nº1, al. c), do CPP, “é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Constitui posição sedimentada na nossa jurisprudência no sentido de que a regra do artº 355º, nº1, do CPP – “não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência” - não se aplica aos elementos de natureza documental e aos meios de obtenção de prova.
Este problema há muito que tem solução estabilizada na jurisprudência do STJ, destacando aqui as referências a este propósito feitas no Código Penal anotado do Conselheiro Maia Gonçalves e o dos Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, onde se encontram bastos esclarecimentos a propósito da confusão que se tem gerado com a interpretação do referido art. 355.º, na exigência absurda de que todas as provas, incluindo as provas documentais constantes do processo, têm de ser reproduzidas na respectiva audiência de julgamento, se se pretende fazê-las valer e entrar com elas para a formação da convicção do tribunal.
A exigência do art. 355.º prende-se apenas com uma necessidade de evitar que concorram para a formação daquela convicção provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo pelos intervenientes, com respeito pelo princípio do contraditório, e não que tenham de ser reproduzidas na audiência, isto é, lidas ou apresentadas formalmente aos sujeitos processuais todas as provas documentais dele constantes. Basta que existam no processo com pleno conhecimento dos sujeitos processuais, que puderam inteirar-se da sua natureza, da sua importância e do seu conteúdo, bem como do seu valor probatório, para que qualquer desses sujeitos possa, em audiência, requerer o que se lhe afigurar sobre elas, examiná-las, contraditá-las e realçar o que, do seu ponto de vista, valem em termos probatórios. Neste sentido, tais provas são examinadas em audiência, sob a presidência dos princípios da imediação e do contraditório, podendo concorrer sem reservas para a convicção do tribunal.
Ora, se as provas, nomeadamente as provas documentais, já constam do processo, tendo sido juntas ou indicadas por qualquer dos sujeitos processuais e tendo os outros sujeitos delas tomado conhecimento, podendo examiná-las e exercer o direito do contraditório em relação a elas, não se vê razão para que elas tenham de ser obrigatoriamente lidas ou os sujeitos processuais obrigatoriamente confrontados com elas em julgamento para poderem concorrer para a formação da convicção do tribunal. O sujeito processual que assim o requeira pode sempre fazer examinar esta ou aquela prova, chamando a atenção para este ou aquele aspecto, ou pôr em causa de qualquer forma o seu valor e mesmo a sua validade.” (ac. da RL de 21/12/2011 relatado pelo Desemb. João Carrola no proc. 440/08.7GBSXL.L2-9; no mesmo sentido, os acs. da RP de 09/01/2013, relatado pela Desemb. Maria dos Prazeres Silva no proc. 220/08.0GEETR.P1, da RL de 28/06/2011 relatado pelo Desemb. Neto de Moura no proc. 737/07.3PLLSB.L1-5, e da ac. da RE de 09/03/2004, relatado pelo Desemb. Ribeiro Cardoso, no proc. 2167/03-1 Todos acessíveis em www.dgsi.pt.).
Os autos de denúncia em causa – incorporados nos autos principais e nos Apensos A, B e C – foram indicados na acusação como meio de prova Cf. fls. 109., pelo que o Recorrente teve a oportunidade de os examinar, impugnar ou questionar o seu valor probatório; se o não fez foi porque não quis ou porque não tinha motivos para tanto.
Logo, inexiste motivo que impeça a sua valoração pelo Tribunal a quo, não consubstanciando “prova proibida”.
Consequentemente, a sentença não padece da nulidade prevista no artº 379º, nº1, al. c), do CPP, não incorreu em “erro notório na apreciação da prova” nem violou o estatuído nos artºs 2º, 32º, nº5 (em qualquer das suas vertentes), e 205º, nº1, da CRP.
5. A impugnação da matéria de facto
O Recorrente considera que os Factos nºs 5, 6, 7, 8, 9, 14, 15, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 31 foram “erradamente dados como provados”.
Em primeira linha, cumpre salientar que, relativamente ao Facto 5, inexiste impugnação; o que o Recorrente pretende é que seja considerado provado que “a ofendida tinha uma relação extra-conjugal V. Conclusão 62ª..
Trata-se (há que repetir) V. ponto 3.2.3. de facto “novo”, no sentido de que nunca antes foi alegado pelo arguido, nem em sede de contestação nem em sede de audiência de julgamento; como podia e devia, se a defesa entendia – como parece, mas só agora – tratar-se de facto relevante para a decisão da causa em qualquer das suas vertentes.
Simultânea ou decorrentemente, é facto que não consta do elenco dos Factos Provados e Não Provados da decisão recorrida; pelo que não pode ser objecto de apreciação por este Tribunal em sede de impugnação da matéria de facto.
“II - A função do recurso no quadro institucional que nos rege é a de remédio para correcção de erros in judicando ou in procedendo, em que tenha incorrido a instância recorrida, processo de reapreciação pelo tribunal superior de questões já decididas e não de resolução de questões novas, ainda não suscitadas no decurso do processo. (…)
VII - No que respeita à impugnação da matéria de facto ante a Relação, nos termos dos arts. 427.° e 428.º do CPP, não dispensa o recorrente, além do mais, do ónus de enumeração especificada, ou seja, um a um, dos factos reputados incorrectamente julgados, dentre os elencados como provados ou não provados, quer provenientes da acusação, defesa ou resultantes da discussão da causa, por força do art. 412.°, n.º 3, al. a), do CPP.
VIII - Quando, então, impugne a decisão proferida ao nível da matéria de facto tal impugnação faz-se por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspectiva interessada, não equidistante, com o devido respeito, em relação àquilo que o tribunal tem para si como sendo a boa solução de facto, entende que devia ser provada. Por isso, segundo os termos da lei, a impugnação é restrita à “decisão proferida”, e realmente prolatada, e não a qualquer realidade virtual, de sobreposição da sua convicção probatória, pessoal, intimista e subjectiva, à convicção desinteressada formada pelo tribunal.
IX - Por força da natureza do recurso da matéria de facto para a Relação, que não é um novo julgamento, um julgamento repetível in totum, mas um julgamento parcial assim estruturado de acordo com a vontade do legislador ordinário, dentro da órbita de poderes de configuração que o constitucional lhe confere.
X - A garantia de um duplo grau de jurisdição de recurso em sede de matéria de facto não é a repetição por inteiro das audiências, o que se harmoniza inteiramente com o princípio de que não está consagrado no nosso direito um direito ilimitado ao recurso (ac. do STJ de 21/03/2012, relatado pelo Cons. Armindo Monteiro no proc. 130/10.0JAFAR.F1.S1).
Sobre esta questão, já o Tribunal Constitucional se pronunciou, não julgando “inconstitucionais as normas dos artigos 410.º, n.º 1, 412.º, n.º 3, e 428.º, conjugados com os artigos 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2, e 374.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, na interpretação de que não pode ser objecto da impugnação da matéria de facto, num recurso para a Relação, a factualidade objecto da prova produzida na 1.ª instância, que o recorrente-arguido sustente como relevante para a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida.” (ac. do TC nº 312/2012, DR, II série, de 07/01/2012).
Reexaminada toda a prova produzida (não só a da audiência de julgamento – declarações do arguido, da demandante Catarina C..., depoimentos das testemunhas Vítor C..., Maria S..., Maria C... Ouvidos na íntegra, ao abrigo do disposto no artº 412º, nº6, do CPP; anotando-se que Ana Afonso de Carvalho, mãe da demandante e sogra do arguido, começou a ser ouvida mas manifestou, quase de imediato, a vontade de ser “dispensada”. - mas também a de natureza pericial e documental), não se vislumbra a pretendida incorrecção de julgamento.
Aquilo que o Recorrente explana ao longo de grande parte da Motivação, com apoio a elementos da prova pessoal produzida durante o julgamento, mais não é do que a sua discordância com a forma como a prova foi apreciada mas não “impõe” decisão fáctica diversa da assumida pelo Tribunal a quo (cf. o artº 412º, nº3, al. b), do CPP).
A real pretensão do Recorrente neste momento é que se altere a matéria de facto de acordo com a sua própria convicção (e muitas vezes de acordo com as declarações que prestou, de “firme negação” dos actos ali narrados) – argumentando que “nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou quaisquer agressões e respectivas sequelas”, que “nenhuma testemunha foi capaz de atestar com certeza e segurança as expressões que o arguido alegadamente dirigiu à ofendida”, que “nenhuma prova foi produzida que indicasse que o arguido agrediu a ofendida”…-, olvidando (porventura) que a respectiva decisão pertence em exclusivo ao Tribunal, que apreciou a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção.
O princípio contido no artº 127º do CPP estabelece também um critério para a apreciação da prova de carácter eminentemente subjectivo e que resulta da livre convicção do julgador, em harmonia com as regras da lógica, da razão, das regras da experiência e dos conhecimentos científicos.
Tudo a partir de um processo lógico-racional que envolve, naturalmente, também, elementos subjectivos, inevitáveis no agir e pensar humano, que importa reconhecer, com consistência e maturidade, no sentido de prevenir a arbitrariedade e, ao contrário, permitir que actuem como instrumento de perspicácia e prudência na busca da verdade processualmente possível – elementos que tornam difícil senão mesmo impossível a motivação objectivada de todos os passos do processo interior que, na base indispensável dos dados objectivos carreados para o processo, conduziram à convicção do julgador. (…)
E, nesta matéria, (…) assume-se, como fundamental, o princípio da imediação, isto é, a relação de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão.
Só os princípios da imediação e da oralidade, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem, por último, uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso (…).
Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal.” (ac. da RE de 20/12/2005, processo nº 2489/05, www.dgsi.pt).
“A actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão” (acórdão da RP, recurso nº. 9920001, transcrito no ac. da RE de 20/12/2005).
O princípio da livre apreciação da prova, atentos os princípios da imediação e da oralidade, impede que a Relação se afaste do juízo feito pelo tribunal recorrido em matéria de prova a não ser no caso de este ter chegado a uma convicção puramente subjectiva, baseada em imprecisões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação e não numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras da lógica, da razão e das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos”.
O pressuposto da modificabilidade da matéria de facto na 2ª instância é, pois, a ausência de razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas (e não apenas das invocadas pelo recorrente,...) ou, de outro modo dito, o erro na apreciação destas. Sendo tal convicção insindicável, não se pode concluir pela irrazoabilidade da sua formação”. (acs. da RE de 06-06-2006, processo 384/06-1, e de 14-03-2006, processo 1050/05-1, in www.dgsi.pt).
Não estando em causa formalidades especiais de prova legalmente exigidas para a demonstração de quaisquer factos e assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal, documental e pericial que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª Instância na apreciação dessas provas.
O que é proposto ao tribunal de segunda instância não é que proceda a um novo julgamento – desprezando o juízo formulado na 1ª instância sobre as provas produzidas e a expressão do processo lógico que conduziu à pronúncia sobre a demonstração (ou não) dos factos ajuizados – mas tão só que no uso dos poderes próprios de tribunal de recurso, averigue – examinando a decisão da 1ª instância e respectivos fundamentos, analisando as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, sem deixar de ter presentes as limitações inerentes à ausência de imediação e da oralidade no tribunal de recurso – se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido se apresenta com o mínimo de razoabilidade face às provas produzidas Ac. do STJ de 21/05/2008, www.dgsi.pt..
E “conforme é habitual suceder quando estão em causa condutas lesivas de bens jurídicos pessoais, levadas a efeito entre pessoas ligadas uma à outra por um laço conjugal, actual ou já dissolvido, ou por outra relação, equiparada para tanto ao casamento, em que se incluem as realidades integradoras do tipo criminal da violência doméstica, a convicção probatória do Tribunal de julgamento, relativamente aos factos objectivos geradores da responsabilidade criminal do arguido, assentou, em primeira linha, mas não exclusivamente, nas declarações prestadas pela ofendida, no caso constituída assistente e demandante civil, pois as referidas condutas ocorreram, quase invariavelmente, no interior do lar familiar e fora da presença de estranhos.
Embora a assistente e demandante civil, ao invés do arguido, esteja vinculada ao dever de verdade e possa incorrer em responsabilidade criminal, se a ele faltar, as declarações por ela prestadas, devido ao seu posicionamento em relação ao objecto do processo, nunca poderão beneficiar da aura da isenção, do desinteresse ou da imparcialidade.
Daí não se segue, porém, que tais meios devam ser necessariamente preteridos no processo de formação da convicção do Tribunal, já que umas declarações prestadas por um sujeito processual, com interesse no desfecho do processo, não têm inevitavelmente que deixar de ser sinceras e verídicas.
Os referidos meios de prova terão de ser sujeitos ao crivo da crítica do julgador, à luz dos critérios que devem presidir à valoração probatória, designadamente, os dados da experiência comum, as regras da lógica e a normalidade das coisas.” Ac. relatado pelo Desembargador Sérgio Corvacho, da RE, 03/07/2012, proc. 53/10.3GDFTR.E1, www.dgsi.pt.
A criminalização das condutas inseridas na chamada "violência doméstica", e consequente responsabilização penal dos seus agentes, resulta da progressiva consciencialização da sua gravidade individual e social, sendo imperioso prevenir as condutas de quem, a coberto de uma pretensa impunidade resultante da ausência de testemunhas presenciais, inflige ao cônjuge, ou a quem com ele convive em condições análogas às do cônjuge, maus tratos físicos ou psíquicos.
Assim, neste tipo de criminalidade, as declarações das vitimas merecem uma ponderada valorização, uma vez que maus tratos físicos ou psíquicos infligidos ocorrem normalmente dentro do domicilio conjugal, sem testemunhas, a coberto da sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e, por isso, preservado da observação alheia, acrescendo a tudo isso o generalizado pudor que terceiros têm em se imiscuir na vida privada dum casal.” (ac. da RL de 06/06/2001, relatado pelo Desemb. Adelino Salvado no proc. 34263, www.dgsi.pt).
Perante semelhante parametrização e a audição levada a cabo por este Tribunal, constata-se que as considerações expendidas pelo Recorrente mais não representam do que uma tentativa de impor a sua visão sobre a forma como devem ser avaliados os elementos probatórios recolhidos mas insusceptíveis de obrigar a uma diferente decisão sobre a matéria de facto.
A ausência de testemunhas presenciais (como é habitual nestes casos) não é crucial; nada impede que o Tribunal atribua especial relevância às declarações da ofendida-demandante, posto que estas sejam consistentes e fiáveis; as declarações da demandante no que respeita às agressões do dia 7 de Maio (Facto 6) são corroboradas pelo teor do relatório pericial de fls. 20-23, não havendo fundamento sério para atribuir as lesões encontradas aos apregoados “hipersensibilidade” e “carácter descuidado” daquela; a explicação fornecida pelo arguido - a quem assiste o direito de prestar, ou não, declarações e da forma que lhe aprouver, sem que esteja sujeito ao dever de verdade - sobre o ocorrido no dia 16 de Maio é patentemente inacreditável, tocando as raias do “surrealismo” (afinal, a demandante é que teria confundido a sua suposta afirmação “não quero ficar com duas coisas na testa” com “dou-te dois tiros na testa” – Facto 16); o Facto 31 é suportado pelo “Resumo da Informação Clínica” de fls. 209 (como, aliás, expressou a Mmª Juiz a quo na Motivação da decisão de facto), cuja clareza e objectividade são insusceptíveis de ser inquinadas pela (mais uma vez) versão do arguido.
Uma nota final para salientar que nada permite desconfiar do juízo formulado pelo Tribunal de 1ª Instância sobre a credibilidade da demandante Catarina C...; por conseguinte, não merece censura a especial preponderância atribuída às respectivas declarações para a formação da convicção sobre a matéria factual provada.
O mesmo não se pode dizer do arguido, cuja obsessão pela suposta “traição” da ex-mulher perpassou ao longo de toda a audiência, e que alegando um interesse insistente na obtenção do divórcio (finalidade fornecida para algumas abordagens, sempre inofensivas na sua óptica) para “não ficar com duas coisas na testa”, afinal faltou duas vezes à conferência agendada para o efeito na Conservatória (episódio relatado pela demandante e confirmado pelo arguido, ao afirmar que “não assinou os papeis”).
Improcede, em suma, a pretendida alteração da decisão de facto – nomeadamente, da descrita sob os nºs 5, 6, 7, 8, 9, 14, 15, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 31 -, não se vendo motivo para concluir que o Tribunal a quo andou mal na delimitação da matéria de facto ou que errou na apreciação da prova.
E mostra-se inútil apelar ao princípio “in dubio pro reo”, o qual pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador que aqui não aconteceu, não ocorrendo pela simples verificação de versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes.
6. A agravação do crime de violência doméstica
A circunstância agravante do nº2 do artº 152º do CP - domicilio da vítima, próprio ou comum ao agressor – consolidou a necessidade de uma tutela acrescida, “num contexto em que é no domicílio que se multiplicam as agressões a coberto de uma certa sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e pela ausência de testemunhas Plácido Conde Fernandes, ob. cit., p. 314..
A subsunção dos factos considerados assentes ao crime de violência doméstica também p. e p. nos termos do referido nº2 do artº 152º (tendo em conta, designadamente, o lugar indicado no Facto Provado 5) é correcta, encontrando-se bem explanada na sentença recorrida, de forma precisa e detalhada.
Trata-se de ilícito necessariamente doloso e o elemento subjectivo está claramente espelhado nos Factos Provados 25 a 30; consignar, especificamente, que “o arguido praticou alguns dos factos descritos na residência comum do casal, sita na (…), o que sabia e queria”, significa que o arguido tinha o conhecimento e a vontade de agir dentro da casa de ambos, assim abarcando, naturalmente, tal conteúdo volitivo aquela circunstância agravante (de confinamento e privacidade, previstos e desejados).
Não se vislumbra que mais será necessário em ordem ao preenchimento do tipo.
7. A condição de suspensão da execução da pena de prisão
Não se afigura legítimo desligar de uma sentença condenatória (texto de conteúdo formal, subordinado a proposições de vários significados, mas interligados) um pequeníssimo trecho e, só com base nele, alegar que “não se mostra fundamentada”.
A respectiva leitura global – concatenando a matéria factual assente com o que a Mmª Juiz a quo explanou sobretudo acerca da “Determinação da medida da pena” mas também no “Pedido de indemnização civil Embora tratado subsequentemente, o montante do dever estipulado está com ele forçosamente conexionado. – permite compreender “um conjunto de vectores que, para além, de permitir verificar da bondade do decidido permitem a sua sindicância” (como bem notou o Digno Procurador-Adjunto na Resposta à Motivação Fls. 370-371.).
Assim analisada, facilmente se constata que o dever imposto ao arguido teve subjacente as consequências para a demandante do seu concreto agir criminoso, a impor a obrigação de algum ressarcimento.
Em suma, a sentença não padece da nulidade do artº 379º, nº1, al. a), nem ocorreu violação do artº 375º, nº1, ambos do CPP.
8. O pedido de indemnização civil
O Recorrente apela a que se proceda “equitativamente”, como manda o nº3 do artº 496º do CC.
Ora, a respeito da noção de “equidade”, bastará, por demais elucidativas, citar as seguintes passagens de aresto do Supremo Tribunal de Justiça:
A equidade é, hoje, objecto de várias referências dispersas nos textos legais, com significados que, não sendo em todos necessariamente de idêntica dimensão, partilham, todavia, de um critério de valor nuclear que lhes tem de ser comum.

Perante as múltiplas menções dos textos, a doutrina tem procurado agrupar a noção de equidade a duas «acepções fundamentais»: uma noção «fraca», que, partindo da lei, permitiria corrigir injustiças ocasionadas pela natureza rígida das normas abstractas quando da aplicação concreta; e uma noção «forte», que prescinde do direito estrito, procurando para cada problema soluções baseadas na justiça do caso concreto (vfr., v. g., António Menezes Cordeiro, “A Decisão Segundo a Equidade”, in, O Direito, Ano 122º, 1990, II (Abril-Junho), pág. 261 segs.).

As várias referências na lei, quando manda proceder a julgamento segundo a equidade, acolhem aquele primeiro sentido da noção.

A noção de equidade tem, pois, essencialmente que ver com a «vertente individualizadora da justiça» (cfr., idem); a equidade traduz um juízo de valor que significa um justo equilíbrio nas relações, por exemplo, entre o lesante e o lesado [cfr. Karl Larenz, “Metodologia da Ciência do Direito”, (trad. port., 2ª edição), pág. 350]. O juiz, na decisão segundo a equidade, terá de considerar essencialmente as particularidades que o caso concreto lhe apresenta, configurando-se a consideração dos elementos e realidades a ter em conta sobretudo como questão metodológica.

As referências dispersas na lei à equidade como critério ou elemento de decisão de questões específicas, apresentam uma matriz que tende para a definição de direitos e obrigações que supõem a consideração de pressupostos individualizadores, com algumas dificuldades na definição de critérios para quantificações abstractas, especialmente em matéria de determinação de indemnização; em tais casos, a superação apenas pode ocorrer in concreto, perante as circunstâncias particulares de cada situação, sem a preexistência de pautas, parâmetros ou modelos materiais de determinação.

A decisão segundo a equidade significa, pois, intervenção do justo critério do juiz na ponderação ex aequo et bono das circunstâncias particulares do caso, partindo das conjunções referenciais da ordem jurídica, e da função do critério e das finalidades a realizar; o julgamento de equidade não depende, por isso, da simples vontade, de inteira subjectividade ou de um simples modelo de discricionariedade.

O artigo 496º, nº 3, do Código Civil constitui uma das várias disposições da lei civil que remete o juiz para uma decisão equitativa, apontando-lhe, no entanto, os parâmetros de circunstâncias que deve ter em conta para decidir «equitativamente» sobre a fixação da indemnização por danos não patrimoniais: na quantificação devem ser consideradas todas as circunstâncias do caso, nomeadamente a culpabilidade do responsável, e a situação económica deste e do lesado (cf., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal, de 5/6/96, proc. 35/96; de 4/7/96, proc. 88200; e de 10/12/96, Proc. 385/96; proc. 3284/03, de 3/12/03).

Os critérios de equidade remetem, assim, para uma operação complexa, que não depende inteiramente de considerações de direito estrito, mas antes de referenciais que se acolhem a uma concreta ponderação de razoabilidade, ao prudente arbítrio, ao senso comum dos homens e à justa medida das coisas (cf. acórdão do Supremo, de 1/10/96, proc. 90/96).

Porém, na determinação «equitativamente» quantificada, os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objectivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objectivamente um enriquecimento injustificado (cf. acórdão do Supremo de 29/4/98, proc. 55/98).

De todo o modo, sendo a fixação equitativa o resultado de uma mediação inescapável do prudente critério do juiz entre a objectividade dos fins e o sentido da justa medida, o resultado do julgamento não deverá ser censurado quando não for clara e manifestamente inaceitável (cfr. acórdão deste Supremo de 5/3/02, proc. 73/02) Ac. de 13/07/2011, proc. 758/09.1JABRG.G1S1, www.dgsi.pt..

Sopesados o grau de culpabilidade do arguido, a respectiva situação económica e a da demandante e o demais circunstancialismo apurado, não é possível concluir pelo desacerto do montante de €4.000,00 atribuído, que assim não justifica intervenção reparadora por parte deste Tribunal superior.

Sendo certo que sempre se não vislumbraria fundamento para aplicar a citada norma do artº 668º, nº1, al. d), do CPC (“Causas de nulidade da sentença”) a um pedido cível deduzido em processo penal, não oferece dúvida que a decisão recorrida teve em consideração todos os factores económicos relevantes e efectivamente apurados (nomeadamente, o descrito na última parte do Facto Provado 36 – “Vive com o filho, com 20 anos de idade, estudante universitário, suportando o encargo mensal de cerca de € 350,00 para pagamento das suas despesas”).

Em conclusão: a prova não perdeu eficácia; a sentença não padece dos invocados vícios (“insuficiência”, “erro notório”) e nulidades (“falta de fundamentação”); não foi valorada prova “proibida”; inexiste motivo para alterar a matéria facto considerada assente pelo Tribunal a quo ; é correcta a subsunção jurídica dos factos; não merece reparo o valor da indemnização civil; e não ocorreu violação de qualquer preceito constitucional.

III – DECISÃO
1. Nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido.
2. Custas pelo recorrente, fixando-se em 5 (cinco) UCs a taxa de justiça devida.

4 de Março de 2013