Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1835/19.6T8VRL.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/20/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C

I- Não ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o tribunal a quo decide a questão relativa à ocorrência de acidente de trabalho alegadamente causado por inobservância de regras de segurança, pese embora a argumentação jurídica possa ser menos desenvolvida, mas, ainda assim, suficiente à compreensão das razões de direito que a alicerçaram.
II- O teor das declarações de parte do autor produzidas nos autos não obriga à alteração da matéria de facto.
III- A ampliação da matéria de facto resultante da consideração pelo juiz, na sentença, de factos complementares ou concretizadores de factos principais pressupõe o prévio cumprimento do contraditório, o qual tem de ser declarado e expresso. Devendo, ou as próprias partes requer o aditamento, ou o juiz oficiosamente dar-lhe conhecimento da possibilidade de ampliação, a fim delas se puderem pronunciar.
IV- Para que em acidente de trabalho a entidade empregadora responda a título principal e de forma agravada têm de se verificar cumulativamente os seguintes requisitos: (i) que sobre o empregador impenda o dever de observar determinadas regras de segurança e saúde no trabalho (ii) que o empregador ou representante as não haja observado sendo-lhe imputável tal omissão; (iii) que haja nexo de causalidade adequada entre a inobservância das regras de segurança e saúde no trabalho e o evento acidente (art. 18º/1/2ª parte, NLAT).
V- Compete à seguradora a prova de que a empregadora não observou regras pré-existentes sobre segurança e saúde no trabalho e que esta inobservância foi causa adequada do acidente de trabalho.
VI- Não se provou circunstancialismo suficiente que indicie a violação de regras de segurança por parte da empregadora, nem do seu nexo de causalidade com a ocorrência do acidente, quando apenas se sabe que o sinistrado escorregou e sofreu uma queda quando se encontrava a 2 metros do solo a remover barrotes no interior de uma habitação.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

AUTOR: A. C. patrocinado pelo Ministério Público.
RÉS: J. T., Unipessoal, Lda. e X, Seguros Gerais, S.A.,
Acção: a presente acção especial emergente de acidente de trabalho prosseguiu para a fase contenciosa porque a ré seguradora entende que existe violação das regras de segurança por parte da entidade empregadora, sendo aceite, no mais, a existência de acidente de trabalho. A empregadora aceita a responsabilidade pela parte do salário não transferido.

Pede o A que:

I) Seja a Ré/entidade Seguradora condenada a pagar ao autor/sinistrado: a) - A título de indemnização por ITA, a quantia de €8,62, resultante da diferença entre €2.519,33 devida, e €2.511,31 paga; b) – A título de indemnização por ITP, de 32% a partir de 29/01/2020 até 20/02/2020, a quantia de €138,04; c) – A título de indemnização por IPP, a partir de 21/02/2020, inclusive, uma pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível de €1.088,45 resultante do cálculo (€9.79,40 x 70% x 15,90%); d) – A título de reembolso de deslocações a este tribunal e ao GML a quantia de €15.
II) Seja a Ré/entidade empregadora condenada a pagar ao autor/sinistrado: aa)- A título de indemnização por ITA, a quantia de €62,94, correspondente ao período de 24/09/2019 a 28/02/2020 – 127 dias (€258,40 x 70%: 365 x 127 dias); bb) – A título de indemnização por ITP de 32%, a partir de 29/01/2020 até 20/02/2020 – 23 dias, a quantia de €3,65, resultante do cálculo (€258,40: 365 dias x 32% x 23 dias);cc) – A título de indemnização por IPP, a partir de 21/02/2020, inclusive, uma pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível de €28,76 resultante do cálculo (€258,40 x 70% x 15,90%);
III) Sejam ambas as Rés condenadas a pagar ao autor/sinistrado os respectivos juros sobres as prestações ora peticionadas.

CAUSA DE PEDIR: sofreu um acidente enquanto exercia as suas funções de trolha de 1ª na empresa acima indicada, em ..., auferindo a remuneração mensal de € 600,00 x 14 meses, acrescido de subsídio de alimentação de € 125,0 x 11 meses. O acidente ocorreu em 23/09/2019, pelas 16h30 horas, quando se encontrava numa obra e colocou o pé num barrote o mesmo partiu-se e saltou duma altura de cerca de 2 metros, tendo sofrido lesões no pé esquerdo. A partir de 20/02/2020 recebeu alta clínica tendo ficado a padecer de IPP de 15,90%, tendo despendido a quantia de € 15,00 com as deslocações efectuadas por força dos presentes autos se encontrarem pendentes. Em resultado do indicado sinistro sofreu um período de ITA de 127 dias (de 24/09/2019 a 28/01/2020) e um período de incapacidade temporária parcial de 32% de 23 dias desde 29/01/2020 a 20/02/2020. Apesar de auferir a quantia anual de € 9.779,40 deveria auferir, por força do CCT aplicável, a quantia de € 10.037,80, devendo a sua entidade empregadora responder pela diferença quanto ao valor da retribuição auferida e não transferida para a demandada seguradora.
CONTESTAÇÃO DA RÉ SEGURADORA - aceita a existência de contrato de seguro válido e eficaz à data do acidente invocado pelo demandante com a respectiva entidade empregadora, pelo valor de €9.779,40 de retribuição anual. Não aceita a sua responsabilidade pela verificação deste sinistro uma vez que houve violação das regras de segurança por parte da empregadora. No local onde teve lugar o sinistro, a empregadora procedia a obras de reabilitação/reconstrução de uma habitação unifamiliar, constituída apenas por rés do chão, tendo destacado para a mesma o A. e outro seu funcionário. O A. foi incumbido de retirar a telha e os barrotes de madeira do telhado que se encontravam danificados/podres, por forma a que depois fossem substituídos por outros novos. No cumprimento das ordens que lhe foram dadas, o A./sinistrado encontrava-se a efectuar trabalhos no telhado da referida habitação, a não menos de 2 metros de altura. Para o efeito, e para retirar os barrotes, o A./sinistrado caminhava em cima dos restantes barrotes de madeira danificados/podres. Quando se deslocava apoiando os pés nos referidos barrotes, um deles não suportou o seu peso e partiu, causando a imediata queda do A. para o interior da habitação. A empregadora não entregou, nem providenciou pela entrega de quaisquer EPI’s aos trabalhadores ao seu serviço naquela obra O A., no momento do sinistro, não se encontrava equipado com capacete, botas, luvas e/ou cinto de segurança e arnês. O A. não se encontrava sustentado por qualquer linha de vida ou protegido por outro equipamento de protecção individual ou colectiva destinado a obviar o risco de queda em altura, designadamente plataformas elevatórias, redes, andaimes ou tábuas de rojo. Considerando as características daquele edifício em reabilitação, em especial o facto de não ter placa interior que dividisse o telhado das demais divisões e a circunstâncias dos barrotes de madeira estavam danificados, podres e, portanto, frágeis, era perfeitamente possível e aconselhável, em ordem a prevenir o risco de queda em altura, a montagem e colocação de um andaime interior, por forma a que o A. pudesse retirar os barrotes antigos e colocar os novos, ou tábuas de rojo para que o mesmo se pudesse deslocar com maior segurança. Foram violados, entre o mais, os art.º 44ºe 45º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, inserido no capítulo “Obras em telhados”.

CONTESTAÇÃO DA RÉ EMPREGADORA- não apresentou qualquer oposição.
Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo:
“Tudo visto e nos termos expostos, julgam-se procedentes por provados os pedidos formulados pela aqui A., condenando-se a R. X, Seguros Gerais, S.A. no pagamento das seguintes quantias:
- a quantia de € 8,62 (oito euros e sessenta e dois cêntimos) a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária;
- a pensão anual e vitalícia de € 1.088,45 (mil e oitenta e oito euros e quarenta e cinco cêntimos), desde 21/02/2020, a qual é obrigatoriamente remível, acrescidas ambas as quantias acima fixadas dos respectivos juros de mora, vencidos à taxa legal, desde a data da alta clínica – 20/02/2020 – e dos vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento.
- € 15,00 (quinze euros) a título de compensação à demandante pelas despesas suportadas com deslocações efectuadas obrigatoriamente no âmbito dos presentes autos, acrescido este montante dos respectivos juros de mora à taxa legal vencidos desde a data da tentativa de conciliação – cfr. auto de fls. 76 – 15/12/2020.
Mais se condena a demandada J. T., Unipessoal, Lda. a pagar ao demandante as seguintes quantias:
- a quantia de € 66,59 (sessenta e seis euros e cinquenta e nove cêntimos), a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária;
- a pensão anual e vitalícia de € 28,76 (vinte e oito euros e setenta e seis cêntimos), a qual é obrigatoriamente remível, acrescidas ambas as quantias acima fixadas dos respectivos juros de mora, vencidos à taxa legal, desde a data da alta clínica – 20/02/2020 – e dos vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento.
Fixam-se aos autos o valor legal de € 12.958,24 – cfr. art. 120º do C.P.T.
Custas pelas RR. na proporção do respectivo decaimento.”

RECURSO – FOI INTERPOSTO PELA RÉ SEGURADOA. RECORREU E SUSCITOU A NULIDADE DA SENTENÇA.

3. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, não se conforma a Seguradora R. com o entendimento vertido na douta decisão recorrida, por considerar que a mesma, antes de mais, se mostra afectada por manifesta nulidade por omissão de pronúncia e, de igual sorte, partiu de uma errada apreciação da prova, o que conduziu a uma errada decisão de facto e, consequentemente, a errada decisão de direito.
4. Ainda que se considere que inexiste a apontada nulidade da decisão, a sentença aqui posta em crise enferma de erro de julgamento quanto à decisão de facto, no que tange, essencialmente, aos factos julgados não provados, que deveriam ter sido julgados provados.
5. E, bem assim, na decisão de direito, porquanto, por via do imperioso conhecimento da questão relativa à responsabilidade pela ocorrência do acidente, derivada de incumprimento de regras de segurança da entidade empregadora (que não foi conhecida na douta sentença), e independentemente da propugnada alteração da decisão de facto, sempre se deveria imputar a responsabilidade pela ocorrência do evento infortunístico em causa, à entidade empregadora, a R. J. T., UNIPESSOAL, LDA, à luz do disposto no art. 18º n.º 1 da Lei 98/2009 (NLAT)
6. Nos moldes que infra se desenvolverá, deverá, pois, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que considere que a responsabilidade pela ocorrência do evento infortunístico dos autos e pela reparação dos danos do mesmo decorrentes, se mostra imputável à R. J. T., UNIPESSOAL, LDA, entidade empregadora, que incumpriu, culposamente, as regras de segurança e saúde no trabalho que sobre si impendiam.

DA NULIDADE DA SENTENÇA:
…9. A douta sentença aqui posta em crise padece de nulidade, por omissão de pronúncia, uma vez que o Mmo. Tribunal a quo não se pronunciou, nem apreciou, como se lhe impunha, a questão suscitada pela Seguradora recorrente nos presentes autos (em sede de tentativa de conciliação e, depois, na contestação) e que consistiu no concreto motivo pelo qual a Seguradora recorrente não aceitou conciliar-se: a imputação da responsabilidade pela ocorrência do acidente de trabalho à entidade empregadora co-R. por violação culposa das regras de segurança e saúde no trabalho, nos termos do disposto no art. 18º da Lei 98/2009, de 04 de Setembro.
13. Ou seja, alegou a Seguradora R. que no momento do acidente não estava colocada qualquer protecção colectiva destinada a evitar ou minimizar o risco de queda em altura, nomeadamente tábuas de rojo ou andaime e que, nessa medida, a causalidade necessária e adequada à produção do sinistro dos autos era reconduzível á violação culposa de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora, ao ter omitido a colocação de meios de protecção destinados a evitar quedas em altura e ao permitir que o trabalhador executasse o seu trabalho no telhado a uma altura de pelo menos 2 metros, sem qualquer protecção que impedisse a sua queda para o solo.
14. Invocou, pois, a Seguradora R. como fundamento da sua defesa a verificação de uma situação de responsabilidade agravada, nos termos do disposto no art.º 18º da NLAT, por violação culposa de regras de segurança pela empregadora.
15. Em parte alguma dos autos a Seguradora R. (ou qualquer outra interveniente processual) invocou que o acidente dos autos se tivesse ficado a dever a uma situação reconduzível a negligência grosseira do sinistrado.
…17. Na verdade, e em termos de aferição da responsabilidade pela reparação do acidente, na douta sentença proferida apenas se apreciou a questão (não suscitada) ”referente à atribuição ao próprio sinistrado da responsabilidade pela verificação das lesões decorrentes do sinistro ocorrido, mormente por omissão na utilização do equipamento de protecção obrigatório (individual ou colectivo)”, concluindo-se pela não demonstração dos requisitos legais de que dependia, à luz do art. 14ºda NLAT, a descaracterização do acidente.
....21. A douta sentença proferida é, assim, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, nula, por não se ter pronunciado sobre esta concreta questão, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615º n.º 1 al d) do Cód. Proc. Civil.
….DO ERRO DE JULGAMENTO E DA NECESSIDADE DE REAPRECIAÇÃO DA PROVA:
23. Considera a Seguradora recorrente que o Mmo. Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na decisão de facto, pois que atenta a prova produzida, deveriam ter sido julgados provados os seguintes factos (que foram erradamente julgados não provados):
• O Autor ao efectuar trabalhos no telhado da referida habitação, retirava barrotes de madeira que ali se encontravam danificados/podres, trabalhando em cima da parede (tema de prova 3, com o esclarecimento decorrente da prova)
• O demandante não se encontrava, na execução dessa tarefa, sustentado por qualquer linha de vida ou protegido por equipamento de protecção individual ou colectivo destinado a obviar o risco de queda em altura (como plataformas elevatórias, redes ou andaimes) (tema de prova 4)
• Naquela obra não existia qualquer meio de segurança capaz de proteger o A. de queda em altura e considerando as características daquele edifício em reabilitação, o qual nºao tinha placa interior que separasse o telhado das demais divisões e estando os barrotes de madeira danificados era necessária a colocação de um andaime interior de forma a assegurar a segurança do A. (tema de prova 5)
• A 2ª R. tinha conhecimento do estado em que se encontravam os barrotes do telhado em causa e que seriam incapazes de suster o peso motivo pelo qual estavam a ser retirados (tema de prova 6)
24. Com relevo para a apreciação da matéria factual constante dos factos não provados supra referidos, urge recordar o depoimento/declarações do próprio sinistrado A. C., prestado em audiência de julgamento de 18/06/2021, …..
25. Ou seja, considera a Seguradora recorrente que do depoimento do sinistrado A. C. decorre a demonstração dos factos que se entende terem sido erradamente julgados não provados.….
28.. Assim, o Mmo. Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na decisão de facto, pois que atenta a prova produzida, e com especial enfoque no depoimento do sinistrado (nos trechos transcritos no corpo das alegações) deveriam ter sido julgados provados vertidos no elenco dos factos não provados, e com a seguinte redacção:
• O Autor ao efectuar trabalhos no telhado da referida habitação, retirava barrotes de madeira que ali se encontravam danificados/podres, trabalhando em cima da parede (tema de prova 3, com o esclarecimento decorrente da prova produzida em audiência de julgamento – cfr. depoimento do sinistrado, minutos 5.00 a 5.43, 6.16 a 6.59, e 9.07 a 10.13)
• O demandante não se encontrava, na execução dessa tarefa, sustentado por qualquer linha de vida ou protegido por equipamento de protecção individual ou colectivo destinado a obviar o risco de queda em altura (como plataformas elevatórias, redes ou andaimes) (tema de prova 4, cfr. depoimento do sinistrado, minutos 4.11 a 4.43 e 5.00 6.05)
• Naquela obra não existia qualquer meio de segurança capaz de proteger o A. de queda em altura e considerando as características daquele edifício em reabilitação, o qual não tinha placa interior que separasse o telhado das demais divisões e estando os barrotes de madeira danificados era necessária a colocação de um andaime interior de forma a assegurar a segurança do A. (tema de prova 5, cfr. depoimento do sinistrado, minutos 3.04 a 3.12. 6.16 a 6.59, 9.07 a 10.13)
• A 2ª R. tinha conhecimento do estado em que se encontravam os barrotes do telhado em causa e que seriam incapazes de suster o peso motivo pelo qual estavam a ser retirados (tema de prova 6, cfr. depoimento do sinistrado, minutos 9.07 a 10.13)
...DO DIREITO:…
33. Considera a Seguradora Apelante que a matéria de facto considerada provada é suficiente e adequada para que se impute a responsabilidade pelo acidente de trabalho em apreço, à R. entidade patronal, por via da aplicação do art. 18º n.º 1 da LAT, atenta a flagrante relação de causalidade necessária entre a culposa inobservância, por parte daquela, das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho a que estava concretamente obrigada e a ocorrência do sinistro (consubstanciado na queda em altura sofrida pelo A.)

DA RESPONSABILIDADE PELA REPARAÇÃO DO ACIDENTE:….
35. Para que tal imputação possa ter lugar torna-se necessário que fique demonstrado que a entidade empregadora violou ou omitiu os deveres de cuidado ou diligência que lhe eram exigidos no caso concreto, e destinados a evitar a produção do evento.
36. Ora, como teremos oportunidade de demonstrar, urge concluir que no caso concreto, efectivamente, a co-R. entidade empregadora não cuidou de providenciar (como se lhe impunha) pela criação e colocação de protecções individuais e/ou colectivas destinadas a evitar/minimizar o risco de queda em altura, nomeadamente os andaimes para que o trabalhador/sinistrado desempenhasse a sua tarefa de retirar os barrotes de madeira do telhado.
37. E que se o tivesse feito, o sinistro dos autos não teria certamente ocorrido.
38. Ao omitir este dever, a co-R. empregadora permitiu que os seus trabalhadores, designadamente o A./ sinistrado, se expusesse ao perigo concreto adveniente da execução de trabalho no telhado a 2 metros de altura do solo.
39. Facilitando, pois, a ocorrência do sinistro dos autos.
40. Com relevância para a questão ora colocada, resultou definitivamente provado que:
….
42. Constitui ponto assente que, aquando da execução dos trabalhos levados a cabo pelo A., por conta e no interesse da co-R. entidade patronal, nomeadamente no momento do sinistro, não foi adoptada qualquer medida de protecção individual ou colectiva que fosse adequada a impedir/minimizar o risco de queda em altura.
43. Na verdade, o trabalho no telhado (já sem telhas), em cima de uma parede, retirando barrotes de madeira, nas concretas circunstâncias em que o A. o desempenhava, a 2 metros de altura, implica, só por si, um risco efectivo de queda.
44. Sendo inquestionável que naquela obra não existia qualquer meio de protecção que impedisse a queda do sinistrado para o solo (seja para o interior da habitação, seja para o exterior).
45. E se se admite que não se provou que o sinistrado caminhasse no desempenho da sua tarefa pelos barrotes de madeira (podres), certo é também que o facto de se ter demonstrado que o mesmo trabalhava apoiado em cima da parede da habitação, sem qualquer protecção, não se afigura menos gravoso ou perigoso, subsistindo o invocado risco evidente de queda.
46. Ora, certo é que o local onde caiu o sinistrado não estava dotado das medidas legais e regulamentares de protecção individual ou colectiva destinadas a evitar ou minimizar o risco de queda, as quais, sendo necessárias, eram absolutamente inexistentes.
47. Conclui-se, assim, que a co-R. entidade empregadora não cumpriu as regras de segurança a que estava adstrita na realização da tarefa em que ocorreu o acidente dos presentes autos.
48. E é igualmente inquestionável que foi essa mesma omissão (falta de adopção de medidas de protecção contra risco de queda) que conduziu ao acidente de trabalho que deu origem aos presentes autos.
49. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, e em face da factualidade demonstrada, não podia o Meritíssimo Tribunal “a quo” ter proferido a decisão nos moldes em que o fez.
50. Os factos provados são suficientes para se concluir, sem margem para dúvidas, que o sinistro não teria ocorrido caso a entidade empregadora tivesse adoptado as medidas de protecção colectiva que se lhe impunham, por exemplo, montar andaimes no interior do edifício munidos de guarda corpos/protecções laterais.
51. Os riscos para a segurança aqui em apreço – nomeadamente queda em altura – são perceptíveis de forma meramente intuitiva por qualquer pessoa comum, e dotada de médio bom senso, considerando-se que o trabalhador desempenhava a sua função de retirar/desalojar os barrotes de madeira que sustentavam o telhado, em cima de uma parede a 2 metros de altura, sem qualquer protecção.
52. Dos factos provados resulta, sem margem para dúvidas, que o acidente em causa se deveu ao facto de no momento do evento, inexistir qualquer medida de protecção individual ou colectiva destinada a evitar ou minimizar o risco de queda em altura.
53. Mecanismos de protecção estes cuja colocação era legalmente obrigatória, atenta a natureza do telhado (já totalmente desprovido de telhas, sem placa por baixo), e em face dos disposto nos artigos 273 e 281 do Cód, Trabalho, 44º e 45º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
54. Resulta à saciedade que foi, precisamente, a ausência dessas protecções que originou o acidente e as consequentes lesões que afectaram o trabalhador sinistrado.
….59. Salvo o devido respeito por melhor opinião, afigura-se evidente, no caso dos autos, não só a inobservância das mais elementares regras de segurança no trabalho por parte da co-R. entidade empregadora, que essa inobservância foi culposa, e ainda a verificação e demonstração do nexo de causalidade entre tal conduta omissiva e o acidente e lesões sofridas pelo A.
60. Pelo que se pugna pela revogação da douta sentença ora posta em crise, devendo decidir-se no sentido da imputação da responsabilidade pelo sinistro, a título de violação/omissão culposa das regras de segurança, e nos termos do art. 18º n.º 1 da NLAT, à R. entidade empregadora, perante o absoluto incumprimento do disposto no art 44º e 45º do Decreto 41 821, de 11 de Agosto de 1958, entre outros.

TERMOS EM QUE DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, E JULGADA VERIFICADA A NULIDADE DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, …DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO E REVOGADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA NOS TERMOS SUPRA EXPOSTOS…”

CONTRA-ALEGAÇÕES: o A. defende a manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi apreciado em conferência – 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso(1)):

1 – Nulidade da sentença;
2 - Impugnação da matéria de facto;
3 - A violação das regras sobre segurança e saúde por parte da empregadora ré.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS:
Factos provados:

· A 2ª R. entidade empregadora, constituída em 15/11/2013 dedica-se à construção de edifícios e outras actividades de acabamentos e prestação de serviços agrícolas.
· O A. é trabalhador da referida demandada desempenhando, sob as suas ordens, direcção e fiscalização a actividade de trolha de 1ª.
· No dia 23/09/2019 pelas 16h30 horas em ..., Vila Real, quando já se encontrava no pleno exercício da sua actividade, por conta e ao serviço da sua entidade empregadora, estando numa obra, colocou o pé num barrote, este partiu-se p que provocou a sua queda de uma altura de cerca de 2 metros, sofrendo lesões no pé esquerdo.
· Em consequência do referido acidente o A. sofreu as lesões examinadas e descritas no relatório do GML – cfr. fls. 51 a 53, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido – as quais lhe determinaram um período de ITA de 24/09/2019 a 28/01/2020 (127 dias); um período de IT de 32% de 29/01/2020 a 20/02/2020 e uma IPP de 15,90% a partir de 20/02/2020.
· O A. auferia a quantia mensal de € 600,00 x 14 meses + € 125,40 x 11 meses (subsídio de alimentação) o que ascende a uma remuneração anual de € 9.779,40.
· A R. seguradora pagou ao sinistrado a quantia de € 2.511,31 a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária.
· O A. despendeu a quantia de € 15,00 a título de deslocações ao Tribunal em virtude deste sinistro.
· A responsabilidade emergente de acidentes de trabalho ao serviço da 2ª R. foi validamente transferida para a R. seguradora através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ……….99 válido e em vigor à data do sinistro dos autos pelo valor da retribuição anual de € 9.779,40.
· Em 01/09/2015 a 2ª R. J. T., Unipessoal, Lda. admitiu ao seu serviço o A. através de contrato de trabalho, atribuindo-lhe a categoria profissional de trolha/pedreiro, com um horário de 40 horas/semana.
· O sinistro ocorreu numa obra de reabilitação dum edifício residencial sito em ... de apenas r/c quando o A. se encontrava acompanhado dum seu colega executando as tarefas que lhe haviam sido incumbidas pela sua entidade empregadora.
· O A. ao efectuar trabalhos no telhado da referida habitação, retirava barrotes de madeira que ali se encontravam, tendo escorregado e apoiando-se num dos barrotes este cedeu causando a imediata queda do A. para o interior da mesma habitação duma altura de cerca de 2 metros.
· Aquando da verificação do acidente acima descrito não existia nesse local qualquer andaime ou arnês que impedisse a sua queda para o solo.

Factos não provados

O A. ao efectuar trabalhos no telhado da referida habitação, retirava barrotes de madeira que ali se encontravam danificados/podres, caminhando em cima dos mesmos, até que um desses barrotes não suportou o seu peso e cedeu causando a imediata queda do A. para o interior da mesma habitação duma altura de cerca de 2 metros.
o A 2ª R. não entregou na ocasião ao A. quaisquer EPI’s não estando o demandante equipado com capacete, botas, luvas e/ou cinto de segurança e arnês, pelo que o demandante não se encontrava, na execução dessa tarefa, por qualquer linha de vida ou protegido por equipamento de protecção individual ou colectivo destinado a obviar ao risco de queda em altura (como plataformas elevatórias, redes ou andaimes).
o Naquela obra não existia qualquer meio de segurança capaz de proteger o A. de queda em altura e considerando as características daquele edifício em reabilitação, o qual não tinha placa inferior que separasse o telhado das demais divisões e estando os barrotes de madeira danificados era necessária a colocação de um andaime inferior de forma a assegurar a segurança do A.
o A 2ª R. tinha conhecimento do estado em que se encontravam os barrotes do telhado em causa e que seriam incapazes de suster o peso motivo pelo qual estavam a ser retirados.

B) NULIDADES DA SENTENÇA:

A ré invoca a nulidade da sentença por alegada omissão de pronúncia sobre a questão do acidente de trabalho resultar da inobservância de regras de segurança por parte da entidade empregadora, sendo esta, portanto, responsável a título principal e de forma agravada – 18º na Lei 98/2009, de 4-09 (2) (doravante, NLAT).
Segundo o artigo 615, 1, b) CPC, é nula se sentença quando, entre o mais “…O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”
A omissão de pronúncia sobre “questões” refere-se aos pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções, conforme tem sido decidido uniformemente pela jurisprudência (3) e acolhido pela doutrina. Não há que confundir o significado de “questões” com as razões, a retórica ou os motivos invocados pelas partes para alicerçarem a sua pretensão (4). Nem tão pouco com uma fundamentação que, no entender da parte, não seja a desejável, nem devidamente aprofundada.
Ora, no caso concreto, embora com fundamentação escassa, a sentença decidiu a “questão”, considerando que o acidente tem apenas causa no risco da actividade profissional e condenou a seguradora, respondendo a empregadora apenas na medida da retribuição não transferida pelo seguro de acidentes de trabalho.
O que decorre quer do dispostivo da sentença, quer da fundamentação, mormente destas passagens: “…

….o A. demonstrou a ocorrência deste sinistro, no sentido de que ocorreu o evento traumático, o qual não foi sequer impugnado pela demandada seguradora, que apenas pretendia imputar aquele evento e à conduta omissiva por parte da demandada entidade empregadora e do próprio sinistrado.
….esta matéria de facto constituía ónus de prova da demandada seguradora, que a invocou e a este propósito não se pode deixar de concluir, face à matéria factual acima dada como provada que a demandada não logrou demonstrar que a omissão destes meios de protecção individuais ou colectivos fossem necessários para a tarefa que em concreto o sinistrado cumpria, ou que a sua existência tivesse evitado o acidente sofrido.

Na verdade, se atentarmos na factualidade que acima se descreve como assente, após a discussão da causa, verifica-se que por um lado o estado dos barrotes não ficou demonstrado, desconhecendo-se se efectivamente os mesmos se encontravam podres ou se foram retirados apenas porque seriam substituídos pela colocação duma placa em betão; mas mais relevante ainda não ficou demonstrado, como pretendia a demandada seguradora que o A. se encontrava apoiado nesses barrotes, caminhando em cima dos mesmos enquanto prosseguia a tarefa dos retirar. Pela descrição efectuada pelo próprio A., pelo seu empregador e pela testemunha P. R. (únicas pessoas que se encontravam efectivamente no local antes e depois do sinistro) o que ficou evidenciado é que estando os barrotes a retirar apoiados numa viga central e colocados desde essa viga até à parede, é, em nosso entender, muito mais condizente com a lógica e o conhecimento comum que o sinistrado se apoiasse na dita parede, retirando os barrotes à vez, ao invés de caminhar em cima dos próprios barrotes e estando aquela parede (em pedra) a cerca de 2 metros do solo não se afigura que a colocação de andaime pudesse ser necessária ou útil à concretização dessa tarefa, no sentido de que a sua não colocação constitui a violação dum dever de cuidado, como pretende a demandada seguradora.
Acresce ainda que a demandada seguradora não evidenciou, tal como acima se consignou, que se a sinistrada usasse o equipamento de protecção individual (capacete de protecção) as lesões sofridas não se teriam verificado, porque aquele as teria evitado em absoluto, uma vez que as lesões sofridas foram num dos membros inferiores (pé esquerdo)…..”
É certo que o tribunal a quo dedica depois maior atenção à inexistência de culpa por parte do sinistrado, quando deveria ter-se ocupado mais aprofundadamente da questão da inobservância das regras de segurança pela empregadora, questão arguida pela demandada seguradora. Contudo, a sentença cumpre o mínimo de fundamentação de direito necessário à compreensão da decisão.
Improcede a arguição de nulidades.

C) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

A decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada pelo tribunal da Relação se os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem, e não somente admitirem, decisão diferente – art. 662º do CPC. A utilização do verbo “impor” confere um especial grau de exigência na modificação da materialidade que apenas deve ser revista se houver um claro e flagrante erro de julgamento. Não se trata de reapreciar a prova como se fosse um novo julgamento, mas de, com referência à matéria impugnada, rastrear os casos de clara desarmonia entre a prova disponível e a decisão tomada, as incongruências ou outras anomalias que claramente sobressaiam. Ou seja, o julgador do tribunal superior tem de estar bem seguro de que a prova foi mal apreciada e, só nessa circunstância, a deve modificar (5).

São algo de impugnação os pontos 3 a 6 dos temas de prova que foram julgados não provados:

Redacção:
3- O A. ao efectuar trabalhos no telhado da referida habitação, retirava barrotes de madeira que ali se encontravam danificados/podres, caminhando em cima dos mesmos, até que um desses barrotes não suportou o seu peso e cedeu causando a imediata queda do A. para o interior da mesma habitação duma altura de cerca de 2 metros?

Resposta proposta pelo recorrente:
• O Autor ao efectuar trabalhos no telhado da referida habitação, retirava barrotes de madeira que ali se encontravam danificados/podres, trabalhando em cima da parede (tema de prova 3, com o esclarecimento decorrente da prova produzida em audiência de julgamento – cfr. depoimento do sinistrado)
4- A 2ª R. não entregou na ocasião ao A. quaisquer EPI’s não estando o demandante equipado com capacete, botas, luvas e/ou cinto de segurança e arnês, pelo que o demandante não se encontrava, na execução dessa tarefa, por qualquer linha de vida ou protegido por equipamento de protecção individual ou colectivo destinado a obviar ao risco de queda em altura (como plataformas elevatórias, redes ou andaimes)?

Resposta proposta:
• O demandante não se encontrava, na execução dessa tarefa, sustentado por qualquer linha de vida ou protegido por equipamento de protecção individual ou colectivo destinado a obviar o risco de queda em altura (como plataformas elevatórias, redes ou andaimes) (tema de prova 4, cfr. depoimento do sinistrado, minutos 4.11 a 4.43 e 5.00 6.05)
5- Naquela obra não existia qualquer meio de segurança capaz de proteger o A. de queda em altura e considerando as características daquele edifício em reabilitação, o qual não tinha placa inferior que separasse o telhado das demais divisões e estando os barrotes de madeira danificados era necessária a colocação de um andaime inferior de forma a assegurar a segurança do A.?

Resposta proposta:
• Naquela obra não existia qualquer meio de segurança capaz de proteger o A. de queda em altura e considerando as características daquele edifício em reabilitação, o qual não tinha placa interior que separasse o telhado das demais divisões e estando os barrotes de madeira danificados era necessária a colocação de um andaime interior de forma a assegurar a segurança do A. (tema de prova 5, cfr. depoimento do sinistrado, minutos 3.04 a 3.12. 6.16 a 6.59, 9.07 a 10.13)
6- A 2ª R. tinha conhecimento do estado em que se encontravam os barrotes do telhado em causa e que seriam incapazes de suster o peso motivo pelo qual estavam a ser retirados?

Resposta proposta:
• A 2ª R. tinha conhecimento do estado em que se encontravam os barrotes do telhado em causa e que seriam incapazes de suster o peso motivo pelo qual estavam a ser retirados (tema de prova 6, cfr. depoimento do sinistrado)
A recorrente alicerça a alteração nas declarações de parte do autor.
Mas, independentemente de as declarações de parte não provirem de alguém desinteressado e de terem de ser devidamente coadjuvadas por outros meios de prova, o depoimento do autor não confirma a essencialidade da inobservância de regras de segurança por parte da empregadora.
Na contestação, peça apropriada à alegação dos factos da defesa, a ré centrou-se no facto de o autor se movimentar em cima de barrotes do telhado de uma obra em curso, com o objectivo de dali os retirar, sofrendo uma queda em altura por os barrotes estarem podres e não terem suportado o seu peso, tendo um deles cedido e provocado a queda. A empregadora, sabedora desse estado periclitante dos barrotes e do perigo de queda, deveria ter providenciado pela entrega de EPI’s aos trabalhadores e não fez, não se encontrando estes equipados com capacete, botas, luvas e/ou cinto de segurança e arnês, nem tão pouco forneceu plataformas elevatórias, redes, andaime interior ou tábuas de rojo que teriam evitado o acidente.
Ora, esta factualidade, mormente a causalidade, não foi confirmada pelo autor. Este negou que andasse a trabalhar em cima de barrotes podres, referindo que os retirava a partir de uma parede de pedra larga, estando situado a cerca de 2m do solo. Houve um barrote que saiu mais depressa, por isso desequilibrou-se e acabou por cair no chão. Não confirma que andasse em cima de barrotes. Mais referiu que tinha EPI´s (botas e luvas que usava) e que não tinha condições para prender o cinto em lado algum. O andaime foi fornecido pela empregadora e utilizado para retirar as telhas. Mais referiu que, na tarefa interior de retirar os barrotes, não havia placa, mas apenas forro, e a parede larga oferecia-lhe mais segurança que um andaime, pelo que optou por não o utilizar.
Em segundo lugar, tal como se refere na fundamentação, também o outro trabalhador que ali se encontrava a realizar os trabalhos, P. R., confirmou que a causa da queda foi o desequilíbrio do autor quando se encontrava em cima de uma parede a tirar um barrote. Nega que os barrotes estivessem podres. Mais confirmou que tinha sido fornecido equipamento de protecção e que, anteriormente, tinham utilizado no exterior um andaime fornecido pela empregadora para tirar as telhas. Mas, para retirar os barrotes, sendo uma operação interior e a uma distância de cerca de 1.80cm do solo, entenderam que era melhor não o utilizar.
Diga-se, ainda, que são extemporâneas as alterações/aditamentos que a ré seguradora pretende agora introduzir à matéria em sede de recurso sobre a matéria de facto, de que, afinal, o autor executava os trabalhos sobre a parede e não sobre os barrotes podres.
Trata-se de factualidade que não tinha sido alegada pelas partes. Cabe às partes alegar os factos principais que integram a causa de pedir e as excepções invocadas. O que é uma decorrência do princípio do dispositivo e da controvérsia – 5º, 1, 552º, 1, d), 572º, c), CPPC.
É certo que, além dos factos alegados pelas partes, o juiz pode considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e, bem assim, os que sejam complemento ou concretização de factos principais alegados pelas partes e que resultem da instrução da causa- 5º, 2, al. a) e b), CPC.
A lei processual laboral vai mais longe e até permite que o juiz considere factos essenciais não articulados pelas partes que surjam no decurso da produção da prova e que entenda relevantes para a boa decisão da causa – 72º, 1 a 3, CPC (actual redacção). A maior amplitude justifica-se pela natureza dos interesses em causa, muitas vezes reportando-se a direitos indisponíveis. Reforça-se o poder inquisitório do juiz e o princípio de aquisição processual.
Contudo, quer no caso do processo civil, que no caso do processo laboral, a utilização pelo juiz de factos não alegados pelas partes – essenciais, concretizadores ou complementares – não é arbitrário e depende sempre do prévio cumprimento do contraditório. Ou seja, é necessário que a parte contrária sobre eles tenha tido a possibilidade de se pronunciar (5º/2/ b, CPC), ou que o juiz tenha ampliado os temas de prova ou, não havendo despacho saneador, que sobre os factos tenha incidido a discussão – 72º CPT.
Trata-se de o juiz deve fazer cumprir o contraditório e de assegurar a igualdade de armas ao longo de todo o processado - 3º, 3, 4º CPC

No caso, havia sido alegado pela seguradora a violação de regras de segurança por parte da empregadora quanto às precauções a tomar para evitar quedas em altura. Esta é a matéria de excepção da seguradora. A qual, em recurso, pretende que se concretize de modo diferente o modo como ocorreu o acidente- o trabalhador estaria a trabalhar em cima de uma parede e não sobre barrotes podres que cederam com o seu peso como havia alegado na contestação.
Assim, os factos em causa revestem a natureza de complementares ou concretizadores de factos principais.
Contudo, a acta de audiência de julgamento é omissa quanto à pronúncia das demais partes sobre tal matéria. O seu conhecimento e apreciação não foi expressamente susciptado. O juiz igualmente não avisou as partes da possibilidade de aditamento e de consideração de novos factos.

A jurisprudência tem entendido que não é exigível às partes que façam juízos antecipatórios sobre a matéria não alegada que o juiz eventualmente utilizará, o que seria uma exigência desproporcionada, pressupondo um grau de diligência incomum. Assim, o cumprimento do contraditório terá de ser expresso, ficando devidamente documentado que as partes tomaram conhecimento e puderam pronunciar-se sobre a possibilidade de aditamento (ac. da RG de 15-09-2016, proc. 572/14.2TBBGC.G1 e ac. do STJ de 7-02-2017, proc. 1758/10.4TBPRD.P1. S, em cujo sumário consta:

“1. Não parece ser de sufragar o entendimento segundo o qual o aproveitamento de factos essenciais novos (complementares ou concretizadores) depende apenas da observância do princípio da audiência contraditória relativamente à produção do meio de prova de que eles emergem (art. 415º do CPC).
2. A disciplina prevista no art. 5º, nº 2, al. b), do CPC exige que o tribunal se pronuncie expressamente sobre a possibilidade de ampliar a matéria de facto com esses factos novos, disso dando conhecimento às partes antes do encerramento da discussão. Só depois poderá considerar esses factos (mesmo que sem requerimento das partes nesse sentido).
3. Só assim é conferida à parte "a possibilidade de se pronunciar" sobre os factos que o tribunal se propõe aditar e só desse modo lhe é facultado o exercício pleno do contraditório, podendo requerer – como é admitido por qualquer das teses –, se for caso disso, novos meios de prova em relação a esses factos.”)

Por outro lado, tem vindo a ser entendido pela jurisprudência que o não uso do artº 72º, nº 1, CPT, nos casos em que a sua utilização se justificava, é gerador de nulidade processual, consistente em omissão da ampliação da matéria de facto quanto a factos relevantes para a boa decisão da causa, capazes de condicionar/influenciar o seu desfecho -195º, 1, CPC. A nulidade deve ser arguida pela parte, na própria audiência - 199º, 1, CPC. Se não for arguida, sanar-se-á (acórdãos da RG de 6-12-2018 e 24-10-2019, www.dgsi.pt.)
Ademais, os poderes da Relação no âmbito da modificação da matéria de facto cingem-se aos factos adquiridos (provados e não provados ou alegados) -e não a outros que emerjam da audição dos registos da prova- 662º, 1, CPC.
Termos em que, por não ter sido cumprido o contraditório, nem sequer se poderá adiar esta matéria de facto.
Donde, improcede a impugnação.

D) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente e já decididas as questões de prova, a questão de direito que unicamente se coloca é a de saber se existe responsabilidade agravada no acidente de trabalho, por inobservância das regras de segurança e saúde por parte da ré empregadora.
No mais, é pacífico que o sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho, o qual ocorreu no tempo e no local de trabalho, provocando a morte do sinistrado, e que consistiu no facto de este ter sofrido uma queda que lhe provocou lesões no pé e IT e uma IPP - 8º da Lei nº98/2009 de 4/09 (doravante NLAT, aplicável aos acidentes ocorridos após 1-01-2010).
A questão estava essencialmente dependente da procedência do recurso sobre a decisão da matéria de facto, a qual não obteve provimento.

Ainda assim, de forma breve, diremos o seguinte:
O artigo 18º da referida NLAT refere:
Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
Prevê-se neste artigo dois fundamentos autónomos e diferentes de responsabilidade agravada. Interessa o segundo fundamento respeitante à inobservância das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Para que a entidade empregadora seja responsável pelo acidente de trabalho, a título principal e de forma agravada, têm de se verificar cumulativamente os seguintes requisitos: (i) que sobre o empregador impenda o dever de observar determinadas regras de segurança e saúde no trabalho (ii) que o empregador ou representante as não haja observado sendo-lhe imputável tal omissão; (iii) que haja nexo de causalidade adequada entre a inobservância das normas de segurança e saúde no trabalho e o evento acidente (6).
No caso em apreço está em causa a violação das normas legais destinadas a prevenir o risco de queda em altura.
A seguradora invocou que o sinistrado sofreu uma queda porque trabalhava em cima de barrotes podres e estes cederam pelo peso, tendo a empregadora incumprido as regras de protecção individual e colectiva, mormente uso de arnês, andaimes, plataformas elevatórias, redes, ou tábuas de rojo.
Mas, não se apurou a concreta causalidade invocada, isto é, que a queda do autor tenha sido provocada pelo executar dos trabalhos (movimentar-se) em cima de barrotes podres, que cederam perante o seu peso.
Apenas se sabe que autor, ao efectuar trabalhos no telhado de uma habitação (na zona do forro), retirava barrotes de madeira que ali se encontravam, escorregou e, ao apoiar-se num dos barrotes, este cedeu, o que provocou a sua queda para o interior da habitação duma altura de cerca de 2 metros. Sabe-se também que, aquando da verificação do acidente, não existia no local qualquer andaime ou arnês que impedisse a sua queda para o solo.
Tudo o mais resultou não provado, mormente o contexto em que o desequilíbrio/escorregar do autor ocorreu. Na verdade, não ficou provado como se executavam os trabalhos, as características da habitação, ou o local concreto onde o autor se encontrava posicionado e a executar as operações, pese embora o que consta na fundamentação da convicção do tribunal que apenas releva, nos termos supra explicados, para dar como não provada a matéria oportunamente alegada pela seguradora (trabalhar em cima de barrotes podres).
Assim, a ré não provou circunstancialismo suficiente donde se extraia quais as regras de segurança que foram violadas e o nexo de causalidade entre elas e a ocorrência do acidente. Competia à seguradora- que a alegou-, a prova da materialidade de era viável, adequado e obrigatório o uso de mecanismos de segurança individual ou colectiva que obviasse ao acidente- 342, 2, CC.
Em particular, lesionando-se o autor no pé, não vemos que importância tenha o uso de certos meios de protecção individual como luvas e capacete (mencionados na p.i), omissão que, aliás, não redundou provada.
A falta de arnês (provada), mecanismo de protecção individual, também não releva atenta a diminuta altura em que trabalhava (2m) e porque desacompanhada de outros factos demonstrativos da possibilidade da sua instalação e utilidade.
Desconhece-se igualmente se era útil e viável o uso de plataformas que pudessem ser apoiadas em lugares sólidos, não se apurando circunstancialismo que ajude a esse enquadramento. Idem quanto a tábuas de rojo, sendo certo que estas são utilizadas em coberturas inclinadas ou cuja superfície ofereça perigo de escorregamento e, ao que tudo indica, o autor encontrava-se no interior ao nível dos barrotes e não na parte de cima e na zona das telhas.
Em particular no caso dos andaimes, o autor trabalhava no interior da habitação, ao nível dos barrotes (forro) a cerca de 2m do solo. Ora, desde logo o emprego de andaimes ou de outra superfície contínua que ofereça condições de segurança só são obrigatórios nas obras de construção civil quando os operários tenham de trabalhar a mais de 4 m do solo – art. 1º, Decreto n.º 41821/58, de 11 de Agosto, REGULAMENTO DE SEGURANÇA NO TRABALHO DA CONSTRUÇÃO CIVIL .
Em suma, não existe prova de que o empregador não observou normas de segurança e que esta omissão tenha sido causa adequada do concreto acidente que ocorreu com o sinistrado.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso confirmando-se a decisão recorrida - 87º, CPT e 663º, CPC.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
20-01-2022

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
2. Entrada em vigor em 1-10-2010 e aplicável aos acidentes ocorridos a partir de então.
3. Por exemplo, vd STJ de 13-01-2005, 12-05-2005 e 6-11-2019, www.dgsi.pt.
4. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p 437.
5. Referindo-se às limitações da 2ª instância quanto a factores coligidos pela psicologia judiciária e no sentido de evitar alterações quando não seja possível concluir com segurança pela existência de erro, vd António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Código de Processo Civil, 5ª ed., p.s 292, 299, 300.
6. Ac.s STJ 9-09-2009; RG de 17-05-2018 e 24-04-2019, a título de exemplo.