Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
567/07.2TJVNF.2.G1
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
OBJETO DA CONDENAÇÃO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – A liquidação pós-sentença constitui um complemento da anterior decisão e destina-se a concretizar o objeto da condenação, com respeito do caso julgado anteriormente formado.
2 – O pressuposto essencial do incidente de liquidação pós-sentença é a existência de uma decisão de condenação genérica, nos termos do nº 2 do artigo 609º do CPC, portanto, carecida de concretização, mediante fixação do seu objeto ou da sua quantidade.
3 – Não pode no incidente de liquidação ser discutida matéria constitutiva do direito à indemnização por facto ilícito, que deveria ter sido debatida e demonstrada na ação declarativa e não foi.
4 – É na ação declarativa que se definem os danos cuja liquidação é relegada para momento posterior, pelo que não podem ser objeto de liquidação prejuízos que não estão abrangidos pelo âmbito da condenação genérica ou que não resultam da factualidade apurada na ação declarativa.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

1.1. AA e mulher, BB, deduziram incidente de liquidação de sentença contra CC e DD, pedindo que seja «liquidado o valor a ser pago pelos RR. aos AA. nas quantias:

a) despesas para devolver ao prédio a sua configuração anterior às obras dos RR. de 2000 a 2004, € 5.000,00;
b) danos sofridos pela perda de produtividade de 2000 a 2018, € 40.735,00;
c) construção de um poço, € 2.000,00;
d) danos não patrimoniais sofridos pelos AA., € 5.000,00;
e) sendo o somatório global o de € 52.735,00, ocorre entretanto que, por dever de obediência se reduz o pedido global (pelos mesmos danos narrados no articulado) à quantia de € 15.000,00.»
*
Os Réus contestaram, impugnando parcialmente a matéria de facto alegada pelos Autores.
*
1.2. Depois de proferido o despacho saneador, foi levada a cabo uma perícia, realizou-se a audiência de julgamento e a final foi proferida sentença a «liquida[r] em € 2.440,00 a indemnização a pagar aos Autores decorrentes da perda da capacidade de ganho, acrescida tal quantia de IVA à taxa legal e dos juros de mora que se vençam desde a data da presente sentença e até integral e efectivo pagamento, à taxa legal de 4%.».
*
1.3. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«1/ No pedido realizado pelos AA. a final da sua petição inicial destes autos de incidente de liquidação, consta o seguinte: “Nestes termos e nos mais de direito aplicável, deve o presente incidente de liquidação ser julgado procedente por provado para todos os efeitos legais e, em consequência, deve ser liquidado o valor a ser pago pelos RR. aos AA. nas quantias:
a) despesas para devolver ao prédio a sua configuração anterior às obras dos RR. de 2000 a 2004, € 5.000,00;
b) danos sofridos pela perda de produtividade de 2000 a 2018, € 40.735,00;
c) construção de um poço, € 2.000,00;
d) danos não patrimoniais sofridos pelos AA., € 5.000,00;
e) sendo o somatório global o de € 52.735,00, ocorre entretanto que, por dever de obediência se reduz o pedido global (pelos danos narrados no articulado) à quantia de € 15.000,00.
2/ Quanto a despesas para devolver ao prédio a sua configuração anterior às obras dos RR., o Tribunal recorrido entendeu liquidar a indemnização no valor de € 2.440,00, acrescida de IVA, dividido nas seguintes quantias:
- € 2.651,00 com IVA incluído para a reposição do prédio dos AA. ao estado em que antes se encontrava;
- € 285,00 + IVA para a recolha de toda a terra, pedregulhos e pedras de granito, restos de bloco de cimento, restos de chapa metálica e caleiras de cimento.
3/ A motivação do tribunal recorrido para a consideração de tal matéria de facto como provada resulta do relatório pericial de fls. 29 a 22, dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito a fls. 45 e 46 e daqueles prestados pelo mesmo em audiência final.
4/ Ora, a avaliação feita pelo Sr. Perito quanto ao valor de € 285,00 + IVA consta da resposta ao quesito 4) do relatório pericial datado de 07/10/2021.
5/ E a avaliação feita pelo Sr. Perito quanto ao valor de € 2.651,00 consta da resposta ao quesito 3) dos esclarecimentos prestados e datados de 08/05/2022.
6/ Acontece que, como é do conhecimento geral, o custo de construção tem sofrido constante aumento fruto da instabilidade causada pela pandemia da Covid-19, da guerra na Ucrânia e o aumento brutal da inflação.
7/ Impõe-se que, nos presentes autos (em que se pretende a liquidação e se busca – na sentença – a maior aproximação possível aos valores atuais), se fixe (se necessário com recurso a critérios de equidade – cfr. art. 566.º do Cód. Civil) os valores de construção com um acréscimo de, pelo menos, 20% em relação aos valores fixados pelo Sr. Perito em 2021 e em 2022.
8/ Ou seja, que o valor de € 2.155,00 + IVA seja atualizado para € 2.586,00 + IVA;
9/ E que o valor de € 285,00 + IVA seja atualizado para € 342,00 + IVA.
10/ Sendo, em consequência, os RR. condenados a pagar aos AA., a este título, a quantia de € 3.601.44.
11/ O que determina a alteração da resposta à matéria de facto dada como provada, nomeadamente, a alteração do constante no número 7 dos factos provados, e a alteração do constante no número 9 dos factos provados.
12/ Quanto a danos sofridos pela perda de produtividade de 2000 a 2018 e com a construção de um poço, o Tribunal recorrido nada considerou e, em consequência, nenhum dano liquidou de modo a que os RR. fossem condenados a indemnizar os AA. por tais danos.
13/ Na douta sentença recorrida estão plasmados, como factos considerados provados e com relevo para a presente matéria, os seguintes factos: 10, 11, 12, 13 e 14.
14/ Concorrem, para a consideração de tal factualidade dada como provada, os esclarecimentos do Sr. Perito em audiência final: Eng. EE, depoimento gravado na plataforma Citius, passagem a 13,02m a 15m,05s:
15/ Bem como concorrem, para a consideração de tal factualidade dada como provada, os depoimentos das testemunhas em audiência final: FF, depoimento gravado na plataforma Citius, passagem a 04m,58s a 05m,39s; GG, depoimento gravado na plataforma Citius, passagem a 15m,14s a 16m,33s; e HH, depoimento gravado na plataforma Citius, passagem a 01m,55s a 02m,20s.
16/ O que determina a alteração da resposta à matéria de facto dada como provada, nomeadamente: a alteração do constante no número 10 dos factos provados; a alteração do constante no número 11 dos factos provados; a alteração do constante no número 12 dos factos provados.
17/ Quanto a danos não patrimoniais sofridos pelos AA.:
18/ Na alínea g) do pedido deduzido pelos AA. na sua petição inicial, na ação principal, consta o seguinte:
“g) pagarem aos AA. uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes causaram de montante nunca inferior a 15.000,00 euros (quinze mil euros) mas cujo montante, tendo em conta os prejuízos que quotidianamente se avolumam melhor será liquidado em execução de sentença.” (sublinhado nosso)
19/ E na alínea d) do pedido deduzido pelos AA. na sua petição inicial, neste incidente de liquidação, consta o seguinte:
“d) danos não patrimoniais sofridos pelos AA., € 5.000,00:”. (sublinhado nosso)
20/ No elenco dos factos considerados provados foi inserido o seguinte:
“15- Os acontecimentos narrados causaram tristeza, desgosto, insatisfação, desânimo e revolta aos Autores.”
21/ Concorrem, para a consideração de tal factualidade dada como provada, os depoimentos das testemunhas: FF, depoimento gravado na plataforma Citius, passagem a 06m,10s e seguintes; GG, depoimento gravado na plataforma Citius, passagem a 20m,03s e seguintes; HH, depoimento gravado na plataforma Citius, passagem a 03m,46s e seguintes.
22/ Ora, porque pedido na ação principal; porque pedido no incidente de liquidação; - porque provado, neste incidente, que “15- Os acontecimentos narrados causaram tristeza, desgosto, insatisfação, desânimo e revolta aos Autores.”;
23/ Deve, na decisão deste incidente de liquidação, decidir-se a condenação dos RR. no pagamento aos AA. de uma indemnização por danos não patrimoniais que se liquida no valor de € 5.000,00.
24/ A aliás douta, sentença recorrida violou o disposto no artigo 566.º do Cód. Civil e nos artigos 358.º, 412.º, 413.º e 609.º. todos do Cód. Proc. Civil.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicável,
a) deve a, aliás douta, decisão sobre a matéria de facto, na parte impugnada, ser revogada e substituída por, aliás douto, acórdão que contemple as alterações propostas no texto destas alegações e contemple as conclusões nessa matéria;
b) deve, em qualquer dos casos, a decisão sobre a matéria de direito ser revogada e substituída por, aliás douto, acórdão que contemple estas conclusões;
c) pois que assim será feita INTEIRA JUSTIÇA.»
*
Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.
O recurso foi admitido.
**
1.4. Questões a decidir

Atentas as conclusões do recurso interposto pelos Autores, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil[1]), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, importa apreciar as seguintes questões:

i) Erro no julgamento da matéria de facto;
ii) Consequências em sede de direito da eventual modificação da matéria de facto.
***
II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto
2.1.1. Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1- Por sentença proferida em 28.03.2016, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 23.11.2017 e já transitado em julgado, foi decidido o seguinte:
Pelos motivos acima expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
- declaro e condeno os RR. e os intervenientes a reconhecer que os AA. são proprietários do prédio descrito sob os nºs. ... a ... dos “factos provados”;
- condeno os RR. a destruírem as obras que agravaram o caudal das águas por si escoadas no canto Norte - Nascente do prédio dos AA.. ou, em alternativa, a procederem à realização das obras adequadas a evitar esse agravamento de caudal; e
- condeno os RR. a pagar aos AA. a quantia a liquidar ulteriormente em incidente pós-sentencial referente aos danos sofridos pelo escoamento das águas no canto Norte - Nascente do prédio destes através da canalização por aqueles construída, com o limite de 15 000 €.
Mais absolvo os RR. dos restantes pedidos contra eles formulados”.

2- No mencionado acórdão foi dado como provado o seguinte:

1 - Os AA. são donos, possuidores e proprietários de um prédio rústico denominado "Campo e ...", "Campo e ..." ou "Campo ..." ou "Campo ... e ...", sito no lugar ..., ... ou Três ..., freguesia ..., Concelho ....
2 - Tal prédio tem a área de cerca de 8 600 metros quadrados e confronta do Norte com os RR., do Sul com limite da freguesia ... e caminho público, do Nascente com os RR. e II e do Poente com JJ e outros.
3 - Tal prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...91-....
4 - E inscrito na respectiva matriz rústica (da freguesia ...) sob o art.º ...64º de ..., com o valor patrimonial de 571,04 euros.
5 - O referido e identificado prédio foi adquirido pelos AA. mercê de contrato de compra e venda em que foram outorgantes compradores e foi outorgante vendedor KK, contrato esse titulado por escritura pública lavrada a .../.../1993, a folhas 26 e seguintes do Livro de Escrituras Diversas n.º ...78... do Primeiro Cartório da Secretaria Notarial de ....
6 - Tendo sido o mesmo prédio registado a favor dos AA. na Conservatória do Registo Predial ....
7 - De qualquer modo, quer por si, quer por antecessores, antepossuidores e anteriores proprietários, desde há mais de 5, 10, 15 e 20 anos que os AA. estão na posse do referido e identificado prédio, cultivando-o, arrendando-o, colhendo os frutos, recebendo rendas, venerando construções, quintais e culturas, pagando as respetivas contribuições, sempre à vista de toda a gente nomeadamente vizinhos, sem oposição ou embaraço de quem quer que seja e na convicção de exercer um direito próprio, sem prejudicar ninguém e em tudo se comportando como donos e por todos como tal sendo considerados, sendo que a sua posse sempre foi pública, pacífica, contínua e de boa fé.
8 - Os RR. são proprietários de um prédio rústico situado a Norte e Nascente do prédio dos AA. atrás identificado, situado no lugar ..., ....
9 - Tal prédio dos RR., confronta, parcialmente, a Norte e Nascente, com o prédio dos AA..
10 - Tanto o prédio ora pertencente aos AA. como o ora pertencente aos RR. pertenceram, em tempos recuados, ao mesmo proprietário, que foi antecessor, antepossuidor e anterior proprietário dos então vendedores dos prédios referidos, respectivamente, aos AA. e aos RR.
11 - No prédio dos AA, na sua confrontação Norte, a fazer face com o prédio dos RR na sua confrontação Sul, nas proximidades do canto Norte - Nascente do prédio dos AA., existe uma poça de forma de quadrilátero (trapézio irregular).
12 - Os RR. procederam, na linha de confrontação do seu prédio com o dos AA., à construção de um muro de blocos de cimento em cuja base abriram, cerca de metro em metro, aberturas para o prédio dos AA., aberturas estas de forma rectangular com cerca de 20 centímetros de largura por 25 centímetros de altura.
13 - Os RR. abriram ainda uma canalização para o prédio dos AA., ao nível do solo deste prédio, com cerca de 50 centímetros de diâmetro, e para aí despejam todas as suas águas pluviais e outras.
14 - Os Intervenientes são proprietários de um prédio misto denominado “casal de cima e casal de baixo”, com área total de 11 800 metros quadrados, sendo 189,18 metros quadrados de área coberta, sito no lugar ..., ..., ....
15 - Tal prédio é composto de casa de habitação de cave e rés-do-chão e terreno rústico, e confronta do sul e nascente com o prédio dos RR.
16 - Encontra-se descrito na CRP de ... sob o nº ...01 e inscrito nas matrizes urbana sob o nº ...62... e ...66º rústico.
17 - O referido prédio foi adquirido pelos intervenientes através de contrato de compra e venda a LL e LL, titulado por escritura celebrada em 30-3-2004.
18 - A aquisição desse prédio pelos intervenientes encontra-se registada desde .../.../2004
19 - Aquando da aquisição do seu prédio, os intervenientes procederam à canalização das águas pluviais e de rega que provinham e provêm dos prédios vizinhos a norte da sua propriedade.
20 - A água da chuva e rega desses campos vizinhos e a norte chega ao terreno dos intervenientes através de dois regos que embocam no muro divisório com esses mesmos terrenos.
21 - Esses prédios vizinhos situados a Norte encontram-se numa cota superior ao prédio dos intervenientes, assim como o destes se encontra numa cota superior ao prédio dos Réus e este ao prédio dos Autores, situando-se este a uma cota inferior ao prédio dos réus, compreendida entre 0,70m e 2,40m.
22 - Os intervenientes, para preservar o escoamento de águas, canalizaram-nas em tubos cerca de 50 cm de diâmetro, de forma a que as mesmas chegassem às terras com cota mais baixa, incluindo os terrenos dos Autores e Réus.
23 - A poça acima referida situada no prédio dos AA. tem, no seu lado Norte, a largura de 1,5 metros, no lado Sul, 6,3 metros, no lado Nascente, 11,9 metros e no lado Poente, 12 metros.
24 - Tem a profundidade média de 0,70 metros e as suas paredes são em pedra de granito.
25 - Exactamente no lado Norte dessa poça existe a embocadura de uma mina com cerca de 40 centímetros de largura e caixa de 1 metro de altura, toda ela aparelhada em granito, entrando essa mina no prédio dos RR. em cerca de 11 metros.
26 – As águas provindas de prédios situados a norte do dos AA. eram recolhidas junto a um rego situado na face de um muro de suporte sito na confrontação dos prédios dos AA. e RR..
27 – Essas águas assim recolhidas eram utilizadas pelos AA da seguinte forma:
a) ora em época de lima e rega eram desviadas para Poente seguindo por esse rego, face ao muro, no sentido Nascente – Poente, até à parte em que se precipitavam sobre o prédio dos AA., mais propriamente, no Campo ....
b) ora em diversa época (ou até na mesma) eram desviadas para Nascente seguindo por esse rego, face ao muro, no sentido Poente - Nascente, até se precipitarem no prédio dos AA., junto ao canto Norte - Nascente da poça sita neste prédio e acima referida, onde penetravam pela parede Nascente da mesma e onde eram recolhidas nessa mesma na poça.
28 – Os AA. aproveitavam todas as águas recolhidas, ou nelas nascidas e provenientes, das poça e mina sitas no seu prédio
29 - Bem como recolhiam e aproveitavam, nos termos acima descritos, as referidas águas provenientes dos prédios sitos a norte.
30 – Entre os anos de 2000 e 2004, os RR. iniciaram obras no seu prédio.
31 – Antes das obras, o prédio dos RR. tinha um declive contínuo descendente no sentido Norte - Sul em direcção ao prédio dos AA., declive este que se manteve após a realização das referidas obras.
32 – Tal declive permitia e permite que todas as águas pluviais e outras se escoassem naturalmente por toda a superfície do prédio dos RR..
33 – Os AA. vêem-se na circunstância de aguentar no seu prédio as águas que os RR. recebem no seu prédio e despejam no prédio dos AA. nos moldes referidos em 13).
34 – Por força do muro construído pelos RR. na confrontação do seu prédio com o dos AA, estes vêem-se impedidos de entrar no prédio dos RR..
35 – Os RR., entre 2000 e 2004, procederam ao enterramento e à canalização, no local onde a mesma anteriormente corria a céu aberto, de uma linha de água, nos moldes referidos em 13), mais tendo construído uma caixa de recolha de águas pluviais
36 – Tais águas são evacuadas no canto Norte - Nascente do prédio dos AA..
37 – Daí resultando, quando em época de invernia e de abundância de águas – quer as nascidas no prédio dos RR., quer pluviais - , que estas jorrem, em abundância e sob pressão, do cano com cerca de 50 centímetros de diâmetro que os RR. puseram a deitar para o referido canto Norte - Nascente do prédio dos AA..
38 – Tais águas, no seu caudal, trazem consigo terras, lixos e detritos vários, que se precipitam no prédio dos AA..
39 - Tal canalização aumenta ainda o caudal e a pressão das águas libertadas na confrontação Nascente do prédio dos AA. e que se precipitam, a cerca de 200 (duzentos) metros de distância, na via pública.
40 - Sendo que, nesse trajecto, tais águas arrasam a terra do prédio dos AA., pois que levam muita dessa terra por erosão, semeando, no seu trajecto, pedras e lixos, que prejudicam e diminuem o solo agrícola do prédio dos AA..
41 - Há mais de 5, 10, 15, 20, 50 e 100 anos, quer quando o prédio dos AA. e dos RR. eram do mesmo proprietário, quer, posteriormente, quando passaram a ter diversos titulares, os AA. e seus antecessores, ante-possuidores e ante-proprietários utilizaram as referidas águas captadas no prédio dos RR., através do rego acima descrito, para rega e lima do seu prédio.
42 – Após a aquisição do seu prédio, os intervenientes levaram a cabo obras de construção da sua casa, que fica no topo poente do seu prédio, e procederam à limpeza do terreno.
43 - Para além de inclinação de Norte para Sul, o prédio dos intervenientes também tem uma inclinação no sentido Poente para Nascente.
44 - Tais inclinações sempre existiram e existem.
45 - A água da chuva e rega dos campos situados a norte do prédio pertença intervenientes chega a este terreno através de dois regos que embocam no muro divisório desses mesmos terrenos.
46 – Um desses regos provém da parte norte poente, sendo que as referidas águas seguiam na direcção sul paralelamente ao muro construído a norte e iam entroncar no segundo rego norte-nascente que também provinha dos terrenos a norte, daí descendo pelo prédio dos intervenientes até ao terreno dos Réus.
47 – Ao entubarem essas águas, os intervenientes não mudaram o seu curso.
48 - Entre a compra do prédio pelos intervenientes e a sua chamada para a presente acção, ninguém, incluindo os AA e RR., lhes reclamaram o que quer que fosse, designadamente, quanto ao agora peticionado nesta acção.
49 – No dia 22-10-2013, ruiu, na zona da poça sita no prédio dos AA,. para o interior do prédio destes, parte do muro de blocos de cimento construído pelos RR. na linha de confrontação entre os dois prédios.
50 – Tal ruína ocorreu numa extensão de 10 metros.
51 – Essa ruína projectou sobre o prédio dos AA, que se situa em plano inferior ao dos RR., prédio este onde se situava o muro, por cima da própria poça e nas imediações desta, terra, pedregulhos e pedras de granito, restos de bloco de cimento, restos de chapa metálica e caleiras de cimento.
52 – A parte restante do muro sito naquela zona ameaça ruir, já que os AA. não fizeram qualquer intervenção para o reparar ou para evitar que continue a desmoronar-se.
53 – Os referidos materiais ocupam a poça dos AA. e uma área do prédio destes, junto àquela, com cerca de 50 metros quadrados.
54 – Estando os AA. impedidos de cultivar tal área do seu prédio.
55 – Desde tal derrocada, ficou um cano de plástico, com cerca de 15 centímetros de diâmetro, pendurado do prédio dos RR. a debitar constantemente água para o prédio dos AA.. PER
56 – No referido dia 22-10-2013 choveu.
57 – Apesar disso, e de nessa época do ano ter chovido, os muros que ladeiam a propriedade dos intervenientes não sofreram qualquer dano.
58 – Porém, no referido dia 22-10-2013, no prédio contíguo ao dos intervenientes, situado a nascente deste e pertencente a II, ocorreu uma enxurrada, sendo que a força da água derrubou o muro que delimita o prédio deste último do dos RR..
59 – Depois de derrubar esse muro, o caudal veio depois a derrubar o muro que delimita o prédio dos RR. com o dos AA.
60 – No dia em que se verificou a queda do muro, o R. CC pretendeu proceder à imediata reparação do mesmo, pelo que solicitou a um empreiteiro que se deslocasse ao prédio dos AA. a fim de limpar o terreno destes e proceder à reparação do muro.
61 – Os AA. não autorizaram a entrada dos trabalhadores contratados para o efeito, alegando que só autorizavam que fosse reposta a parte do muro que havia ruído, não autorizando qualquer outra intervenção.
62 – Nessa sequência, os RR. enviaram aos AA. uma carta registada com aviso de recepção, comunicando que desresponsabilizavam de quaisquer prejuízos que lhes pudessem advir o facto de não autorizarem a reparação do mencionado muro.
63 – Os RR.. notificaram os AA., em Julho de 2012, por carta entregue em mão pelo referido II, no sentido de obterem autorização dos AA. para procederem a obras de reparação do referido muro divisório entre os prédios, uma vez que o mesmo, segundo alegado, apresentava desgaste ao nível dos alicerces.
64 – Os AA. não autorizaram os RR. a proceder a tais obras de reparação”.

3- No mencionado acórdão foi considerada não provada a seguinte matéria de facto:
1 - No prédio dos RR. existia uma poça com cerca de 2 metros de profundidade, de forma quadrangular e com cerca de 6 metros de lado.
2 – A área dessa poça era envolvida por vários choupos.
3 – Essa poça estava apetrechada com uma mina cuja abertura, partindo do topo Norte da mesma, se prolongava para Norte cerca de 30 metros.
4 - Tal mina, de cujo solo brotavam águas, recolhia também águas no seu topo, a Norte, que dirigia para a poça que as recolhia.
5 - Por sua vez tais águas recolhidas e nascidas nesta referida poça eram enviadas por um boeiro com cerca de 1 (um) metro de largura, em direcção a Sul (no sentido Norte - Sul) para o prédio dos AA.
6 - Tais águas eram conduzidas por um cano com cerca de 40 centímetros de diâmetro, cuja cinta se via à superfície e por um rego (sulco) aberto na terra, visível e permanente, com cerca de 50 centímetros de vão e outro tanto de profundidade, até a um muro de suporte distante cerca de 70 metros da saída da poça aqui descrita.
7 - Quer por si, quer por antecessores, antepossuidores e anteriores proprietários, há mais de 5, 10, 15, 20, 50 e 100 anos que os AA. estão na posse das referidas águas, explorando-as, conservando as suas canalizações, minas e poços, limpando-os periodicamente, venerando as construções, usando tais águas para lima e rega dos seus prédios rústicos (nomeadamente o identificado na parte desta petição inicial) e pagando as contribuições dos prédios que beneficiem do aproveitamento de tais águas.
8 - Sempre à vista de toda a gente, nomeadamente vizinhos, sem oposição ou embaraço de quem quer que seja.
9 - Na convicção de exercerem um direito próprio, sem prejudicar ninguém e em tudo se comportando como donos e por todos como tal sendo considerados.
10 - Os referidos poça, boeiro, canalizações, regos e mina onde nascem, represam e são conduzidas as águas foram colocados ou construídos pelo anterior proprietário comum de ambos os prédios actualmente pertença de AA. e RR..
11 - Os referidos poça, boeiro, canalizações, regos e mina onde nascem, represam e são conduzidas as águas situam-se no prédio ora pertença dos intervenientes e foram colocados ou construídos pelo anterior proprietário comum de ambos os prédios actualmente pertença de AA. e dos intervenientes.
12 – As obras levadas a cabo pelos RR. no seu prédio entre 2000 e 2004 consistiram na terraplanagem de todo o prédio.
13 - O que fez com que o prédio dos RR. ficasse a um nível superior ao do prédio dos AA., em cerca de 1,5 metros.
14 – Ao realizar as referidas obras, os RR. destruíram a poça, mina, canalizações e regos nos quais nasciam e pelos quais circulavam as águas que eram recebidas no prédio dos AA..
15 - Por força das obras levadas a cabo pelos RR., os AA. vêem-se privados das águas recolhidas no prédio dos RR. e que eram aproveitadas no seu – dos AA. – prédio.
16 – Por força do muro construído pelos RR., os AA. vêem-se impedidos de acompanhar os regos, canalizações, minas e poços donde provêm as águas acima referidas, com vista à limpeza e conservação do livre trânsito das mesmas águas.
17 - Os RR., ao procederem às obras descritas, numa fase inicial, deixaram uma abertura (ou portal, entre tranqueiros), aproximadamente no canto Norte - Nascente do prédio dos AA. para acesso destes ao prédio dos RR..
18 - Mas sem qualquer explicação, passadas duas ou três semanas, os RR. resolveram tapá-la, concretizando muro também naquele intervalo.
19 - Das obras levadas a cabo pelos RR. no seu prédio resultou que os AA. ficaram privados das águas que recolhiam na sua poça.
20 – Aquando da realização dessas obras, os RR. destruíram a poça existente no seu prédio.
21 – E destruíram a mina que a alimentava.
22 – E as canalizações.
23 – Os RR. taparam rufos.
24 – E destruíram linhas de declive que permitiam o trânsito natural das águas.
25 - Daí resultando que os AA. ficassem privados das suas águas para irrigação (rega e lima) do seu prédio.
26 – Aquando da realização das obras levadas a cabo pelos intervenientes no seu prédio, designadamente, de construção da casa e de limpeza do terreno, aqueles procederam à destruição de poça ali existente, mina, canalizações e regos nos quais nasciam e pelos quais circulavam as águas que eram recebidas no prédio dos AA..
27 – A privação, pelos AA, da água advinda dos prédios dos RR. e dos intervenientes causou prejuízos nas culturas de produtos hortícolas, milheirais e vinha.
28 - Prejuízos esses que ascendem a quantia superior a 10.000,00 euros.
29 - Os RR. e os intervenientes, actuaram de modo propositado, sabendo que estavam a causar aos AA. prejuízos, mas não se coibiram não só de actuar como também de manter a sua actuação.
30 - Os RR. e os intervenientes criaram no seu prédio um sistema de canalizações, poços e valas de recolha de águas, estas com tampo gradado.
31 - Providenciando que tais poços, canalizações e caixas de recolha de águas estivessem interligadas entre si.
32 – Com tais obras, designadamente, com a canalização efectuada, os RR. recolhem todas as águas nascidas no seu prédio e outras de prédio vizinho.
33 - Os AA. e seus antecessores conservaram a mina, poça, canalizações e regos existentes no prédio ora pertença dos RR ou dos intervenientes
34 - Represando-as, limpando mina, poça, canalizações, reparando-as quando necessário.
35 - Cuidando da conservação e desobstrução dos regos (sulcos).
36 - Tudo sendo feito pelos AA., à vista de toda a gente, nomeadamente vizinhos, incluindo os RR.
37 - Sem oposição ou embaraço de quem quer que seja.
38 - Na convicção de exercerem um direito próprio.
39 - Sem prejudicar ninguém.
40 - E em tudo se comportando como donos e por todos como tal sendo considerados.
41 – O jorro da água aludido em 37) dos “factos provados” atulha a poça sita no prédio dos AA. e consequentemente impede que a mesma recolha águas e que as mesmas posteriormente sejam aproveitadas.
42 – No referido dia 22-10-2013, devido à força das águas para aí canalizadas pelos RR., a terra aluiu e abriu-se no prédio dos AA., sensivelmente a meio do “Campo...”, uma cratera, com cerca de 3 metros de diâmetro e 1,50 metros de profundidade.
43 – No fundo desse buraco passa a água que, provinda da canalização feita pelos RR., atravessa o prédio dos AA. - ora à superfície, nos primeiros metros junto ao canto Norte-Nascente do prédio dos RR., ora subterraneamente, no demais percurso para sul até ao caminho publico - , no sentido Norte-Sul, até ao limite do prédio destes, a sul, com o caminho público.
44 – Impedindo os AA. de cultivar em tal área do seu prédio.
45 – A zona circundante à cratera aberta no prédio dos AA. tem aumentado de tamanho e ameaça desabar.
46 - Encontrando-se os AA. impedidos de cultivar essa área circundante da cratera.
47 – Ainda por força de tais águas canalizadas, na confrontação sul do prédio dos AA., junto ao caminho público, a água que antes corria subterrânea surge agora à superfície, numa extensão de cerca de 6 metros
48 – Impedindo os AA. de cultivar, também, em tal área do seu prédio e na área circundante, pois que vai aumentando a área de água a correr à superfície”.

4- Os Autores, na respectiva Petição Inicial, concluíram pedindo o seguinte que os RR. sejam condenados:
1 - A reconhecê-los como proprietários do prédio por si identificado;
2 - A reconhecer a existência de servidão de água e de aqueduto (com respectiva servidão de passagem para acompanhamento do trajecto do aqueduto) sobre o prédio dos RR. a favor do seu (dos AA.) prédio;
3 - A procederem à reconstrução da poça, mina, boeiro e regos que existiam no prédio dos RR. de forma a que o seu (dos AA.) prédio continue a recolher tais águas;
4 – A procederem à alteração do nivelamento do seu prédio, de forma a retomar a inclinação original, a fim de impedir a onerosidade da posição do seu (dos AA.) prédio face à recolha forçada de águas;
5 – A demolirem o muro construído na confrontação dos dois prédios;
6 – Subsidiariamente ao peticionado em sob os nºs. 4 e 5, a procederem à tapagem de todas as aberturas ou canalizações que construíram e que despejam águas pluviais e outras sobre o seu (dos AA.) prédio;
7 – A pagarem-lhes indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, de montante nunca inferior a 15 000 €, acrescido de juros a contar da citação, mas a melhor liquidar em incidente pós-sentencial, sendo 10000 € referentes aos prejuízos causados nas culturas agrícolas, gerados pela ausência de água, nos três anos que antecederam a interposição da acção”.

5- Posteriormente, a fls. 329 e segs., os Autores apresentaram articulado superveniente, no qual procederam à ampliação do pedido anteriormente formulado, peticionando agora:
- Que sejam os RR. e intervenientes condenados a remover do prédio dos AA. toda a terra, pedras, pedregulhos, restos de blocos de cimento, caleiras e cimento, tubos, chapas metálicas e demais materiais provenientes da derrocada do muro;
- Que sejam os RR. e intervenientes condenados a proceder à remoção de qualquer tubo ou encanação que debite água do prédio destes para o prédio dos AA.;
- Que sejam os RR e intervenientes condenados a reparar o curso da água no prédio dos AA., reparando e tapando o buraco aberto no prédio dos AA. e o curso de água agora a céu aberto, repondo a situação anterior;
- Que sejam os RR. e intervenientes condenados a pagar-lhes uma indemnização por força dos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes causaram em virtude dos factos supervenientes alegados, de montante nunca inferior a € 5.000,00, mas cujo montante, tendo em conta os prejuízos que quotidianamente se avolumam, melhor será liquidado em execução de sentença”.

6- No prédio dos Autores a quantidade de água conjugada com a pressão que a mesma saía da boca da canalização minou o terreno em alguns locais, provocando sulcos profundos e zonas onde a terra aluiu.
7- A reposição do prédio dos Autores ao estado em que antes se encontrava tem um custo de € 2.651,00, com IVA incluído.
8- Para tal é necessário:
a) Repor todas as terras que a corrente levou, num volume de 60m3;
b) Repor, nas partes em que as águas atravessam o campo a céu aberto, o leito do rego a um nível apenas ligeiramente inferior ao do terreno que constitui o prédio dos Autores;
c) Recolocar as pedras que constituíam a caleira em posição funcional de acordo com a sua finalidade (permitir que a água de rega siga o destino que o agricultor pretende);
d) Restituir o nível do terreno ao seu nível anterior;
e) Desobstruir todo o terreno dos lixos, pedras, detritos estranhos que as enxurradas hajam trazido.
9- A recolha de toda a terra, pedregulhos e pedras de granito, restos de bloco de cimento, restos de chapa metálica e caleiras de cimento do muro que ruiu no dia 22.10.2013 tem um custo de € 285,00, a que acresce IVA.
10- De acordo com as produções médias na zona, caso não tivesse ocorrido o referido em 2, o prédio dos Autores, anualmente e em média, poderia produzir:
a) milho – 3.600 Kg (240 arrobas)
b) batata – 2.400 Kg (160 arrobas)
c) fardos de palha – 50
d) cestos de ervas para animais – 50.
11- Para conseguirem as referidas colheitas, os Autores teriam que realizar despesas com:
a) produtos químicos (fertilizantes)
b) produtos químicos (desinfestantes)
c) combustíveis
d) sementes
e) semeações (mão-de-obra)
f) colheitas (mão-de-obra);
g) horas de tractor
12- As colheitas referidas em 11 poderiam render: (3.600 Kgs. X € 0,35) + (2.400 Kgs. X € 0,35) + (50 fardos x € 2,00) + (50 cestos x € 0,50) = 2.225,00.
13- 40% deste valor corresponde a despesas.
14- Os Autores mandaram abrir um poço, o que tem um custo de construção de € 1.520,00 a que acresce IVA.
15- Os acontecimentos narrados causaram tristeza, desgosto, insatisfação, desânimo e revolta aos Autores.
*
2.1.2. Factos não provados

O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
«Artigo 17.º da Petição Inicial – “Logo no canto Norte-Nascente do prédio dos Autores a quantidade de água conjugada com a pressão que a mesma saía da boca da canalização fez ao chegar ao solo do prédio dos Autores uma vala com o comprimento de cerca de 16 metros, com a largura (à superfície) de cerca de 60 centímetros e a profundidade de 1,2 metros”.
Artigo 18.º da Petição Inicial – “De seguida abriu-se uma cratera que tem a forma circular com 2 metros de diâmetros e 2 metros de profundidade”.
Artigo 19.º da Petição Inicial – “Então a água entra numa estreita mina à profundidade de cerca de 80 centímetros, de perfil rectangular de cerca de 30 centímetros de largura por 40 centímetros de altura”.
Artigo 20.º da Petição Inicial – “E passados cerca de 2 metros do percurso, volta a abrir nova cratera, desta feita se à mesma de configuração circular no entanto com diâmetro de 1,20 metros e profundidade de 1,2 metros”.
Artigo 21.º da Petição Inicial – “Prossegue então subterrâneo o percurso das águas durante cerca de 15 metros e abre uma nova cratera de forma rectangular com 4,5 de comprimento, 2,5 metros de largura e 1,7 metros de profundidade”.
Artigo 22.º da Petição Inicial – “Continua o percurso das águas em termos subterrâneos pela extensão de cerca de 40 metros”.
Artigo 23.º da Petição Inicial – “E de seguida, em céu aberto, durante cerca de 15 metros vai desaguar a uma poça do prédio vizinho”.
Artigo 25.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “Também por virtude do escoamento das águas no canto Norte-Nascente e por virtude da canalização construída pelos Réus ocorreu que (…) viram os seus alicerces descalçados (a força das águas)”.
Artigo 29.º da Petição Inicial – “Nos anos de 2000 a 2014 os Autores não fizeram qualquer cultura no seu prédio já que as irregularidades que a força das águas foi criando no terreno; bem como as constantes correntes de água arrastando consigo lixos e detritos tudo destruíam e qualquer colheita que viesse a ser efectuada não compensava as sementes, os produtos químicos e as tarefas agrícolas que fossem realizadas. Era tudo prejuízo”.
Artigo 30.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “colhiam”.
Artigo 31.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “despendiam”.
Artigo 32.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “€ 0,53 (…) € 0,50 (…) € 2.233,00”.
Artigo 33.º da Petição Inicial – “30%”.
Artigo 34.º da Petição Inicial – “Considerando que nos anos de 2000 a 2014 os Autores não puderam cultivar o seu prédio devido às circunstâncias narradas temos que o prejuízo sofrido alcançou por tal motivo o valor de (14 x € 2.263,10) = € 31.683,40”.
Artigo 35.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “A partir de 2014 (…) no que despenderam € 2.000,00, implantaram alguns produtos hortícolas para consumo da sua casa familiar”.
Artigo 36.º da Petição Inicial – “E então dispensando mão de obra estranha e maquinaria, vão os Autores, enxada na mão, regando aos retalhos, tirando algumas novidades para consumo próprio”.
Artigo 38.º da Petição Inicial – “Também nos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 (2019 vai pelo mesmo caminho) o prejuízo anual sofrido pelos Autores cifra-se já referida quantia de € 2.263,10”.
Artigo 39.º da Petição Inicial – “Já que fazendo as contas ao valor dos produtos agrícolas que vão colhendo para seu consumo e ao valor das sementes, plantas, produtos fertilizantes, insecticidas e ainda valor da mão de obra”.
Artigo 40.º da Petição Inicial – “Se conclui que se equilibram, ou seja, tendo em conta as condições excepcionais em que o terreno do prédio se encontra o que se tira da terra não tem valor superior ao que nela se mete (há mesmo anos de prejuízo)”.
Artigo 41.º da Petição Inicial – “Daí que se entenda que nestes anos o prejuízo sofrido pelos Autores se calcula à quantia de (4 x € 2.263,10) = € 9.052,40”.
Artigo 43.º da Petição Inicial – “vêem-se assim (na parte que respeita ao prédio em causa – e correspondente a uma área de cerca de 9.000 metros quadrados) impedidos de rentabilizar tal prédio”.
Artigo 45.º da Petição Inicial – “Atente-se que não obstante o trânsito em julgado da sentença dos autos haver ocorrido há cerca de ano e meio, os Réus não deram qualquer passo para cumprirem o conteúdo da sentença confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães”.
Artigo 46.º da Petição Inicial – “E tal atitude dos Réus conjugada com o decurso do tempo mais preocupação, desgosto e incerteza têm causado aos Autores, que se vêm na circunstância de propor uma acção executiva para que os Réus cumpram”.
Artigo 48.º da Petição Inicial – “(…) necessário se torna a quantia de € 5.000,00 (…) pela perda de rendimento nos anos de 2000 a 2018, por virtude de não ter sido possível proceder às culturas normais (de 2000 a 2014) e por virtude de as culturas hortícolas que fizeram não poderem compensar do trabalho e produtos investidos (de 2015 a 2018) os Autores sofreram um prejuízo de (€ 31.683,00 + € 9.052,40) = € 40.735,40 (…) € 2.000,00”.
*
A restante matéria alegada pelas partes e não vertida nos “Factos provados” ou nos “Factos não provados” é meramente conclusiva, de Direito ou meramente repetitiva, ainda que sob diversa formulação, da matéria já considerada na fundamentação de facto no douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido nos autos – é caso, designadamente, dos artigos 3.º a 16.º da Petição Inicial.»
**
2.2. Do objeto do recurso
2.2.1. Da impugnação da decisão da matéria de facto

Em sede de recurso, os Autores impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
Segundo resulta das conclusões 11ª e 16ª das suas alegações, os Recorrentes consideram incorretamente julgados os pontos nºs 7, 9, 10, 11 e 12 dos factos provados.
Com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à análise do processo onde foi produzida a condenação genérica carecida de liquidação, dos documentos juntos aos autos, do relatório pericial e respetivos esclarecimentos prestados por escrito, e à audição integral da audiência final, incluindo naturalmente os depoimentos das testemunhas e as declarações do perito referidas na impugnação da matéria de facto.
*
2.2.1.1. Pontos 7 e 9

Nestes pontos, o Tribunal recorrido julgou provado que:
- «7- A reposição do prédio dos Autores ao estado em que antes se encontrava tem um custo de € 2.651,00, com IVA incluído»;
- «9- A recolha de toda a terra, pedregulhos e pedras de granito, restos de bloco de cimento, restos de chapa metálica e caleiras de cimento do muro que ruiu no dia 22.10.2013 tem um custo de € 285,00, a que acresce IVA.»
Os Recorrentes pretendem que «se fixe (se necessário com recurso a critérios de equidade – cfr. art. 566.º do Cód. Civil) os valores de construção com um acréscimo de, pelo menos, 20% em relação aos valores fixados pelo Sr. Perito», ou seja, quanto ao ponto 7, «que o valor de € 2.155,00 + IVA seja atualizado para € 2.586,00 + IVA» e, quanto ao ponto 9, «que o valor de € 285,00 + IVA seja atualizado para € 342,00 + IVA».
Alegam que «o custo de construção tem sofrido constante aumento fruto da instabilidade causada pela pandemia da Covid-19, da guerra na Ucrânia e o aumento brutal da inflação».
Em primeiro lugar, verifica-se que a questão do incremento dos valores fixados pelo Sr. Perito, alegadamente motivado pelos três identificados fatores, não foi suscitada na 1ª instância, pelo que constitui uma questão nova.
Em segundo lugar, os efeitos da pandemia de Covid-19 e da inflação já se verificavam aquando da apresentação do relatório pericial (08.10.2021) e sobretudo do relatório complementar que incidiu sobre os esclarecimentos pedidos pelas partes (09.05.2022). A guerra na Ucrânia já decorria quando foi apresentado o relatório complementar.
Em terceiro lugar, sendo certo que a discussão em 1ª instância se encerrou a 03.02.2023, após o que foi proferida a sentença, constata-se que o Sr. Perito esclareceu, em 09.05.2022, que os valores tinham por base preços atualizados. Mais, até se explicitou que «[n]ão sendo os trabalhos a orçamentar, no caso presente, de cariz muito especializado ou com utilização de materiais peculiares, na elaboração da estimativa de custos foram considerados valores correntes no mercado.»
Em quarto lugar, tendo presente que o Sr. Perito considerava em 09.05.2022 que os valores se encontravam atualizados, inexistem elementos fidedignos nos autos que nos permitam afirmar, sem margem para dúvidas, que o custo de construção aumentou, entretanto, 20%, isto é, desde que foi prestado aquele esclarecimento até à data da sentença.
Em quinto lugar, admitindo-se, em tese, um aumento dos custos de construção considerados na sua globalidade, não estamos certos de que tenha ocorrido relativamente às concretas obras aqui em causa.
Os Recorrentes invocam que em janeiro de 2023 «o INE publicou uma comunicação onde informou que os custos de construção aumentaram 11,2%».
Sucede que lendo o extrato daquela comunicação invocado pelos Recorrentes, verifica-se que aí consta que «Em janeiro de 2023, estima-se que os custos de construção de habitação nova tenham aumentado 11,2% em termos homólogos (…)».
Ora, no caso dos autos não está em causa uma habitação nova, pelo que o aumento de 11,2%, em termos homólogos, dos custos de construção daquela não nos habilita a considerar que ocorreu um tal aumento relativamente às obras referidas nos pontos de facto nºs 7 e 9. A premissa não permite a conclusão apontada, pelo que soçobra o argumento dos Recorrentes.

Pelo exposto, improcede a impugnação relativamente a estas duas questões factuais.
*
2.2.1.2. Pontos 10, 11 e 12

Os Recorrentes entendem que deve alterar-se a redação dos pontos nºs 10, 11 e 12 dos factos provados, os quais têm o seguinte conteúdo:
«10- De acordo com as produções médias na zona, caso não tivesse ocorrido o referido em 2, o prédio dos Autores, anualmente e em média, poderia produzir:
a) milho – 3.600 Kg (240 arrobas)
b) batata – 2.400 Kg (160 arrobas)
c) fardos de palha – 50
d) cestos de ervas para animais – 50.
11- Para conseguirem as referidas colheitas, os Autores teriam que realizar despesas com:
a) produtos químicos (fertilizantes)
b) produtos químicos (desinfestantes)
c) combustíveis
d) sementes
e) semeações (mão-de-obra)
f) colheitas (mão-de-obra);
g) horas de tractor
12- As colheitas referidas em 11 poderiam render: (3.600 Kgs. X € 0,35) + (2.400 Kgs. X € 0,35) + (50 fardos x € 2,00) + (50 cestos x € 0,50) = 2.225,00.» (a ênfase, a negrito, é da nossa autoria.)
Conforme indicam nas páginas 27 e 28 das suas alegações, os Recorrentes pretendem que esses pontos de facto passem a ter a seguinte redação:
«10- De acordo com as produções médias na zona, caso não tivesse ocorrido o referido em 2, o prédio dos Autores, anualmente e em média, produzia:
a) milho – 3.600 Kg (240 arrobas)
b) batata – 2.400 Kg (160 arrobas)
c) fardos de palha – 50
d) cestos de ervas para animais – 50.
11- Para conseguirem as referidas colheitas, os Autores realizavam despesas com:
a) produtos químicos (fertilizantes)
b) produtos químicos (desinfestantes)
c) combustíveis
d) sementes
e) semeações (mão-de-obra)
f) colheitas (mão-de-obra)
g) horas de tractor.”
12- As colheitas referidas em 11 rendiam: (3.600 Kgs. X € 0,35) + (2.400 Kgs. X € 0,35) + (50 fardos x € 2,00) + (50 cestos x € 0,50) = 2.225,00.»

Em resumo, os Recorrentes pretendem essencialmente a mudança dos tempos verbais constantes daqueles três pontos de facto:
- no ponto 10, a substituição das expressões «poderia produzir» pela expressão «produzia»;
- no ponto 11, a substituição das expressões «teriam que realizar despesas» pelas expressões «realizavam despesas com»;
- no ponto 12, a substituição das expressões «poderiam render» pela expressão «rendiam».

Na sentença inicial os Réus foram condenados «a pagar aos AA. a quantia a liquidar ulteriormente em incidente pós-sentencial referente aos danos sofridos pelo escoamento das águas no canto Norte - Nascente do prédio destes através da canalização por aqueles construída, com o limite de 15 000 €».
Os pontos de facto com os nºs 10, 11 e 12 respeitam ao apuramento de danos sofridos pelos Autores, no período subsequente ao ano 2000 (inclusive), em consequência do «escoamento das águas no canto Norte - Nascente do prédio destes através da canalização por aqueles [Réus] construída», alegadamente decorrentes de não terem podido cultivar o seu prédio.

Analisados os fundamentos do recurso, a sentença liquidanda e revista a prova produzida, concluímos pela improcedência da impugnação relativamente a estas três questões factuais.
Em primeiro lugar, como se demonstrará em sede de direito, os aludidos três pontos de facto são irrelevantes para a decisão de mérito. Isto pela singela razão de na presente liquidação não poderem ser considerados danos que foram julgados não provados na ação declarativa, como é o caso da alegada perda de rendimento com culturas, ou que não estão abrangidos pela condenação. É uma questão atinente à natureza e âmbito do dano provado na ação declarativa.

Em segundo lugar, mesmo que se suponha a pertinência dos pontos nºs 10, 11 e 12 da matéria de facto, sempre devia considerar-se que os Recorrentes não impugnam a decisão proferida quanto aos seguintes factos não provados, respeitantes aos danos por si invocados no incidente de liquidação:
- «Artigo 29.º da Petição Inicial – “Nos anos de 2000 a 2014 os Autores não fizeram qualquer cultura no seu prédio já que as irregularidades que a força das águas foi criando no terreno; bem como as constantes correntes de água arrastando consigo lixos e detritos tudo destruíam e qualquer colheita que viesse a ser efectuada não compensava as sementes, os produtos químicos e as tarefas agrícolas que fossem realizadas. Era tudo prejuízo”»;
- «Artigo 30.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “colhiam”»;
- «Artigo 31.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “despendiam”»;
- «Artigo 34.º da Petição Inicial – “Considerando que nos anos de 2000 a 2014 os Autores não puderam cultivar o seu prédio devido às circunstâncias narradas temos que o prejuízo sofrido alcançou por tal motivo o valor de (14 x € 2.263,10) = € 31.683,40”»;
- «Artigo 35.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “A partir de 2014 (…) no que despenderam € 2.000,00, implantaram alguns produtos hortícolas para consumo da sua casa familiar”»;
- «Artigo 36.º da Petição Inicial – “E então dispensando mão de obra estranha e maquinaria, vão os Autores, enxada na mão, regando aos retalhos, tirando algumas novidades para consumo próprio”»;
- «Artigo 38.º da Petição Inicial – “Também nos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 (2019 vai pelo mesmo caminho) o prejuízo anual sofrido pelos Autores cifra-se já referida quantia de € 2.263,10»;
- «Artigo 39.º da Petição Inicial – “Já que fazendo as contas ao valor dos produtos agrícolas que vão colhendo para seu consumo e ao valor das sementes, plantas, produtos fertilizantes, insecticidas e ainda valor da mão de obra”»;
- «Artigo 40.º da Petição Inicial – “Se conclui que se equilibram, ou seja, tendo em conta as condições excepcionais em que o terreno do prédio se encontra o que se tira da terra não tem valor superior ao que nela se mete (há mesmo anos de prejuízo)»;
- «Artigo 41.º da Petição Inicial – “Daí que se entenda que nestes anos o prejuízo sofrido pelos Autores se calcula à quantia de (4 x € 2.263,10) = € 9.052,40”»;
- «Artigo 43.º da Petição Inicial – “vêem-se assim (na parte que respeita ao prédio em causa – e correspondente a uma área de cerca de 9.000 metros quadrados) impedidos de rentabilizar tal prédio”»;
- «Artigo 48.º da Petição Inicial – “(…) necessário se torna a quantia de € 5.000,00 (…) pela perda de rendimento nos anos de 2000 a 2018, por virtude de não ter sido possível proceder às culturas normais (de 2000 a 2014) e por virtude de as culturas hortícolas que fizeram não poderem compensar do trabalho e produtos investidos (de 2015 a 2018) os Autores sofreram um prejuízo de (€ 31.683,00 + € 9.052,40) = € 40.735,40 (…) € 2.000,00”».
Vários desses factos careciam de demonstração, como é o caso dos alegados nos artigos 29º, 38º, 43º e 48º da petição inicial, enquanto pressuposto factual dos danos em causa.
A sua não demonstração torna quase inútil o apuramento das produções médias na zona, a produção – ou o potencial de produção – do prédio dos Autores, as despesas realizadas e o rendimento obtido.

Em terceiro lugar, os Recorrentes não especificam qual o eventual erro cometido pelo Tribunal recorrido quando utilizou as expressões que atrás transcrevemos. Quer isto dizer que propõem três correções sem indicarem as razões pelas quais consideram erradas as circunscritas expressões a que o Tribunal recorreu.

Em quarto lugar, no ponto nº 12 o Tribunal recorrido utilizou exatamente as expressões utilizadas pelos Autores no artigo 32º da petição inicial e que foram, literalmente, «poderiam render». Alegaram que «em termos normais as colheitas referidas nas alíneas do n.º 26 desta petição inicial [colheitas essas que correspondem às indicadas no ponto nº 11] poderiam render (…)» e na sentença deu-se precisamente como provado que «as colheitas referidas em 11 poderiam render (…)». Há, portanto, uma correspondência entre o facto alegado e o facto dado como provado, pelo que, para poder ordenar-se uma correção da redação, teria de estar evidenciado que ocorreu um erro na alegação e, por simpatia, na decisão. Nenhuma evidência existe de tal erro, em face da prova produzida.

Em quinto lugar, como desde logo resulta do alegado na petição inicial, no prédio dos Autores não foram colhidas (expressão utilizada no artigo 30º da petição inicial) as produções agrícolas referidas no ponto de facto nº 10, que as despesas mencionadas no ponto nº 11 não foram realizadas e que as colheitas referidas no ponto de facto nº 10 não renderam o que consta do ponto nº 12.
Pura e simplesmente, segundo afirmaram os Autores, não existiram tais produções, despesas e rendimentos.
Daí que o Tribunal não poderia utilizar expressões como se estivesse perante realidades que efetivamente se verificaram. Devia, isso sim, evidenciar na matéria de facto o que normalmente ocorreria se o terreno fosse cultivado (produções, despesas e rendimentos).
Foi isso que se fez na sentença, pelo que a formulação dos aludidos três pontos de facto é a correta.

Em sexto lugar, estando em causa a liquidação dos «danos sofridos pelo escoamento das águas no canto Norte - Nascente do prédio destes através da canalização por aqueles construída», caso não existisse o óbice exposto em primeiro lugar, seria relevante a demonstração, cujo ónus recairia sobre os Autores, de quais as produções, despesas e rendimentos anteriormente ao apontado facto lesivo, que posteriormente, nos anos de 2000 a 2014, não puderam e «não fizeram qualquer cultura no seu prédio» (v. art. 29º da petição inicial), quais as produções e rendimentos que poderiam ser obtidos (considerando as despesas que é normal fazer), e que nos anos de 2015 a 2018 o que produziram não compensou o trabalho e produtos que investiram.
Sendo certo que o relatório pericial permite saber qual a abstrata produção normal do terreno dos Autores (culturas, produções, despesas e rendimentos) no período considerado, importaria apurar as efetivas produções, despesas e rendimentos nos anos anteriores ao facto lesivo. Nesse enquadramento, a questão factual fundamental consistiria em apurar os produtos colhidos e as respetivas quantidades anuais.
A este propósito, a motivação da decisão sobre a matéria de facto é inteiramente elucidativa sobre a razão de ser de ter sido dado como provado o que consta dos pontos nºs 10, 11 e 12. Além de explicar o que as testemunhas FF (que conhece a Autora desde a sua juventude e refere ter trabalhado durante 35 anos no prédio aqui em causa na qualidade de caseira do pai do Autor, mas que não voltou ao terreno desde então), GG (vizinha dos Réus e que realiza trabalhos agrícolas para os Autores) e HH (irmão da Autora e, consequentemente, cunhado do Autor, que conhece o prédio por ter sido cultivado pelo seu pai) disseram sobre esta matéria de facto, apreciou criticamente a prova produzida e especificou o que foi decisivo para formar a sua convicção:
«Refira-se que, no relatório, o Exmo. Perito pronuncia-se quanto à produtividade normal do terreno dos Autores, com referência às culturas praticadas na zona. Não refere – e nem poderia fazer – qual o efectivo rendimento que os Autores retiravam do prédio antes dos factos que originaram o dano em liquidação. Quanto a esta, contata-se que só a testemunha GG consegue alguma quantificação, ainda assim em termos excessivamente vagos, razão pela qual apenas se provou o que consta dos pontos 10 a 13 dos Factos Provados.»
Consideramos inteiramente pertinente tal fundamentação, pois não se consegue extrair da prova produzida um resultado probatório diferente daquele que se mostra expresso nos pontos nºs 10, 11 e 12.
Com efeito, por um lado, os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito na audiência final, invocados pelos Recorrentes quanto às passagens entre os 13:02 minutos e os 15:05 minutos, nenhum elemento novo fornecem em relação ao que consta do relatório pericial. O Perito pronuncia-se sobre as culturas praticadas na zona onde se insere o terreno, a sua produtividade e conclui sobre o respetivo rendimento, mas sem se pronunciar, por o desconhecer, sobre o rendimento efetivo que os Autores anteriormente retiravam do prédio.
Por outro lado, nenhuma das três testemunhas, nas passagens da gravação dos seus depoimentos invocadas pelos Recorrentes para fundar o recurso, conseguiu quantificar as produções, despesas e rendimentos.
Para que não fiquem dúvidas, aqui se transcrevem as passagens dos depoimentos dessas três testemunhas, onde a aludida apreciação nos parece evidente:
- FF:
Pergunta (P) - O que é que ela costuma lá cultivar ou meter?
Resposta (R) - Olhe, metia cebolo, metia planta, metia milho, uma parte era para milho e outra parte metia as coisas de cultivar.
P - Olhe, também fazia batata?
R - Fazia sim senhor.
P - Tirava erva também?
R - Pois tirava, erva dos animais, pois está claro, tinha animais, tinha erva.
- GG[2]:
P - E que culturas ou novidades é que o casal tira?
R - Olhe, batatas, é milho, feijão, um pouco de jardim, um pouco de tudo para casa, para ela, erva e prontos, as culturas que são culturas no verão.
P - E é o normal, o que ela faz recorrentemente?
R - Sim, para ela, para casa, sim senhor.
P - A senhora falou em erva?
R - Sim, um bocadito de erva, já tenho ido lá às vezes buscar para os meus animais.
P - Batata?
R - Sim, milho, feijão.
P - Olhe, e palha?
R - Sim, depois também faz palha para os animais.
P - Seca erva para os animais?
R - Sim.
P - Enfarda?
R - Sim, fardos de palha.
- HH:
P - Sabe se a sua irmã cultiva lá alguma coisa e consegue tirar de lã alguma coisa?
R - Costumava, milho, batata, feijão, hortaliça.
P - E como é que o senhor sabe isso?
R - Porque eu era de lá e ia lá várias vezes. Cheguei a ajudar quando tinha lá vinha, cheguei a podar.
Como bem resulta dos extratos transcritos, em nenhum momento as testemunhas operaram a quantificação no que respeita aos anos anteriores ao evento lesivo. Daí que não exista suporte probatório que permita alterar a redação dos pontos nºs 10, 11 e 12 nos termos preconizados pelos Recorrentes.

Pelo exposto, improcede totalmente a impugnação da matéria de facto.
**
2.2.2. Reapreciação de Direito
2.2.2.1. Despesas para devolver ao prédio a sua configuração anterior
Na sentença recorrida, o Tribunal recorrido liquidou a indemnização a pagar pelos Réus aos Autores no valor de € 2.440,00, acrescido de IVA, para reposição do prédio dos Autores na situação em que se encontrava antes dos factos que deram origem ao dever de indemnizar, bem como para recolher toda a terra, pedregulhos e pedras de granito, restos de bloco de cimento, restos de chapa metálica e caleiras de cimento do muro que ruiu no dia 22.10.2013.
Na aludida indemnização estão incluídas as seguintes quantias:
- € 2.651,00, com IVA incluído, para a reposição do prédio dos Autores no estado em que antes se encontrava;
- € 285,00, acrescida de IVA, para a referida recolha de toda a terra, pedregulhos e pedras de granito, restos de bloco de cimento, restos de chapa metálica e caleiras de cimento.
Com os fundamentos que expunham nas conclusões 2ª a 11ª das suas alegações, os Recorrentes pretendiam que a aludida indemnização global fosse aumentada para o valor de € 3.601,44.
O referido aumento da indemnização dependia da modificação dos pontos nºs 7 e 9 da matéria de facto, objeto da impugnação da decisão da matéria de facto.
Tendo improcedido a impugnação, soçobra a apelação quanto a esta questão de direito, na medida em que o custo da reposição do prédio dos Autores ao status quo ante é aquele que corresponde à soma dos dois itens referidos nos pontos 7 e 9, tal como foi considerado no dispositivo da sentença recorrida que operou a liquidação.
*

2.2.2.2. Perda de produtividade
O presente incidente é de liquidação pós-sentença.
Dispõe a esse propósito o nº 2 do artigo 358º do CPC: «O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do nº 2 do artigo 609º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada».
Pressuposto essencial do incidente de liquidação pós-sentença é a existência de uma decisão de condenação genérica, nos termos do nº 2 do artigo 609º do CPC, portanto, carecida de liquidação.
A liquidação da sentença destina-se a concretizar o objeto da condenação, com respeito do caso julgado formado na sentença liquidanda. É um incidente posterior à sentença de condenação e que a complementa. No incidente está apenas em causa a medida da liquidação e nunca a existência do direito respetivo[3]. Dito de outro modo, a liquidação da sentença não serve para reabrir a discussão sobre se existe ou não a obrigação, mas apenas para concretizar a condenação genérica, fixando o seu objeto ou a sua quantidade.
Embora nem sempre seja plenamente entendido, numa ação declarativa como aquela que antecedeu este incidente, constitui ponto de referência de toda a atividade processual que a determinação do objeto da causa, isto é, da existência do dano (por exemplo, da obrigação de indemnizar por um concreto dano), não é relegável para o incidente de liquidação[4]. Portanto, na liquidação já está perfeitamente delimitado qual é o dano e é este que se pretende quantificar. No fundo, resta apurar o quantum da condenação, mas a delimitação dos factos em que assenta, o seu “balizamento”, já se mostra feito.
Na ação de que estes autos são dependência os Réus foram condenados «a pagar aos AA. a quantia a liquidar ulteriormente em incidente pós-sentencial referente aos danos sofridos pelo escoamento das águas no canto Norte - Nascente do prédio destes através da canalização por aqueles construída, com o limite de 15 000 €».
Para delimitar o sentido e âmbito de tal condenação é indispensável verificar quais os factos que a esse propósito foram objeto de discussão e, a final, de decisão, seja como factos provados ou não provados.
Na ação declarativa estavam em causa dois eventos.
Por um lado, a circunstância de os Réus, entre os anos de 2000 e 2004 (v. ponto nº 30 dos factos provados na ação declarativa), terem iniciado obras no seu prédio, mediante as quais «procederam ao enterramento e à canalização, no local onde a mesma anteriormente corria a céu aberto, de uma linha de água, mais tendo construído uma caixa de recolha de águas pluviais (ponto 35). «Tais águas são evacuadas no canto Norte - Nascente do prédio dos AA.» (ponto 36). «Daí resultando, quando em época de invernia e de abundância de águas – quer as nascidas no prédio dos RR., quer pluviais - , que estas jorrem, em abundância e sob pressão, do cano com cerca de 50 centímetros de diâmetro que os RR. puseram a deitar para o referido canto Norte - Nascente do prédio dos AA.» (ponto 37). «Tais águas, no seu caudal, trazem consigo terras, lixos e detritos vários, que se precipitam no prédio dos AA.» (ponto 38).
Por outro lado, o segundo evento respeita ao facto de no dia 22.10.2013 parte de um muro de blocos de cimento, construído pelos Réus na linha de confrontação entre o seu prédio e o dos Autores, se ter desmoronado (ponto 49), numa extensão de 10 metros (ponto 50), projetando sobre o prédio dos Autores que se situa em plano inferior ao dos Réus  terra, pedregulhos e pedras de granito, restos de bloco de cimento, restos de chapa metálica e caleiras de cimento (ponto 51), ocupando os referidos materiais uma área do prédio dos Autores com cerca de 50 m2 (ponto 53), estando, por isso, os Autores impedidos de cultivar tal área do seu prédio (ponto 54).
A pretensão indemnizatória deduzida pelos Autores com base na derrocada do muro foi julgada totalmente improcedente, uma vez que o Réu CC, logo no dia seguinte ao do desmoronamento, pretendeu proceder à imediata reparação do mesmo e à limpeza do terreno dos Autores na zona atingida pelos escombros, contratou para o efeito um empreiteiro, mas estes não autorizaram a entrada dos trabalhadores alegando que só autorizavam que fosse reposta a parte do muro que havia ruído, não autorizando qualquer outra intervenção (pontos 60 a 64). Aliás, já anteriormente, em julho de 2012, os Réus tinham solicitado aos Autores autorização para procederem a obras de reparação do referido muro divisório entre os prédios, uma vez que o mesmo, segundo alegado, apresentava desgaste ao nível dos alicerces, mas estes não autorizaram os Réus a proceder a tais obras de reparação.
Pronunciando-se sobre esta concreta questão, na sentença liquidanda ponderou-se o seguinte: «considerando que logo no dia a seguir ao desabamento os RR. se ofereceram para efectuar tal limpeza – o que colocaria fim ao impedimento do cultivo dessa zona de terreno –, entendemos, nos termos daquele preceito, que a indemnização em causa – que sempre seria de relegar para incidento ulterior, pois não obstante se ter provado esse dano, o mesmo não se quantificou – deve ser totalmente excluída. Com efeito, a concessão aos AA. dessa indemnização premiaria uma actuação dos mesmos em “venire contra factum proprium”: é que foram os AA. que impediram os RR. de colocar termo aos danos que agora vêm invocar, ao proibi-los de procederem, à remoção daqueles escombros.
Assim, improcederá o pedido formulado pelos AA. de verem os RR. condenados a pagar-lhe indemnização pelos danos decorrentes do desabamento desse muro.»
Portanto, face ao considerado e decidido na sentença liquidanda, cujos exatos termos foram mantidos por esta Relação no âmbito do recurso interposto, os Autores não têm direito a qualquer indemnização relativamente aos 50 m2 do seu terreno que ficaram impedidos de cultivar em decorrência do desabamento do muro.

Sendo assim, resta a questão da indemnização pelo dano emergente do primeiro evento.
Procurando fazer uma breve resenha factual introdutória, sabemos que o prédio rústico dos Autores tem uma área de 8.600 m2 e que confronta parcialmente com o prédio dos Réus, encontrando-se este a uma cota superior relativamente àquele (compreendida entre 0,70 m e 2,40 m). O prédio dos Réus tem, como tinha antes das obras feitas por estes, um declive contínuo descendente no sentido norte-sul, em direção ao prédio dos Autores, declive este que permitia – e, segundo a sentença, permite – que todas as águas pluviais e outras escoassem naturalmente por toda a superfície do prédio dos Réus (pontos 31 e 32). Sendo certo que «as águas provindas de prédios situados a norte do dos AA. eram recolhidas junto a um rego situado na face de um muro de suporte sito na confrontação dos prédios dos AA. e RR.» (ponto 26), verifica-se que os Réus, além de terem construído o já citado muro na linha de confrontação do seu prédio com o dos Autores, mas com aberturas, de metro em metro, com 20 cm de largura por 25 cm de altura (ponto 12), «abriram ainda uma canalização para o prédio dos AA., ao nível do solo deste prédio, com cerca de 50 centímetros de diâmetro, e para aí despejam todas as suas águas pluviais e outras» (ponto 13). Nas proximidades do canto norte-nascente do prédio dos Autores, existe uma poça de forma de quadrilátero (trapézio irregular) (ponto 11), com uma largura, do seu lado norte, de 1,5 m, no lado sul, de 6,3 m, no lado nascente, de 11,9 m e no lado poente, de 12 m (ponto 23), uma profundidade média de 0,70 m e paredes de granito (ponto 24). No lado norte dessa poça existe a embocadura de uma mina com cerca de 40 centímetros de largura e caixa de 1 metro de altura, toda ela aparelhada em granito, entrando essa mina no prédio dos Réus em cerca de 11 metros (ponto 25).
O facto lesivo, tal como já expusemos supra, consistiu na canalização das águas que antes escorriam naturalmente, a céu aberto, pela superfície do prédio dos Réus e deste, na parte em que confrontam, para o prédio dos Autores. Essas águas, no seu caudal, trazem consigo terras, lixos e detritos vários, que se precipitam no prédio dos Autores (ponto 38). Além disso, tal canalização aumenta ainda o caudal e a pressão das águas libertadas na confrontação nascente do prédio dos Autores e que se precipitam, a cerca de 200 m de distância, na via pública (ponto 39), sendo que, nesse trajeto, «arrasam a terra do prédio dos AA., pois que levam muita dessa terra por erosão, semeando, no seu trajecto, pedras e lixos, que prejudicam e diminuem o solo agrícola do prédio dos AA.» (ponto 40).
Por conseguinte, o dano dado como provado consistiu, repete-se, em as águas libertadas da canalização arrasarem a terra do prédio dos Autores, levando “muita dessa terra” por erosão e semeando, no seu trajeto, pedras e lixos, “que prejudicam e diminuem o solo agrícola do prédio dos Autores”, sendo certo que aí também se depositam terras que as águas trazem consigo.
Sendo expressões coloquialmente interessantes, já no domínio da realidade de um processo, o “prejudicam e diminuem o solo agrícola do prédio” é pouco esclarecedor. Se o “prejudicar” tem um cariz conclusivo, cujo sentido se encontra na referência à erosão e ao “semear”[5] de “pedras e lixos”, o diminuir pode ter dois significados: uma diminuição da quantidade de solo (terra) ou uma diminuição do valor do solo. Como essa expressão é antecedida pela referência à “erosão”, ter-se-á pretendido aludir à dimensão quantitativa do solo.
Porém, só uma componente do pedido indemnizatório, no montante de € 5.000,00, é que foi deduzido com base na apontada “diminuição do solo agrícola do prédio”.
O que os Autores pediram inicialmente na ação declarativa, sob a alínea g) do pedido, foi a condenação dos Réus a «pagarem-lhes indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes causaram de montante nunca inferior a 15.000,00 euros (quinze mil euros) mas cujo montante, tendo em conta os prejuízos que quotidianamente se avolumam melhor será liquidado em execução de sentença», sendo € 10.000 referentes aos prejuízos causados nas culturas agrícolas, gerados pela ausência de água, nos três anos que antecederam a interposição da ação (v., além do mais, os artigos 44º, 45º e 46º da petição inicial).
É ainda de fazer notar que no articulado superveniente que os Autores apresentaram na ação declarativa (fls. 329 e segs.), no qual procederam à ampliação do pedido anteriormente formulado, na parte relevante para o que agora está em apreciação, peticionaram «Que sejam os RR. e intervenientes condenados a pagar-lhes uma indemnização por força dos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes causaram em virtude dos factos supervenientes alegados, de montante nunca inferior a € 5.000,00, mas cujo montante, tendo em conta os prejuízos que quotidianamente se avolumam, melhor será liquidado em execução de sentença».
Ora, relativamente a tais factos supervenientes, como já concluímos supra, nenhuma indemnização é devida aos Autores por perda de produtividade. Isto por na sentença se ter decidido, com efeito de caso julgado, que «improcederá o pedido formulado pelos AA. de verem os RR. condenados a pagar-lhe indemnização pelos danos decorrentes do desabamento desse muro.»

O primeiro problema com que nos deparamos na presente liquidação assenta na constatação de que os Autores não formularam na ação declarativa qualquer pedido relativamente aos «danos sofridos pela perda de produtividade de 2000 a 2018» ou relativamente a qualquer ano agrícola. Somente no presente incidente pediram que seja «liquidado o valor a ser pago pelos RR. aos AA.» quanto aos «danos sofridos pela perda de produtividade de 2000 a 2018».
A única componente do pedido inicial, deduzido na ação declarativa, que se relacionava com uma “perda de produtividade”, atenta a delimitação constante do pedido formulado pelos Autores, era a gerada «pela ausência de água», ou seja, o reflexo desta «nas culturas agrícolas» em termos de prejuízos[6].
Na sentença proferida na ação declarativa, na página 23 enunciou-se que iam ser apreciados quatro pedidos e que o quarto consistia em «os AA. que os RR. (ou, subsidiariamente, os intervenientes) fossem condenados: (…) 4 – a pagarem-lhes indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, de montante nunca inferior a 15 000 €, acrescido de juros a contar da citação, mas a melhor liquidar em incidente pós-sentencial, sendo 10 000 € referentes aos prejuízos causados nas culturas agrícolas, gerados pela ausência de água acarretada pela sua conduta, nos três anos que antecederam a interposição da acção.»
Depois, nas páginas 26 e 27, concluiu-se relativamente a esse pedido:
«Assim, tendo os AA., ao erigir tal muro, exercido um direito que lhes era facultado pela lei e, por outro lado, não se tendo provado sequer a existência das águas alegadas pelos AA., forçoso é concluir, igualmente, que nem os RR, nem os intervenientes incorreram, neste âmbito, em responsabilidade extracontratual, desde logo por não terem praticado qualquer acto ilícito.
Assim, ainda que os RR. tivessem provado a verificação dos danos que lhes advieram da destruição do rego e da poça (o que, sublinhe-se, não lograram fazer), nunca os mesmos teriam direito à peticionada indemnização.
Portanto, todos os pedidos acima mencionados terão de improceder na totalidade.»
Por conseguinte, a parte do pedido indemnizatório relacionada com uma pretensa perda de produtividade foi julgada improcedente.

Temos assim, como já se referiu, que apenas se relegou para «incidente pós-sentencial» a liquidação de danos específicos, concretamente os resultantes de as águas libertadas da canalização arrasarem «a terra do prédio dos AA., pois que levam muita dessa terra por erosão, semeando, no seu trajecto, pedras e lixos, que prejudicam e diminuem o solo agrícola desse mesmo prédio», sendo isso bem patente nas passagens da sentença da ação declarativa em que se refere:
«Ainda neste âmbito, resultou provado que a referida canalização aumenta o caudal e a pressão das águas libertadas na confrontação Nascente do prédio dos AA., as quais se precipitam, a cerca de 200 (duzentos) metros de distância, na via pública.
Mais ficou provado que, nesse trajecto, tais águas arrasam a terra do prédio dos AA., pois que levam muita dessa terra por erosão, semeando, no seu trajecto, pedras e lixos, que prejudicam e diminuem o solo agrícola desse mesmo prédio.
Pediram os AA. a condenação dos RR. a pagar-lhes indemnização por tais danos.
Situamo-nos no âmbito da responsabilidade extracontratual, tal como acima já referido.
Face aos factos provados, entendemos que resulta demonstrada a verificação dos requisitos previstos no art. 483º do CC.
(…)
Portanto, justifica-se a condenação dos RR. no que se vier a liquidar posteriormente, sendo a pretensão indemnizatória limitada ao valor global do pedido formulado pelos AA. (ou seja, 15 000 €).
Refira-se que a improcedência do outro pedido indemnizatório formulado pelos AA. (designadamente, no que se refere aos prejuízos nas culturas dos AA.) não é impeditivo da fixação deste limite, que corresponde ao globalmente peticionado pelo A..
Em resumo, deverão os RR. ser condenados a pagar aos AA. a quantia a liquidar ulteriormente em incidente pós-sentencial referente aos danos sofridos no seu prédio pelo escoamento das águas através da canalização por aqueles construída, com o limite máximo de 15 000 €.»

Em todo o caso, como facilmente se retira do confronto entre o que foi pedido na ação declarativa e o que foi decidido na sentença no que respeita aos danos a que nos vimos referindo, não foi reconhecido aos Autores qualquer direito indemnizatório quanto aos «danos sofridos pela perda de produtividade de 2000 a 2018».
Aliás, é de notar que no extrato que acima transcrevemos considerou-se expressamente a improcedência do pedido indemnizatório formulado pelos Autores, designadamente, «no que se refere aos prejuízos nas culturas dos AA.».
Assim, nenhum prejuízo nas culturas foi relegado para liquidação ulterior.

Todavia, mesmo que se concluísse que os Autores tinham o direito a ser indemnizados quanto aos «danos sofridos pela perda de produtividade de 2000 a 2018», a solução não seria substancialmente diferente.
Primeiro, os Autores não demonstraram os factos fundamentais que haviam alegado e que suportavam o aludido pedido de liquidação desses danos.
No que respeita aos anos de 2000 a 2014, esse facto era o constante do artigo 29º da petição inicial, que foi dado como não provado: «Nos anos de 2000 a 2014 os Autores não fizeram qualquer cultura no seu prédio já que as irregularidades que a força das águas foi criando no terreno; bem como as constantes correntes de água arrastando consigo lixos e detritos tudo destruíam e qualquer colheita que viesse a ser efectuada não compensava as sementes, os produtos químicos e as tarefas agrícolas que fossem realizadas. Era tudo prejuízo.»
Também os artigos 30º e 31º da petição inicial, na parte em se dizia “colhiam” e “despendiam”, foram considerados não provados.
Ainda com relevo foram considerados não provados os seguintes factos:
«Artigo 34.º da Petição Inicial – “Considerando que nos anos de 2000 a 2014 os Autores não puderam cultivar o seu prédio devido às circunstâncias narradas temos que o prejuízo sofrido alcançou por tal motivo o valor de (14 x € 2.263,10) = € 31.683,40”.
Artigo 35.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “A partir de 2014 (…) no que despenderam € 2.000,00, implantaram alguns produtos hortícolas para consumo da sua casa familiar”.
Artigo 36.º da Petição Inicial – “E então dispensando mão de obra estranha e maquinaria, vão os Autores, enxada na mão, regando aos retalhos, tirando algumas novidades para consumo próprio”.»
«Artigo 38.º da Petição Inicial – “Também nos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 (2019 vai pelo mesmo caminho) o prejuízo anual sofrido pelos Autores cifra-se já referida quantia de € 2.263,10”.
Artigo 39.º da Petição Inicial – “Já que fazendo as contas ao valor dos produtos agrícolas que vão colhendo para seu consumo e ao valor das sementes, plantas, produtos fertilizantes, insecticidas e ainda valor da mão de obra”.
Artigo 40.º da Petição Inicial – “Se conclui que se equilibram, ou seja, tendo em conta as condições excepcionais em que o terreno do prédio se encontra o que se tira da terra não tem valor superior ao que nela se mete (há mesmo anos de prejuízo)”.
Artigo 41.º da Petição Inicial – “Daí que se entenda que nestes anos o prejuízo sofrido pelos Autores se calcula à quantia de (4 x € 2.263,10) = € 9.052,40”.
Artigo 43.º da Petição Inicial – “vêem-se assim (na parte que respeita ao prédio em causa – e correspondente a uma área de cerca de 9.000 metros quadrados) impedidos de rentabilizar tal prédio
«Artigo 48.º da Petição Inicial – “(…) necessário se torna a quantia de € 5.000,00 (…) pela perda de rendimento nos anos de 2000 a 2018, por virtude de não ter sido possível proceder às culturas normais (de 2000 a 2014) e por virtude de as culturas hortícolas que fizeram não poderem compensar do trabalho e produtos investidos (de 2015 a 2018) os Autores sofreram um prejuízo de (€ 31.683,00 + € 9.052,40) = € 40.735,40 (…) € 2.000,00”.»
Não está assim demonstrado que os Autores no período de 2000 a 2014 não fizeram qualquer cultura no seu prédio ou que no período de 2015 a 2018 tiveram uma produção inferior ao habitual ou que a produção não compensou o investimento que fizeram.

Segundo, os Autores não demonstraram quais as concretas produções que tinham antes do evento lesivo e muito menos qual o efetivo rendimento que retiravam do prédio antes dos factos que originaram o dano em liquidação.
Apenas se apurou qual seria a produção normal do terreno dos Autores (culturas, produções, despesas e rendimentos) no período considerado.

Pelo exposto, nenhuma censura merece a decisão recorrida na parte em que incidiu sobre a questão dos «danos sofridos pela perda de produtividade de 2000 a 2018».
*

2.2.2.3. Da construção de um poço
Nas conclusões 12ª e 13ª os Recorrentes invocam que o Tribunal não considerou nenhum dano resultante da construção de um poço, apesar de ter dado como provado no ponto nº 14 que: «Os Autores mandaram abrir um poço, o que tem um custo de construção de € 1.520,00 a que acresce IVA».
Sucede, desde logo, que os Autores não invocaram na ação declarativa qualquer dano resultante da abertura de um poço.
Depois, na sentença proferida na ação declarativa não consta qualquer facto relativo à abertura do poço.
Finalmente, tal matéria não foi considerada na sentença e não integra o objeto da condenação.
Como se trata de um dano que só é invocado no incidente de liquidação, não pode ser objeto de liquidação. O presente incidente de liquidação apenas se destina a concretizar o objeto da condenação genérica: os danos objeto de liquidação são aqueles que na sentença condenatória foram apurados; é relativamente a esses danos que importa determinar o respetivo quantum. Atento o trânsito em julgado da sentença, não podem ser liquidados prejuízos que não resultam da factualidade apurada naquela.
Aliás, para além de o alegado dano resultante da construção de um poço não estar contemplado no objeto da condenação, não está sequer demonstrado qualquer facto que permita estabelecer a relação causal entre a sua construção e o facto praticado pelos Réus, em que se funda a obrigação de indemnizar.
Pelo exposto, improcedem as conclusões formuladas sobre esta questão.
*
2.2.2.4. Danos não patrimoniais
Na petição inicial que deu origem ao presente incidente os Autores pediram que fosse liquidado o valor a ser pago pelos Réus na quantia de € 5.000,00 para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores. Na ação principal os Autores haviam pedido a condenação dos Réus a «pagarem aos AA. uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes causaram de montante nunca inferior a 15.000,00 euros (quinze mil euros) mas cujo montante, tendo em conta os prejuízos que quotidianamente se avolumam melhor será liquidado em execução de sentença» (alínea g) do petitório).
No presente recurso, os Recorrentes sustentam que lhes é devida aquela indemnização por danos não patrimoniais, «porque pedido na ação principal; porque pedido no incidente de liquidação; - porque provado, neste incidente, que “15- Os acontecimentos narrados causaram tristeza, desgosto, insatisfação, desânimo e revolta aos Autores.”» (conclusão 22ª).

A argumentação dos Recorrentes omite o essencial, que é o âmbito da condenação emergente da sentença proferida na ação principal, integralmente confirmada por esta Relação no recurso que daquela foi interposto.
Isto porque o âmbito da condenação mostra-se abrangido pelo caso julgado e na subsequente liquidação apenas podem ser considerados os danos que a sentença considerou como provados. No presente incidente, destinado a concretizar o objeto da condenação, apenas está em causa a medida da liquidação de danos cuja existência resulta da sentença liquidanda.
Compulsada a sentença proferida na ação declarativa, verifica-se, por um lado, que nenhum dano não patrimonial se julgou provado.
Por outro lado, a condenação cujo objeto se relegou para ulterior liquidação foi a quantia «referente aos danos sofridos pelo escoamento das águas no canto Norte - Nascente do prédio destes através da canalização por aqueles construída, com o limite de 15 000 €». Esses são danos exclusivamente patrimoniais.
Além disso, naquela sentença decidiu-se «absolv[er] os RR. dos restantes pedidos contra eles formulados».
Por isso, não há que liquidar quaisquer danos não patrimoniais.

Termos em que improcede totalmente a apelação.
***
III – Decisão

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a suportar pelos Recorrentes.
*
*
Guimarães, 08.02.2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
Paulo Reis
Maria dos Anjos Melo Nogueira



[1] De ora em diante, CPC.
[2] Grande parte do depoimento teve por objeto a questão factual da falta de água e respetivas consequências, quando não foi esse o dano que se relegou para liquidação posterior. O mesmo sucedeu aquando da prestação do depoimento por parte do irmão da Autora.
[3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe P. Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pág. 417.
[4] Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 9ª edição, Almedina, 2017, pág. 234.
[5] Uma expressão metafórica (“semear” pedras e lixo) mais adequada à poesia ou à literatura em geral e não a julgar um facto provado, que se pretende que seja uma realidade factual inequívoca e sem segundos significados.
[6] A este respeito, na sentença liquidanda considerou-se não provada a seguinte matéria:
«27 – A privação, pelos AA, da água advinda dos prédios dos RR. e dos intervenientes causou prejuízos nas culturas de produtos hortícolas, milheirais e vinha.
28 - Prejuízos esses que ascendem a quantia superior a 10.000,00 euros
(…)
41 – O jorro da água aludido em 37) dos “factos provados” atulha a poça sita no prédio dos AA. e consequentemente impede que a mesma recolha águas e que as mesmas posteriormente sejam aproveitadas.
42 – No referido dia 22-10-2013, devido à força das águas para aí canalizadas pelos RR., a terra aluiu e abriu-se no prédio dos AA., sensivelmente a meio do “Campo...”, uma cratera, com cerca de 3 metros de diâmetro e 1,50 metros de profundidade.
43 – No fundo desse buraco passa a água que, provinda da canalização feita pelos RR., atravessa o prédio dos AA. - ora à superfície, nos primeiros metros junto ao canto Norte-Nascente do prédio dos RR., ora subterraneamente, no demais percurso para sul até ao caminho publico -, no sentido Norte-Sul, até ao limite do prédio destes, a sul, com o caminho público.
44 – Impedindo os AA. de cultivar em tal área do seu prédio.
45 – A zona circundante à cratera aberta no prédio dos AA. tem aumentado de tamanho e ameaça desabar.
46 - Encontrando-se os AA. impedidos de cultivar essa área circundante da cratera.
47 – Ainda por força de tais águas canalizadas, na confrontação sul do prédio dos AA., junto ao caminho público, a água que antes corria subterrânea surge agora à superfície, numa extensão de cerca de 6 metros. 48 – Impedindo os AA. de cultivar, também, em tal área do seu prédio e na área circundante, pois que vai aumentando a área de água a correr à superfície