Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
195/10.5TJVNF-A.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: TRANSACÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
TERCEIRO
DEFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO DE IMÓVEL
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator)

I. A obrigação do Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social de efectuar o pagamento da quantia correspondente às rendas vencidas e não pagas durante o período de diferimento da desocupação (art. 930º-C do CPC; actual, art. 864º do NCPC) não pode resultar de transacção estabelecida entre as partes, homologada por sentença, onde apenas se preveja o diferimento da desocupação e, inclusivamente, se estabeleça que o pagamento das rendas, durante aquele período, ficava a cargo da executada.

II. Na verdade, tal obrigação só pode ser imposta àquela entidade se, na sequência do correspondente pedido de diferimento da desocupação, forem apresentadas provas da verificação dos respectivos requisitos, e sobre ele incida uma decisão judicial que, no seu prudente arbítrio, julgue os pressupostos de que depende o diferimento da desocupação verificados”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente(s): - José (…);
Recorrida: - Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P.;
*
Marta (…) veio deduzir oposição à execução que contra si foi instaurada por José (…), invocando como fundamento a al. e) do nº 1 do art. 814º do CPC, já que alega que a obrigação exequenda encontra-se erradamente liquidada pelos fundamentos que invoca.

Considerando estarem reunidos os respectivos requisitos legais, veio, ainda, na petição inicial, requerer o Diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação, nos termos do art. 930º-C do CPC e, em consequência, a suspensão da execução.
*
O exequente/embargado veio apresentar contestação, por impugnação (quanto à liquidação da obrigação exequenda).

Mais se veio opor ao pedido de diferimento da desocupação.

A titulo subsidiário, para o caso de o Tribunal entender que deve ser deferido o pedido, veio requerer (entre outros pedidos) que:

“ (…) b) A executada seja obrigada a caucionar as rendas vincendas, sob perda de benefício (cf. art. 930º-C, nº 3, al. a) do CPC); e
c) Que o Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social seja obrigado a indemnizar o exequente pelas rendas não pagas, acrescida dos juros de mora, de acordo com o disposto na al. b) do nº 3 do art. 930º do CPC”.
*
Foi proferido despacho saneador e designada data para a realização da Audiência de Julgamento.
*
Aberta a Audiência de Julgamento, declararam as partes terem obtido o seguinte:

“= A C O R D O =
I.
O exequente, tendo em conta o teor dos documentos a fls. 26, 27 e 28 junto aos presentes autos, reconhecendo que a executada se encontra desempregada e auferindo um subsídio de desemprego, acorda com a mesma o diferimento da desocupação do imóvel em causa nos autos, até ao dia 31 de Dezembro de 2010, data em que a executada se obriga a entregar o imóvel ao exequente ou a quem legalmente o representar livre e devoluto de pessoas e bens, com excepção dos móveis que pertencem ao arrendado.
II.
O exequente e executada acordam que as quantias em dívida a título de rendas vencidas e não pagas pela executada ao exequente, relativas aos meses de Maio de 2009 a Fevereiro de 2010 inclusive importa na quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
III.
As partes acordam que o valor locativo do imóvel em questão é correspondente ao valor da renda fixada, ou seja €250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensais, valor este que a executada reconhece em estar em dívida, desde Março de 2010 e ser devido até 31 de Dezembro de 2010, data da entrega do imóvel no total de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), quantia essa que a executada se compromete a pagar até ao dia 31 de Dezembro de 2010, data da entrega do imóvel.
IV
As custas em dívida em juízo serão suportadas por exequente e executada em partes iguais, prescindindo ambos de custas de parte e procuradoria na parte disponível.
***
Após, a Mm.ª Juiz, proferiu a seguinte:

= S E N T E N Ç A =

"Nos presentes autos de Oposição à Execução Comum (art. 813º CPC) que seguem por apenso aos autos de execução em que é exequente José (..) e executada Marta (…), homologo por sentença o acordo que antecede, o qual julgo válido quer quanto ao objecto, quer quanto à qualidade das pessoas que nele intervieram, condenando e absolvendo nos seus precisos termos.
Custas como acordado sem prejuízo do apoio judiciário concedido à executada
Cumpra o disposto no art. 301º, nº 3 do C.P. Civil, relativamente ao exequente.
Registe e notifique”.
*
Transitada em julgado, veio o exequente apresentar um requerimento onde veio peticionar que o Tribunal:

“Se digne fazer a comunicação em falta, ordenando, nos termos do disposto no art. 930º-C do CPC que o Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pague a indemnização devida ao exequente, no valor de 5.000 € (cinco mil euros), a título de rendas vencidas e, a ele não pagas, pela executada, acrescido de juros de mora, por ser da responsabilidade do mesmo, com todas as demais consequências legais”.

Alega que:

1. No dia 20 de Janeiro de 2010, o aqui, Exequente, apresentou o requerimento executivo, que instruiu os autos principais, de que este estes são apenso.
2. Com a sua Oposição, a Executada, veio, também, requerer o Diferimento da Desocupação Do Imóvel Arrendado, nos termos do disposto no artigo 930.º-C do Código de Processo Civil.
3. No dia designado para a realização da audiência de julgamento, 19 de Outubro de 2010, as partes em litígio chegaram a acordo nos presentes autos e transigiram, nos termos das cláusulas constantes da Acta de Audiência de Julgamento;
4. Ou seja, há mais de 1 ano, portanto.
5. Acontece, porém, que, não obstante o decurso do referido prazo, após, a data da transacção homologada por sentença proferida por V. Exª, o Exequente, ainda, não foi ressarcido da indemnização a título de rendas vencidas e não pagas por parte da Executada;
6. A qual, nos termos do referido artigo no artigo 930.º-C do Código de Processo Civil, é da responsabilidade do Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
7. Ora, o Exequente contactou o referido Fundo de Socorro, e, foi-lhe dito que, a comunicação que deve ser obrigatoriamente feita pelo Tribunal, nesse sentido, até à presente data, não foi ordenada.
8. Pelo que, requer a V. Exª se digne mandar fazer a comunicação em falta, e ordenar, nos termos do disposto no artigo 930.º-C do Código de Processo Civil, que o Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, pague a correspondente indemnização devida ao Exequente, no valor de € 5.000,00, a título de rendas vencidas e a ele não pagas, pela Executada, acrescido dos respectivos juros de mora”.
*
Na sequência do requerimento apresentado pelo exequente, o Tribunal Recorrido, após cumprir o princípio do contraditório, proferiu o seguinte despacho:

“Notifique o Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social para em 10 dias, efectuar o pagamento da quantia correspondente às rendas vencidas e não pagas durante o período de diferimento. Notifique”.
*
Notificado desta decisão, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P. veio interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho a fls…, de 22/01/2013, do Exmo. Juiz dos Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão, que determina a obrigação do Fundo de Socorro Social (FSS) de efectuar ao exequente (em 10 dias), o pagamento da quantia correspondente às rendas vencidas e não pagas no período de diferimento.
2. Salvo o devido respeito, não pode o ora recorrente concordar com tal entendimento.
3. Não existe outra decisão/despacho, para além do despacho ora recorrido, que condene o FSS no pagamento das rendas vencidas e não pagas no período de diferimento.
4. Em 19 de Outubro de 2010 foi celebrada transacção entre exequente e executada, de que se transcrevem as cláusulas I e III, com o seguinte teor (…).
5. O acordo firmado foi homologado por sentença proferida na mesma data, condenando e absolvendo nos precisos termos, a qual já transitou em julgado.
6. Da transacção efectuada e da douta sentença homologatória resulta, de forma clara, que não emerge para o FSS qualquer obrigação.
7. Nem na transacção, nem na douta sentença homologatória se faz qualquer referência ao FSS, nem nas mesmas é referido, que o diferimento seja concedido com fundamento na alínea b) do n.º 2 do art.º 930.º - C do C.P.C ou que se verificam os pressupostos legalmente exigíveis para o efeito.
8. A transacção realizada e a douta sentença homologatória não foram notificadas ao FSS, sendo que o Fundo só tomou conhecimento de tal decisão a seu pedido, em Março de 2012, após ter sido notificado de requerimento do exequente, requerendo o pagamento de alegada “indemnização aquele(a) devida, no valor de €5.000,00, a título de rendas vencidas e a ele não pagas, acrescido dos respectivos juros de mora”.
9. Em 19 de Outubro de 2010, exequente e executada limitaram-se a acordar o “ diferimento da desocupação do imóvel” em causa nos autos, desde essa data, até 31 de Dezembro de 2010,
10. E a acordar, conforme resulta do ponto III) do acordo “ que o valor locativo do imóvel em questão é correspondente ao valor da renda fixada, ou seja €250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensais, valor este que a executada reconhece estar em divida, desde Março de 2010 e ser devido até 31 de Dezembro de 2010, data da entrega do imóvel, no total de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), quantia essa que a executada se compromete a pagar até 31 de Dezembro de 2010, data da entrega do imóvel”.
11.Ou seja, acordaram executada e exequente que a primeira (a executada), realizaria também o pagamento das “rendas” devidas no período de diferimento acordado, isto é, das rendas vencidas, no período de 19 de Outubro de 2010 até 31 de Dezembro de 2010, data da entrega do imóvel.
12. O que decorre claramente do ponto III do acordo firmado e homologado, porquanto sendo o valor da renda fixada de €250,00 e referenciando-se 10 meses (Março de 2010 a Dezembro de 2010), a executada compromete-se a pagar até ao dia 31 de Dezembro, data da entrega do imóvel, o montante de € 2.500,00 (10x250,00), onde se inserem necessariamente as rendas vencidas e não pagas no período de diferimento (19 de Outubro de 2010 a 31 de Dezembro de 2010).
13. No incidente de diferimento de desocupação de imóvel arrendado para habitação, ao abrigo da al. b) dos n.ºs 2 e 3 do art.º 930.º-C do C.P.C estão em causa direitos indisponíveis, por estarem, também, consequentemente em discussão, e em causa, prestações sociais públicas indisponíveis ao eventual acordo das partes, termos em que, só deverá ser julgado procedente, após se apurar efectivamente de todos os pressupostos legalmente exigidos para o efeito.
14. Salvo o devido respeito, tal não ocorreu.
15. A presunção constante da alínea b) do n.º 2 do art.º 930-C do C.P.C, isto é, que a falta de pagamento de rendas se deve a carência de meios do executado, foi contestada pelo exequente, em sede de resposta à oposição à execução, pelo que atendendo aos factos invocados por aquele, entende-se que a carência de meios da executada, nunca poderia considerar-se presumida ou provada em sede de transacção.
16. Sem prescindir, ainda que resultasse para o FSS a obrigação de assegurar o pagamento de uma indemnização ao senhorio/exequente, tal indemnização reportar-se-ia atendendo à epigrafe do art.º 930º-C do C.P.C e ao disposto no n.º 2, al. b) e n.º3, al. b) do mesmo artigo, conforme Jurisprudência pacífica apenas e tão só, ao valor das rendas vencidas e não pagas no período de diferimento, não abrangendo quaisquer outros valores em divida.
17. Assim, atendendo ao valor da renda aplicável, (€250,00) e ao período de diferimento acordado - o qual decorre de 19 de Outubro de 2010 a 31 de Dezembro de 2010 - o montante das rendas vencidas e não pagas no período de diferimento apenas se poderia reportar ao somatório das rendas vencidas em Novembro e Dezembro de 2010, ascendendo ao montante de €500,00 (sendo que a renda de Outubro, em 19 de Outubro, salvo prova em contrário já se teria vencido, anteriormente, ao início do período de diferimento).
18. Nunca se reportando ao valor de €3.000,00 (três mil euros), conforme requerido pelo exequente.
19. O despacho ora recorrido que determina a obrigação do FSS efectuar ao exequente (em 10 dias), o pagamento da quantia correspondente às rendas vencidas e não pagas no período de diferimento, contraria decisão proferida em 19 de Outubro de 2010, já transitada em julgada, que homologou transacção entre as partes, da qual decorre que a obrigação de realizar o pagamento de rendas referentes ao período de diferimento acordado é imputada à executada e não ao FSS.
20. Sem prescindir, o despacho ora recorrido, não faz qualquer referência a que o diferimento da desocupação seja decidido com base no art.º 930.º-C, n. º2, al. b) do C.P.C.
21. O douto despacho é absolutamente omisso no que concerne a fundamentação, de facto e de direito, não se pronunciando sobre a verificação dos pressupostos previstos no art.º 930.º-C, n.º 2, al. b) do C.P.C, pressupostos legalmente exigidos para a intervenção do FSS.
22. O despacho, ora recorrido, é absolutamente omisso quanto à quantificação do valor da obrigação que determina, não obstante, constarem dos autos os diferentes posicionamentos do FSS e do exequente, face ao montante das rendas vencidas no período de diferimento.
23.Sem prescindir, e no plano da hipotética indemnização pelas rendas referentes ao período de diferimento, sempre foi alegado pelo FSS, que atento o período de diferimento e o valor da renda mensal fixado (€250,00), não se vislumbrava qualquer fundamento legal na pretensão do exequente, por último concretizada no pedido de €3000.00 (três mil euros), acrescido dos respectivos juros de mora.
24. - O despacho ora recorrido contraria decisão já transitada em julgado (art.º 678.º n.º 2 al. a) e art.º 677 do C.P.C), viola o disposto no art.º 930.º-C n.º 2, al. b) do C.P.C e não cumpre o disposto nos art.º 158.º e 668 n.º 1, al. b), ambos do C.P.C, porquanto não se encontra fundamentado.

Nestes termos e demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente:

- Ser revogado o despacho recorrido, o qual contraria decisão já transitada em julgado, declarando-se que não resulta qualquer obrigação para o FSS;

Ou caso assim não se entenda;

- Declarado nulo o despacho proferido, dado que não cumpre o disposto nos art.º 158.º e 668.º, n.º1 al. b), ambos do C.P.C, porquanto não se encontra fundamentado (…) ”.
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Na sequência dessa interposição de recurso, não veio o Exequente apresentar contra-alegações.
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Pronunciando-se sobre a nulidade invocada, no âmbito do disposto nos artºs. 615º e ss. do CPC, o Tribunal Recorrido veio a proferir a seguinte decisão:

“… assiste razão ao recorrente quanto à nulidade invocada, uma vez que o tribunal se limitou a determinar o pagamento pelo recorrente das quantias alegadamente devidas ao exequente pelo diferimento da desocupação do imóvel cuja entrega foi requerida na execução, sem explicitar minimamente o fundamento de tal ordem de pagamento, fundamentação essa que, no caso, se impunha especialmente dada a natureza controversa da obrigação entre as partes interessadas, atentos os requerimentos que precederam o despacho.

Assim sendo, reconhecendo a nulidade, por falta de fundamentação, do despacho de 22.01.2013, declaro a nulidade deste despacho, nos termos dos artºs. 615.º, al. b), e 617.º do NCPC.
***
Atenta a declarada nulidade do despacho de 22.01.2013, importa proferir decisão quanto ao requerido pagamento pelo acima aludido recorrente das rendas vencidas no período de diferimento da desocupação do imóvel cuja entrega foi requerida na execução.

Assim fazendo:

O exequente veio requerer que, na sequência da transacção homologada por sentença, o “Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social” (ISS) fosse notificado para pagar as rendas vencidas e não pagas pela executada.

Ora, a pretensão do exequente não encontra qualquer base factual e legal.

Em primeiro lugar, importa desde logo atentar que, mesmo que fosse admissível a imputação ao ISS do pagamento das rendas pelo diferimento da desocupação do imóvel, tal, nos termos do à data vigente art. 930.º-C, n.º 3, al. b), do CPC revogado, apenas se aplicaria às rendas vencidas no período do diferimento decidido, o qual, no caso, se mostra temporalmente delimitado pelo período que medeia entre a decisão de diferimento e a data de entrega fixada (31.12.2010), e não a todas as rendas vencidas anteriormente à decisão de diferimento.

Em segundo lugar, nem sequer as rendas do acordado período de diferimento da desocupação podem ser imputadas ao ISS, uma vez que não resulta da transacção e/ou da sentença homologatória qualquer imputação de valores ao ISS, nomeadamente por força do disposto no artigo acima exposto – sendo que da transacção apenas resulta a obrigação de a executada pagar tais rendas -, e, na verdade, não estava na disponibilidade das partes decidir a imputação de responsabilidades a um terceiro, ainda que seja o ISS, de tal forma que a responsabilidade desta entidade pelo pagamento de rendas não seria susceptível de transacção entre exequente e executado.
Assim sendo, por todas as razões expostas, indefere-se o requerido pelo exequente.
Notifique.
***
Atentas as decisões acima expostas, notifique-se o recorrente e o recorrido nos termos e para os efeitos do art. 617.º, n.ºs 3 e 4, do NCPC, a fim de, em 10, dias se pronunciarem”.
*
Nesta sequência, veio, então, o Recorrente apresentar o seguinte requerimento:

“- Atendendo ao facto de ter sido declarada a nulidade do despacho de 22-01-2013 e à prolação de decisão na mesma data que considerando que a pretensão do exequente não encontra qualquer base legal ou factual, indeferiu o requerido pelo dito exequente, vem informar V. Exa., que já não mantém interesse em que se aprecie o recurso interposto do despacho de 22-01-2013, desistindo do mesmo”.
*
Por sua vez, o Exequente/Recorrido, atenta a posição assumida pela Recorrente, veio requerer, sem mais alegações, “… ao abrigo do disposto no artigo 617.º, nº 4, do Código de Processo Civil, … a subida dos autos, para decidir da admissibilidade da alteração introduzida na sentença, assumindo, a partir deste momento, a posição de Recorrente”.
*
Sobre este requerimento, pronunciou-se já o presente Tribunal, no despacho liminar – o qual veio a merecer a adesão das partes – fls. 166 e 169, respectivamente.

Assim, como aí ficou dito:

“Acresce que, em face da decisão proferida, a Recorrente (inicial) veio desistir do Recurso interposto.

Dispõe, então, o nº 4 do art. 617º do CPC que, nestas situações, “cabe, então, ao Recorrido, no prazo de dez dias, tomar a iniciativa de activar a subida do Recurso, de modo a assegurar que seja apreciada a alteração introduzida na sentença, assumindo a posição de recorrente” (1).

Sucede que, apesar de pretender assumir aquela qualidade de Recorrente, este não apresentou, de uma forma consequente qualquer fundamento para pôr em causa a alteração introduzida na decisão proferida, limitando-se a requerer que o presente Tribunal se pronunciasse sobre a admissibilidade da referida alteração.

Importa esclarecer, no entanto, que este “termo admissibilidade é incorrecto; o Tribunal superior pronunciar-se-á, sim, sobre o conteúdo da alteração, isto é, sobre o novo conteúdo da sentença (que a alteração integra) e não sobre se era admissível alterar a sentença”.

Assim, traduzindo-se “a alteração da decisão… numa segunda leitura da lei” a parte com ela desfavorecida “…deve ter o direito de demonstrar que, afinal, não devia ser feita, por a primeira ser correcta ou por falharem os pressupostos para a alteração” (2).

Ora, conforme decorre do requerimento do Recorrente, este, limitando-se a requerer que houvesse pronúncia sobre “a admissibilidade da alteração” não apresenta no seu requerimento (em que assume a posição de Recorrente) qualquer fundamento no sentido de efectuar a referida “demonstração”, pelo que a ponderação da sua posição, na ausência de contra-alegações (na fase inicial do Recurso), só poderá ser efectuada em face do requerimento (que deu início ao incidente) e sobre o qual o Tribunal Recorrido se pronunciou, proferindo as decisões aqui em causa.

No fundo, nestas situações, o que o legislador pretendeu com a faculdade estabelecida no citado nº 4 é prever que, quando haja alteração do sentido da decisão, o Recorrido possa assumir a posição de Recorrente, em caso de desistência do Recorrente inicial, devendo, para o efeito apresentar o respectivo requerimento no prazo de dez dias.

Neste sentido refere Abílio Neto (3), que este regime “está em derradeira análise a recuperar o disposto no nº 3 do art. 744º do CPC, na redacção anterior ao DL 303/2007 de 24.8… ou, se se preferir, o § 2 do art. 1017 do Código de 1876 que permitia que se agravasse do despacho de reparação, ao passo que o citado nº 3 mandava subir o processo tal como está”, isto é, sem novas alegações, o que sempre motivou críticas por não acautelar os interesses do agravado quando assumia a posição de agravante (vid. por todos J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, Vol. III, p.305) ”.

No mesmo sentido, refere Cardona Ferreira (4) que “o regime actualmente prescrito, nesta temática, é idêntico ao da reparação do velho agravo de 1ª instância, admitindo-se que, na hipótese de reparação pelo Juiz do Tribunal a quo e de desistência de recurso por quem beneficia da reparação, o recorrido possa requerer o prosseguimento do recurso (nº 4 do art. 617º; cfr. art. 744º, nº 3, anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007)”.

Ora, nesse regime do (velho) agravo:

“a) O agravado não necessita de interpor um novo recurso, bastando-lhe requerer a subida do processo de agravo, valendo o seu requerimento como manifestação de vontade de impugnar o despacho reparado;
b) O agravado, ora nas vestes de agravante, não tem que apresentar alegações…” (5).

Assim, o processo subia, nesse regime do Agravo, tal como estava, isto é sem novas alegações, o que, como vimos, na interpretação dos citados autores ocorrerá no regime processual do actual CPC.

Nesta conformidade, conclui-se que, sendo este o regime processual, tudo aponta, assim, no sentido de a presente instância de recurso poder prosseguir “tal como está”, já que não existem dúvidas que a questionada decisão era processualmente admissível (por se traduzir, como se referiu, num desvio ao esgotamento do poder jurisdicional) (…) ”.
*
Feitas estas considerações - e delimitado o âmbito do recurso nos termos em que se acaba de expor - corridos os vistos legais, cumpre, pois, decidir o objecto do presente recurso, tendo em conta as particularidades explicitadas.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s) - no caso, a posição das partes -, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cf. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
*
No seguimento desta orientação, é a seguinte a questão que importa apreciar:

- Saber se a sentença que homologou a transacção estabelecida entre as partes, nos presentes autos de oposição à execução, pode constituir título executivo perante o “Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social” (ISS) – no sentido de obrigar aquela entidade a efectuar o pagamento da quantia correspondente às rendas vencidas e não pagas durante o período de diferimento da desocupação (art. 930º-C do CPC).
*
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
*
Como factualidade relevante interessa aqui ponderar apenas os trâmites processuais e o teor da decisão proferida que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
*
B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Conforme resulta do relatório elaborado, a questão que, no fundo, importa decidir é a de saber se o Tribunal não devia ter alterado a decisão inicialmente proferida no sentido de notificar o Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social para efectuar o pagamento da quantia correspondente às rendas vencidas e não pagas durante o período de diferimento da desocupação do imóvel arrendado (cfr. art. 930º-C do CPC) (6).

Entendeu o Tribunal Recorrido - em despacho de suprimento da nulidade invocada pelo Recorrente (art. 617º, nºs 1 e 2 do CPC) que, na sequência, alterou o sentido da decisão inicialmente proferida - que não se mostravam reunidos os requisitos legais para determinar tal notificação, “uma vez que não resulta da transacção e/ou da sentença homologatória qualquer imputação de valores ao ISS, nomeadamente por força do disposto no artigo acima exposto (art. 930º-C do CPC) – sendo que da transacção apenas resulta a obrigação de a executada pagar tais rendas -, e, na verdade, não estava na disponibilidade das partes decidir a imputação de responsabilidades a um terceiro, ainda que seja o ISS, de tal forma que a responsabilidade desta entidade pelo pagamento de rendas não seria susceptível de transacção entre exequente e executado”.

O Exequente, ora Recorrente, insiste, no entanto, que assim não será, apelando ao referido regime legal e ao teor da transacção homologada por sentença acima transcrita.

Assim, quando exerceu o princípio do contraditório relativamente a esta questão, alegou que “… subjacente à transacção, esteve o pressuposto de que seria o “Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social”, a pagar ao Exequente, pelo menos as rendas correspondentes ao diferimento da desocupação; Até porque a Executada requereu o referido diferimento, com fundamento no disposto no artigo 930º-C do Código de Processo Civil; Requisitos que a Meritíssima Julgadora considerou estarem verificados (a Requerente – Executada, encontrava-se desempregada, a receber o respectivo subsídio e não possuía, nem possui bens); Assim sendo, deverá constar expressamente na transacção que deve ser o “Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social”, a pagar ao Exequente, pelo menos o montante de € 3.000,00 (três mil euros), correspondente aos meses do diferimento da desocupação”.
*
Cumpre decidir.

A questão colocada no presente Recurso deve ser resolvida no âmbito de dois níveis diferentes de apreciação.

Por um lado, em sede de interpretação da transacção (e da respectiva sentença homologatória) e do âmbito da sua eficácia executória (exequibilidade do título dado à execução – art. 10º, nº 5 do CPC).

E, por outro lado, em sede de verificação dos requisitos do pedido de diferimento da desocupação do imóvel arrendado (cf. art. 930º-C do CPC).

Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, em qualquer um destes dois níveis de apreciação, não se pode reconhecer ao Recorrente qualquer razão.

Na verdade, resulta de uma forma expressa da transacção estabelecida entre as partes (e da sentença que a homologou) que dela não resulta qualquer obrigação que recaia sobre o Recorrido, Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, nomeadamente, que o mesmo, por força daquele acordo (e sentença homologatória), tivesse ficado obrigado a efectuar o pagamento da quantia correspondente às rendas vencidas e não pagas durante o período de diferimento (art. 930º-C do CPC), acordado (apenas) entre exequente e a executada.

Com efeito, a tarefa que incumbe aqui realizar é a de interpretação do contrato (acordo/transacção), tendo em conta as cláusulas já atrás mencionadas, e todas as circunstâncias que o legislador manda atender nesta sede interpretativa.

Vejamos, em síntese, quais são essas circunstâncias decisivas nesta sede interpretativa.

É conhecida a regra legal essencial na interpretação dos contratos: a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art. 236º, nº 1, do CC).

É generalizadamente aceite que o legislador consagrou a doutrina da impressão do destinatário, de cariz objectivista, valendo a declaração com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

Assim, do citado preceito legal resulta que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, se dá prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário, mas a lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário depreenderia.

“Há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, ….e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo” (7), sendo que o declaratário normal corresponde ao "bonus pater familias" equilibrado e de bom senso, pessoa de qualidades médias, de instrução, inteligência e diligência normais.

Por outro lado, no domínio da interpretação de um contrato podem surgir como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: "a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos" (8); ou, dito de outra maneira, “… os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento), a finalidade prosseguida, etc…” (9).

Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (art. 237º do CC).

Nos negócios formais acresce que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238º, nº 1, do CC) (10).

Estas considerações podem aqui ser resumidas nos seguintes pontos (11):

1. Em geral, se se conhecer a vontade real dos declarantes, a declaração vale de acordo com a mesma (art. 236º, nº 2 do CC);
2. Se tal vontade real não for conhecida, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele;
3. No domínio da interpretação de um contrato surgem como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos;
4. Nos negócios formais a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso- não se aplicando, no entanto, tal exigência se for conhecida a vontade real dos declarantes e as razões determinantes da forma do negócio não se opuserem a tal validade (art. 238º, nº 2 do CC);
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Uma vez esclarecidas estas regras interpretativas, importa, então, proceder à interpretação do clausulado da transacção estabelecida entre as partes,

Tratando-se de um documento escrito, a interpretação deve, pois, começar com a interpretação do texto do acordo que foi subscrito pelas partes.

Ora, dessa análise interpretativa é fácil constatar que, da transacção estabelecida entre as partes, não decorre para o Recorrido, Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, qualquer obrigação, que possa determinar a notificação ordenada pelo Tribunal Recorrido.

Na verdade, procurando no texto do acordo, não se logra encontrar nele qualquer elemento interpretativo textual que permita acolher, no seu âmbito, a interpretação defendida pelo Recorrente.

Com efeito, do texto das cláusulas atrás transcritas apenas decorrem obrigações para a executada Marta (…).

Assim, decorre da transacção estabelecida que o exequente e a executada limitaram-se a acordar:

- “o diferimento da desocupação do imóvel” em causa nos autos, até 31 de Dezembro de 2010, “data em que a executada se obriga a entregar o imóvel ao exequente ou a quem legalmente o representar livre e devoluto de pessoas e bens, com excepção dos móveis que pertencem ao arrendado”.
-e que “ as partes acordam que o valor locativo do imóvel em questão é correspondente ao valor da renda fixada, ou seja €250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensais, valor este que a executada reconhece (em) estar em divida, desde Março de 2010 e ser devido até 31 de Dezembro de 2010, data da entrega do imóvel no total de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), quantia essa que a executada se compromete a pagar até ao dia 31 de Dezembro de 2010, data da entrega do imóvel”- ponto III da transacção.

Ou seja, decorre da transacção estabelecida que a executada e o exequente acordaram que a primeira, para além do pagamento de rendas relativas a período anterior, realizaria também o pagamento das “rendas” devidas no alegado período de diferimento acordado, isto é, até 31 de Dezembro de 2010.

Não há, assim, dúvidas que da transacção estabelecida não ficou estabelecida qualquer obrigação para o Recorrido, Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social,

Ora, se isto é assim, não pode também defender-se que essas obrigações possam resultar da sentença que veio a homologar a referida transacção estabelecida entre as partes.

Na verdade, nestes casos, “… a sentença homologatória incorpora, então, as cláusulas do contrato de transacção, como que delas se apropriando, e nessa medida impondo às partes a vinculação ao respectivo cumprimento.

Como se escreveu no ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 25/3/2004 (Proc. 03B4074 ITIJ), a sentença homologatória, “que inicialmente arranca da transacção lavrada no processo (…), acaba assim por ganhar ou adquirir, pelo princípio da absorção, valência a se.

Tal sentença não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transacção, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. E, uma vez transitada em julgado, como que corta, e definitivamente, o cordão umbilical que a ligava à transacção de que nascera.

No caso, não vem arguido qualquer vício do contrato de transacção que não seja a insuficiência de forma, nem posta em causa a validade e efeitos da sentença homologatória transitada em julgado” (12) - cf. artºs. 290º e 291º do CPC (nem isso constitui o objecto do presente litígio).

Assim sendo, entende-se que a transacção e a sentença homologatória que sobre ela for proferida poderão constituir título válido e suficiente para, com fundamento nela, serem executadas qualquer uma das obrigações que dela decorram.

Sucede que, no caso concreto, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, não decorre do respectivo teor – conforme se julga já ter demonstrado – qualquer obrigação, que tenha ficado estabelecida, que recaia sobre o aqui Recorrido.

Nesta conformidade, fica inevitavelmente afastada a hipótese de a decisão proferida, que ordenou a notificação do Recorrido, ter tido por fundamento a sentença homologatória da transacção, já que desta, como já por mais de uma vez referimos, não decorre a obrigação que constitui o objecto daquela decisão – o que significa que, por esta via, a decisão homologatória proferida não constituía título exequível susceptível de ser dado à execução.

Segundo o n.º 5 do artigo 10º do CPC - correspondente ao anterior art. 45º, nº 1, do CPC -, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva.

Como é sabido, a realização efectiva do direito violado supõe, em princípio, a sua prévia definição em sede de acção declarativa contraditória, de modo a se obter uma sentença condenatória na prestação devida que sirva de título à respectiva execução.

De entre as várias espécies de título executivo taxativamente previstas no nº 1 do artigo 703º - correspondente ao anterior art. 46º do CPC -, figura, logo à cabeça (alínea a), a sentença condenatória, em que se incluem as sentenças homologatórias que contenham, explícita ou implicitamente, a condenação do devedor numa determinada prestação patrimonial, como ocorre nos casos de sentença homologatória de uma transacção. Normalmente nestes casos, a definição da prestação objecto de condenação tem de ser feita em função do teor do acordo homologado.

Ora, como já vimos, tendo em conta o teor da transacção aqui estabelecida entre as partes, fica claro que, nem mesmo de uma forma implícita, resulta da mesma, que o aqui Recorrido tenha sido condenado em qualquer prestação patrimonial, nomeadamente, naquela que o Tribunal Recorrido (inicialmente) (e o Recorrente) lhe pretendia(m) imputar - obrigação do Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social de efectuar o pagamento da quantia correspondente às rendas vencidas e não pagas durante o período de diferimento (art. 930º-C do CPC).

Com efeito, e contrariamente ao defendido pelo Recorrente, além dessa obrigação não ter ficado estabelecida na transacção (nem na sentença que a homologou), também não se vislumbra que o Tribunal Recorrido, ao homologar a transacção, se tenha pronunciado sobre os requisitos de que dependeria a intervenção do Recorrido (como já se referiu, o Tribunal ao fazê-lo, não conheceu “do mérito da causa”). Daí que também não se possa aceitar a afirmação do Recorrente de que tal obrigação constará expressamente na transacção (ou seja, que deve ser o “Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social”, a pagar ao Exequente, pelo menos o montante de € 3.000,00 (três mil euros), correspondente aos meses do diferimento da desocupação).

Improcede, pois, esta argumentação.

Aqui chegados, importa verificar se tal obrigação poderá decorrer do segundo nível de apreciação atrás enunciado.

Como se referiu, este segundo nível contenderia com a eventual afirmação da obrigação que alegadamente seria imposta ao Recorrido, por via da verificação dos requisitos do pedido de diferimento da desocupação do imóvel arrendado (cf. art. 930º-C do CPC).

Como é sabido, nos termos deste dispositivo legal (nº 1 e 2), no caso de imóvel arrendado para habitação, o executado, dentro do prazo de oposição à execução, podia requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, desde que alegasse algum dos fundamentos aí previstos (interessando-nos só a al. b)):

“ (...)
b) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do executado, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego ou de rendimento social de inserção”.

Em tal hipótese, caberia ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social indemnizar o exequente pelas rendas não pagas, acrescidas de juros de mora, ficando sub-rogado nos direitos daquele, devendo a decisão ser-lhe oficiosamente comunicada (n.º 3 do mesmo artigo) (13).

Mas, para tanto, será necessário que seja formulado o correspondente pedido de diferimento da desocupação, sejam apresentadas provas da verificação dos respectivos requisitos e sobre ele incida uma decisão judicial que julgue os pressupostos de que depende o diferimento da desocupação verificados.

Trata-se de decisão que o Tribunal tem de proferir de acordo com um juízo de “prudente arbítrio”, depois de analisados os critérios indicados no citado artigo 930º-C do CPC.

Com efeito, o legislador impõe, nestas situações, que o julgador, perante as provas juntas ao processo - e que devem ser correlacionadas com as circunstâncias mencionadas no n.º 2, alínea b) daquele dispositivo - proceda à respectiva análise, de forma a concluir pela verificação de razões sociais imperiosas que permitiriam o diferimento da desocupação do locado.

Sucede que, no caso concreto, nada disto se verifica.

Com efeito, o diferimento da desocupação ficou estabelecido por transacção das partes (e não por decisão judicial).

Nessa transacção, contrariamente ao que decorreria do regime legal invocado, ficou mesmo estabelecido que, durante o período de diferimento da desocupação, o pagamento das rendas ficava a cargo da executada.

Além disso, como bem intuiu o Tribunal Recorrido, nunca poderiam as partes estabelecer em termos de transacção, sem intervenção do Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que era esta a entidade que ficaria responsável pelo pagamento daquelas rendas (sem que precedentemente se julgassem verificados os respectivos pressupostos de reconhecimento do pedido formulado).

Aliás, tal obrigação nunca poderia ficar estabelecida por transacção, uma vez que, como decorre do exposto, o seu reconhecimento depende de decisão judicial, onde se reconheça a verificação dos pressupostos legais expressamente previstos no art. 930-C do CPC.

Tal decorre, também, do facto de se tratar de prestações sociais públicas indisponíveis ao eventual acordo das partes, pelo que tal pretensão, a nosso ver, atenta aquela natureza, só poderá ser reconhecida se os aludidos pressupostos forem provados – o que, no caso concreto, obviamente, tendo em conta a transacção estabelecida não ocorreu (a celebração da transacção teve por efeito justamente a desnecessidade de discutir aqueles pressupostos que se mantêm, assim, e aliás, controvertidos – até porque foram expressamente impugnados na contestação).

Nesta conformidade, também por esta via não se pode reconhecer a pretensão do Recorrente, uma vez que, como se referiu, da transacção (e da sentença que a homologou) apenas resulta a obrigação de a executada pagar tais rendas; e, por outro lado, não estava na disponibilidade das partes decidir no âmbito da transacção estabelecida, a imputação de responsabilidades a um terceiro, o identificado Fundo, ainda que tal pudesse decorrer da aplicação do art. 930º-C do CPC (actual, art. 864º do NCPC), uma vez que se verificassem (provassem) os respectivos pressupostos legais.

Nesta conformidade, e sem necessidade de mais alongadas considerações, julga-se totalmente improcedente o Recurso interposto, exactamente com os mesmos fundamentos aduzidos pelo Tribunal Recorrido.
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III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente a apelação, e em consequência, decide-se manter integralmente a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 7 de Março de 2019

(Pedro Alexandre Damião e Cunha)
(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)
(Dr. José Alberto Moreira Dias)


1. Abrantes Geraldes/P. Pimenta/Luís P. Sousa, in “CPC anotado”, Vol. I, pág. 740.
2. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Vol. II, pág. 746.
3. In “CPC anotado”, pág. 776
4. Ob. Cit. Pág. 74.
5. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil” (3ª edição- revista, actualizada e ampliada), pág. 304.
6. Dispositivo legal entretanto revogado, mas cujo regime foi acolhido, no essencial, nos arts. 864º e 865º do novo CPC.
7. Paulo Mota Pinto, in “Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico”, pág. 208.
8. Luís Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, pág. 416/417.
9. Cfr., a este propósito, Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, pág. 213.
10. V. A. Varela/ P. Lima, in CC anotado, vol. I, pág. 225;
11. Para uma síntese destas regras, v. Rui Pinto Duarte, in “ A interpretação dos contratos”, págs. 54 a 58; com interesse, ver, também as anotações de Evaristo Mendes/Fernando Sá, no “Comentário ao CC anotado- parte geral”, págs. 532 e ss..
12. V. o ac. do STJ de 23.10.2007 (relator: Alves Velho), in Dgsi.pt; sobre os efeitos da sentença homologatória da transacção, v. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in “CPC anotado”, Vol. I, pág. 571.
13. Actual, nº 3 do art. 864º do NCPC. Como refere, Marco Gonçalves, in “Lições de processo civil executivo” (2016), pág. 426 “Neste caso, concedido o diferimento da desocupação do imóvel arrendado, cabe ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período de diferimento, ficando aquele sub-rogado nos direitos deste (art. 864º, nº 3) ”.