Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
56/17.7T8MTR.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: ACÇÃO POPULAR
DOMÍNIO PÚBLICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
A. Eventual irregularidade cometida pela Secretaria Judicial ao disponibilizar à parte que lha solicite nos termos do artº 155º, nº 3, do CPC, cópia da gravação sonora da audiência final, não pode ser arguida, pela outra, no âmbito da apelação da sentença, por estranha ao objecto desta e à sua impugnação.
B. Dos actos porventura irregulares dos funcionários da secretaria judicial, reclama-se para o juiz do qual dependam funcionalmente – artº 157º, nº 3.
C. De eventual nulidade secundária cometida subsumível à previsão do nº 1, do artº 195º, reclama-se perante o juízo do processo e da decisão deste sobre tal reclamação é que poderá recorrer-se nos limites do nº 2, do artº 630º.
D. Uma vez colocada à disposição das partes a gravação conforme estabelece o nº 3, do artº 155º, qualquer delas pode solicitar cópia à Secretaria se e quando lhe aprouver, sem necessidade de, para isso, se praticar e consignar nos autos qualquer formalidade específica que publicite a entrega do respectivo suporte.
E. Embora o prazo normal para recorrer de uma decisão e, portanto, para ela transitar em julgado seja o de 30 dias (artºs 638º, nº 1, e 628º), não pode a parte vencedora contar logo com a sua estabilidade definitiva sem que decorra o prazo suplementar de 10 dias que acresce àquele no caso de a parte vencida até ao seu termo (ou, ainda, nos três dias úteis subsequentes, usando ainda o expediente validante previsto no artº 139º, nº 5), interpor recurso e manifestar o seu propósito de, no objecto deste, incluir a reapreciação da prova gravada. Caso tal suceda, não pode aquela dizer-se surpreendida, pois nada obriga esta a anunciar-lhe previamente o que tenciona fazer, maxime publicitando nos autos que pediu e obteve na Secretaria a cópia da gravação para tal efeito.
F. Considera-se que o recurso, para o recorrente poder beneficiar do aludido prazo suplementar de 10 dias, tem por objecto prova gravada desde que a priori, a propósito do erro de julgamento e decisão dos factos, aquele a invoque, independentemente da regularidade formal da respectiva impugnação ou do mérito substancial desta.
G. Na acção popular em que se defende ser do domínio público uma porção de terreno adjacente à Rua ... de uma aldeia, além do interesse individual derivado ou reflexo do cidadão que a instaura, por ser dono de uma casa a que acede através daquela, existe e sobrepõe-se-lhe o interesse difuso ou colectivo da população respectiva encabeçado pela Freguesia.
H. A causa de pedir de tal acção radica na alegada dominialidade pública do alegado espaço. Compete ao autor e à Junta de Freguesia interveniente provar os factos de onde se extraia a sua natureza, função, afectação ou aquisição de tal coisa como pública.
I. Podendo aquele, para o efeito, equiparar-se a uma via e, portanto, considerar-se como parte do chamado domínio público de circulação da Freguesia, à falta de outro critério legal pode recorrer-se aos usualmente invocados na Doutrina e a Jurisprudência a respeito dos caminhos públicos.
J. Mesmo a entender-se, o que não é pacífico nem a lei refere, que a consideração pelo juiz, ao abrigo do artº 5º, nº 2, b), CPC, de factos essenciais complementares ou concretizadores carece, para exercício do contraditório, de ser previamente por ele anunciada, considera-se tal direito plenamente exercido se o facto considerado foi alvo de constante e intensa discussão durante a audiência e, portanto, é de presumir haver implícito acordo dos sujeitos processuais quanto à sua essencialidade.
K. A não ser assim, estar-se-ia diante de nulidade que implicaria a baixa do processo para, em reabertura da audiência, ser feita a comunicação e aí exercitado o contraditório.
L. Invocando-se como fundamento da acção apenas que um certo espaço de terreno da aldeia é público porque assim tem sido utilizado mas apurando-se que ele foi, há cerca de sessenta anos, do domínio privado; que foi deixado, juntamente com outros bens circundantes, em termos, em circunstâncias e a pessoas cuja identidade e qualidade ao certo, se ignoram; que apenas é utilizado pelo autor que lá tem uma casa; pelos réus, igualmente titulares do imóvel urbano contíguo; e, de resto, apenas esporadicamente, por ocasião de eventos na aldeia (por exemplo, a festa em Julho ou funeral na I. e Cemitério próximos), por algumas pessoas neles participantes, para estacionarem os seus veículos; e, ainda, pelos habitantes da aldeia que têm vacas para, quando se cruzam na Rua X (pública) a que é adjacente, as desviarem e passarem; pelos vendedores que ali vão fornecer alguns produtos para parar os seus veículos e servirem a ré e pessoas que ali se encontrem; isto sem que mais nada se tenha apurado sobre a sua natureza, afectação, aquisição e pertença ao domínio público – deve a acção improceder.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Na qualidade de cidadão natural e residente no Largo ..., nº .., em ..., freguesia de ..., Município de Montalegre, o autor J. B., casado, agricultor, intentou, em 05-06-2017, no Tribunal Local, a presente acção popular civil, de espécie declarativa condenatória, sob forma comum (artºs 52º, nº 3, da CRP, e Lei nº 83/95, de 31 de Agosto) contra os réus:

-L. D., viúva, reformada;
-A. F. e marido J. F., agricultores, estes ali moradores;
-H. T. e marido T. R., assalariados;
-D. P. e mulher T. J., assalariados, estes residentes na Suiça; e
-M. P. e mulher C. P., aposentados, residentes em Braga.

Formulou o pedido de que:

“…deverá a presente acção ser julgada procedente, por provada e declarando-se a natureza pública do espaço conhecido por “Largo ...” [referido nos itens 5º, 6º, 7º e 8º da p.i., ou seja, um largo com o qual confina o prédio urbano do autor pelos lados sul e nascente e através do qual lhe acede, que constitui prolongamento lateral da Rua X],

1. - Devem ser condenados os réus:
a) – A reconhecerem que o referido logradouro é bem do domínio público e, consequentemente, o direito do Autor J. B. e os cidadãos em geral, de livremente circularem com pessoas a pé e com animais, com veículos de tracção animal ou automóveis, nomeadamente tractores agrícolas, e de estacionarem qualquer espécie de veículos, no largo lateral à Rua X da povoação de ..., conhecido por “Largo ...”;
b) – A retirarem do leito do espaço público referido na alínea anterior todos as materiais nele depositados, nomeadamente troncos de árvores, por forma a permitirem o seu uso livre e universal a qualquer cidadão;
c) – A absterem-se de nele fazerem qualquer uso permanente e exclusivo que impeça ou obstaculize o estacionamento e a normal circulação de pessoas, animais e veículos naquele largo;
d) – Em custas e condigna procuradoria;
2. – Deve ser ordenada a rectificação da inscrição matricial (artigo ... da matriz urbana da freguesia de ...) e da descrição do registo predial (nº554-...) relativos ao prédio dos RR. identificados no artº 13 da p.i., no que concerne á área descoberta e às confrontações, como dito nos artigos 28 a 32º desse articulado”.

Para tanto, alegou, resumindo, que é, ali, proprietário, por o ter comprado, há cerca de trinta anos, a M. M., de um prédio urbano, de rés- do-chão e andar (sito em ...) – artº 111º da Matriz.
Tal prédio, que vem destinando a arrumações (alfaias, tractores, veículos automóveis, palha, feno e outros produtos agrícolas) [1], dos lados sul e nascente, confronta com o que designa por “Rua ...” ou “Largo ...” (item 2º). [2]
O acesso ao mesmo faz-se através do que designa por “largo ...”, com o qual confina pelos ditos lados sul e nascente), conhecido como “Largo ...” e que constitui um prolongamento lateral da Rua X (itens 5º e 6º) situada a nascente.
Tal largo é confinado a sul por um prédio urbano dos réus; a norte por dois imóveis urbanos, um pertencente a M. C. e outro aos herdeiros de I. J.; e, pelo poente, com o referido imóvel do autor.
Ele, há mais de sessenta anos, era também conhecido por “Largo ..”. Pelo respectivo chão, acede-se (pessoas a pé, com veículos automóveis, máquinas e tractores agrícolas, e com animais) ao referido prédio do autor, a um prédio urbano dos réus e a outros dois também urbanos (um de M. C. e outro dos herdeiros de I. J.) (itens 6º e 7º). [3]
É também utilizado pelos moradores de ... e pelos cidadãos em geral para estacionamento de veículos automóveis, tractores agrícolas e alfaias (item 8º).
Tal uso é praticado pelos cidadãos que residem e que visitam a povoação de ..., sempre de forma pública - à vista de toda a gente –, ininterrupta – dia após dia, mês após mês, ano após ano –, e pacífica – sem qualquer estorvo, turbação ou oposição de quem quer que fosse –, de boa-fé – convictos de que utilizam bem pertencente a todos os cidadãos, residentes e não moradores em ..., sem lesarem direitos de outrem –, em correspondência com o exercício do direito propriedade pública (itens 9º a 11º) e, assim, também o autor adquiriu o direito de utilizar o largo ... para livremente aceder ao seu prédio, nele estacionar veículos automóveis, tal como os demais cidadãos (item 12º). [4]
Na “extremidade” sul do “Largo da Rua X” existe um prédio urbano de que os réus são comproprietários (artigo ...º, da Matriz). É composto por casa de habitação, de r/c e 1º andar, com um pátio interior, foi adquirido por sucessão mortis causa, há cerca de cinquenta e cinco anos, por partilha da herança de D. P., marido da 1ª ré L. D. e pai dos demandados A. G., H. T., D. P. e M. A..
Tal prédio, desde a sua construção, em data anterior à memória dos vivos, sempre confinou pelos lados norte e poente com a “Rua ... (Rua X)” (item 15º) [5]
O autor, por si e antecessores, no domínio do seu prédio, os moradores de ... e os cidadãos em geral, ao longo de muitas gerações, sempre desde há mais de cem e duzentos anos até à actualidade vêm utilizando aquele “espaço da Rua X de ...”, à vista de toda a gente, dia após dia, mês após mês, ano após ano, sem qualquer estorvo, turbação ou oposição de quem quer que fosse, convictos que utilizam bem do domínio público, acessível e ao dispor de todo e qualquer cidadão, sem lesarem direitos de outrem, todos eles tendo o direito de circular e estacionar nele (itens 34º a 38º).
O prédio dos réus, fora dos seus muros, não tem qualquer parte descoberta.
Aconteceu, porém, que, em 12-01-2015, os réus, ou alguém por eles mandatado, através de um requerimento Modelo 1 do IMI, alteraram, erradamente, na Matriz, as confrontações e a área daquele seu prédio, indicando como confinantes os quatro proprietários dos prédios que ladeiam a Norte e Poente o supra referido “largo ...”, pretendendo, assim, absorvê-lo e usurpar “coisa pública”, e, em 22-06-2016, promoveram o seu registo predial na Conservatória, incluindo – falsamente –, na sua superfície descoberta, área correspondente ao referido “espaço público” – que não é superior a 50m2.
A ré L. D., desde o Verão de 2014, vem afirmando que o referido “largo (público)” lhe pertence e interpelou alguns cidadãos que nele estacionaram, nomeadamente, em Julho de 2016, pretendeu que o filho do autor retirasse o seu veículo automóvel do largo, onde o estacionara.
Em finais de Julho de 2016, os réus L. D., H. T., D. P. e J. F., utilizando um tractor deste último, depositaram na referida “via pública (Largo ...)” troncos de árvores, materiais que ali mantêm até hoje, ocupando o “espaço público” com carácter permanente, impedindo que os demais cidadãos dele façam uso e dificultando as manobras de entrada e saída, cargas e descargas nos prédios confinantes com o largo, nomeadamente no imóvel do autor.
Tal conduta ofende os direitos do autor e dos cidadãos em geral.
Os cidadãos da referida povoação de ..., sentindo-se lesados com a descrita conduta reuniram em assembleia (“couto”) duas vezes - em 19-10-2014 e em 28-07-2016, e declararam que o dito largo é “público” e que não aceitarão a pretensão de apossamento dos réus.
O autor interpelou a Junta de Freguesia, a quem pertence a defesa do “património público do território desta autarquia” para que agisse em defesa do “bem comum”, sendo que a autarquia nada fez de concreto para defender aquele “logradouro público”.
Uma vez que “as vias de comunicação integram o domínio público” e o aludido “largo” é “coisa” que se integra nesse domínio, ele é insusceptível de apropriação individual, pelo que devem ser removidos os materiais colocados e reposta a sua livre utilização por qualquer pessoa.

Juntou documentos e indicou outros meios de prova a produzir.

Depois de ouvido o Mº Público (artº 13º) – que não deduziu qualquer articulado –, foram efectuadas as citações (artº 15º, da referida Lei 83/95) dos réus e demais interessados.

Então, a Junta de Freguesia de ... apresentou requerimento, ao abrigo dos artºs 2º e 15º, nº 1, da citada Lei, manifestando vontade de intervir nos autos a título principal (artsº 311º e sgs, CPC) e para lhe serem aplicáveis as decisões neles proferidas, alegando ter interesse igual ao do autor, invocando para tanto que lhe compete defender o interesse público sobre o território que administra e, no caso, defender o “logradouro público” conhecido por “Largo ...” que “vem sendo efectivamente utilizado pelo público em geral, no exercício, ou satisfação do interesse colectivo”, limitando-se a reproduzir parte da factualidade alegada por aquele (designadamente a relativa às alterações feitas na Matriz e na Conservatória pelos réus de modo a incluírem no seu prédio o “espaço público” mas sem terem título para isso, negando que se tenha quedado passiva junto deles e, enfim, juntando documentos alusivos, indicando outras provas e constituindo mandatário.

Por seu turno, por parte dos réus, apenas contestaram H. T. e seu marido.

No respectivo articulado, em síntese, além de impugnarem a factualidade em que o autor se baseia e parte dos documentos por ele juntos, alegaram que aquilo que o autor chama “Largo ...” é uma “Eira” que integra o imóvel que lhes pertence (artigo ... da Matriz), em comum e foi herdado do falecido marido e pai dos demandados. O imóvel é também composto por dois corpos edificados (designados por Sobrado de Fora e Sobrado Novo, intercalados por um logradouro). Sempre este teve a mesma composição, configuração, limites e áreas coberta e descoberta. Tal “Eira” tem 196,70 m2. No seu todo, o prédio confronta do norte com a Rua ... (“Rua X”) e A. J., do sul com outro prédio dos réus (herdeiros de D. P.), do nascente com a antiga Escola Primária e J. P. e do poente com M. C., J. B. (autor) e J. C., conforme levantamento topográfico junto e para que remetem.
Vêm utilizando tal “Eira” para colocarem os animais bovinos enquanto as crias se alimentavam com o leite das progenitoras (até há cerca de 30 anos, que tinham animais, por esta ser mais espaçosa que as cortes), para porem lenha a secar (para a lareira), alfaias e objectos agrícolas, materiais de construção (blocos, tijolos, cimento), betoneiras, carretas, etc., quando faziam obras no imóvel, tractores, carros de bois, e tudo o que entendiam.
Tal uso é feito pelos réus, como antes o faziam os seus antecessores no domínio do dito imóvel, entrando e saindo livremente, retirando todas as utilidades pelo mesmo proporcionadas, zelando-o e vigiando-o, acedendo ao mesmo (quer à construção quer à eira), directamente da Rua ... (Rua X), com a qual confronta do norte, e desta ao imóvel, pagando a contribuição predial respectiva, agindo os réus, tal como antes deles já faziam os seus antecessores no domínio, na prática dos actos supra ditos, em nome próprio e na qualidade, fé e ânimo de verdadeiros e exclusivos proprietários, tudo e sempre de forma pública – à vista e com conhecimento de toda a gente, incluindo o autor –, pacífica – sem estorvo nem oposição de quem quer que fosse -, contínua – dia após dia, ano após ano, e de boa-fé porque na convicção do exercício de um direito próprio (de propriedade) sem lesarem direitos nem interesses alheios, em correspondência com o direito real de propriedade dos réus (em comum e sem determinação de parte ou direito), sobre tal imóvel, pelo que, além de por aquisição derivada (sucessão mortis causa), os réus adquirira o identificado imóvel por via da aquisição originária (usucapião).
Acrescentaram que, desde há mais de 20, 30, 50, 60 e 80 anos, que tal Eira vem sendo possuída pelos réus e seus antecessores no domínio, que sobre ela vêm praticando todos os actos acima descritos, sempre com as características supra e de boa-fé porque na convicção do exercício de um direito próprio (de propriedade) sem lesarem direitos nem interesses alheios.
Tal Eira integra o dito imóvel dos réus, o qual confina com a Rua ... pelo respectivo lado norte. Desde toda a vida que a memória alcança, sempre há mais de 20, 30, 50, 60 e 80 anos, os réus e seus antecessores no domínio acederam desde aquela via pública ao seu imóvel (incluindo a eira), e do mesmo para tal via pública.
A eira já constava no inventário por óbito da mãe de D. P., falecido marido da ré L. D., e avó paterna dos demais réus, a quem pertenceu, relacionada na verba 62, integrando o imóvel dos réus.
Os pais de D. P. (a dita inventariada A. G. e M. A.), sogros da ré L. D., eram conhecidos como “da Casa I”, e daí o nome de “Eira I” por que tal eira era conhecida.
A eira em causa é em terra batida, diferentemente da rua com a qual confronta (Rua X), cujo piso é em paralelos. Se fosse “um prolongamento lateral da Rua ...”, quando a Junta de Freguesia/Câmara colocou paralelo na dita rua, também o tinha posto em tal área mas não o fez por ser privada.
A eira é vedada do lado sul por uma parede com 1,5 metros de altura, do poente sempre confrontou com construções (entre elas a do autor) e do nascente com a casa e o dito pátio dos réus. Só não é vedada do lado norte, em que confina com a Rua ..., dado que por ela sempre acederam continuamente os réus (e/ou outrem em nome deles) desde tal via pública ao dito seu prédio (eira incluída), e deste para a rua, pessoas a pé, gado solto e jungido (este até há cerca de 30 anos, em que os réus deixaram de ter gado), outros animais, tractor, reboque, alfaias agrícolas, veículos e tudo o mais que era necessário levar para tal imóvel ou retirar dele para a rua.
O imóvel do autor tem apenas servidão de passagem pelo prédio dos réus, para pessoas a pé, tractor, reboque e alfaias agrícolas, situando-se o leito de tal caminho na dita eira, em linha recta desde a Rua ... até àquele imóvel.
O imóvel do demandante confronta do norte com M. C. e com os réus (prédio em causa, considerando neste incluída a parte da eira), do sul com J. C. e os réus (prédio em causa, como referido), do nascente com os réus (prédio em causa, idem) e do poente com a rua/caminho, conforme levantamento topográfico. Era composto, antigamente, por uma velha construção de dimensão exígua (com apenas uma divisão no R/C e outra no 1º andar), e uma horta contígua, delimitada da referida eira dos réus por um velho muro em pedra e que há cerca de 26 anos, o autor demoliu totalmente tal construção e edificou outra de raiz, ocupando com ela, além da anterior área da velha construção (cerca de 20 m2), a dita horta, e também, com a esquina nordeste da mesma, uma pequena área da eira dos réus, e fez uma varanda voltada para a eira, tudo com consentimento dado pelo réu D. P. ao autor, que lho solicitou, por a parede da horta ser arredondada e torta e ele querer fazer uma parede recta e uma varanda na frente da casa (na altura dava-se muito bem com os réus), e, mais recentemente, há meia dúzia de anos, os réus consentiram também, dado o bom relacionamento pessoal, que o autor fizesse dois degraus no fundo da escada de acesso ao 1º andar do dito imóvel, com os quais ocupou outra pequena área da eira dos mesmos, tendo ainda os réus consentido, até meados de 2014, que o autor pusesse na dita eira, afastado da construção deles (em frente ao imóvel dele), algumas alfaias (arado, charrua) na época dos trabalhos agrícolas, e autorizado o demandante a fruir temporária (durante alguns anos) e gratuitamente, alguns terrenos deles, por o filho e o irmão do autor terem, durante vários anos e até meados de 2014, ajudado os réus em trabalhos agrícolas, nomeadamente no corte, carregamento e transporte de lenha para tal imóvel dos réus, que sempre a depositaram (a que ficava fora das cortes) na parte poente da Eira (“canto da lenha”), onde aqueles (filho e irmão do autor), sempre que ajudavam os réus, a punham por instruções destes e por saberem que a Eira é deles (“retribuindo” os réus tal ajuda, com os ditos consentimento, tolerância e comodato).
Quando o autor fez as ditas obras de alargamento do seu prédio, já há mais de 20, 30 e 50 anos que os réus e seus antecessores no domínio punham todos os anos, troncos de madeira e outra lenha para a lareira (iam queimando e colocando lá outros) naquele local da eira, nunca o autor tendo dito, antes de meados de 2014, que aquele espaço é público, e não dos réus, estando tais troncos e lenha à vista de toda a gente, mormente do demandante, que por ali passa praticamente todos os dias desde há mais de 25 anos.
Só em meados/2014, por a ré L. D. ter dito ao autor para deixar livres os terrenos que os réus lhe haviam emprestado, aquele, a esposa e o filho desentenderam-se com a mesma, o que originou uma queixa-crime contra eles e a partir daí, o autor e os familiares directos começaram a dizer que a eira é espaço público e a deixar alfaias e o carro ligeiro no meio da Eira dos réus e em frente à porta duma corte, agindo abusivamente porque já sem consentimento dos mesmos.
Após esse conflito, em meados/2016, o autor deixou um arado em frente à porta de uma das cortes dos réus, impossibilitando-os com isso, de acederem com tractor com lenha à dita corte, para a meterem lá, como era costume, tendo-lhe os réus dito para o tirar. Como não o tirou, enviaram-lhe em 21/07/2016, carta registada, por ele recebida para retirar da eira, como já lhe tinham dito verbalmente, tudo o que lhe tinham consentido nela, o que o mesmo também não fez, respondendo-lhes que aquilo era público.
Certo que, embora raras vezes, alguns dos amigo dos réus, nomeadamente quando os visitam, põem o carro na eira deles, mas fazem-no porque são amigos e com consentimento dos mesmos, e se alguém de outra aldeia for a um funeral a ... e houver muita gente, se puser o carro na Eira dos réus durante meia ou uma hora que demore, os mesmos nada dizem, tolerando tal acto, que consideram de mera tolerância social, sendo certo que nunca alguém estacionou veículos na eira dos réus sem consentimento ou tolerância destes, sendo do conhecimento de toda a gente da aldeia de ..., que os réus sempre utilizaram diariamente (nos últimos 10 anos com menos frequência, dada a idade de ré, L. D., que vive lá) tal imóvel, incluída a respectiva eira, pela qual acedem à Rua ... e desta ao imóvel, pessoas a pé, animais bovinos e suínos, veículos ligeiros, tractor e reboque com produtos agrícolas e lenha para descarregar nas cortes e palheiros, alfaias agrícolas, etc., pelo que ninguém estaciona carros nem tractores na dita eira, nem os réus o consentiam, pois impossibilitar-lhe-ia a plena fruição do seu imóvel.
No que concerne aos troncos de árvores depositados na eira e outros que lá estiveram antes, foram ali colocados pelos réus ou por ordem deles (nomeadamente pelo filho e irmão do autor em trabalhos para os réus), e vêm sendo colocados ano após ano naquele local da Eira (“canto da lenha”), desde há mais de 20, 30, 50 e 80 anos, agindo os réus ao fazê-lo, como donos e na convicção de o serem.
Os demais confinantes não têm acesso aos respectivos imóveis pela eira. Os herdeiros de I. J. (prédio 110 da Matriz) têm-no pela Rua X. O acesso aos prédios de M. C. e de J. C. (situadas, a primeira do lado norte, e, a segundo, do lado sul, do autor) é feito pela rua/caminho sita a poente deles, nenhum destes tendo acesso pela eira nem pela Rua X. As paredes de tais imóveis contíguas à eira, são paredes traseiras, sem portas voltadas para esta (salvo o prédio do autor, que tem acesso pela eira mediante servidão de passagem).
Os (poucos) moradores da localidade (...) têm outros espaços próprios e públicos, não precisam daquele (eira) e são cada vez menos as pessoas de fora que lá vão.
Só desde que as relações pessoais entre autor e réus se deterioraram é que aquele começou a dizer que o espaço é público e a ocupá-lo ostensivamente.
Uma vez que era comum as descrições matriciais dos prédios, nomeadamente as confrontações e áreas serem incorrectas, o que os réus fizeram foi actualizar e corrigir as do seu com base num levantamento topográfico que mandaram realizar mas que respeitou a configuração e limites de toda a vida.
Nunca de resto a Junta de Freguesia tratou, convocou qualquer reunião sobre o assunto, nem teve qualquer actuação sobre o largo significativas de que considerava aquele espaço como público.

Juntaram documentos. Arrolaram prova testemunhal.

Realizou-se, depois, a audiência prévia, nela tendo sido fixado em 30.000,01€ o valor da causa, proferido saneador tabelar, identificado o objecto do litígio (fls. 99), enunciados os temas da prova (fls. 99, verso) e decididos os requerimentos probatórios apresentados.

Iniciou-se em 06-02-2018 e, após mais cinco sessões, ultimou-se em 09-12-2019, a audiência de julgamento, que decorreu nos termos e com as formalidades descritas nas actas respectivas, durante ela tendo sido efectuada inspecção ao local (fls. 111 e verso), juntos mais documentos, inquiridas testemunhas (quinze) e ouvido em declarações de parte o autor e, em depoimento de parte, um dos co-réus.

Com data de 19-02-2020, foi proferida a sentença (fls. 404 a 426) que culminou na seguinte decisão:

“Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais citadas, julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência:
A) Declaro a natureza pública do espaço conhecido por “Largo ...”, sito em ..., melhor descrito em 4.º, 5.º e 6.º dos factos provados.
B) Condeno os Réus a reconhecer que referido largo é bem do domínio público e, consequentemente, o direito do Autor J. B. e os cidadãos em geral, de livremente circularem com pessoas a pé e com animais, com veículos de tracção animal ou automóveis, nomeadamente tractores agrícolas, e de estacionarem qualquer espécie de veículos, no largo lateral à Rua X da povoação de ..., conhecido por “Largo ...”;
C) Condeno os RR. a retirarem do leito do espaço público referido na alínea anterior todos as materiais nele depositados, nomeadamente troncos de árvores, por forma a permitirem o seu uso livre e universal a qualquer cidadão.
D) Condeno os RR. a absterem-se de nele fazerem qualquer uso permanente e exclusivo que impeça ou obstaculize o estacionamento e a normal circulação de pessoas, animais e veículos naquele largo;
E) Determino a rectificação da inscrição matricial do artigo ... da matriz urbana da freguesia de ...) e da descrição do registo predial (nº …-...) relativos ao prédio dos RR., no que concerne á área descoberta e às confrontações, devendo passar a constar que o prédio dos Réus confronta com o largo ... e devendo excluir-se do prédio dos Réus a área correspondente à do referido largo.”.

Só os réus contestantes H. T. e marido, inconformados, apelaram a que esta Relação a revogue e julgue improcedente a acção, tendo concluído as alegações do seu recurso (fls. 427 a 466), nos seguintes termos:

“1ª - A presente apelação vem interposta da douta sentença de que se discorda, por ter julgado a acção procedente.
2ª - A prova produzida na audiência de julgamento foi gravada, vindo o recurso interposto da matéria de facto e de direito – artigos 662 nº 1 e 640º nº 1 do CPC.
3ª - O presente recurso tem por fundamento erro no julgamento da matéria de facto e incorrecta aplicação do direito.
4ª – A douta sentença decidiu:
[…]
5ª – O tribunal “a quo” considerou PROVADOS os seguintes factos (para o que em sede da apelação se considera relevar)
[…]
6ª – E considerou NÃO PROVADOS (NP) os seguintes factos (para o que em sede da apelação se considera relevar):
[…]
Da petição inicial:
“Desde a sua construção, em data anterior à memória dos vivos, que o imóvel dos réus sempre confinou pelos lados Norte e Poente com a Rua ... (Rua X)” – Facto não provado a), alegado no art. 15º;
Também não se provou (embora não conste expressamente dos factos não provados) o alegado no artigo 34º da petição, relativo ao período de tempo da invocada posse por parte do autor, dos moradores de ... e dos cidadãos em geral sobre o espaço em causa, como resulta da análise dos factos provados, dos quais não consta.
7ª - Da contestação: Para o que em sede de apelação se considera relevar, os factos constantes das alíneas b) a o), w), x), y) z), cc), dd), ff), hh), ii), jj) e kk inclusive, dos factos Não Provados, (no total de 25), transcritos nas páginas 7 a 12 das alegações, aqui dados por reproduzidos (para evitar a sua transcrição repetida).
8ª – Os apelantes consideram que foi incorrectamente julgada a seguinte matéria de facto:
Da petição inicial:
i) Os factos “Provados” 4, 5, 7, 8, 9, 13, 14, 15, 16 e 18, que deviam ter sido considerados Não Provados, com fundamento nos meios de prova infra ditos;
ii) O facto “Provado” 6, nos termos em que foi considerado provado, que devia ter sido considerado Provado nos termos infra mencionados, com base nos meios de prova adiante indicados.
iii) O facto “Provado” 29, que não devia ter sido incluído na matéria de facto, ou, a não se entender assim, e sem conceder, devia ter sido considerado Não Provado, por ausência de prova do mesmo.
9ª – Da contestação:
iiii) Os factos “Não Provados” das alíneas b) a o), w), x), y), z) cc), dd), ff), hh), ii), jj) e kk inclusivé, que deviam ter sido considerados “Provados”, nos termos abaixo mencionados, com base nos elementos de prova infra indicados.
Assim,
10ª – A Meritíssima Juiz fundamenta a prova dos factos 4, 5 e 7 nas fotos de fls. 11 a 13, 21 a 23, 89 e 90, 94 a 97, 117 a 122, 131 a 135, 286 a 290, no ortofotomapa de fls. 13v, levantamento topográfico (fls. 93 e 124), na inspecção judicial ao local, conjugados com as declarações e os depoimentos em julgamento.
11ª - Consideram os apelantes que não resulta deles a prova de tais factos, como explicitado nas pág. 13 e 14 supra, devendo, com base nos depoimentos das testemunhas dos RR. A. C. (cd áudio, faixa 22, minutos 11:47 a 11:56, 14:42 a 16:50, 18:28 a 22:25), A. P. (cd áudio, faixa 25, minutos 5:56 a 7:5016:40, 78:20), E. G. (cd áudio, faixa 27, minutos 37:12), J. C., (cd áudio, faixa 18, minuto 61:00), infra transcritos, conjugados com o leva. fls. 93 e 124, o doc. fls 293 a 300, que prova que já em 1965 o prédio de A. J., confrontava com D. P., falecido marido da ré L. D., e assim que o prédio dos RR. do facto provado 10, se estendia até ao prédio daquele, provando que o espaço em causa faz parte do prédio dos RR, e ainda com base no facto, muito importante, de constar da sentença que o espaço em discussão nos autos teve origem privada, e não se tendo provado posse sobre ele, “desde tempos imemoriais”, pelo autor, pelos moradores de ... e pelos cidadãos em geral, nem por tempo suficiente para a sua ucucapião para o domínio público, devem os factos 4, 5 e 7 ser considerados “Não Provados”.
12ª- Quanto aos factos provados 8 e 9, com base nos depoimentos das testemunhas dos RR. A. C. (faixa 22, minutos 11:47 a 11:56, 18:28 a 22: 25, 45:50 a 50:00), J. G. (faixa 23, minutos 55:33 a 56:22) A. P. (faixa 25, minutos 72: 00 a 78:00) e faixa 26, minutos 33:16 a 35:20 e 60:30), e da testemunha do autor J. H. (faixa 35, minutos 23:16 a 23:37 e 34:50), resultando dos depoimento daqueles que quem utiliza tal espaço como dono há mais de 50 anos, são os réus, e que alguns moradores de ... que davam volta ao carro de bois naquele espaço ou encostavam ali o gado quando se cruzava na rua em frente, agiam por tolerância dos sucessivos donos de tal espaço, bem sabendo quem o fazia, ser um espaço particular, e não um espaço público,
13ª – além de não se ter feito prova de que os actos ditos no facto 8 (estacionamento de veículos, tractores agrícolas a alfaias) fossem ali praticados, e muito menos na convicção de ser espaço público, como resulta do depoimento da testemunha do autor J. H. (faixa 35, minutos 23:16 a 23:37 e 34:50), que reportando-se ao tempo em que tal Eira pertencia ainda à família “M.”, esclareceu: “Disse que era público aquele espaço porque um espaço que tem 5 ou 6 herdeiros é público”, afirmando “se alguém lá fosse por um carro 4 ou 5 dias os herdeiros de lá mandavam-no tirar”, devem os factos 8 e 9 ser considerados “Não Provados”.
14ª - Quanto ao facto “Provado” 13, com base na análise critica e conjugada da do documento de fls. 293 a 300 (escritura de compra e venda do prédio de A. J. de Jesus Moura, de 1965, onde consta a fls. 296, in fine e 297 ab initio, que que tal prédio do artigo U 110 confrontava já em 1965 com D. P. (falecido marido da ré L. D.), que demonstra que o prédio dos RR. do facto provado 10 se estende até ao dito prédio de A. J., integrando-o o espaço em discussão, e dos depoimento das testemunhas J. C. (faixa 18, minutos 20:40 a 22:30, 26:30 a 30:15, 47:48 a 59:20, 61:10 a 62:3570:30 a 71:10, 71.:20 a 76:20), A. C. (faixa 22, 11:47 a 11:56, 18:28 a 22:25, 39:22, 85:37 a 86:05), J. G. (faixa 23, 1:28 a 12:20), A. P. (faixa 25, 8:44 a 15:00), E. G. (faixa 27, 10:20 a 14:50 ) e M. A. (faixa 31, 11:16 a 12:28), deve o facto 13 ser considerado “Não Provado”.
15ª - Quanto ao facto “Provado”14, refere a Sra Juiz a carta a fls. 87/ 88.
Tal carta não prova que só desde 2014 a ré L. D. se diz dona do espaço em discussão, sendo uma interpelação ao autor (e não a outros cidadãos) para retirar os bens dele do espaço (Eira) que os réus entendem ser deles, o que anteriormente lhe haviam consentido, pelo que com base no depoimento das testemunhas A. C. (faixa 22, 18:28 a 22:25), J. G. (faixa 23, 14:55 a 16:46, 20:52 a 24:01, 27:25 a 29:25), A. P. (faixa 25, 8:44 a 16:46), E. G. (faixa 27, 28:15 a 29:00), deve o facto 14 ser considerado “Não Provado”.
16ª - Quanto ao facto “Provado” 15, não consta da fundamentação, os meios de prova considerados pelo Tribunal. Com base na valoração crítica e conjugada dos depoimentos das testemunhas dos réus A. C. (cd áudio faixa 22, 18:28 a 22:25), J. G. (faixa 23, 14:55 a 16:46, 20:52 a 24:01), A. P. (faixa 25, 8:44 a 16:46, 78:20 e faixa 26, minutos 33:16 a 35:20), E. G. (faixa 27, 10:20 a 14:50, 28:15 a 29:00, 37:12), da testemunha J. C. (faixa 18, 14:15 a 14:30, 17:50 a 19:36, 20:40 a 30:15), e das testemunhas do autor M. R. (cd áudio, faixa 6, minutos 24:01 a 24:38, 42:52 a 43:40), M. B. (faixa 9, minutos 26:36 a 31:50) J. H. (faixa 10, minutos 18:00 a 19:10 29:08 a 31:08), A. P. (faixa 15, minutos 22:10 e 42:12 a 42:16, 40:35), dos quais resulta que a ré L. D. coloca lenha naquele espaço há mais de 50 anos (segundo as testemunhas do autor) e segundo as dos réus, que os mesmos agem como donos do espaço em causa desde há mais de 50 anos, com posse pública, pacifica, continua e de boa fé, e que os últimos troncos de árvores que os RR. lá puseram estão junto à parede da Casa deles (vide foto de fls. 22 V), não estorvam nem impedem o exercício da servidão ao autor, deve o facto 15 ser considerado “Não Provado”.
17ª - Quanto ao facto “Provado” 16, também sem referência à fundamentação de facto, deve, com base no depoimento das testemunhas dos réus A. C. (faixa 22, 18:28 a 22:25, 24:48 a 32:40), J. G. (faixa 23, 14:55 a 16:46, 20:52 a 22:05, 27:25 a 29:25, 80:15 a 83:00), A. P. (faixa 25, 8:44 a 12:20, 37:08 a 44:50), E. G. (faixa 27, 10:20 a 14:50, 22:06 a 24:56, 40:30 a 43:00), da testemunha J. C. (faixa 18, minutos 22:23 a 23:30) dos quais resulta que há mais de 20, 30 e 50 anos (e não só desde 2014) a ré L. D. se diz e actua como dona do espaço em causa, pondo lá lenha, os animais soltos e jungidos, carros de bois, alfaias agrícolas, os vitelos para se amamentarem, fazendo lá a matança e desmancha dos porcos, e das testemunhas do autor J. H. (faixa 10, minutos 18:00 a 19:10 e 29:08 a 31:08), A. P. (faixa 15, minutos 22:10, 42:12 a 42:16, 40:35) que disseram que há mais de 20 e 50 anos a ré L. D. põe lenha naquele espaço, junto à casa do Sr. A. J. e da Prof. C. (fotos fls. 22 e 133), os carros de bois, os animais e fazia a matança dos porcos, conjugados com as fotos fls. 131 (do cimo) e 134, deve tal facto 16 ser eliminado dos factos Provados, por irrelevante para a decisão da acção, dado serem os Tribunais as entidades competentes para decidir a natureza pública ou privada das coisas e não os cidadãos em reuniões.
18ª - Quanto ao facto “Provado” 18º, também sem indicação da fundamentação de facto, os apelantes consideram, que da valoração crítica e conjugada, segundo as regras da experiencia e do senso comum, dos depoimentos das testemunhas dos réus, A. C. (faixa 22, minutos 11:47 a 11:56, 18:28 a 22:25, 24:48 a 32:40, 39:22, 51:24 a 51:43, 66:34, 85:37 a 86:05) J. G. (faixa 23, minutos 1:48 a 12:20, 14:55 a 16:46, 30:52 a 24:01, 24:12 a 24:35, 27:25 a 29:25, 35:42 a 36:19, 80:15 a 83:00) A. P. (faixa 25, minutos 8:44 a 16:30, 37:08 a 44:50, 51:45 a 54:16), E. G. (faixa 27, minutos 10:20 a 14:50, 22:06 a 24:56, 25:19 a 25:43) e M. A. (faixa 31, minutos 11:16 a 12:28, 16:50 a 22:10, 38:10 a 38:30), da testemunha J. C. (faixa 18, minutos 21:30 a 23:30, 71:20 a 76:20) - que infra se transcrevem quanto a toda a matéria impugnada – que se revelam credíveis, detalhados, verosímeis e isentos, e demonstraram razão de ciência, conjugados com as fotos de fls. 12V, 22, 90 e 121 e os documentos de fls. 267 e de fls. 293 a 300 deve o facto 18 ser considerado “Não Provado.”
19ª - Quanto ao facto “Provado” 29, consta da fundamentação de facto que foi considerado ao abrigo do artigo 5º nº 2 al. a) do CPC.
O Tribunal “a quo” não deu conhecimento às partes, até ao fim da discussão da causa, de que iria incluí-lo na matéria de facto, não tendo dado assim cabal cumprimento ao princípio do contraditório (art. 3º nº 3 do CPC) pelo que deve ser eliminado da matéria de facto. - Neste sentido, Ac. do STJ de 07/02/2017, Relator Pinto de Almeida, in www.dgsi.pt;
20ª – Caso assim se não entenda, e sem conceder, com base no depoimento das testemunhas A. C. (faixa 22, minutos 18:30 a 19:30, 22:00, 28:08 a 32:40, 45:08, 49:40 a 51:43), J. G. (faixa 23, minutos 14:55 a 22:05, 49.30 a 55:33, 55:40 a 56:22), A. P. (faixa 25, minutos 8:44 a 12:20, 72:00 a 73:45 e faixa 26 33:16 a 35:20 e 60:30), E. G. (faixa 27, minutos 12:45 a 14:50, 22:06 a 24:56, 40:30 a 43:00, 44.58 a 48.00 ), J. C. (faixa 18, minutos 17:50 a 19:36, 22:25 a 23:30 26:30 a 27:30, 61:10 a 61:55 70:30 a 71:10), M. A. (faixa 31, minutos 11.37 a 12.28, 17.50 a 18.46 a 22.10, 38:10, 43:00 a 44:36) e também as testemunhas do autor M. B. (faixa 9, minutos 26:36 a 30:42), J. H. (faixa 10, minutos 18:80 a 19:10), A. P. (faixa 15, minutos 40:12 a 40:35), deve o facto 29 ser considerado “Não Provado”.
21ª - O facto “Provado” 6, deve ser dado como provado nos seguintes termos: «O espaço em discussão nos autos, há mais de sessenta anos, era conhecido por “Largo ..” ou “Eira de J. A.”» , com fundamento na valoração critica e conjugada dos depoimentos das testemunhas do autor M. B. (cd áudio, faixa 9, minuto 6:03 a 6:24) J. H. (faixa 10, minuto 2:14 a 2:44), A. P. (faixa 15, 25:55 a 26:11), J. C. (faixa 18, minuto 2:20) e das testemunhas dos RR. A. C. (faixa 22, 11:47 a 11.56, 16:45), A. P. (faixa 25, 5:56 e faixa 26, minuto 2:40) - como explicitado na pág.23.
22ª – Quanto aos factos da contestação considerados “Não Provados”, mencionados nas conclusões 7ª e 9ª (factos Não Provados das alíneas alíneas b) a o), w), x), y), z) cc), dd), ff), hh), ii), jj) e kk inclusive), e sem se pretender pôr em causa o principio da livre apreciação da prova plasmado no artigo 607º nº 5 do CPC, devem ser considerados “Provados” nos seguintes termos:
“O espaço a que o autor chama “Largo ...” é uma “Eira” dos réus que integra o respectivo imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o artigo …, descrito na Conservatória do Reg. Predial ... sob o nº … e registado a favor dos mesmos pela AP. …” - artigo 1º da contestação (facto NP da alínea b);
“O espaço em causa nos autos faz parte do imóvel identificado no artigo 1º da contestação, que foi adquirido pelos réus há mais de 50 anos por sucessão hereditária de D. P., marido da ré L. D. e pai dos réus M. A., A. G., H. T. e D. P. ” – artigo 2º da contestação (facto NP al. c);
“ Os RR. estão desde há mais de 15, 20, 30 e 50 anos, na posse de tal imóvel, o qual sempre teve a mesma composição, configuração e limites, com área coberta e descoberta, composto por Casa de Morada, Sobrado de Fora, Sobrado Novo, Pátio e Eira, com a área total de 585,90 m2, sendo e superfície coberta de 281, 70 m2, o pátio com 107,50 m2 e a Eira com 196,70 m2, e confronta do norte com a Rua ... (“Rua X”) e A. J., do sul com outro prédio dos RR. (herd.s de D. P.), do nascente com a antiga Escola Primária e J. P. e do poente com M. C., J. B. (A.) e J. C. - artigo 3º da contestação (facto NP al. d);
“usando o pátio, com área coberta e descoberta, para acederem pelo interior do prédio, da parte nascente da construção (“Casa e sobrado de Fora”), à respectiva parte poente (“Sobrado Novo”), e vice versa, para acederem ao prédio deles sito a sul, à dita Eira, porem produtos a secar, diversos objectos e tudo o necessário - art. 5º da contestação (facto NP al. e);
“e utilizando a Eira para colocarem os animais bovinos enquanto as crias se alimentavam com o leite das progenitoras (até há cerca de 30 anos, que tinham animais, dado a Eira ser mais espaçosa que as cortes), para porem lenha a secar (para a lareira), alfaias e objectos agrícolas, tractores, carros de bois, e tudo o que entendiam” – artigo 6º da contestação (facto NP al. f);
“o que os RR. sempre fizeram até ao presente, tal como antes deles já faziam os seus antecessores no domínio, do dito imóvel entrando e saindo livremente, retirando todas as utilidades pelo mesmo proporcionados, zelando-o e vigiando-o, acedendo ao mesmo (quer à construção quer à Eira) directamente da Rua ... (Rua X), com a qual confronta do norte, e desta ao imóvel, praticando tais actos em nome próprio e na qualidade, fé e ânimo de verdadeiros e exclusivos proprietários, tudo e sempre de forma pública - à vista e com conhecimento de toda a gente, incluindo o autor –, pacífica – sem estorvo nem oposição de quem quer que fosse (até 2017, data da entrada desta acção em juízo) -, contínua – dia após dia, ano após ano, e de boa fé porque na convicção do exercício de um direito próprio (de propriedade) sem lesarem direitos nem interesses alheios, em correspondência com o direito real de propriedade dos réus (em comum e sem determinação de parte ou direito), sobre tal imóvel” - artigos 7º a 11º da contestação (facto NP al. g);
“Desde há mais de 20, 30 e 50 anos, que tal Eira vem sendo possuída pelos RR. E seus antecessores no domínio, que sobre ela vêm praticando todos os actos acima descritos, sempre com as características ditas no art. 9º da contestação e de boa fé porque na convicção do exercício de um direito próprio (de propriedade) sem lesarem direitos nem interesses alheios”- artigo 13º da contestação (facto NP al. h);
“Por tal Eira, que integra o dito imóvel dos réus, o qual confina com a Rua ... (“Rua X”) pelo respectivo lado norte, desde toda a vida que a memória alcança, sempre há mais de 20, 30 e 50 anos, os RR. e seus antecessores no domínio sempre acederam desde aquela via pública ao seu imóvel (dita eira incluída), e do mesmo para tal via pública” - art. 14º da contestação (facto NP al. i)
“Tal Eira já constava no inventário por óbito da mãe de D. P., falecido marido da ré L. D. e avó paterna dos demais réus, a quem pertenceu, relacionada na verba 62, integrando o imóvel dos réus”- art. 16º da contestação (facto NP al. j)
“O espaço em causa nos autos era conhecido por “Eira I” – 2ª parte do artigo 17º da contestação (facto NP al. k)
“A eira em causa é em terra batida e laje natural, diferentemente da rua com a qual confronta (Rua X), cujo piso é em paralelos” - art. 18º da contestação (facto NP l)
“Tal Eira dos RR. está totalmente vedada do lado sul por uma velha parede em pedra com cerca de 1,5 m de altura, do poente com as construções ditas no artigo 3º, com as quais confronta e sempre confrontou, do nascente localiza-se a casa e pátio dos RR. de cujo prédio tal Eira faz parte, só não sendo tal prédio vedado do lado norte, em que confina com a Rua ..., dado que por tal Eira sempre acederam continuamente os RR. (e/ou outrem em nome deles) desde tal via pública ao dito prédio (eira incluída), e deste para a rua, pessoas a pé, gado solto e jungido (este até há cerca de 30 anos, em que os RR. deixaram de ter gado), outros animais, tractor, reboque, alfaias agrícolas, veículos e tudo o mais que era necessário levar para tal imóvel ou retirar dele para a rua.” - art. 19º da contestação (facto NP m);
“O imóvel do autor, que confina com o dos RR. do lado poente deste, tem apenas servidão de passagem por tal prédio dos mesmos, para pessoas a pé, tractor, reboque e alfaias agrícolas, servidão essa que os RR. e seus antecessores nunca impediram nem estorvaram ao autor” - art. 20º da contestação (facto NP n);
“O imóvel do Autor confronta do norte com M. C. e os RR. (prédio em causa), do sul com J. C. e os RR. (prédio em causa), do nascente com os RR. (prédio em causa) e do poente com a rua/caminho e era composto antigamente por uma velha construção de dimensão exígua (com apenas uma divisão no R/C e outra no 1º andar), e uma horta contígua, delimitada da Eira dos RR. Por um velho muro em pedra” - art. 21º da contestação (facto NP o);
“Em meados/2016, o autor deixou um arado em frente à porta de uma das cortes dos RR., impossibilitando-os com isso, de acederem com tractor com lenha à dita corte, para a meterem lá, tendo-lhe dos réus enviado a carta de fls. 87 e V dos autos, para o retirarem” - art. 28º da contestação (facto NP al. w);
“Alguns amigos dos RR., nomeadamente quando os visitam, põem o carro na eira deles, mas fazem-no porque são amigos e com consentimento dos mesmos, e se alguém de outra aldeia for a um funeral a ... e houver muita gente, se puser o carro na Eira dos RR. durante o funeral os mesmos nada dizem, tolerando tal acto, que consideram de mera tolerância social” - art. 29º da contestação (facto NP x);
“Nunca alguém estacionou veículos na Eira dos RR. sem consentimento ou tolerância destes, sendo do conhecimento de toda a gente da aldeia de ..., que os RR. sempre utilizaram (nos últimos 10 anos com menos frequência, dada a idade de ré, L. D., que vive lá) tal imóvel, incluída a respectiva Eira, pela qual acedem à Rua ... e desta ao imóvel, pessoas a pé, animais bovinos e suínos, veículos ligeiros, tractor e reboque com produtos agrícolas e lenha para descarregar nas cortes e palheiros, alfaias agrícolas, etc, pelo que ninguém estaciona carros nem tractores na dita Eira, nem os RR. o consentiam, pois impossibilitar-lhe-ia a plena fruição do seu imóvel.”- art. 30º da contestação (facto NP y);
“Os troncos de árvores existentes no local, visíveis nas fotografias de fls. 90, e outros que lá estiveram antes, foram ali colocados pelos RR. ou por ordem deles, e vêm sendo colocados ano após ano naquele local da Eira, desde há mais de 20, 30 e 50 anos, agindo os RR. ao fazê-lo, como alegado em 8º a 10º da contestação – art 31º contestação (facto NP Z);
“O autor tem apenas servidão de passagem pela eira dos réus, que o mesmo quer converter em espaço público para pôr lá o tractor, alfaias e o carro do filho, pois nunca ninguém da aldeia estacionou naquela Eira sem consentimento dos RR. ou por mera tolerância dos mesmos ” – 1ª parte do art. 36º da contestação (facto NP cc);
“Os confinantes poente não têm acesso ao respectivos imóveis pela Eira dos RR. Mas sim pela rua/caminho sito a poente deles, sendo as paredes de tais imóveis contíguas à dita Eira, paredes traseiras, sem portas voltadas para ela, com excepção do autor, que tem acesso pela eira dos RR. para o seu imóvel “ – 2ª parte do art. 36º da contestação (facto NP dd);
“Os réus, tal como os seus antecessores no domínio, sempre se arrogaram proprietários exclusivos do imóvel supra identificado nos art. 1º e 3º da contestação, agindo sempre nos actos de posse supra ditos, da forma e com as características alegadas nos seus artigos 8º a 10º, e não só desde o Verão de 2014, como alegado pelo autor” - art. 38º da contestação (facto NP ff)
“O prédio do autor, que confina com o dos réus do lado poente deste, tem servidão de passagem permanente pelo prédio dos réus para pessoas a pé, tractor, reboque e alfaias (e não por qualquer largo ...”) - art. 42º da contestação (facto NP hh)
“O prédio dos herdeiros de I. J. tem acesso direto pela Rua ... (Rua X) e o acesso aos prédios de M. C. e J. C. é feito pelo caminho sito a poente destes, nenhum dos quais tem acesso pela eira dos RR. - art. 43º da contestação (facto NP ii)
O imóvel dos RR. sempre confrontou do norte com a Rua ... (Rua X) ao longo do comprimento da fachada norte da casa e da eira, e na parte norte/poente desta, também com A. J., e do poente com os confinantes ditos no art. 3º da contestação (e antes, com os que os antecederam) sendo do conhecimento do A. e da generalidade dos cidadãos do concelho, que as inscrições matriciais muito antigas, como a do prédio dos réus têm área muito menor que a real, para a contribuição ser menor, e em regra, só constava a área coberta, não constando as áreas dos pátios, eiras, e logradouros dos prédios” - art. 44º da contestação (facto NP jj);
“Algumas confrontações estão, muitas vezes, incompletas, “desajustadas” dos pontos cardeais e/ou incorrectas, carecendo de rectificação e/ou actualização, tendo os réus requerido às Finanças a atualização/rectificação dos elementos do seu imóvel constante em 10 dos factos provados, com total respeito pela sua composição, configuração e limites, para ficarem correctos na matriz e no registo” - artigo 45º da contestação (facto NP kk).
23ª - Os factos das alíneas b), c) d), f), g), h) , i), j), k), m), n), o), w), x), y), z), cc), dd), ff), hh), jj) e kk) inclusivé, devem ser considerados “PROVADOS” com base na apreciação e valoração crítica e global dos seguintes meios de prova, conjugados entre si e valorados à luz das regras da experiência comum e da normalidade:
1. Nos depoimentos das testemunhas dos réus A. C. (cd áudio faixa 22, minutos 11:47 a 11:56, 12:20 a 14:04, 14:42, 16:45 a 16:50, 18;28 a 22:25, 24:48 a 32:40, 39:22, 44:35 a 51:43, 66:34, 77:40, 83:37 a 86:05), J. G. (cd áudio faixa 23, minutos 1:48 a 12:20, 14:55 a 16:46, 20:52 a 24:01, 24:12 a 24:35, 27:25 a 29:25, 35:42 a 36:19, 55:33 a 56:22, 78:00 a 79:33, 80:15 a 83:00), A. P. (cd áudio faixa 25, minutos 5:56 a 7:50, 8:44 a 16:46, 37:08 a 44:50, 51:45 a 54:16, 72:00 a 73:45, 78:20, 87:12 a 88:12 e faixa 26, minutos 2:40, 33:16 a 35:20 e 60:30), E. G. (cd áudio, faixa 27, minutos 2:00 a 4:40, 10:20 a 14:50, 16:12, 22:06 a 24:56, 25:19 a 25:43, 28:15 a 29:00, 34:48 a 35:17, 37:12, 40:30 a 43:00, 44:58 a 48:00, 52.05), M. A. (cd áudio faixa 31, minutos 3:30 4:35, 6:10 a 6:50, 11:16 a 12:28, 16:50 a 22:10 e 38:10 a 38:30), e da testemunha J. C. (cd áudio, faixa 18, minuto 2:20 a 10:46, 13:00 a 14:04, 14:15 a 14:30, 17:50 a 19:36, 20:40 a 22:30, 26:30 a 30:15, 47:48 a 59:20, 61:10 a 62:35, 70:30 a 71:10, 71:20 a 76:20), infra transcritos, dos quais resulta que o espaço em discussão constitui a “Eira” do imóvel dos RR.
constante do facto provado 10, estando na posse dos mesmos desde há mais de 20, 30 e 50 anos, que agem como seus proprietários exclusivos, praticando todos os actos afirmados por tais testemunhas, de forma pública, pacífica (até à entrada desta acção), contínua e de boa fé.
2. No levantamento topográfico de fls. 93 e 124, que mostra as confrontações do prédio dos réus, sua configuração e limites, que os réus mandaram fazer dada a incorrecção (por defeito) das áreas na matriz, não constando delas, em regra, a área descoberta dos prédios (logradouros, quintais, eiras, pátios, hortas), e a desatualização/incorrecção das confrontações devida à antiguidade da matriz urbana do concelho, que é de 1937 (vide doc. de fls. 6V e 7 dos quais consta inscrição na matriz em 1937) para os elementos do imóvel ficarem correctos na matriz e registo, com total respeito pelos limites físicos do seu prédio;
3. Nas fotografias de fls 12 V, 90 e 121, que comprovam que a lenha que nelas se vê no espaço em discussão, é velha, resultando dos depoimentos das testemunhas que vem sendo colocada pelos réus naquele local desde há mais de 20, 30 e 50 anos, estando à vista de todos, nomeadamente do autor, que ali passa diariamente para o seu prédio, cujas escadas ficam mesmo ao lado da dita lenha, sem qualquer oposição até à pouco tempo (em que instaurou esta acção, em2017).
4. Na certidão narrativa de fls. 267 e caderneta de fls 172, do prédio do autor, das quais resulta que era uma “moradia de rés-do-chão com 1 divisão e 1º andar com uma divisão, a confrontar do nascente com “Serventia”, ou seja, com a Eira do prédio dos réus pela qual o A. tem servidão de passagem (e não com “Largo ...”), e tinha então na matriz a S. C. de 22,80 m2, não constando qualquer horta, conjugados com a certidão matricial do mesmo prédio, de fls. 5 verso, da qual consta agora a área de 122 m2 (a área do prédio do A. cresceu mais de 5 vezes), o que demonstra a incorrecção das áreas matriciais alegada pelos RR., que também se verificava no prédio destes.
5. Na Certidão da escritura pública de fls. 294 a 300, da compra que em 19/04/1965, o Sr. A. J., fez do prédio do artigo urbano 110, na qual consta que, então, tal prédio confrontava com D. P., marido da ré L. D., o que demonstra que o prédio dos RR. se estende até ao prédio daquele A. J. (vide fls. 93), daquele fazendo parte o espaço em discussão, que é a Eira do prédio dos RR., documento este que se considera que o tribunal não valorou, como se impunha, por ser relevante para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
6. No documento de fls. 83 a 85, do inventário de 1967, por óbito de A. G., mãe de D. P. e sogra da ré L. D., do qual consta na verba 62 da relação de bens, “Sobrado Novo e Eira”, a confrontar dum lado com João, antigo familiar do actual confinante J. C., de dois lados com bens do casal (com a outra 1/2 do art. 112 que está na verba 37 e outros prédios dos sogros da ré L. D., sitos a sul), e de outro lado com o caminho (actual Rua X), dele resultando que tal prédio é o Sobrado assinalado a cor de rosa e a Eira assinalada a cor verde no levantamento de fls. 93, confrontando tal Eira, apenas de um lado, com o caminho (agora Rua X).
7. No auto de inspecção aos local de fls. 111 e 112, do qual resulta que “a Rua X é composta por piso em paralelo, o local (espaço eira), é composto por um piso em terra batida, pavimento em pedra e laje natural”, conjugado com as fotos da inspecção de fls. 117 a 122, e que “o acesso aos prédios de M. C. e J. C. é feito pelo caminho sito a poente deles, nenhum dos quais tem acesso pela eira dos réus, nem pela Rua X”, tendo nele sido dado como assente a 2ª parte do art. 43º da contestação.
8. Nos depoimentos das testemunhas do autor, M. B. (faixa 9, 26:36 a 30:42), J. H. (faixa 10, 18:80 a 19:10), A. P. (faixa 15, 40:12 a 40:35) e da testemunha J. C. (faixa 18, 61:10 a 61:55 e 70:30 a 71:10), dos quais resulta que a ré L. D. tem põe lenha no local em discussão desde há mais de 20 e 30 e 50 anos.
24ª- O facto “Não Provado” da alínea e), deve ser considerado Provado com base nos depoimentos das testemunhas dos réus indicados no ponto 1. da conclusão antecedente, conjugados com o levantamento de fls. 93, onde o pátio está assinalado a cor azul (com o nome de logradouro), e se vê que se localiza no interior das construções, com as fotografias de fls 96, que retratam o dito pátio, que é interior e com área coberta e descoberta, vendo-se nela a ré L. D. e o contestante T. R. na foto de cima, e as escadas (do lado esquerdo) que dão acesso à Casa e Sobrado de Fora, e na foto de baixo, as escadas (do lado direito) que dão acesso ao Sobrado novo, e em ambas vê-se ao fundo a porta carral que dá acesso a outro prédio dos RR. sito a sul, e ainda com o depoimento das testemunhas do autor, M. B. (faixa 9, minuto 15:28) e J. H. (faixa 10, minutos 33:10 a 33:25).
25ª- Os factos “Não Provados” das alíneas l) e ii), devem ser considerados Provados com base nos depoimentos das testemunhas dos réus indicadas no ponto 1. da conclusão 23, conjugados com as fotos de fls. 117 a 122, que mostram a diferença de pisos do local em discussão e da Rua ..., com o auto de inspeção ao local de fls. 111 e 112, do qual consta: “a Rua X é composta por piso em paralelo, o local (espaço eira), é composto por um piso em terra batida, pavimento em pedra e laje natural”, e que partes acordaram dar como assente a 2ª parte do art. 43º da contestação (“o acesso aos prédios de M. C. e J. C. é feito pela caminho sito a poente deles, nenhum dos quais tem acesso pela eira dos RR., nem pela Rua X”, e com o levantamento de fls. 93 e a fotografia de fls. 288 (do cimo da folha), das quais resulta que o prédio dos herd.s de I. J. (ou de A. J.) tem acesso pela Rua X, para qual deitam as suas portas e a escada do 1º andar.
26ª - Com a alteração à matéria de facto nos termos propugnados supra, conjugada com os factos provados 10 (registo a favor dos réus), 11 e 19 a 27, e ainda tendo em conta que não se provaram os factos alegados pelo autor no artigo 15º (facto NP da alínea a), na 2ª parte do artigo 7º, no artigo 29º e no artigo 34º da petição – como resulta da análise dos factos provados, dos quais não constam, resulta provado que o espaço em discussão integra o imóvel dos réus constante do facto provado 10, constituindo a respectiva Eira, e consequentemente provado o direito de propriedade dos mesmos sobre tal espaço,
27ª - adquirido pelos mesmos quer por via da aquisição derivada, por sucessão hereditária de D. P., constando do inventário de 1967 por óbito da mãe dele, na verba 62 da relação de bens, “Sobrado Novo e Eira”, sendo tal Eira constituída pelo espaço em discussão nos autos,
28ª - quer por via da aquisição originária – usucapião – por estarem na sua posse desde há mais de 20, 30 e 50 anos, nele colocando lenha, gado solto e jungido, os vitelos enquanto se amamentavam, carros de bois, tractores e alfaias agrícolas, fazendo a matança e desmancha dos porcos, entrando e saindo dele livremente, agindo em todos esse actos na qualidade de verdadeiros e exclusivos proprietários, de forma pública - tal Eira confina com a Rua ..., não sendo vedada desse lado, dada a sua contínua utilização pelos RR., e a servidão do autor, pelo que todos os actos praticados pelos demandados são visíveis por toda a gente, autor incluído -, pacífica (até 2017 em que entrou esta acção), contínua, ao longo dos dias e anos, e de boa fé porque convictos de que lhes pertence, o que exclui a natureza pública de tal espaço.
29ª - Desde 1953 que casou com o D. P., da “Casa I”, a ré L. D. e o marido, e após o óbito dele em 1966 (fls. 50 e 50 v) ela e os 4 filhos, tal como já antes faziam os pais dele, sempre utilizaram a Eira em causa para os fins ditos pelas testemunhas dos réus (e também por algumas do A. que afirmaram que os RR. põem lenha naquele local há mais de 20 e 50 anos e que punham lá os animais e faziam a matança dos porcos, enquanto os tiveram), como resulta dos depoimentos indicados e infra transcritos, agindo à vista de todos, sem oposição, continuadamente, e de boa fé, convictos de que tal Eira lhes pertence, por a terem adquirido do seu marido e pai, quer pela sua posse desde há mais de 20, 30 e 50 anos, e até 2014 em que a ré L. D. se desentendeu com o A. e após surgiu esta acção, nunca alguém tinha posto em causa o direito de propriedade dos RR..
30ª A testemunha do autor J. H., 76 anos, afirmou que o dito cidadão J. A., deixou aos seus avós, J. C., ou João M. e mulher L. F., a Eira constituída pelo espaço em discussão, que no inventário de fls. 336 a 387 por morte desse seu avô, foi relacionada na verba 9 da relação de bens, então denominada “Y” (sendo o dito “R.” o espaço em discussão, do qual o Y foi retirado pela família da testemunha “M.”), como explicado pelas testemunhas, mais tendo dito que dos seus avós passou para o seu pai e tios, mas não se apurou qualquer documento desta transmissão, tendo sido certamente L. F., falecida em 1949, quem transmitiu aos sogros de ré L. D., A. G. e marido, da “Casa I” nome pelo qual é conhecida a família dos réus (facto provado 26) e daí ter passado a chamar-se “Eira I”
31ª- Dos depoimentos das testemunhas do autor, de idade mais avançada, M. B., cunhado do autor, de 85 anos de idade (faixa 9, minutos 6:00 a 6:28, 21:00 a 22:12), J. H., de 76 anos de idade (faixa 10, minutos 2:29 a 2:44, 12:10, 47:00 a 47:40, 50:30, 53.15 a 53:20 e faixa 35, minutos 2:50 a 3:25, 17:20 a 18:20 e 34:45) que toda a vida viveram em ..., e A. P., de 69 anos de idade (faixa 15, minutos 25:55 a 26:11), resulta que têm conhecimento que aquele espaço era propriedade privada do cidadão J. A., morador em ..., constituindo a “Eira de J. A.”, também chamado “Largo ..”, que ele deixou à família “M.” (família destas testemunhas de apelido “M.”), e enquanto lhes pertenceu eram eles que usavam como proprietários (não obstante terem dito que alguns cidadãos de ... davam ali volta com os carros de bois e tractores e encostavam para ali o gado quando se cruzava na rua ali em frente, mas sabendo que aquele espaço tinha dono, agindo por tolerância dos donos, que nada diziam por tais actos não darem prejuízo),
32ª - Resultando também do depoimentos de tais testemunhas, que o espaço cuja propriedade se discute foi ainda no tempo que a memória dos vivos alcança, por tradição oral dos seus antecessores, utilizado pelo dito J. A. e após por João M. e L. F. (família “M.”), e, depois, por memória directa quer de tais testemunhas dos autores (que disseram que os réus punham lá lenha há mais de 50 anos e matavam lá os porcos, entre outros actos), quer das testemunhas dos réus (que disseram ser utilizado pelos réus desde há mais de 20, 30 e 50 anos, como donos, pública pacífica, continuamente e de boa fé), o que prova que não vem sendo utilizado pelos moradores de ... e pelos cidadãos em geral “desde tempos imemoriais”,
33ª - sendo a mera utilização que referiram, pelos moradores de ..., ao darem ali volta com o carro de bois/tractor e encostarem par ali o gado quando se cruzava na rua em frente, feita por tolerância dos seus donos, e não com a convicção de ser um bem público, pois todos na aldeia tinham conhecimento de que o espaço em causa pertencia ao dito J. A., e depois à família “M.”, até passar depois para a família dos réus “de I.”.
34ª - O Tribunal “a quo” não valorou o documento de fls. 293 a 300 (limitou-se a referir na pág. 25 da sentença a que folhas está), o que resulta da total ausência de referência ao mesmo na fundamentação de facto, quando devia tê-lo valorado, pois é um documento autêntico, do ano de 1965, que mostra que o prédio dos réus se estende até ao prédio de A. J. (vide lev. fls. 93), e assim que daquele faz parte o espaço em causa, sendo importante para a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa, pelo que ao não o valorar o tribunal violou os artigos 371ºdo Cód. Civil e 607º nº 4 do CPC.

Do direito:

35ª - Não obstante constar da douta sentença que a parcela de terreno em causa nos autos teve inicialmente origem privada, pois chegou a pertencer a J. A. que segundo as testemunhas o deixou à família M.” (pág. 39 da sentença), o Tribunal “a quo” decidiu ter o espaço em causa, natureza pública.
36ª - Com base nos factos provados 10, 11 e 19 a 27 da douta sentença, na alteração para “Não Provados” dos factos provados 4, 5, 7, 8, 9, 13, 14, 15, 16 e 18, na alteração do facto provado 6 nos termos propugnados, na eliminação do facto provado 29, ou na sua alteração para “Não Provado”, na alteração para “Provados” nos termos supra mencionados, dos factos considerados “Não Provados” referidos na conclusão 22ª, e ainda considerando que não se provou o alegado na 2ª parte do artigo 7º da petição, nem nos seus artigos 15º, 29º e 34º, resulta provada a aquisição pelos réus, do espaço em discussão nos autos, quer por aquisição derivada - sucessão hereditária de D. P., marido da ré L. D. e pai dos réus M. A., A. G., H. T. e D. P. (doc.s de 7 V e 8, 50 e 50 V e 83 a 85) - quer por via da aquisição originária (usucapião), com base na posse pública, pacifica, continua e de boa fé, desde há mais de 20, 30 e 50 anos, dos réus, sobre tal espaço, que constitui a Eira do seu imóvel do facto provado 10, pelo que, atendendo ao disposto, nomeadamente, nos artigos 1251º, 1255º, 1260º/1, 1261º/1, 1262º, 1287º, 1296º código civil, demonstrado fica o direito de propriedade dos réus sobre o espaço em discussão, o que exclui a sua natureza pública, devendo, consequentemente, a acção improceder totalmente.
37ª - Consta da douta sentença que resultou inequivocamente para o Julgador que “a parcela de terreno em causa nos autos teve inicialmente origem privada, pois chegou a pertencer a J. A.” (…) que à sua morte, terá deixado aquele espaço à família M.” (pág. 39 da sentença) e não se tendo provado qualquer período de tempo de posse do autor, dos moradores de ... e dos cidadãos em geral, sobre tal espaço (confrontar factos provados, dos quais não consta o alegado no artigo 34º da petição, relativo a tal matéria) o espaço em causa mantém a sua natureza privada, não podendo constituir um prolongamento lateral da Rua ... (Rua X), dada a sua origem privada, sem posse sobre ele pelos moradores de ... e cidadãos em geral “desde tempos imemoriais”, como decidido no Assento do STJ de 19/4/1989, ou sem posse pelo tempo necessário à sua aquisição por usucapião para o domínio público (artigo 1296º do Cód. Civil), o que não resultou provado, acarretando a improcedência da acção.
38ª- Da fundamentação de direito da douta sentença consta que, na ausência de definição legal de “domínio ou coisa pública” o Assento do STJ de 19/04/1989 decidiu que “são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”, exigindo-se ainda a sua afectação “à satisfação de relevantes interesses colectivos de certo grau ou relevância”, e, com base nos factos provados 2 a 9, considerou a Meritíssima Juiz estarem preenchidos os requisitos do uso directo e imediato pelo público, desde tempos imemoriais, para satisfação de fins colectivos relevantes, concluindo pela dominialidade pública do espaço em causa, com base na presunção de que foi apropriado pela comunidade de ..., e ainda que, o tal espaço vem sendo utilizado “há mais de 60 anos, de forma pública, pacífica, de boa fé, sem oposição de quem quer que seja e na convicção de se tratar de um lugar público”, entendendo que também se verificou a sua aquisição, como bem do domínio público, por via da usucapião.
39ª – Ora, por um lado, constando da douta sentença que o espaço em discussão teve inicialmente origem privada, pois chegou a pertencer a J. A., por morte do qual ficou para a família “M.”, e não resultando dos factos provados – nem dos factos 2 a 9 referidos pela Sra Juiz, nem de qualquer outro facto provado – qualquer tempo de posse relativamente ao espaço em causa por banda do autor, da comunidade de ... e dos cidadãos em geral, falece o requisito da posse “desde tempos imemoriais”, exigível pelo citado Assento do STJ de 19/04/1989 para a qualificação de um determinado espaço como do domínio público, assim como falece também prova do tempo mínimo de posse (artigo 1296º do CC) para aquisição de tal espaço para o domínio público por via da usucapião, contrariamente ao decidido, o que acarreta a improcedência da acção.
40ª - Por outro lado, ainda que constasse dos factos provados - e não consta - que tal espaço vem sendo utilizado “há mais de 60 anos” pelo autor, pela comunidade de ... e pelos cidadãos em geral, tal período de tempo não é suficiente, segundo a Jurisprudência mais recente (vide Acórdãos citados nas pág.s 51 e 52), para se considerar verificado o requisito da posse “desde tempos imemoriais”.
41ª - “São considerados tempos imemoriais aqueles que são anteriores à memória das pessoas vivas, ou seja, quando ninguém se recorda do início ou origem do uso, quando os vivos não sabem quando o uso começou porque todos se recordam de ter sempre sido feito um uso livre (Ac. STJ de 19/11/2002)”; “tempos imemoriais” são “tempos que se perdem na memória dos homens” (Coelho da Rocha).
42ª – Ademais, vários Acórdãos do STJ e das Relações, posteriores ao citado Assento do STJ de 19/04/1989 (com a concordância de alguma doutrina, tal como defendia Marcello Caetano, M. A. de Direito Administrativo, 1980, II, p. 923), vêm decidindo que para se considerar uma coisa como “pública”, é necessária a prova de que foi legitimamente apropriada por pessoa colectiva de direito público, por esta passando v.g. a ser administrada. - Neste sentido, Acórdão do TRG de 19/02/2015, Relator António Santos, in www.dgsi.pt.
43ª - O autor não alegou a apropriação do espaço em causa por pessoa colectiva de direito público (v.g. a Junta de Freguesia), nem a sua afectação ao uso público por tal entidade, assim como não foi alegada a prática de qualquer acto de jurisdição administrativa sobre tal espaço, designadamente a realização de alguma obra, ou a sua conservação e/ou limpeza, pelo que, não se tendo provado (nem foram alegados) quaisquer actos de posse sobre o espaço em causa reportados à autarquia ou à Junta de Freguesia, dos quais se pudesse presumir pela sua apropriação por pessoa colectiva de direito público, sempre faltaria tal requisito para o espaço em discussão poder ser considerado bem do domínio público.
44ª – Também não foi alegado que um qualquer cidadão particular, “in casu” o dito J. A., primitivo dono de tal espaço, o tivesse cedido, expressa ou tacitamente para o domínio público, pelo que também não se verificou a aquisição de tal espaço para o domínio público por “dicatio ad patriam”.
45ª- Consideram os apelantes que o Tribunal “a quo” violou, por não aplicação, o artigo 371º do CCivil e 607º nº 4 do CPC (ao não ter valorado a escritura pública de fls. 293 a 330), os artigos 1251º, 1255º, 1260º/1, 1261º/1, 1262º, 1287º e 1296º do Cód. Civil por não aplicação, quanto aos réus (cuja aplicação exclui a natureza pública do espaço em discussão), e ainda, por não aplicação os artigos 1253º, alínea b) e 1543º e por aplicação nomeadamente os artigos 342º/1, 349º, 1251º, 1260º/1, 1261º/1, 1262º, 1287 e 1296º todos do código civil, ao julgar a acção procedente.

Nestes termos e sempre com o douto suprimento de V.ªs Excelências, pelos fundamentos supra expostos, deve ser revogada a douta sentença sob apelação e substituída por douto Acórdão que declare a acção totalmente improcedente, em conformidade com as alegações e conclusões formuladas.
Com a procedência da apelação se fará a costumada JUSTIÇA”.

A Interveniente Junta de Freguesia e o autor J. B. apresentaram também extensas contra-alegações (fls. 468 a 495 e fls. 497 a 541) rematadas com setenta e cinco e com trinta e seislongas e prolixas conclusões.

Eis as daquela autarquia:

“I.
AS ALEGAÇÕES DE RECURSO VÊM INTERPOSTAS FAZENDO USO DO PRAZO SUPLEMENTAR PREVISTO NO N.º 7 DO ARTIGO 638.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
II.
O BENEFÍCIO DA CONCESSÃO DE 10 (DEZ) DIAS ADICIONAIS DE PRAZO VEM ACOMPANHADO DO ÓNUS DE ESPECIFICAR AS CONCRETAS PASSAGENS DAS DECLARAÇÕES E DEPOIMENTOS QUE COLOCAM EM CRISE O ENTENDIMENTO PERFILHADO PELO TRIBUNAL AD QUO.
III.
CONSTATA-SE QUE NUNCA APRESENTARAM OS RECORRENTES UM REQUERIMENTO AUTÓNOMO, COM O INTUITO DE REQUERER SER-LHES FACULTADA A PROVA GRAVADA
IV.
OS RECORRENTES MANTIVERAM TODO O PROCESSO DE OBTENÇÃO DE PROVA GRAVADA ABSOLUTAMENTE SIGILOSO, SURPREENDENDO A RECORRIDA COM A APRESENTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES A QUE SE RESPONDE
V.
O DISPOSTO NO ARTIGO 155.º DO CPC NÃO É CLARO QUANTO AO MODO COMO SE DEVA PROCESSAR À REQUISIÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DA PROVA GRAVADA
VI.
TAL DISPONIBILIZAÇÃO É UM ATO DA SECRETARIA DE RELEVO, ABRE A PORTA À EXTENSÃO DO PRAZO DE RECURSO E DIFERE EM 10 (DEZ) DIAS O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO.
VII.
É LESIVO PARA OS INTERESSES DA RECORRIDA QUE TAL ATO NÃO SEJA DOCUMENTADO NEM LAVRANDO TERMO DA DISPONIBILIZAÇÃO DA PROVA GRAVADA,
VIII.
A NÃO EXISTÊNCIA DE TERMO DE ENTREGA DA PROVA GRAVADA, OU QUALQUER OUTRO TIPO DE PUBLICIDADE DESTE ATO, IMBUI O ATO DA SUA DISPONIBILIZAÇÃO DE FORTES SUSPEITAS QUANTO À SUA LEGALIDADE,
IX.
A GRAVAÇÃO DA PROVA ASSUME-SE COMO UMA GARANTIA TENDENTE A POSSIBILITAR UM SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO EM MATÉRIA DE FACTO.
X.
NA ATUAÇÃO DOS RECORRENTES DENOTA-SE UMA CLARA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA FÉ
XI.
UM DOS COROLÁRIOS DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ CONSISTE NO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA LEGÍTIMA, INCORPORANDO A BOA-FÉ O VALOR ÉTICO DA CONFIANÇA.
XII.
A EXIGÊNCIA DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA É TAMBÉM UMA DECORRÊNCIA DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA, IMANENTE AO PRINCÍPIO DO ESTADO DE DIREITO.
XIII.
FOI VIOLADO O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ, QUE ENCONTRA ABRIGO NO ARTIGO 8.º DO CPC, NA VERTENTE DA VIOLAÇÃO DA CONFIANÇA LEGÍTIMA;
XIV.
FOI VIOLADO O PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO, CONSAGRADO NO ARTIGO 7.º DO CPC, QUANDO PRETEREM OS RECORRENTES A COOPERAÇÃO ENTRE AS PARTES,
XV.
FOI VIOLADO DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA, NA VERTENTE EM QUE, COM A SUA ATUAÇÃO, OS RECORRENTES LESARAM GRAVEMENTE A CONFIANÇA GERADA NA RECORRIDA, QUANTO AO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO
XVI.
A PROVA GRAVADA TRAZIDA PELOS RECORRENTES NÃO DEVE SER ADMITIDA, POR TER SIDO ILEGITIMAMENTE OBTIDA, COM REPERCUSSÕES DIRETAS NO DIREITO DO CONTRADITÓRIO DA RECORRIDA,
XVII.
CONSUBSTANCIA-SE NA PRÁTICA DE UM ATO QUE A LEI NÃO ADMITE, BEM COMO EM OMISSÃO DE UMA FORMALIDADE QUE A LEI PRESCREVE, E QUE INFLUI DETERMINANTEMENTE NO EXAME E DECISÃO DA CAUSA,
XVIII.
DEVEM SER DECLARADAS NULAS AS GRAVAÇÕES, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO N.º 1 DO ARTIGO 195.º DO CPC.
XIX.
DISPÕE O NÚMERO 2 DO ARTIGO 195.º DO CPC, QUANDO UM ATO TIVER DE SER ANULADO, ANULAM-SE TAMBÉM OS TERMOS SUBSEQUENTES QUE DELE DEPENDAM DIRETAMENTE.
XX.
AS PRESENTES ALEGAÇÕES DE RECURSO BASEIAM-SE NA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO COM BASE EM PROVA GRAVADA NULA,
XXI.
A TEMPESTIVIDADE DA SUA INTERPOSIÇÃO DEPENDE DIRETAMENTE DA ANÁLISE DA PROVA GRAVADA COMO MOTIVO JUSTIFICATIVO PARA A UTILIZAÇÃO DO PRAZO SUPLEMENTAR PREVISTO NO N.º 7 DO ARTIGO 638.º DO CPC,
XXII.
DECLARANDO-SE NULA A PROVA GRAVADA TRAZIDA COM AS PRESENTES ALEGAÇÕES, DEVE DECLARAR-SE NULAS AS PRÓPRIAS ALEGAÇÕES DE RECURSO, POIS SÃO ABSOLUTAMENTE DEPENDENTES DAQUELAS,
XXIII.
NÃO SE APROVEITA NADA DO ATO, AS ALEGAÇÕES DE RECURSO SÃO INTEMPESTIVAS, QUANDO NÃO ADMITIDA A PROVA GRAVADA.
XXIV.
AS ALEGAÇÕES DE RECURSO NÃO DEVEM SER ADMITIDAS, POR SE TRATAREM DE UM ATO PRECEDIDO DE NULIDADE, DEVENDO SER DE LHE ATRIBUIR CARÁTER NULO,
XXV.
NEM NUMA “INTERPRETAÇÃO MINIMALISTA”, QUE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PERFILHA, SE ENQUADRAM AS PASSAGENS IDENTIFICADAS PELOS RECORRENTES
XXVI.
EXISTINDO TOTAL OMISSÃO DE REFERÊNCIA ÀS DATAS DOS DEPOIMENTOS, NÃO IDENTIFICANDO O INÍCIO E O TERMO DA GRAVAÇÃO, APENAS INDICANDO PEQUENAS PASSAGENS QUE TENTA CONVENIENTEMENTE EXTRAIR DAS MESMAS,
XXVII.
NEM SÃO OS RECORRENTES EXPLÍCITO QUANTO AO SENTIDO QUE CONSIDERAM DEVER SER RETIRADO DAS AFIRMAÇÕES,
XXVIII.
NÃO CUMPREM O ÓNUS DE CONCRETA E COMPLETA IDENTIFICAÇÃO DAS GRAVAÇÕES, EM MUITO DIFICULTANDO O TRABALHO DO TRIBUNAL AD QUEM,
XXIX.
É ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NO QUE TOCA À ADMISSIBILIDADE DO RECURSO COM BASE EM PROVA GRAVADA, QUE TEM DE CONSTAR DAS CONCLUSÕES A QUESTÃO CONCRETA CONSISTENTE NA IMPUGNAÇÃO DE DETERMINADA MATÉRIA DE FACTO.
XXX.
“O ALARGAMENTO DO PRAZO DEPENDE DA CIRCUNSTÂNCIA DE O RECURSO TER EFECTIVAMENTE POR OBJECTIVO A REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA, OBJECTO ESSE QUE TEM DE CONSTAR DAS CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES RESPECTIVAS.”
XXXI.
NÃO ALCANÇAM OS RECORRENTES, COM AS PROLIXAS CONCLUSÕES DE RECURSO QUE APRESENTA, O CUMPRIMENTOS DESTAS EXIGÊNCIAS
XXXII.
QUANTO À REJEIÇÃO DO RECURSO COM FUNDAMENTO NA REAPRECIAÇÃO DE PROVA GRAVADA, QUANDO O MESMO NÃO SEJA ADMISSÍVEL POR INCUMPRIMENTO DO ÓNUS DECORRENTE DOS N.º 1 E N.º 7 DO ARTIGO 638.º, E DO ARTIGO 640.º, AMBOS DO CPC, O RESULTADO SERÁ A IMEDIATA REJEIÇÃO DO RECURSO, NA PARTE QUE TANGE À IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
XXXIII.
“III - NA SEGUNDA, O RECORRENTE NÃO OBSTANTE TER MANIFESTADO A SUA INTENÇÃO DE IMPUGNAR A FACTUALIDADE DADA COMO PROVADO EM 1ª INSTÂNCIA, INCUMPRE AS ESPECIFICAÇÕES OBRIGATÓRIAS QUE CONSTITUEM OS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE PARA O CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO. NESTE CASO ESTÁ-SE PERANTE UMA IMPUGNAÇÃO QUE, NA PARTE ATINENTE À MATÉRIA DE FACTO, SERÁ OBJECTO DE REJEIÇÃO, E NÃO PERANTE UMA INTERPOSIÇÃO EXTEMPORÂNEA GERADORA DE NÃO ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.”
XXXIV.
O RECURSO ESTÁ VOTADO À REJEIÇÃO, NO QUE TANGE À IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
XXXV.
POR INCUMPRIMENTO DAS EXIGÊNCIAS ELENCADAS NO ARTIGO 640.º DO CPC, ÓNUS QUE SE LHES VIA ATRIBUÍDO, MESMO QUANDO INTERPRETADO NO SENTIDO MINIMALISTA PERFILHADO PELO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
XXXVI.
O CONTROLO DE FACTO, EM SEDE DE RECURSO, QUANDO TENDO POR BASE A GRAVAÇÃO DOS DEPOIMENTOS PRESTADOS EM AUDIÊNCIA, NÃO PODE SUBVERTER OU ANIQUILAR A LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA POR PARTE DO JULGADOR, CONSTRUÍDA NA BASE DA IMEDIAÇÃO E DA ORALIDADE.
XXXVII.
POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA, CONSAGRADO NO N.º 5 DO ARTIGO 607.º, E DO N.º 3 DO ARTIGO 466.º, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, O QUE TORNA PROVADO UM FACTO É A ÍNTIMA CONVICÇÃO DO JUIZ, GERADA EM FACE DO MATERIAL PROBATÓRIO TRAZIDO AO PROCESSO E DE ACORDO COM AS REGRAS DE EXPERIÊNCIA DE VIDA E DO CONHECIMENTO HUMANO.
XXXVIII.
NA FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DO JULGADOR NÃO INTERVÊM APENAS ELEMENTOS RACIONALMENTE DEMONSTRÁVEIS, MAS TAMBÉM FATORES NÃO MATERIALIZADOS.
XXXIX.
A LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA NÃO PERMITE NEM SE CONFUNDE COM A APRECIAÇÃO ARBITRÁRIA DA PROVA PRODUZIDA
XL.
OS MOTIVOS DE FACTO QUE SERVEM DE FUNDAMENTO À DECISÃO NÃO SÃO APENAS O ROL DE FACTOS PROVADOS, NEM MESMO OS MEIOS DE PROVA, MAS OS ELEMENTOS QUE, EM RAZÃO DAS REGRAS DE EXPERIÊNCIA E DOS CRITÉRIOS LÓGICOS, CONTITUEM O SUBSTRATO RACIONAL QUE CONDUZIU À FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL EM CERTO SENTIDO, OU VALORASSE DE DETERMINADA FORMA OS DIVERSOS MEIOS DE PROVA TRAZIDOS À CAUSA.
XLI.
CONCLUI-SE QUE A CENSURA DO MODO DE FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL NÃO PODE ASSENTAR-SE NUMA INVESTIDA À FASE FINAL DA FORMAÇÃO DESSA CONVICÇÃO, OU SEJA, À VALORAÇÃO DA PROVA.
XLII.
TAL CENSURA DEVE ASSENTAR NA VIOLAÇÃO DOS PASSOS QUE CONDUZEM À FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO.
XLIII.
SE A DECISÃO DO JULGADOR, DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA, FOR UMA DAS SOLUÇÕES PLAUSÍVEIS SEGUNDO AS REGRAS DE EXPERIÊNCIA, ELA SERÁ INATACÁVEL, JÁ QUE FOI PROFERIDA EM ESTRITA OBEDIÊNCIA À LEI, QUE IMPÕE, SOBRE QUEM JULGA, O DEVER DE JULGAR DE ACORDO COM A SUA LIVRE CONVICÇÃO.
XLIV.
AS PRESENTES ALEGAÇÕES DE RECURSO EM NADA ATACAM O MODO DE FORMAÇÃO DE CONVICÇÃO DO TRIBUNAL AD QUO, VEICULAM APENAS QUE A PROVA PRODUZIDA MERECIA OUTRA INTERPRETAÇÃO, UM RESULTADO DIFERENTE DO ALCANÇADO PELO JULGADOR.
XLV.
OS RECORRENTES PLEITEIAM UMA MERA NÃO CONFORMAÇÃO COM A DECISÃO A FINAL TOMADA PELO JULGADOR, E NUNCA DE UMA CENSURA FUNDAMENTADA À FORMA COMO FOI FORMADA A CONVICÇÃO.
XLVI.
NÃO FOI COLOCADA EM CRISE A BONDADE NA FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DO JULGADOR, SENDO A MESMA UMA SOLUÇÃO PERFEITAMENTE PLAUSÍVEL SEGUNDO AS REGRAS DE EXPERIÊNCIA.
XLVII.
OS RECORRENTES PROCEDEM A UMA PROLIXA AMÁLGAMA DE TRECHOS DAS GRAVAÇÕES, NÃO CUMPRINDO O ÓNUS DE DETALHADA INDICAÇÃO DAS PASSAGENS, CONFORME SUPRA SE EXPOS,
XLVIII.
ANIQUILAM O PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA, E PRETEREM TOTALMENTE O PRINCÍPIO DA ORALIDADE E DA IMEDIAÇÃO
XLIX.
O MODO SIMPLISTA COMO OS RECORRENTES ATACAM APENAS A VALORAÇÃO DA PROVA NÃO PODE TER ACOLHIMENTO COMO FUNDAMENTO DE RECURSO, RAZÃO PELA QUAL DEVE O MESMO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE.
L.
PERFILHAM OS RECORRENTES QUE O TRIBUNAL AD QUO TINHA DE TER VALORADO DE SOBREMANEIRA O DOCUMENTO DE FLS. 293 A 300, POR SE TRATAR DE UMA ESCRITURA PÚBLICA, DOCUMENTO AUTÊNTICO.
LI.
UM DOCUMENTO AUTÊNTICO APENAS TEM FORÇA PROBATÓRIA MATERIAL QUANTO AOS FACTOS PRATICADOS PELA AUTORIDADE QUE O CERTIFICA.
LII.
O DOCUMENTO DE FLS. 293 A 300 NÃO TEM FORÇA PROBATÓRIA PLENA QUANTO À VERACIDADE DAS DECLARAÇÕES EMITIDAS.
LIII.
O MESMO ENCONTRA-SE SUJEITO À LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA, SEM QUALQUER CONSTRANGIMENTO LEGAL, A PAR COM TODA A DEMAIS PROVA PRODUZIDA.
LIV.
O MESMO É REFERIDO NA PRÓPRIA SENTENÇA E ALVO DE DETALHADA ANÁLISE E JUSTIFICAÇÃO DA SUA VALORAÇÃO.
LV.
O DOUTO TRIBUNAL AD QUO LEVOU EM CONTA A ESCRITURA PÚBLICA INVOCADA PELOS RECORRENTES E DEMONSTROU QUE AS DECLARAÇÕES NELE ÍNSITAS NÃO TÊM FORÇA PROBATÓRIA PLENA, COMO TAL, SUJEITAS À LIVRE APRECIAÇÃO PELO JULGADOR,
LVI.
INEXISTINDO FUNDAMENTO LEGAL PARA QUE SEJA COLOCADA EM CRISE A CONVICÇÃO DO TRIBUNAL AD QUO, O RESULTADO OBTIDO ESTÁ PERFEITAMENTE EM LINHA COM AS REGRAS DA EXPERIÊNCIA E DO SABER HUMANO
LVII.
O DOCUMENTO TOTALMENTE SUJEITO À LIVRE APRECIAÇÃO DE PROVA, PELO QUE EM NADA MERECE CENSURA A CONVICÇÃO DO TRIBUNAL AD QUO, QUE TEM O DEVER DE DECIDIR COM BASE NA SUA PRÓPRIA CONVICÇÃO.
LVIII.
QUANTO À IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO, OS RECORRENTES APENAS ARROLAM OS FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS QUE, NO SEU ENTENDIMENTO, DEVERIAM SER ALVO DE TRATAMENTO DIVERSO
LIX.
ESTÁ EIVADO DE FRAGILIDADE O AVENTADO PELOS RECORRENTES, NO QUE CONCERNE ÀS PRETENDIDAS ALTERAÇÕES EM MATÉRIA DE PROVA, POR SÓ ATACAR A CONVICÇÃO A FINAL DO TRIBUNAL AD QUO, NUNCA O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO.
LX.
A CONCLUSÃO DA TEMPORALIDADE DA POSSE ESTÁ NO CERNE DO EXERCÍCIO DECISÓRIO A QUE SE ENCONTRA O TRIBUNAL AD QUO SUJEITO NA JUSTA COMPOSIÇÃO DO LITÍGIO.
LXI.
TAL CONCLUSÃO É DECISIVA E FRUTO DA MAIS PROFUNDA ANÁLISE E PONDERAÇÃO DA MATÉRIA PROBATÓRIA TRAZIDA AOS AUTOS,
LXII.
A SUA INSERÇÃO NA MATÉRIA DOS FACTOS PROVADOS, OU NÃO PROVADOS, É UM CONTRASSENSO, ESTARIA A DECIDIR O RESULTADO DA CAUSA SÓ DE PER SI.
LXIII.
A MERA FALTA DE INCLUSÃO DESTE FACTO NO ROL DOS FACTOS PROVADOS NÃO LEVA NECESSARIAMENTE A QUE O ESPAÇO EM DISCUSSÃO SEJA DE NATUREZA PRIVADA,
LXIV.
CONSTA DO ROL DE FACTOS PROVADOS OS FACTOS PROVADOS N.º 8 E N.º 9.
LXV.
SUBVERTEM OS RECORRENTES O RACIOCÍNIO LÓGICO, PUGNANDO QUE OS PASSOS ÚLTIMOS COGNITIVOS DA PROLAÇÃO DE UMA SENTENÇA TENHAM DE ESTAR VERTIDOS, À PRIORI, NO ROL DOS FACTOS PROVADOS.
LXVI.
TAL ENTENDIMENTO NÃO COLHE, NÃO SE REVELANDO DE QUALQUER INTERESSE PARA A CAUSA.
LXVII.
DISCORREM ERRÓNEAMENTE OS RECORRENTES SOBRE O CONCEITO DE TEMPOS IMEMORIAIS, NUMA ARGUMENTAÇÃO REPETITIVA, BASEADA EM SIMPLES TRANSCRIÇÕES DE ACÓRDÃOS, DESPROVIDOS DE ENQUADRAMENTO, CUJOS TRECHOS FORAM ARDILOSAMENTE ESCOLHIDOS.
LXVIII.
ESCAPA À PERCEÇÃO DOS RECORRENTES QUE O DOUTO TRIBUNAL AD QUO NUNCA CONSIDEROU SEQUER INTERROMPIDA A POSSE, PELA COMUNIDADE EM GERAL, DO DITO ESPAÇO,
LXIX.
O TRIBUNAL AD QUO NÃO ACOLHEU NENHUM DOS FUNDAMENTOS QUE OS RECORRENTES AVENTARAM COMO JUSTIFICAÇÃO DA SUA PRÓPRIA SUPOSTA POSSE.
LXX.
O INSTITUTO DA USUCAPIÃO E A DICATIO AD PATRIAM, COMO FORMA DE AQUISIÇÃO DA POSSE DERIVADA, ENQUADRAM-SE NO CONCEITO DE APROPRIAÇÃO LEGÍTIMA.
LXXI.
A PROVA DA APROPRIAÇÃO LEGÍTIMA ESTÁ VERTIDA COM CRISTALINA CLAREZA EM TODA A DOUTA SENTENÇA.
LXXII.
AS ALEGAÇÕES DE RECURSO NÃO SE ENCONTRAM MINIMAMENTE FUNDAMENTADAS NO QUE CONCERNE À ALEGAÇÃO DE INCORRETA APLICAÇÃO DO DIREITO
LXXIII.
NÃO COLOCA EM CRISE A CORRETA APLICAÇÃO DO DIREITO VIGENTE, NÃO SE PODE CENSURAR A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA NO ÂMBITO DOS PRESENTES AUTOS.
LXXIV.
POR CONSISTIR NUMA CORRETA APRECIAÇÃO DA FACTUALIDADE, COM EXÍMIO EMPREGO DO DIREITO APLICÁVEL AO CASO DECIDINDO, DEVE A DOUTA SENTENÇA MANTER-SE NA SUA TOTALIDADE
LXXV.
O RECURSO APRESENTADO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE.

TERMOS EM QUE, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS:
I. NÃO DEVE O PRESENTE RECURSO SER ADMITIDO, EM APREÇO À INVOCADA NULIDADE;
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA,
II. NÃO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DECLARANDO-SE O MESMO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, MANTENDO-SE, EM QUALQUER CASO, O ACÓRDÃO RECORRIDO, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA! ”.

Eis as do autor:

“I. Com a interposição do presente recurso, verifica-se que o os Apelantes pretendem pôr em causa a valoração que o Tribunal a quo conferiu aos meios de prova produzidos e nos quais assentou a sua decisão, tentando impor o seu ponto de vista e a sua leitura subjectiva da prova produzida com vista a que o Tribunal de recurso adota a sua visão e avaliação da prova produzida e altere a decisão proferida pelo Tribunal a quo a seu favor.
II. Vigora no nosso sistema jurídico português o princípio da livre apreciação da prova que determina que esta é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do juiz, uma livre convicção que não pode ser arbitrária ou subjectiva e, por isso, deve ser motivada. A motivação da convicção apresenta-se, pois, como o meio de controlo da decisão de facto, em ordem a garantir a objectividade e a genuinidade da convicção formada pelo Tribunal.
III. Analisando a matéria de facto impugnada pelos Apelados, verificamos que a Douta Sentença está fundamentada de forma coerente, sendo possível reconstituir o caminho lógico seguido pelo Tribunal a quo para chegar às conclusões a que chegou.

Assim vejamos,
IV. Quanto aos factos vertidos nos pontos 4.º, 5.º e 7.º dos factos provados, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão na prova documental, da qual ficou mais do que demonstrado que o único acesso para o prédio do Autor, para pessoas a pé veículos automóveis, máquinas e tractores agrícolas e com animais, faz-se através de um espaço com o qual este confina, espaço esse em discussão nos autos (fotografia junta a fls. 135; levantamentos topográficos juntos a Fls. 93 e 124; e no ortofomapa de fls. 1), o que é perfeitamente visível também nas fotografias juntas aos autos a fls. 11 vº, 22, 120, 131, 133 e 135, onde se pode ver que o prédio do Autor possui, no rés-do-chão, uma porta carral e uma porta de mão, que deitam diretamente para o espaço em discussão nos autos, e no primeiro andar também tem uma porta de entrada para pessoas a pé, sendo que o acesso para o primeiro andar do prédio dos Autores é feito através de umas escadas que também deitam diretamente para o referido espaço, o que desde já indicia que o acesso para o prédio do Autor é feito através do referido espaço.
V. No que diz respeito às confrontações do referido espaço e ao facto deste constituir um prolongamento lateral da Rua X, esse facto também depreende-se das fotografias juntas a fls. 11 vº, 13, 22 e 135 através das quais é visível que o dito espaço é ladeado por várias construções, sendo que o nome dos proprietários das construções consta dos levantamentos topográficos juntos aos autos a fls. 93 e 124.
VI. O Tribunal a quo também fundamentou a sua decisão com base nas declarações de parte do Autor que foram coincidentes com o depoimento das testemunhas por este arroladas, tendo indicado com precisão que o acesso para o prédio do Autor, com pessoas a pé, veículos automóveis, máquinas e tractores agrícolas e com animais, é feito através do largo ... denominado "largo da I.", e souberam identificar as confrontações do referido espaço (cfr. declarações de parte do Autor J. B., constante do ficheiro 20190403155047_1319670_2871902, gravado de minutos 08:44 a 09:51, 10:48 a 12:41; depoimento da testemunha M. R., constante do ficheiro 20190502103635_1319670_2871902, gravado de minutos 02:07 a 05:38, 09:28 a 12:58; o depoimento da testemunha F. M., constante do ficheiro 20190502114903_1319670_2871902, gravado de minutos 02:24 a 03:47, 07: 33 a 51, 08:58 a 09:45; o depoimento da testemunha M. B., constante do ficheiro
20190502153232_1319670_2871902, gravado de minutos 02:06 a 03:12, 05:13 a 06:02, 07:08 a 08:37; o depoimento da testemunha M. B., constante do ficheiro 20190502153232_1319670_2871902, gravado de minutos 02:06 a 03:12, 05:13 a 06:02, 07:08 a 08:37; o depoimento da testemunha A. G., constante do ficheiro 20190605105224_1319670_2871902, gravado de minutos 05:21 a 05:49, 06:49 a 07:58; o depoimento da testemunha A. P., constante do ficheiro 20190605120433_1319670_2871902, gravado de minutos 03:40 a 04:34, 09:23 a 10:11, 15:22 a 18: 34, 18:46 a 19:23).
VII. Quanto à prova indicada pelos Apelantes, e com base nos quais pretendem ver alterada a matéria de facto dada como provada, importa dizer que, no que diz respeito à prova testemunhal, o depoimento das testemunhas indicadas pelos Apelantes foram todos, sem excepção, incoerentes e contraditórios, razão pela qual o Tribunal a quo não valorou os mesmos, sendo que em sede de contra-interrogatório, quase todas elas acabaram por confessar que não sabem a quem pertence o espaço em causa nos autos, mas que quem o ocupava mais era a Dona L. D., sendo certo que além dela, outras pessoas na aldeia também faziam uso do local em questão (cfr. Depoimento de A. C., constante do ficheiro 20190606105037_1319670_2871902, gravado de minutos 10:38 a 11:49 e 02:08:40 a 02:12:47; o depoimento da testemunha A. P., constante do ficheiro 20190619145545_1319670_2871902, gravado de minutos 38:10 a 39:20 e 52:02 a 58:10).
VIII. O depoimento de parte do Réu M. P., apesar de ser claramente interessado e comprometido, confirmou a configuração do espaço em discussão nos autos, no sentido de o mesmo estar ladeados por várias construções sendo os seus proprietários A. J.; M. C.; J. B. e com J. C., e também confirmou que o Autor acedia ao prédio dele através do dito espaço.
IX. Quanto à prova documental indicada pelos Apelantes e com base na qual pretendem ver alterada a matéria de facto dada como provada, importa dizer que o documento junto pelos Réus de Fls. 293 a 300 (escritura) é totalmente ilegível, tendo sido impugnado quanto ao seu teor e quanto à prova que os Réus pretendiam fazer com o mesmo, pelo que não se consegue chegar à conclusão pretendida pelos ora Apelantes. Cumpre dizer que é de conhecimento geral que as informações constantes da matriz e do registo predial advêm de meras declarações dos interessados, pelo que a informação deles constantes, no que diz respeito às características, configurações e confrontações declaradas, não fazem prova plena. Não obstante o ora alegado, importa dizer que o Autor também juntou aos autos documentos, nomeadamente uma certidão da escritura pública de aquisição do prédio dele, datada de 1983, na qual consta que o prédio do Autor confronta do lado poente e nascente com o Largo ... (documento junto de fls. 259 a 262). Também foi junto de fls. 269 e 270 uma certidão permanente referente ao prédio do Senhor F. M. onde consta que o prédio dele confronta do lado nascente com a Rua ....
X. Quantos aos factos vertidos nos pontos 8.º e 9.º dos factos provados, como já alegado anteriormente, todas as testemunhas indicadas pelos Réus, em sede de contra-interrogatório acabaram por admitir que não sabiam quem era o proprietário do espaço em discussão nos autos e declararam ainda não saber se o referido espaço era público ou privado (Cfr. Depoimento das testemunhas A. C. constante do ficheiro 20190606105037_1319670_2871902, gravado a minuto 02:08:40 a 02:12;47; de A. P. constante do ficheiro 20190619145545_1319670_2871902, gravado a minuto 52:02: a 58:10), tendo admitindo ainda o uso geral daquele espaço pelos moradores de ... e pelos não moradores, para estacionamento de veículos automóveis, tractores agrícolas e alfaias, e ainda para desviar o gado que circula na rua principal; para servir de paragem de veículos de vendedores de mercadorias que se deslocam a ...; para depositar bens e equipamentos (lenha, alfaias agrícolas, botijas de gás), para proceder à vacinação de gado e para proceder à matança o porco, uso este que era feito de forma pública, à vista de toda a gente, ininterrupta, dia após dia, mês após mês, ano após ano, e pacífica, sem qualquer estorvo, turbação ou oposição de quem quer que fosse e de boafé, convictos de que utilizam bem pertencente a todos os cidadãos, residentes e não moradores em ..., sem lesares direitos de outrem, em correspondência com o direito de propriedade. (Cfr. depoimento da testemunha A. C., constante do ficheiro 20190606105037_1319670_2871902, gravado de minutos 01:48:00 a 01:49:22, 02:06:14 a 02:06:41, 02:12:50 a 02:13:39; o depoimento da testemunha A. C., constante do ficheiro 20190606105037_1319670_2871902, gravado de minutos 01:48:00 a 01:49:22, 02:06:14 a 02:06:41, 02:12:50 a 02:13:39; o depoimento da testemunha A. P., constante do ficheiro 20190619145545_1319670_2871902, gravado de minutos 29:14 a 29:43, 31:12 a 32:38, 34:44 a 34:49).
XI. No que diz respeito ao ponto 29.º dos factos dados como provados, a Douta Sentença esclarece na sua fundamentação que esse facto foi considerado pelo Tribunal a quo por ser facto instrumental que resultou da instrução da causa, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2 alínea a) do CPC. Quanto ao facto do Tribunal a quo não ter dado conhecimento às partes de que iria incluir a referida matéria de facto, a jurisprudência maioritária tem entendido que os factos instrumentais, factos essenciais complementares ou concretizadores dos alegados podem ser atendidos na sentença, apesar de não terem sido alegados, não pondo em causa o princípio do contraditório uma vez que as partes tiveram a possibilidade de se pronunciar sobre esses factos novos na medida em que os factos novos resultaram da audição das diversas testemunhas tendo sido exercido de imediato o contraditório (Neste sentido decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão proferido no dia 17/01/2017, no âmbito do processo n.º 3161/12.2TBLRA-A.C1, disponível no site www.dgsi.pt, no qual determinou-se que "(...) 3. - Já quanto aos demais – factos instrumentais (os substantivamente indiferentes), factos essenciais complementares (os que têm papel completador dos nucleares) ou concretizadores (com função de pormenorizar ou decompor os nucleares) dos alegados –, podendo, mesmo sem alegação, ser atendidos na sentença, ocorre restrição ao princípio do dispositivo, no escopo da obtenção de soluções de justiça material. 4. - É de considerar que as partes tiveram a possibilidade de se pronunciar se os factos novos resultantes da instrução da causa emergem de prova testemunhal cuja produção foi sujeita ao imediato contraditório, com ambas as partes a questionar a(s) testemunha(s) sobre essa factualidade."). Ora, no caso dos autos, o Tribunal a quo levou em consideração factos novos instrumentais que são complementares dos factos alegados pelos Autores na Petição Inicial, nomeadamente no que diz respeito ao uso concreto feito pelos moradores de ... e os cidadãos em geral do espaço em questão nos autos. Esclarece-se ainda que os factos instrumentais considerados pelo Tribunal a quo no ponto 29.º dos factos dados como provados, resultaram da discussão da causa, nomeadamente da audição das diversas testemunhas, sendo que os Réus tiveram então a possibilidade de exercer de imediato o contraditório.
XII. Da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento ficou mais que demonstrado o uso que era feito do espaço em discussão pelos moradores de ... e pelos cidadãos em geral. As testemunhas ora indicadas pelos Apelantes acabaram por admitir em sede de audiência de julgamento que o referido espaço era utilizado pelos moradores de ... e pelos cidadãos comuns, nomeadamente para desviar o gado e veículos automóveis (cfr. Depoimento de J. G., constante do ficheiro 20190606142909_1319670_2871902, gravado de minutos 01:48:15 a 01:50:07; depoimento da testemunha A. C., constante do ficheiro 20190606105037_1319670_2871902, gravado de minutos 02:06:14 a 02:06:41, depoimento da testemunha A. P., constante do ficheiro 20190619145545_1319670_2871902, gravado de minutos 34:44 a 34:49, supra transcritos); não por mera tolerância da Ré L. D. como afirmam os Apelantes até porque as referidas testemunhas também confessaram não saber a quem pertencia o referido espaço; ficou ainda provado que o referido espaço também era utilizado para colocar diversos equipamentos, nomeadamente esterco antes de ser colocado nas cortes que circundam o largo ..., palha, antes de ser colocado nos palheiros, material de construção, quando o Autor J. B. procedeu a obras de melhoramento do prédio dele que confina com o dito largo, mas também paralelos que foram colocados pela Junta quando encalcetaram o caminho, paralelos estes bem visíveis nas fotografias juntas aos autos a fls. 118; 135 e 288. (Cfr. depoimento da testemunha F. M., constante do ficheiro 20190502114903_1319670_2871902, gravado de minutos 14:27 a 14:50; o depoimento da testemunha M. B., constante do ficheiro 20190502153232_1319670_2871902, gravado de minutos 10:47 a 11:25; o depoimento da testemunha J. H., constante do ficheiro 20190502161011_1319670_2871902, gravado de minutos 06:40 a 07:13 ); e ainda para colocar bilhas de gás para fornecer aos moradores de ..., (Cfr. depoimento da testemunha F. M., constante do ficheiro 20190502114903_1319670_2871902); e para a vacinação do gado (Cfr. O depoimento da testemunha M. R., constante do ficheiro 20190502103635_1319670_2871902, gravado de minutos 15:10 a 15:43; o depoimento da testemunha M. B., constante do ficheiro 20190502153232_1319670_2871902, gravado de minutos 12:21 a 13:25).
XIII. Quanto ao facto vertido no ponto 13.º dos factos provados: quanto à prova documental careada aos autos, nomeadamente ao documento junto a fls. 6, importa esclarecer que é de conhecimento geral que no ano de 2012 ocorreram no Concelho ... avaliações de todos os prédios urbanos do concelho, razão pela qual consta do referido documento que o prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de ... sob o artigo … foi avaliado em 24/08/2012; no que diz respeito ao documento junto aos autos a Fls. 6 v.º e 7, referente ao prédio dos Réus, a situação é diferente, na medida em que o mesmo foi avaliado no ano de 2015, isto é, posteriormente às avaliações realizadas no Concelho ..., avaliação feita a pedido dos Réus, com vista a alterar a área e as confrontações que constavam na matriz, conforme podemos verificar com o confronto da caderneta predial em suporte de papel junto aos autos de fls. 163 vº e 164 com a atual matriz (documento n.º 4 junto à PI); quanto ao documento junto aos autos de fls. 293 a 300, o mesmo é totalmente ilegível, tendo sido impugnado; a certidão de registo predial junta aos autos a fls. 7 v.º e 8, é um documento autêntico com base no qual o Tribunal a quo deu como provado o ponto 13.º da matéria de facto dada como provada. Quanto à prova testemunhal, o depoimento das testemunhas indicadas pelos Apelantes e com base nos quais pretendem impugnar o ponto 13.º da matéria dos factos dada como provados, como já foi referido, em sede de contraditório as referidas testemunhas acabaram por afirmar que não sabiam se o espaço em questão nos autos pertencia aos Réus e que o mesmo era utilizado pelos moradores de ... e pelos cidadãos em geral (Cfr. Depoimento das testemunhas A. C. constante do ficheiro 20190606105037_1319670_2871902, gravado a minuto 02:08:40 a 02:12;47; de A. P. constante do ficheiro 20190619145545_1319670_2871902, gravado a minuto 52:02: a 58:10, supra transcritos).
XIV. Quanto ao facto vertido no ponto 14.º dos factos provados: a carta junto aos autos a fls. 87/88, foi dirigida não apenas ao aqui Autor J. B., mas também à sua esposa, filho A. D. e nora; analisando o teor da referida carta, também verificamos que a mesma é datada de dia 21/07/2016 e refere a comportamentos que alegadamente os interpelados têm vindo a praticar a pelo menos dois anos, razão pela qual a Meritíssima senhora Juíza deu como provado que a Ré L. D. vem afirmado que o espaço em discussão nos autos lhe pertence já desde o Verão de 2014. A conclusão a que a Meritíssima Senhora Juíza chegou é de simples cálculo aritmético!!
O que resulta do depoimento das testemunhas indicadas pelos Apelantes para fundamentar a alteração da matéria de facto dada como provada é apenas e tão só que a Ré L. D. utilizava aquele espaço, como aliás faziam os demais moradores na aldeia, e demais cidadãos em geral (Cfr. Depoimento das testemunhas A. C. constante do ficheiro 20190606105037- _1319670_2871902, gravado a minuto 02:08:40 a 02:12;47; de A. P. constante do ficheiro 20190619145545_1319670_2871902, gravado a minuto 52:02: a 58:10, supra transcritos).
XV. Quanto ao facto vertido no ponto 15.º dos factos provados: A Meritíssima Senhora Juíza indicou na sua fundamentação que considerou como provado o facto constante do ponto 15.º com base nas declarações de parte do Autor J. B. (folhas 26 e 27 da Douta Sentença), declarações esta quer foram corroboradas pelo depoimento das testemunhas por si arroladas, nomeadamente pelo depoimento das testemunhas com base nos quais os Apelantes pretendem ver alterada a matéria de facto dada como provada no ponto 15.º (Cfr. declarações de parte do Autor J. B., constante do ficheiro 20190403155047_1319670_2871902, gravado de minutos 03:58 a 05:38, 06:20 a 06:34, 07:00 a 07:52; o depoimento da testemunha M. R., constante do ficheiro 20190502103635_1319670_2871902, gravado de minutos 23:37 a 23:55, 27:07 a 27:58; o depoimento da testemunha J. H., constante do ficheiro 20190502161011_1319670_2871902, gravado de minutos 17:57 a 18:35; o depoimento da testemunha A. P., constante do ficheiro 20190605120433_1319670_2871902, gravado de minutos 21:10 a 21:54).
XVI. Quanto ao facto vertido no ponto 16.º dos factos provados: Os Apelantes não fundamentam os motivos pelos quais impugnam este facto e quais as provas produzidas que infirmam o facto dado como provado no ponto 16.º, pelo que o mesmo deverá manter-se como facto provado.
XVII. Quanto ao facto vertido no ponto 18.º dos factos provados: No que diz respeito à prova testemunhal, o Tribunal a quo não valorou o depoimento das testemunhas indicadas pelos Apelantes, e com base nos quais pretendem ver alterada a matéria de facto dada como provada no ponto 18.º, por entender que o depoimento delas foi contraditório, sendo que em sede de contra-interrogatório acabaram todos por admitir não saber a quem pertencia o espaço em discussão nos autos, sendo que além da dona L. D. também os moradores da aldeia, e os cidadãos comuns faziam uso do dito espaço (Cfr. Depoimento das testemunhas A. C. constante do ficheiro 20190606105037_1319670_2871902, gravado a minuto 02:08:40 a 02:12;47; de A. P. constante do ficheiro 20190619145545- _1319670_2871902, gravado a minuto 52:02: a 58:10, supra transcritos). Quanto à prova documental, nas fotografias juntas ao aos autos sob as Fls. 12 v.º, 22, 90 e 121, apenas se pode extrair que de facto existe lenha colocada no espaço em discussão nos autos, no entanto, não permite chegar à conclusão que os Apelantes pretendem de ocupação do referido espaço pela dona L. D. à mais de 20, 30 e 50 anos, isto porque, conforme já foi referido, as testemunhas ouvidas em sede de julgamento afirmaram que a referida lenha foi colocada no largo no ano de 2016; o documento junto a fls. 267, foi impugnado quanto ao seu teor e quanto à prova que os Réus pretendem fazer com ele, sendo certo que do referido documento não resulta que o prédio dos Autores confrontava em 1937 do nascente com "Serventia", mas sim com "Caminho"; o documento de fls. 293 a 300, como já foi referido anteriormente, o mesmo é totalmente ilegível, razão pela qual foi impugnado, não se podendo extrair de todo a prova que os Apelantes pretendem fazer com ele.
XVIII. Quanto aos factos não provados constantes nas alíneas b), c), d), f), g), h), i), K), m), n), o), w), x), y), z), cc), dd), ff), hh), jj) e kk) inclusive: Apesar dos esforços encetados pelos Réus, os mesmos não conseguiram demonstrar a aquisição derivada (mortis causa), por óbito do senhor D. P., nem conseguiram demonstrar o trato sucessivo, nem a aquisição originária através do instituo da usucapião. Quanto à prova documental, do documento junto aos autos de fls. 137 a 160, permite concluir-se que o senhor D. P., no âmbito do referido inventário não adquiriu a eira relacionada na verba n.º 62 que os Réus alegam corresponder ao espaço em discussão nos autos; que o prédio identificado na referida verba não corresponde ao espaço em questão nos autos por as confrontações dele constante não coincidirem com as confrontações do espaço em discussão nos autos; e que os herdeiros do senhor D. P. apenas adquiriram a eira relacionada na verba 60; o levantamento topográfico junto a fls. 93 e 124 também não faz prova que o espaço em discussão integra o prédio dos Réus; as fotografias juntas aos autos de fls. 12 vº, 90 e 121 apenas provam que foi colocada lenha no largo; a certidão narrativa de fls. 267 é uma interpretação feita pelo senhor funcionário do serviço de finanças da leitura que este faz das confrontações constantes na matriz existente em suporte de papel; da caderneta predial junta aos autos a Fls. 172 lê-se que o prédio confronta "N. corte de D. P., S. e P. casa de João G., Nas. caminho"; quanto à certidão da escritura pública de fls. 294 a 300, como já referido diversas vezes, o referido documento é ilegível, tendo sido impugnado; por fim se dirá que do conjunto de prova produzida nos autos ficou demonstrado que o prédio do senhor A. J. sempre confrontou do lado norte, sul e nascente com a Rua ... (documento junto a fls. 270) pelo que o prédio dos Réus nunca se poderia estender até ao prédio do senhor D. P., marido da Ré L. D., e por conseguinte, o espaço em discussão nos autos nunca integrou o prédio deles. Da prova testemunhal, os Réus apenas conseguiram provar que faziam uso do referido espaço como aliás qualquer morador de ... ou qualquer cidadão comum (Cfr. Depoimento das testemunhas A. C. constante do ficheiro 20190606105037- _1319670_2871902, gravado a minuto 02:08:40 a 02:12;47; de A. P. constante do ficheiro 20190619145545_1319670_2871902, gravado a minuto 52:02: a 58:10, supra transcritos).
XIX. Quanto ao facto não provado constante na alínea e): Como já alegado anteriormente, os Réus não lograram provar que o espaço em discussão nos autos integra o prédio deles razão pela qual, o Tribunal a quo nunca poderia dar como provado que os Réus vêm usando o pátio deles para acederem ao prédio deles a sul, à eira, apanharem sol, descansarem, porem produtos a secar, diversos objectos e tudo o necessário.
XX. Quanto aos factos não provados constantes nas alínea l) e ii): Da análise conjunta da prova careada nos autos apenas podemos concluir que o espaço em discussão no autos é composto por terra batida mas também por pavimento em pedra e lage natural, conforme declaram diversas testemunhas e conforme o Tribunal pode verificar aquando da inspeção ao local, tendo sido elaborado auto de inspeção ao local junto a fls. 111 e 112, do qual consta que "o local (espaço eira), é composto por um piso de terra batida, pavimento em pedra e lage", o que também fica patente nas fotografias junto aos autos a Fls. 117 e 122.
XXI. No que diz respeito à alínea ii) dos factos dados como não provados:
importa esclarecer que as partes apenas concordaram em dar como assente a segunda parte do artigo 43.º da Contestação (vide auto de inspeção de fls. 111 a 112). Já quanto ao prédio dos herdeiros de I. J., ou de A. J., o Tribunal a quo não deu este facto como provado isto porque diversas testemunhas afirmaram que o referido prédio tinha acesso pelo espaço em discussão nos autos nomeadamente a testemunha A. P. (Cfr. Ficheiro 20190605120433_1319670_2871902, gravado de minutos 15:22 a 18:34), o que também é patente na fotografia junto aos autos a fls 288.
XXII. Pelo exposto, a Douta Sentença não padece de qualquer vício de erro no julgamento da matéria de facto, pelo que a mesma deverá manter-se nos precisos termos em que foi proferida.
XXIII. Quanto à incorrecta aplicação do Direito alegada pelos Apelantes, entende-se que o Tribunal a quo decidiu bem quando determinou que o espaço em discussão nos autos tem natureza pública.
XXIV. Foi produzida prova em sede de julgamento que o espaço em discussão nos autos sempre foi utilizado pelos moradores de ..., e pelos cidadãos comuns, para estacionar veículos automóveis, alfaias agrícolas, carregar e descarregar material, desviar o gado, vacinar os animais, entre outras finalidades.
XXV. Quanto ao período de tempo de posse dos Autores também foi produzida prova nos autos que o espaço em discussão sempre foi utilizado pelos moradores de ... e pelos cidadãos em geral, desde tempo imemoriais até à presente data. Este facto resulta provado, por um lado, pelo facto da unanimidade das testemunhas ouvidas em sede de julgamento terem declarado não terem conhecido o J. A., e isso apesar da testemunha mais velha ter 85 anos de idade. Por outro lado, as testemunhas inquiridas sobre este facto declararam que sempre praticaram os referidos atos de posse sobre o espaço em discussão nos autos, nomeadamente a testemunha M. R. que declarou "aquilo foi sempre de uso público" (ficheiro 20190502103635_1319670_2871902, gravado de minutos 20:53 a 21:01) ; a testemunha F. M. que também referiu sempre ter usado o dito espaço (ficheiro 20190502114903_1319670_2871902, gravado de minutos 09:54 a 12:56); depoimentos corroborados pelas declarações de parte do Autor que declarou "Aquilo toda a vida, ou menos sempre ouvi a toda a gente que aquilo era um largo ..." (ficheiro 20190403155047_1319670_2871902, gravado de minutos 16:21 a 20:08); e ainda a testemunha A. C., de 76 anos de idade, arrolada pelos Réus, que declarou em sede de contra-interrogatório, que o referido espaço sempre foi utilizado pelos moradores da aldeia de ... tendo afirmado que a utilização do espaço "É desde de sempre, desde que nasci até, desde que nasci desde que me passei a lembrar..." (ficheiro 20190606105037_1319670_2871902, gravado de minutos 02:12:50 a 02:13:35).
XXVI. Os Réus não lograram fazer prova da aquisição derivada por sucessão hereditária de D. P., marido da Ré L. D., nem tampouco lograram fazer prova da aquisição originária pela via da usucapião do espaço em discussão nos autos, não se encontrando, desta forma, preenchidos os requisitos constantes dos artigos 1251.º, 1255.º, 1260.º/1, 1261.º/1, 1262.º, 1287.º e 1296.º do Código Civil, pelo que não ficou demonstrado o direito de propriedade dos Réus.
XXVII. No que diz respeito à definição legal de domínio ou coisa pública, e face à ausência de definição no Código Civil atual, tem-se vindo a recorrer a jurisprudência para determinar o carácter dominial de certas coisas, sendo que o Assento do STJ de 19.04.1989, com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, determinou que "são públicos os caminhos que, desde de tempo imemoriais, estão no uso direto e imediato do público", devendo a afetação à utilidade pública ser interpretada no sentido de sua afetação à utilidade pública ou à satisfação de interesses colectivos relevantes.
XXVIII. Ora, no caso em concreto dos autos, a Meritíssima Senhora Juíza decidiu que o espaço em discussão nos autos tem natureza pública e fundamentou a sua decisão com base nos factos constantes dos pontos 2.º a 9.º da matéria de facto dada como provada mas também fundamentou a sua decisão com base no facto dos Réus não terem feito prova da aquisição derivada ou originária do dito espaço.
XXIX. Ora, resulta claro do ponto 9.º da matéria de facto dado como provada que o Autor e os cidadãos que residem e que visitam a povoação de ... usam o espaço em discussão nos autos desde de tempo imemoriais, visto que estes sempre usaram este espaço.
XXX. A Meritíssima Senhora Juíza considerou, e bem, que o uso que era feito do espaço em discussão nos autos pelo Autor e pelos cidadãos que residem e visitem ... era um uso para a satisfação de interesses colectivos relevantes, tendo dado como provado o ponto 8.º mas também o ponto 29.º da matéria de facto dada como provada.
XXXI. Quanto ao facto alegado pelos Apelantes segundo o qual os Autores não alegaram e não provaram que o espaço em discussão nos autos foi apropriado por pessoa colectiva de direito público, a jurisprudência maioritária, nomeadamente o Acórdão do STj de 19.04.1989, não tem exigido que o bem tenha sido apropriado ou produzido por uma pessoa colectiva de direito público e que haja praticado actos de administração, jurisdição ou conservação para considera-lo como bem do domínio público!
Ainda assim cumpre dizer que do ponto 28.º da matéria de facto dada como provada, verifica-se que de facto a Junta de Freguesia de ..., interpelou os Réus no sentido de informar que o espaço em discussão nos autos é, desde tempo imemoriais, um espaço público, o que demonstra que a Junta de Freguesia de ..., pessoa colectiva de direito público, praticou ato de administração sobre o referido espaço.
XXXII. Assim, entende-se que estão preenchidos todos os pressupostos legais para que o Tribunal a quo determinasse a natureza pública do referido espaço.
XXXIII. Os Apelantes alegam ainda que os Autores não conseguiram provar o constante no artigo 34.º da Petição Inicial.
XXXIV. Ora, salvo melhor opinião, e como já referido anteriormente, o Autor fez prova deste facto, quer através das suas declarações de (Cfr. Ficheiro 20190403155047_1319670_2871902, gravado de minutos 16:21 a 20:08); quer pela prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento (cfr. O depoimento da testemunha M. R., constante do ficheiro 20190502103635_1319670_2871902, gravado de minutos 20:53 a 21:01; o depoimento da testemunha F. M., constante do ficheiro 20190502114903_1319670_2871902, gravado de minutos 09:54 a 12:56; o depoimento da testemunha A. C., constante do ficheiro 20190606105037_1319670_2871902, gravado de minutos 02:12:50 a 02:13:35).
XXXV. Assim, entende-se ter sido produzida prova suficiente do facto alegado no artigo 34.º da Petição Inicial, no sentido de que o espaço em discussão nos autos foi sempre, desde tempo imemoriais até à presente data, utilizado pelo Autor e pelas pessoas que vivem e visitem a aldeia de ..., encontrando-se assim preenchidos todos os requisitos legais exigível para a qualificação do dito espaço como espaço público tendo ainda ficado demonstrado o tempo mínimo de posse para a aquisição do dito espaço para o domínio público através do instituo da usucapião.
XXXVI. Apesar de entender que pelos factos dados como provados nos pontos 2.º a 9.º da matéria de facto dada como provada foi feita prova do tempo de posse pelo Autor e pelos cidadãos em geral do espaço em discussão, por dela constar que o uso do espaço em discussão foi sempre feito pelo Autor e pelas pessoas que vivem e se deslocam a ..., no mero caso de V.as Ex.as entenderem que a decisão proferida pelo Tribunal a quo é deficiente ou obscura no que diz respeito ao tempo de posse sobre o espaço em discussão nos autos pelo Autor e pelos cidadãos em geral, deverá, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 2 alínea d) do CPC determinar que o Tribunal a quo fundamente a decisão proferida quanto a este facto, tendo em conta os depoimentos gravados supra referidos.

TERMOS EM QUE DEVE SER NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO MANTENDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA FAZENDO-SE ASSIM, JUSTIÇA!”.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos autos, com efeito devolutivo (fls. 547).

Uma vez distribuídos os autos nesta Relação (12-01-2021), corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, apesar do patente incumprimento, por todas as partes, do ónus de síntese das respectivas conclusões, conforme estipulado na lei (nº 1, do artº 639º, CPC), percebe-se delas, porfiando em decantá-las [6], que as questões suscitadas são as seguintes, pela sua ordem lógica:

a) Previamente, saber se o recurso não deve ser admitido, pelo menos quanto à impugnação da decisão da matéria de facto.
b) No caso de o ser e neste âmbito, se deve ser eliminado, por ter sido considerado ilegalmente, o ponto provado 29.
c) Se deve alterar-se a referida decisão da matéria de facto.
d) Se, em consequência e por não se poder concluir que o espaço discutido é público mas antes propriedade privada integrante do prédio dos réus, a acção deve ser julgada improcedente e estes absolvidos dos pedidos.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou relevantes e julgou como provados os seguintes factos, na sua expressão “designadamente” [7]:

“1. O A. é um cidadão natural, residente e eleitor em ..., freguesia de ..., Concelho ....
2. Pela apresentação 1250 de 2018/02/07 encontra-se inscrito a favor do autor, por contrato de compra e venda celebrado 2 de Agosto de 1983, a M. A., o prédio urbano sito em ..., n.º 1, com a área coberta e área total de 122m2; inscrito na matriz sob o art.º 111, composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar e que se encontra descrito na conservatória do registo Predial ... sob o n.º …/2019207.
3. No prédio identificado em 2.º, o autor guarda alfaias, tractores agrícolas e no primeiro andar, palha, feno e outros produtos agrícolas.
4. O acesso a este prédio do autor faz-se através de um espaço, com o qual confina, conhecido por “Largo ...”.
5. Provado que o referido espaço constitui um prolongamento lateral da Rua X e confronta do Norte com Rua ... e A. J.; Poente com M. C.; J. B. e J. C.; sul herdeiros de D. P.; nascente com os Réus – L. D. e filhos.
6. Este espaço, há mais de sessenta anos, também era conhecido por “Largo ..”.
7. O mencionado espaço permite aceder ao prédio urbano do autor, com pessoas a pé, veículos automóveis, máquinas e tractores agrícolas e com animais.
8. Tal espaço é também utilizado pelos moradores de ... e pelos cidadãos em geral, para estacionamento de veículos automóveis, tractores agrícolas e alfaias.
9. Este uso é praticado pelo autor e pelos cidadãos que residem e que visitam a povoação de ..., sempre de forma pública - à vista de toda a gente, ininterrupta - dia após dia, mês após mês, ano após ano, e pacífica - sem qualquer estorvo, turbação ou oposição de quem quer que fosse e de boa fé – convictos de que utilizam bem pertencente a todos os cidadãos, residentes e não moradores em ..., sem lesarem direitos de outrem, em correspondência com o exercício do direito propriedade pública.
10. Pela AP. 478 de 2016/06/22 encontra-se inscrita a favor dos réus, em comum e sem determinação de parte ou de direito, a aquisição por sucessão hereditária em decorrência do óbito de D. P., do prédio urbano sito em ..., inscrito na matriz sob o art.º …, composto por casa de habitação, de r/c e 1º andar, e logradouro, o qual confronta de norte com Rua ... e A. J.; sul herdeiros de D. P.; nascente escola primária e J. P. e poente M. C., J. A. e J. C., com a área coberta de 281,7m2, área descoberta 304,2m2 e descrito na conservatória do registo Predial ... sob o n.º …/2060622.
11. Os réus adquiriram este prédio por sucessão mortis causa, há cerca de cinquenta e cinco anos, por partilha da herança de D. P., marido da 1º ré e pai dos demandados M. A., A. G., H. T. e D. P..
12. Em 12 de Janeiro de 2015, os RR. ou alguém por eles mandatado, através de um requerimento Modelo 1 do IMI, alteraram as confrontações e a área daquele o seu prédio na respectiva inscrição matricial, indicando as seguintes confrontações: norte com Rua ... e A. J.; sul herdeiros de D. P.; nascente escola primária e J. P. e poente M. C., J. A. e J. C..
13. No dia 22 de Junho de 2016 os réus promoveram o registo predial deste seu prédio na Conservatória do Registo Predial ..., incluindo na sua superfície descoberta área correspondente ao referido espaço.
14. A ré L. D., já desde o Verão de 2014 vem afirmando que o referido espaço lhe pertence e interpelou alguns cidadãos que nele estacionaram.
15. Na sequência da conduta descrita, em finais do referido mês de Julho de 2016, os réus depositaram no referido espaço troncos de árvores, que ali mantêm até hoje, ocupando aquele local com caráter permanente, impedindo que os demais cidadãos dele façam uso e dificultando as manobras de entrada e saída, cargas e descargas nos prédios confinantes com o referido local, nomeadamente no imóvel do Autor.
16. Os cidadãos da referida povoação de ... reuniram em assembleia (“couto”) duas vezes em datas não concretamente apuradas para discutir o comportamento da ré.
17. O autor remeteu à Junta de Freguesia de ... uma carta no dia 20 de Outubro de 2014 e outra, no dia 2 de Novembro de 2016, por intermédio da sua advogada.
18. O prédio dos réus não tem qualquer superfície descoberta extra-muros.
19. O prédio descrito em 10.º vem sendo utilizado pelos réus para habitação (1º andar), aí comendo, dormindo, recebendo familiares, amigos e vizinhos, uma parte para arrumos e palheiro, para porem produtos agrícolas (feno, palha, batatas, milho, centeio, beterrabas, etc), lenha, caixas de madeira, móveis, e o R/C para arrumos e cortes para meterem os animais bovinos e suínos (aqueles até há cerca de 30 anos e estes até há cerca de 18 anos, em que deixaram de ter animais) lenha, alfaias, madeiras e objectos vários
20. Os RR. vêm usando o prédio descrito em 10.º até ao presente, como antes faziam os seus antecessores no domínio, do dito imóvel entrando e saindo livremente, retirando todas as utilidades pelo mesmo proporcionadas, zelando-o e vigiando-o, acedendo ao mesmo directamente da Rua ... (Rua X), com a qual confronta do norte, e desta ao imóvel, pagando a contribuição predial respectiva.
21. Agindo os réus, tal como antes deles já faziam os seus antecessores no domínio, na prática dos actos supra ditos, em nome próprio e na qualidade, fé e ânimo de verdadeiros e exclusivos proprietários,
22. Tudo e sempre de forma pública - à vista e com conhecimento de toda a gente, incluindo o autor –, pacífica – sem estorvo nem oposição de quem quer que fosse -, contínua – dia após dia, ano após ano,
23. De boa fé porque na convicção do exercício de um direito próprio (de propriedade) sem lesarem direitos nem interesses alheios,
24. em correspondência com o direito real de propriedade dos réus (em comum e sem determinação de parte ou direito), sobre tal imóvel.
25. Desde há mais de 20, 40 e 50 anos que tal imóvel pertence aos réus, no qual sempre viveram, a ré L. D. (de 91 anos de idade), desde que casou há mais de 60 anos e os filhos M. A., A. G., H. T. e D. P. nele nasceram, foram criados e viveram permanentemente até casarem, e depois disso a ele regressam várias vezes no ano, sempre tendo continuado até ao presente na sua posse.
26. Os pais de D. P., sogros da ré L. D., de seus nomes A. G. e M. A. eram conhecidos como “Casa I”
27. A Il. Mandatária dos Réus remeteu ao autor, em 21/07/2016, carta registada, por ele recebida, na qual o intima a “ (…)até ao final do mês de julho de 2016, retirar da eira todos os veículos e alfaias agrícolas que nela têm colocado – quer os que vêm colocando desde há cerca de dois anos, de forma abusiva, porque não consentida, quer os demais que lá deixavam há vários anos por mera tolerância deles –deixando a eira totalmente devoluta.”
28. A junta de freguesia de ... remeteu aos réus carta datada de 29 de Março de 2017, onde se refere: “ Por força das reclamações apresentadas pelos habitantes desta freguesia, em meados de Novembro de 2016, dando conta da ocupação ilegal do Largo ..., na povoação de ..., designadamente através da colocação de troncos de árvores neste espaço público, a Junta de Freguesia encetou a diligências no sentido de perceber a conduta de V. Exa. Constatou-se, então, que por consulta À inscrição predial e matricial, que a herança por óbito de D. P., de que V. Exa. é interessada, tendo sido apresentada a 12/01/2015 uma rectificação no serviço de finanças competente, mediante a entrega do modelo1 do IMI referente ao artigo matricial … e descrição predial …, a qual serviu de base à escritura de habilitação de herdeiros e consequente registo. Em tal pedido de rectificação de áreas participado por V. Exa., foram acrescentados 200m2 de superfície descoberta, área essa que abrange o Largo ..., o qual, desde tempos imemoriais se reveste de natureza pública, sendo utilizado por toda a população de .... (….)”.
29. O local mencionado em 4.º e 5.º dos factos provados é ou foi também usado pela população de ..., nos termos descritos em 8.º e 9.º, para desviar o gado que circula na rua principal; para servir de paragem de veículos de vendedores de mercadorias que se deslocam a ...; para depositar bens e equipamentos – lenha, alfaias agrícolas, botijas de gás -; para proceder à vacinação de gado 4 para proceder à matança do porco [1].
[1] Facto que resultou da discussão da causa e considerado ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a) do CPC.

Seleccionou, ainda, o tribunal recorrido como relevantes “para a boa decisão da causa” mas decidiu julgar não provados os seguintes factos:

“a) Desde a sua construção, em data anterior à memória dos vivos, que o imóvel dos réus sempre confinou pelos lados Norte e Poente com a Rua ... (Rua X).
b) O espaço a que o autor chama “Largo ...” é uma “Eira” dos réus que integra o respectivo imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº … e registado a favor dos mesmos pela AP. 478.
c) O espaço em causa nos autos faça parte do imóvel id. na alínea b) que antecede.
d) Os RR. estão desde há mais de 15, 20, 30 e 50 anos, na posse de tal imóvel, o qual sempre teve a mesma composição, configuração e limites, com área coberta e descoberta, composto por Casa de Morada, Sobrado de Fora, Sobrado Novo, Pátio e Eira, com a área total de 585,90 m2, sendo e superfície coberta de 281, 70 m2, o pátio com 107,50 m2 e a Eira com 196,70 m2, e confronta do norte com a Rua ... (“Rua X”) e A. J., do sul com outro prédio dos RR. (herd.s de D. P.), do nascente com a antiga Escola Primária e J. P. e do poente com M. C., J. B. (A.) e J. C..
e) Os RR. vêm usando o pátio, com área coberta e descoberta, para acederem pelo interior do prédio, da parte nascente da construção (“Casa e sobrado de Fora”), à respectiva parte poente (“Sobrado Novo”), e vice versa, para acederem ao prédio deles sito a sul, à dita Eira, apanharem sol, descansarem, porem produtos a secar, diversos objectos e tudo o necessário.
f) Os RR. vêm utilizando o espaço em causa nos autos para colocarem os animais bovinos enquanto as crias se alimentavam com o leite das progenitoras (até há cerca de 30 anos, que tinham animais, dado a Eira ser mais espaçosa que as cortes), para porem lenha a secar (para a lareira), alfaias e objectos agrícolas, materiais de construção (blocos, tijolos, cimento), betoneiras, carretas, etc, quando faziam obras no imóvel, tractores, carros de bois, e tudo o que entendiam.
g) Quando usavam o espaço em causa nos autos, os réus, tal como antes deles já faziam os seus antecessores no domínio, praticavam tais actos em nome próprio e na qualidade, fé e ânimo de verdadeiros e exclusivos proprietários, tudo e sempre de forma pública - à vista e com conhecimento de toda a gente, incluindo o autor –, pacífica – sem estorvo nem oposição de quem quer que fosse -, contínua – dia após dia, ano após ano e de boa fé porque na convicção do exercício de um direito próprio (de propriedade) sem lesarem direitos nem interesses alheios, em correspondência com o direito real de propriedade dos réus (em comum e sem determinação de parte ou direito), sobre tal imóvel.
h) Desde há mais de 20, 30, 50, 60 e 80 anos, que tal Eira vem sendo possuída pelos RR. e seus antecessores no domínio, que sobre ela vêm praticando todos os actos acima descritos, sempre com as características ditas em 9º e de boa fé porque na convicção do exercício de um direito próprio (de propriedade) sem lesarem direitos nem interesses alheios.
i) Por tal Eira, que integra o dito imóvel dos réus, o qual confina com a Rua ... (“Rua X”) pelo respectivo lado norte, desde toda a vida que a memória alcança, sempre há mais de 20, 30, 50, 60 e 80 anos, os RR. e seus antecessores no domínio sempre acederam desde aquela via pública ao seu imóvel (dita eira incluída), e do mesmo para tal via pública;
j) Tal Eira já constava no inventário por óbito da mãe de D. P., falecido marido da ré L. D. e avó paterna dos demais réus, a quem pertenceu, relacionada na verba 62, integrando o imóvel dos réus
k) O espaço em causa nos autos era conhecido por “Eira I”
l) A eira em causa é em terra batida, diferentemente da rua com a qual confronta (Rua X), cujo piso é em paralelos.
m) Tal Eira dos RR. está totalmente vedada do lado sul por uma velha parede em pedra com cerca de 1,5 m de altura, do poente com as construções ditas no artigo 3º, com as quais confronta e sempre confrontou, do nascente localiza-se a casa e pátio dos RR. de cujo prédio tal Eira faz parte, só não sendo tal prédio vedado do lado norte, em que confina com a Rua ..., dado que por tal Eira sempre acederam continuamente os RR. (e/ou outrem em nome deles) desde tal via pública ao dito prédio (eira incluída), e deste para a rua, pessoas a pé, gado solto e jungido (este até há cerca de 30 anos, em que os RR. deixaram de ter gado), outros animais, tractor, reboque, alfaias agrícolas, veículos e tudo o mais que era necessário levar para tal imóvel ou retirar dele para a rua.
n) O imóvel do autor, que confina com o dos RR. do lado poente deste, tem apenas servidão de passagem por tal prédio dos mesmos, para pessoas a pé, tractor, reboque e alfaias agrícolas, cujo leito é na dita Eira, em linha recta desde a Rua ... até ao imóvel do autor, e vice-versa, servidão essa que os RR. e seus antecessores nunca impediram nem estorvaram ao autor.
o) O imóvel do Autor confronta do norte com M. C. e os RR. (prédio em causa), do sul com J. C. e os RR. (prédio em causa), do nascente com os RR. (prédio em causa) e do poente com a rua/caminho (vide doc. I) e era composto antigamente por uma velha construção de dimensão exígua (com apenas uma divisão no R/C e outra no 1º andar), e uma horta contígua, delimitada da Eira dos RR. por um velho muro em pedra;
p) Há cerca de 26 anos, o autor demoliu totalmente tal construção e edificou outra de raiz, ocupando com ela, além da anterior àrea da velha construção (cerca de 20 m2), a dita horta, e também, com a esquina nordeste da mesma, uma pequena área da Eira dos RR., e fez uma varanda voltada para a eira, tudo com consentimento destes, dado ao autor pelo réu D. P., que lho solicitou por a parede da horta ser arredondada e torta e ele querer fazer uma parede recta e uma varanda na frente da casa (na altura dava-se muito bem com os réus),
q) e, mais recentemente, há meia dúzia de anos, os RR. consentiram também que o A. fizesse dois degraus no fundo da escada de acesso ao 1º andar do dito imóvel, com os quais ocupou outra pequena área da eira dos mesmos,
r) tendo ainda os RR. consentido, até meados de 2014, que o A. pusesse na dita Eira, afastado da construção deles (em frente ao imóvel dele), algumas alfaias (arado, charrua) na época dos trabalhos agrícolas, e autorizado o demandante a fruir temporária (durante alguns anos) e gratuitamente, alguns terrenos deles,
s) Por o filho e o irmão do autor terem, durante vários anos e até meados de 2014, ajudado os RR. em trabalhos agrícolas, nomeadamente no corte, carregamento e transporte de lenha para tal imóvel dos réus, que sempre a depositaram (a que ficava fora das cortes) na parte poente da Eira, onde aqueles (filho e irmão do A.), sempre que ajudavam os RR., a punham por instruções destes e por saberem que a Eira é deles (“retribuindo” os réus tal ajuda, com os ditos consentimento, tolerância e comodato);
t) Importa dizer que, quando o autor fez as obras referidas, já há mais de 20, 30 e 50 anos que os RR. e seus antecessores no domínio punham todos os anos, troncos de madeira e outra lenha para a lareira (iam queimando e colocando lá outros) naquele local da Eira, nunca o autor disse, antes de meados de 2014, que aquele espaço é público, e não dos RR., estando tais troncos e lenha à vista de toda a gente, mormente do demandante, que por ali passa praticamente todos os dias desde há mais de 25 anos.
u) Só então, em meados/2014, por a ré L. D. ter dito ao autor para deixar livres os terrenos que os réus lhe haviam emprestado, aquele, a esposa e o filho desentenderam-se com a mesma, o que originou uma queixa crime contra eles.
v) A partir daí, o autor e os familiares directos começaram a dizer que a Eira é espaço público e a deixar alfaias e o carro ligeiro no meio da Eira dos RR. e em frente à porta duma corte, agindo abusivamente porque já sem consentimento dos mesmos.
w) Depois desse conflito, em meados/2016, o autor deixou um arado em frente à porta de uma das cortes dos RR., impossibilitando-os com isso, de acederem com tractor com lenha à dita corte, para a meterem lá, como era costume, tendo-lhe os RR. dito para o retirar.
x) Importa esclarecer que, embora raras vezes, alguns amigos dos RR., nomeadamente quando os visitam, põem o carro na eira deles, mas fazem-no porque são amigos e com consentimento dos mesmos, e se alguém de outra aldeia for a um funeral a ... e houver muita gente, se puser o carro na Eira dos RR. durante meia ou uma hora que demore, os mesmos nada dizem, tolerando tal acto, que consideram de mera tolerância social.
y) Nunca alguém estacionou veículos na Eira dos RR. sem consentimento ou tolerância destes, sendo do conhecimento de toda a gente da aldeia de ..., que os RR. sempre utilizaram diariamente (nos últimos 10 anos com menos frequência, dada a idade de ré, L. D., que vive lá) tal imóvel, incluída a respectiva Eira, pela qual acedem à Rua ... e desta ao imóvel, pessoas a pé, animais bovinos e suínos, veículos ligeiros, tractor e reboque com produtos agrícolas e lenha para descarregar nas cortes e palheiros, alfaias agrícolas, etc, pelo que ninguém estaciona carros nem tractores na dita Eira, nem os RR. o consentiam, pois impossibilitar-lhe-ia a plena fruição do seu imóvel.
z) Os troncos de árvores existentes no local e outros que lá estiveram antes, foram ali colocados pelos RR. ou por ordem deles, (nomeadamente pelo filho e irmão do A. em trabalhos para os RR.), e vêm sendo colocados ano após ano naquele local da Eira (“canto da lenha”), desde há mais de 20, 30, 50 e 80 anos, agindo os RR. ao fazê-lo, como alegado em 8º, 9º e
aa) O autor pediu autorização aos RR.para fazer as obras.
bb) Os residentes de ... forem “incentivados” pelo autor a fazer as supostas “reuniões”, depois de se incompatibilizar com os RR. por lhe terem dito para deixar os prédios deles livres, e retirar tudo o que até então lhe deixavam pôr na eira, e como os prédios lhe davam muito jeito, e lhe é cómodo deixar alfaias na Eira dos réus, em vez de ter que as meter e tirar da construção cada vez que as usa, começou a dizer que o espaço da Eira é público, em retaliação,
cc) O autor tem apenas servidão de passagem pela eira dos réus, que o mesmo quer converter em espaço público para pôr lá o tractor, alfaias e o carro do filho, pois nunca ninguém da aldeia estacionou naquela Eira, a não ser como dito em 29º;
dd) Os confinantes poente não têm acesso ao respectivos imóveis pela Eira dos RR. mas sim pela rua/caminho sito a poente deles, sendo as paredes de tais imóveis contíguas à dita Eira, paredes traseiras, sem portas voltadas para ela (à excepção do autor, que tem acesso pela eira dos RR., ao seu imóvel).
ee) Os moradores de ... têm logradouros, eiras, pátios e espaço nos seus imóveis para porem os seus bens e há muito espaço público na aldeia para quem precisar estacionar (da aldeia ou de fora), não carecendo de estacionar na eira dos RR.
ff) Os réus (assim como os seus antecessores no domínio), sempre se arrogaram proprietários exclusivos do imóvel supra identificado nos art. 1º e 3º, agindo sempre nos actos de posse supra ditos, da forma e com as características alegadas em 8º, 9º e 10º, e não só desde o Verão de 2014, contrariamente ao alegado pelo autor no artigo 19º.
gg) Só desde meados/2014, em que as relações entre as partes (até aí muito boas), se deterioraram totalmente, o autor começou a dizer que a área da Eira dos RR. é pública, e começou a pôr com frequência, contra a vontade deles, que então lhe comunicaram que não mais lho consentiam, alfaias e o carro do filho na Eira e um arado em frente à porta duma corte dos RR., os quais, no início de Agosto/2016 (pelo dia 6, 7 ou 8) telefonaram à GNR de Montalegre para se deslocar ao local a fim de que o A. retirasse da eira, o dito arado, que não consentiam lá e os impedia de acederem meterem a lenha na corte, tendo-se as autoridades deslocado lá, porém sem ter sido possível resolver o assunto.
hh) o prédio do autor tem servidão de passagem permanente para pessoas a pé, tractor, reboque e alfaias (e não por qualquer largo ...).
ii) O prédio dos herdeiros de I. J. tem acesso directo pela Rua ... (Rua X) e o acesso aos prédios de M. C. e J. C. é feito pelo caminho sito a poente deles, nenhum dos quais tem acesso pela eira dos RR., nem pela Rua X.
jj) O imóvel dos RR. sempre confrontou do norte com a Rua ... (Rua X) ao longo do comprimento da fachada norte da casa e da eira, e na parte norte/poente desta, também com A. J. (vide doc. I), e do poente com os confinantes supra ditos em 3º (e antes, com os que os antecederam) sendo que, como é do conhecimento do A. e da generalidade dos cidadãos do concelho, nas inscrições matriciais muito antigas, como é a do prédio dos RR. (de 1937), a área da matriz era sempre muito menor que a real, para a contribuição ser menor, e em regra, só constava a área coberta, não constando as áreas dos pátios, eiras, quintais e logradouros (S. D.) dos prédios,
kk) Algumas confrontações estão, muitas vezes, incompletas/desactualizadas, “desajustadas” dos pontos cardeais e/ou incorrectas, carecendo de rectificação e/ou actualização, que foi o que os RR. requereram às Finanças: a actualização/rectificação dos elementos do seu dito imóvel que não estavam actualizados/correctos ou que estavam incompletos, com base em levantamento topográfico elaborado por técnico habilitado, com total respeito pela sua composição, configuração e limites, que se mantiveram como toda a vida foram, para assim os elementos do imóvel ficarem correctos na matriz e registo, como estão.
ll) As actualizações/rectificações da matriz urbana (e por vezes até do registo predial, o que não foi o caso do imóvel dos RR.) são frequentes nos imóveis do concelho, como o autor bem sabe, por conter várias incorrecções, sobretudo devido à sua antiguidade (a matriz urbana no concelho é de 1937)
mm) Os troncos e demais lenha foi ali colocada pelos RR. em área que lhes pertence (eira), dado que não conseguiram metê-la na corte, como pretendiam, por o autor ter deixado um arado em frente à porta, o que esteve na base do telefonema dos réus à GNR, acima dito.
nn) A Junta de Freguesia nunca convocou qualquer reunião por causa de algum acto dos réus (que eles saibam), nem teve qualquer actuação que indiciasse considerar ser espaço público o aqui em causa, pois bem sabe ser uma Eira dos réus, tendo as alegadas reuniões sido da lavra do autor, após ter cortado relações com os réus.”

Como fundamentos para assim ter decidido, expôs os seguintes na respectiva motivação:

“O Tribunal fundou a sua convicção no teor dos documentos juntos aos autos, designadamente cópia do cartão de eleitor e cópia do bilhete de identidade do autor, de fls. 4 e 5 (para dar como provado o facto vertido em 1º); caderneta predial urbana relativa ao prédio inscrito na matriz sob o art.º 111.º e cujo proprietário surge como sendo o autor (relevante para dar como demonstrado o facto elencado em 2.º); caderneta predial urbana relativa ao prédio inscrito na matriz sob o art.º 110, o qual confronta de norte, sul, nascente com rua e poente com A. F., sendo seu titular cabeça de casal de herança de I. J., de fls. 6; caderneta predial urbana relativa ao prédio inscrito na matriz sob o art.º .., o qual confronta de norte com Rua ... e A. J.; sul herdeiros de D. P.; nascente escola primária e J. P.; poente M. C., J. B. e J. C., sendo seu titular entre outros, a ré L. D., sendo que o modelo 1 do IMI foi entregue a 12/01/2015, de fls. 6 e 7 (relevante para dar como provados os factos elencados em 10.º a 13.º); certidão emitida pela conservatória do Registo Predial ... referente ao prédio urbano, sito em ..., na Rua X inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...º, composto por casa de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, que confronta de norte com Rua ... e A. J.; sul herdeiros de D. P.; nascente escola primária e J. P.; poente M. C., J. A. e J. C., registado pela AP.478 de 2016/06/22, por sucessão hereditária, a favor de, entre outros, da ora ré L. D., de fls, 7 e 8 (relevante para dar como provados os factos elencados em 10.º a 13.º); carta remetida pelo autor à junta de freguesia de ..., datada de 20 de Outubro de 2014 no qual se alerta para o facto de “a ré se prepara para registar a seu favor, através de uso e campeão, o acesso público”, de fls. 8 (essencial para comprovar o descrito em 17.º); carta remetida pela Il. Advogada Dr.ª S. B. dirigida ao Presidente da Junta de Freguesia de ..., alertando para o apossamento do espaço em causa nos autos pela Ré L. D., fls. 9 e 10 (essencial para comprovar o descrito em17.º ); fotografias referentes ao espaço em causa e prédios circundantes, de fls. 11 a 13, 21 a 23; 89 e 90, 94 a 97; 117 a 122; 131 e 135; 286 a 291 (para demonstrar o vertido em 4.º, 5.º e 7.º); ortofotomapa de fls. 13 (para comprovar o vertido em 4.º, 5.º e 7.º); procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos, sendo autor da herança D. P., falecido no estado de casado com L. D., sendo meeira e cabeça de casal, a referida L. D. e seu filhos e herdeiros M. P.; A. F.: H. T. e D. P., apresentando como bem a partilhar o prédio urbano sito em Rua X, lugar de ..., freguesia de …, Concelho ..., destinado a habitação, composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar com a superfície coberta de 281,70 m2 e logradouro com 304,20m2, a confrontar do norte com Rua ... e A. J.; sul herdeiros de D. P.; nascente com escola primária e J. P. e do poente com M. C., J. A. e J. C., não descrito, inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...º, com a data de 22 de Junho de 2016, de fls. 50 (para demonstrar o vertido em 10.º); carta remetida pelo Il. Advogado Dr. P. A. dirigida à ré e demais herdeiros de fls. 51 a 67 em nome da Junta de Freguesia da ..., datada de 29 de Março de 2017, onde se refere: “ Por força das reclamações apresentadas pelos habitantes desta freguesia, em meados de Novembro de 2016, dando conta da ocupação ilegal do Largo ..., na povoação de ..., designadamente através da colocação de troncos de árvores neste espaço público, a Junta de Freguesia encetou a diligências no sentido de perceber a conduta de V. Exa. Constatou-se, então, que por consulta À inscrição predial e matricial, que a herança por óbito de D. P., de que V. Exa. é interessada, tendo sido apresentada a 12/01/2015 uma rectificação no serviço de finanças competente, mediante a entrega do modelo1 do IMI referente ao artigo matricial … e descrição predial …, a qual serviu de base à escritura de habilitação de herdeiros e consequente registo. Em tal pedido de rectificação de áreas participado por V. Exa., foram acrescentados 200m2 de superfície descoberta, área essa que abrange o Largo ..., o qual, desde tempos imemoriais se reveste de natureza pública, sendo utilizado por toda a população de .... (….)”, relevante para como provado o contido em 28.º; assento de nascimento de D. P., casado com L. D., de fls. 82, relevante para dar como provado, em parte, o contido em 11.º; auto de declarações de cabeça de casal, de 13/04/1977 instaurado por óbito de A. G., sogra da ré L. D., do qual se destaca a verba 62, onde se refere” sobrado novo e eira, que confronta com João; nascente caminho; poente e sul com bens do casal, inscritos na matriz sob o art.º 112; carta remetida pela Il. Advogada Dr.ª A. G. ao autor, datada de 21/07/2016, na qual se refere: “ Segundo a D. L. D. e os filhos, os senhores começara,, há cerca de 2 anos, a estacionar alguns automóveis ligeiros e a deixar algumas alfaias agrícolas no pátio da casa deles, sita na Rua X, em ... que confronta com uma casa vossa situada a poente, agindo sem autorização deles, que não consentem tal situação. Acresce que, segundo me referiram, desde alguns anos, os mesmos têm consentido, por uma questão de boa vizinhança, que os senhores deixem alguns objectos agrícolas na parte poente/sul da dita eira deles, próximo da parede da vossa dita casa, dado que não lhes causava prejuízo. Porém, a partir de agora não estão na disposição de continuar a consentir-lhes a ocupação da eira deles seja quem for. (…)”, de fls. 87 e 88, relevante para demonstrar o descrito em 14.º e 27.º; levantamento topográfico de fls 93 e 124 no qual é possível constatar o posicionamento dos prédios em causa nos autos bem como o espaço em discussão (identificado a verde), (essencial para dar como provado o assente em 5.º); certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial ... referente ao prédio urbano, sito em ..., n.º 1, com a área de 112m2, inscrito na matriz sob o art.º …, composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar, inscrito a favor do autor através da AP.1250, de 7/2/2018, por compra a M. A., de fls. 102 (essencial para dar como demonstrado o alegado em 2.º dos factos provados); auto de inspecção ao local de fls. 111 e ss., demonstrativo dos factos elencados em 4.º, 5.º e 7.º; certidão dos autos de inventário obrigatório a que se procedeu por morte de A. G., e em que desempenhou funções de inventariante MC., aberto no ano de 1967, da qual se destaca a verba 37: “ casa com o seu sobrado de fora, que confronta de norte e poente com a rua, nascente com J. B. e sul com bens do casal, inscrita na matriz sob um meio do art.º … (…) e a verba 62: “sobrado novo e eira que confronta do norte com João, nascente com caminho; poente e sul com bens do casal, inscrito na matriz sob o art.º …, um meio”, de fls 137 a 160; certidão predial, de fls. 161 a 166 e 180 a 224; escritura de compra e venda celebrada a 2 de Agosto de 1983, pela qual M. A. vendeu ao autor J. B. “uma casa sita no lugar de ..., conhecida por casa de ..., a confrontar do norte com A. F., sul e poente com J. M. e do nascente com largo ..., inscrita na matriz predial sob o art.º … (…), de fls. 260 a 262, relevante para dar como assente o descrito em 2.º dos factos provados; certidão narrativa do teor matricial do artigo urbano …, na qual se refere que: “ o teor do artt.º … urbano da freguesia de ..., constante ainda da matriz predial física é o seguinte: moradia construída em pedra tosca e coberta com colmo. Rés do chão com uma divisão, uma porta, 1.º andar uma divisão, uma janela e uma porta sita em ..., lugar de ..., a confrontar de norte com corte de D. P., sul e poente com casa de JG., nascente com serventia, com a superfície coberta de 22,8m2, inscrito em nome de J. B., residente em ....”, de fls. 266 e 267; certidão da Conservatória do Registo Predial ... referente ao prédio urbano, sito em ..., com a área de 54m2, inscrito na matriz sob o art.º …, o qual confronta de norte, sul e nascente com Rua ... e poente com A. F., registado a favor de A. J. e mulher por doação efectuada por F. M., de fls. 270; cópia da escritura de doação efectuada a 14/03/1991, por F. M. a A. J. e mulher, na qual consta o seguinte: “ pela presente e por conta da sua quota disponível doam ao segundo outorgante, seu filho, um prédio denominado “casa de morada de ...”, composto por rés-do-chão e primeiro andar, com a área coberta de 54ms, a confrontar do norte, sul e nascente com a rua publica e do poente com A. F., inscrito na respectiva matriz sob o art.º … (…)”, de fls 275 a 276; certidão do serviço de finanças de …, emitida a 5/3/1991, onde se refere que “ (…) o artigo … confronta norte, sul, nascente e poente com D. P.”, fls. 277 e 278; certidão da escritura de compra e venda efectuada a 19/4/1965 de fls 294 a 300; cópias extraídas do processo de inventário que correu termos neste Tribunal sob o n.º 26/12.1TBMTR de fls. 312 a 335; cópia do auto de inventário de menores a que se procedeu por óbito de J. C. de fls. 336 a 387; registo de óbito de L. F. de fls. 392; assento de nascimento da ré L. D. de fls. 394.
Tais documentos foram analisados conjugadamente com o teor das declarações e depoimentos prestados em sede de audiência e julgamento, designadamente:
Declarações de parte de M. P., casado, residente em Braga, empregado numa empresa de administração de condomínio, que afirmou que herdou uma casa composta por eira e que tal eira sempre foi usada para colocar alfaias, gado solto e jungido, mais esclarecendo que a eira foi sempre usada exclusivamente pelos réus e seus antepossuidores Questionado, esclareceu que a eira em causa nos autos é circundada por outros prédios, sendo seus proprietários A. J.; M. C.; J. B. e com J. C.. Referiu que apenas o autor J. B. é o único que tem direito a passar pela eira para aceder à sua propriedade, sendo que os demais proprietários dos imóveis que ladeiam a eira têm entrada directa para a via pública pelas traseiras dos seus prédios, confirmando a configuração da eira em causa nos autos. Confrontado com o teor das fotos juntas aos autos, asseverou que a ré L. D. colocou na eira troncos de lenha, alfaias e carros de gado e confirmou as confrontações dos prédios. Questionado, afirmou que o Autor passava na eira, apenas porque dispunha de autorização da sua mãe para o fazer. Asseverou que as obras que o autor empreendeu no seu prédio (o qual foi aumentado para parte da eira) foram feitas com o consentimento da ré L. D. e que o autor colocava as suas alfaias agrícolas e lenha porque a ré L. D. assim o permitia. Para justificar tal actuação, referiu que o autor ajudava a sua mãe nas tarefas agrícolas e esta, como forma de o compensar, permitia o uso da eira por aquele. Questionado, esclareceu os limites do prédio e da eira e afirmou que a linha divisória da eira vai desembocar aos degraus visíveis nas fotos juntas aos autos. Informou que a ré L. D. é também proprietária de uma eira fechada, localizada perto da eira em causa nos autos, tendo esclarecido a sua localização e confrontações. Mencionou que a casa da sua mãe teve sempre a mesma configuração ao longo dos anos, sendo que, apenas foi reconstruído o telhado, sendo que tal casa surge actualmente descrita nas finanças como tendo cerca de 281m2. Aludiu que a sua família é conhecida como “família de I.”, mas no local não existe qualquer I. e quando se fala nos prédios dos “de I.” a população está a referir-se aos prédios da sua família. Confrontado com o teor de fls. 5, 6 e 164 e ss asseverou que antigamente, eram comunicadas às finanças áreas inferiores dos prédios para ser menor a carga fiscal. Quando a sua mãe quis regularizar os prédios em causa nos autos, ordenou a realização de um levantamento topográfico, sendo aí patente a real área do prédio da ré. As suas declarações surgem claramente interessadas e comprometidas, não tendo encontrado respaldo na demais prova produzida e contrariando frontalmente a demais prova, nos termos que infra se exporá.
Declarações de parte do Autor J. B., com 78 anos, residente toda a vida em .... Asseverou o uso por toda a população do espaço em causa nos autos e afirmou que sempre passou por aquele local para aceder ao seu prédio. Esclareceu as formas pelas quais os demais proprietários dos prédios confinantes acediam aos seus prédios. Referiu que, apenas a partir de 2015, é que a ré L. D. se arrogou proprietária da parcela em questão nos autos. Mencionou o ano em que comprou o seu prédio e as obras que realizou, asseverando que nunca pediu permissão à ré L. D. para entrar no seu prédio ou para aceder ao local em causa nos autos, nem para realizar as obras que entendeu fazer no seu prédio. Asseverou que durante toda a sua vida, matou 3 ou 4 porcos por ano naquele locaal e a ré L. D. a tal nunca se opôs. De igual modo, confrontado com o teor das fls 13, garantiu que nunca ninguém pediu autorização à ré L. D. para colocar as botijas de gás naquele local. Garantiu, ainda, que toda a população fazia uso público daquele local, usando-o para fazer transitar gado ou assegurar a circulação de veículos automóveis, sendo ainda utilizado como estacionamento, sempre que na aldeia há algum funeral. Esclareceu que o vendedor ambulante que transporta mercearias e que se desloca a ... estaciona o veículo na parcela em causa nos autos (o mesmo sucedendo com o vendedor de gás), sendo que a ré L. D. nunca se opôs a tal uso pela generalidade da população. Asseverou que a partir de 2015, a ré L. D. começou a afirmar que a parcela em causa nos autos lhe pertencia. Perante tal, a população de ... reuniu-se por duas ocasiões, tendo a população entendido que a ré não poderia arrogar-se de ser proprietária de um espaço público. O seu depoimento surgiu-nos como sincero, verídico e coerente, sendo relevante para dar como provada a matéria descrita em 1.º a 9.º; 14.º a 18.º e 29.º.
Depoimento de M. R., solteira, com 62 anos, administradora judicial da comarca Lisboa Norte, residente em Lisboa, sendo vizinha do autor. Esclareceu que desde que nasceu ,viveu em ..., até ao ano de 1977, tendo depois ido viver para Lisboa; entre 2009 a 2018 viveu em ... para tomar conta do seu pai e durante o seu período de férias, vinha sempre a .... Apresentou um depoimento sincero, isento, coerente e desembaraçado. Afirmou que está de relações cortadas com a ré e com a sua filha H. T.. Afirmou que a parcela em causa nos autos é um desvio para uso da população. Mencionou que a rua principal de ... não é muito larga e para permitir o cruzamento de veículos, é necessário fazer uso daquele local. Questionada, identificou o prédio pertencente ao autor, a forma como este o adquiriu, as suas confrontações, as obras realizadas pelo autor nesse mesmo prédio, o uso que é feito do referido prédio e a forma como o mesmo acede ao seu prédio, entrando pelo interior do local em causa nos autos. Referiu que o espaço em causa, é conhecido na aldeia como “Largo ...”; “Largo F.”; “largo de J. A.”. Na aldeia, existem outros largos e é normal dar o nome aos largos das pessoas que vivem ali à volta. Referiu, por exemplo que os seus avós têm uma casa servida por um largo, o qual é conhecido por largo do penedo, largo do alfaiate. Referiu o uso da parcela de terreno que é feito pela população e pelos vendedores ambulantes em termos coincidente com o autor J. B., reiterando que ninguém pede autorização à ré L. D. para assim proceder. Asseverou também que os animais que pertenciam aos seus pais também passavam por aquele espaço, sendo naquele local que as vacas eram vacinadas. Referiu que os réus fizeram obras no seu prédio – construção de uma varanda – e, tanto quanto sabe, os réus nunca foram donos ou possuidores do local em causa. Garantiu que os réus alteraram as confrontações do seu prédio para integrarem na área da sua casa a área correspondente ao espaço em causa nos autos, o qual é público e não lhes pertence. Descreveu as reuniões feitas pelo povo de ..., determinadas pelo conhecimento do facto de a ré L. D. se arrogar dona da parcela de terreno descrita, referindo que o povo entendia que aquele local era público e, nessa sequência, deveria ser informada a junta de freguesia de .... Esclareceu que, actualmente, podem ser encontrados no local uns paus de lenha mal-arrumada junto da casa dos réus, mas não sabe quem os colocou. Atenta a forma descomprometida, sincera e isenta com que prestou depoimento, as suas declarações foram relevantes para dar como provada a matéria vertida em 1.º a 9.º; 14.º; 16.º ; 18.º e 29.
Depoimento de F. M., casado, professor, residente em .... Esclareceu que nasceu em ... em 1961 e ali viveu até aos seus 30 anos, sendo que, actualmente, continua a ir àquela aldeia visitar os seus familiares. Os seus pais são proprietários do prédio retratado fls. 134 (1ª foto), fls. 135 (1ª foto – localizado à direita) e identificado no levantamento topográfico de fls 93 (prédio pertencente a A. J.). Referiu estar de boas relações ambas as partes. Mencionou de forma sincera, isenta e credível que os seus pais sempre viveram frente ao Largo ... e que conhece o espaço em causa nos autos como Largo ..., o qual fica junto à Casa I. Questionado, identificou o prédio do autor, as suas características e a forma como o autor acede àquele seu prédio. Mencionou as obras que o autor empreendeu no seu prédio. Identificou o espaço em causa, enunciando as suas confrontações e o uso que do mesmo é feito por si e pelos seus pais. Referiu que quer o próprio, quer os seus pais, entravam no naquele local com recurso a carros de bois, para descarregar o feno e as batatas para o interior do seu prédio, designadamente para aceder ao seu primeiro andar. No que tange às botijas de gás colocadas ao lado do seu prédio, referiu que o seu pai comercializava as referidas botijas e que actualmente é a testemunha quem está encarregue da sua venda, atento o decesso do seu pai em 2017. Asseverou que nunca o seu pai pediu autorização à ré para colocar as botijas de gás no espaço em causa nos autos. Quanto ao autor, esclareceu que o mesmo usava o espaço referido nos autos para aceder ao seu prédio, para fazer manobras de tractor, tirar estrume, o que fazia durante o dia e tanto quanto sabe, sem oposição de ninguém. A restante população usa aquele espaço também na altura da festa da aldeia, em julho, para aí estacionar os seus veículos, sem necessitar do consentimento de quem quer que seja e sem oposição de ninguém. Por outro lado, o local em causa, era também usado aquando da vacinação do gado, que ali era junto, sendo que, actualmente, o carro dos vendedores ambulantes de mercearias e rações ali param, sem que haja oposição manifestada a esse acto. Referiu as reuniões ocorridas no povo, em decorrência do facto de a ré L. D. afirmar que aquela parcela lhe pertencia. Confrontado com a diferença do pavimento da rua principal e do pavimento do largo/eira, afirmou que a junta de freguesia procedeu à pavimentação da rua principal, não o tendo feito naquele local, uma vez que aquele é constituído por laje. Atenta a forma descomprometida, sincera e coerente com que prestou o seu depoimento, as suas declarações foram valoradas para dar como provado os factos contidos em as suas declarações foram relevantes para dar como provada a matéria vertida em 1.º a 9.º; 14.º; 16.º ; 18.º e 29.
Depoimento de M. B., de 85 anos, casado, agricultor, residente em ..., cunhado do autor e vizinho da Ré, afirmou estar de boas relações com as partes. De forma desinibida, clara e precisa, afirmou conhecer o espaço em questão nos autos e asseverou que o autor tem um prédio que confronta com o referido local. Descreveu as características do prédio do autor e a forma utilizada para aceder ao prédio, passando pelo mencionado espaço, o que era já feito pelos antepossuidores do referido prédio. Referiu que antigamente aquele local era conhecido como sendo a “eira de J. A.”.
Esclareceu as confrontações, bem como a utilização que é feita pela população do referido local, em termos coincidentes com as testemunhas supra identificadas, designadamente, trânsito de animais e veículos; acesso aos demais prédios; local onde se procedia à vacinação do gado. Asseverou que a ré L. D. fez obras no seu prédio, que se reconduziram à colocação de telha, mas não ocorreu qualquer aumento da área construída. Disse, também, que a ré L. D. é proprietária de uma outra eira, com Y, completamente vedada, localizada do lado da capela e que, para além desta, a Ré L. D. não é proprietária de qualquer outra eira. Descreveu igualmente as reuniões ocorridas em ... por causa do espaço em causa nos autos e que nessas reuniões, a ré L. D. terá afirmado que a sua sogra o teria comprado a J. A., mas não tinha documentos que atestassem tal venda. Mencionou que a ré L. D. também fazia uso daquele local, sendo aí que, por vezes, colocava os vitelos a mamar; matava porcos ou colocava a lenha que apanhava, sem que nunca tivesse pedido autorização a quem quer que fosse. Uma vez que o seu depoimento sincero e claro encontra respaldo na demais prova produzida, as suas declarações foram relevantes para dar como provada a matéria vertida em 1.º a 9.º; 14.º; 16.º ; 18.º e 29.º.
Depoimento de J. H., com 76 anos de idade, casado, agricultor, residente em .... Esclareceu ser sobrinho da Ré L. D. e estar de boas relações com todos, tendo toda a vida vivido em .... Referiu que conhece o espaço em causa como “largo J. A.” e “Largo ...”. Questionado, esclareceu as confrontações daquele local e mencionou que o autor, após proceder à compra do seu prédio, procedeu a obras, sendo que nesse processo, ocupou o referido espaço com materiais, nunca tendo sido impedido de o fazer por quem quer que fosse. Elucidou as características do prédio do autor e a forma como o mesmo acede a esse prédio. Do mesmo modo, descreveu que o local é usado pelos vendedores que se deslocam a ... para aí parar os veículos, bem como pelos habitantes para desviar o gado que se cruza na estrada principal e para estacionar os veículos, quando se revela necessário. Mencionou também que viu naquele local, botijas de gás comercializadas por A. J., que era o responsável pela sua revenda ao público. Atestou que também usa aquela parcela de terreno para aceder a uma corte que a sua mãe tinha naquele local. Certificou ainda que a é L. D. só tem uma eira com Y e palheiro – a cerca de 20 metros do local em causa nos autos. Descreveu reuniões ocorridas em ... em virtude de a ré L. D. asseverar ser a dona do espaço em causa nos autos. Afirmou que a ré L. D. é sua tia, sendo esta casada com D. P.. A mãe de D. P. era A. G.. Do mesmo modo, asseverou que é da família de J. A., sendo que o seu pai (J. P.) era herdeiro do referido J. A. e que o referido J. A. nunca vendeu nenhuma eira à sogra da ré L. D.. As suas declarações foram esclarecedoras e coerentes com a demais prova produzida, sendo essenciais para dar como provada a matéria vertida em 1.º a 9.º; 14.º; 16.º ; 18.º e 29.º.
Depoimento de A. G., casado, agricultor, residente em ..., cunhado do Autor, vizinho dos réus, com 70 anos de idade, vivendo sempre em .... De forma sincera e espontânea, descreveu a casa do autor e as suas confrontações. Mencionou as obras efectuadas pelo autor naquela casa e elucidou que a mesma foi aumentada para o espaço em causa nos autos. Referiu que nesse período foram depositados materiais de construção no espaço em crise nos autos. Esclareceu que o autor sempre acedeu a sua casa através daquele local, referindo que a Rua X de ... é estreita e a população local usa o espaço em crise para fazer circular os animais, bem como para desviar o trânsito de veículos automóveis. Mencionou, também, que os vendedores ambulantes usam aquele local para parar as suas viaturas e fazerem o seu comércio. Indicou que trabalhou para a família de I. e alegou conhecer bem a casa desta família, tendo descrito as alterações que aquela casa sofreu. Informou que a ré L. D. se intitulou como proprietária do espaço em causa nos autos e descreveu as reuniões ocorridas em ... para discutir a propriedade do largo. Mencionou que, só após as referidas reuniões é que a ré L. D. passou a colocar naquele local paus e lenha e que esta nunca matou os porcos no referido espaço. Asseverou que o Sr. A. J. colocava as garrafas de gás junto à sua casa, ocupando, para o efeito, tal espaço e que o autor chegou ali a matar porcos, sendo que a ré L. D. nunca se opôs ao uso que era feito pela população. Atenta a forma como as suas declarações foram prestadas e a coerência com a demais prova produzida, as suas declarações foram atendidas para dar como provado o elencado em as suas declarações foram relevantes para dar como provada a matéria vertida em 1.º a 9.º; 14.º; 16.º ; 18.º e 29.º
Depoimento de A. P., divorciado, reformado, residente em ..., amigo do autor e dos réus, apesar de ter afirmado que não fala com a ré. Afirmou conhecer o local em questão nos autos e descreveu a casa do autor, as obras ali realizadas e o acesso que é feito para se aceder a casa daquele. Referiu que a ré nunca se opôs ao uso da população do referido espaço, excepto numa ocasião, há cerca de 2 ou 3 anos, em que a mesma lhe disse que não poderia estacionar o carro. Alegou que a ré L. D. sempre teve lenha naquele local e que a lenha que actualmente ali existe impede o autor de manobrar o seu tractor. Atento o seu conhecimento dos factos e o facto de as suas declarações terem respaldo na demais prova produzida, o Tribunal atribuiu credibilidade às suas declarações, dando como demonstrado os factos contidos em as suas declarações foram relevantes para dar como provada a matéria vertida em 1.º a 9.º; 14.º; 16.º ; 18.º e 29.º.
Depoimento de J. C., viúvo, agricultor, residente em ..., com 62 anos de idade, vizinho e amigo de autor e réus. Mencionou conhecer o espaço em causa nos autos como “Largo ...” ou “eira de J. A.”. Esclareceu que um seu tio (Joaquim), falecido com 92 anos, lhe tinha dito que o largo era conhecido por eira de J. A., a qual passou, por morte, para a família “ M.”. Referiu que a família de I. e o autor usam aquele largo, tendo já ali visto o autor a passar a pé, de tractor e a matar o porco em diferentes ocasiões. De igual modo, referiu que o Sr. A. J. mantinha bilhas de gás no largo e que a população usa o largo. Não obstante, referiu que o largo era privado, uma vez que pertenceu ao referido J. A. e foi transmitido para a família M.. Questionado, afirmou que na reunião que teve lugar em ..., apesar de ter estado presente, não defendeu que o largo fosse privado, relatando a história que lhe havia sido transmitida pelo seu tio. Mais referiu que não sabe como e em que termos o referido J. A. transmitiu o largo; quando o fez; a quem, em concreto, transmitiu e como é que tal largo adveio à propriedade da ré, não conseguindo também precisar se o largo pertence ou não na sua totalidade à ré. Não obstante, entende que o largo é da ré e que quando o usou, o fez com o consentimento da ré, atenta a relação de confiança que existia. Este depoimento surgiu-nos como incoerente, pouco circunstanciado, fazendo reporte constante ao que lhe foi transmitido por terceiros, sendo que, em sede de contrainterrogatório, foi revelada a fragilidade do seu conhecimento directo dos factos em apreciação, razão pela qual não foi valorado.
Depoimento de A. M., casado, reformado, residente em ..., com 61 anos de idade, amigo do autor e dos réus. Revelou conhecer o local em causa nos autos, uma vez que, durante 7/8 anos trabalhou para J. H., sendo que, usava o largo para manobrar o tractor. Referiu que nesse circunstancialismo, nunca pediu autorização para usar o espaço em causa nos autos. Depôs de forma precisa e sincera, não se denotando no seu discurso qualquer intenção de beneficiar ou prejudicar quem quer que fosse, depondo de forma coerente com a demais prova produzida, razão pela qual as suas declarações foram relevantes para dar como demonstrado o vertido em 7.º e 8.º dos factos provados.
Depoimento de A. B., casado, reformado, residente em …. Esclareceu ser amigo do autor e dos réus e que se deslocava várias vezes a ..., tanto para visitar familiares, como em trabalho (era vendedor de rações de porta a porta). Nessas ocasiões, estacionava o seu automóvel no largo em causa nos autos e nunca pediu autorização para o fazer. Talqualqmente a anterior testemunha, apresentou um depoimento franco e desinteressado, razão pela qual foi valorado, dando-se como assente o contido em 7.º e 8.º dos factos provados.
Depoimento de A. C., casado, agricultor, residente em ..., com 76 anos de idade, vizinho do autor e primo da ré. Afirmou estar de bem com todos. Apresentou um depoimento incoerente, confuso e contraditório. Esclareceu conhecer o prédio dos réus, mencionando as suas confrontações, referindo que o local em causa nos autos pertence na sua totalidade à ré. Referiu que o autor tem apenas direito de passagem por aquele local. Mencionou que a casa do autor era conhecida como “casa de B.”, sendo que a casa é actualmente diferente daquela que existia, mais afirmando não se recordar se a casa antiga tinha horta. Asseverou que os anteriores proprietários da casa que hoje pertence ao autor passavam a pé pela eira de J. A., sendo que não tinham gado, tractor ou carro de bois. Esclareceu que o espaço em crise ainda hoje é conhecida por “eira de J. A.” e depois passou a ser “Eira I”. Explicou que no fundo deste local, a ré colocava lá lenha e deixava o gado juntar e comer. Por sua vez, afirmou que só após o Autor ter reconstruído a casa adquirida naquele local é que começou a passar ali o seu gado e carros de bois. Descreveu que conheceu o marido da ré L. D. –D. P. -, sendo que a casa dos réus já era conhecida como de “I.”, ainda antes dos sogros da referida L. D.. Referiu que em ..., não há I., apenas capela. Daí que, quando alguém se refere ao largo “de I.”, quer referir-se que determinado prédio pertence à família dos “de I.”. No que tange à casa da ré L. D., afirmou que a casa teve obras no seu interior e os filhos da ré L. D. foram ali todos nascidos e criados. Por sua vez, os sogros da ré L. D. ali viveram, comeram, dormiram, receberam amigos e familiares. A casa da ré L. D. era usada não só como habitação, mas também como palheiro, sendo as suas divisões usadas para arrumar a lenha e guardar produtos agrícolas, como batata, centeio e milho; guardar os animais (vacas e cavalo), sendo que o prédio tinha cortes e os animais permaneciam no seu interior. A casa da ré L. D. tinha também um sobrado, localizado no interior da casa – o sobrado novo -, onde existia um tear e onde os criados dormiam. No interior do prédio da ré existe um pátio, onde parte está coberta e parte descoberta, sendo que nesse pátio arrumavam a lenha. Referiu que nunca assistiu à matança do porco, mas sabe que a mesma era feita no local em causa nos autos. No que tange à utilização do local por banda da ré L. D. e dos seus familiares, referiu que os mesmos faziam um uso corrente do mesmo, à vista de todos, colocando ali lenha, utensílios agrícolas – arados e carros de bois -, sendo que os réus sempre entraram e saíram da eira de forma natural, à frente de todos e tanto quanto sabe, sem oposição de ninguém. Mencionou que os réus são proprietários de uma outra eira, fechada, também conhecida por eira “de I.”, a qual era utilizada para colocar o feno, malhar cereais. Esclareceu que a ré nunca se opôs a que os habitantes da aldeia ou pessoas de fora usassem aquele espaço para estacionar as suas viaturas, sempre que ocorresse um funeral. Em sede de contra-interrogatório, as inconsistências do seu discurso foram sendo reveladas no que respeita à natureza do espaço em caus anos autos. Afirmou ter tido uma acção judicial contra o autor, mas não estar de relações cortadas com aquele. Questionado sobre a propriedade da eira/largo apresentou diferentes versões daquela que inicialmente revelou, afirmando que achava que a eira fazia parte da casa da ré, mas não o podia afirmar. Confrontado com o teor das fotografias juntas aos autos, não reconheceu a presença de bilhas de gás, mas afirmou que A. J. também usava aquele espaço para carregar o feno para o segundo andar do seu prédio. Asseverou que quem faz uso do local são os vizinhos mais próximos, inclusivamente o próprio, sendo que aquele espaço é usado para permitir as manobras de viaturas automóveis. Por fim, admitiu que desconhece se o nome pelo qual tal espaço é conhecido se prende com a identificação dos seus proprietários ou com o maior uso do largo/eira. Atento o teor do seu discurso, as suas declarações foram atendidas para dar como demonstrado o referido em 19.º a 26.º
Depoimento de J. G., casado, agricultor, residente em ..., com 50 anos de idade, tendo sempre vivido em .... Referiu conhecer autor e réus, estando de boas relações com todos. Questionado, esclareceu conhecer a ré, o seu falecido marido e os seus filhos. Referiu que, desde que se casou, a ré L. D. viveu no prédio identificado nos autos, sendo que o seu marido e sogros já ali viviam, sendo conhecida a casa como os “de I.”. Esclareceu que a casa da ré sempre teve a mesma área de implantação, só conhecendo obras no seu interior. Referiu que no interior da casa da ré, existe um sobrado velho, o qual consiste num pátio em que parte está aberta e outra parte descoberta. Ao fundo desse pátio existem umas escadas para o sobrado novo (onde eram guardados os animais e dormiam os criados), as quais permitem aceder à casa. A eira em causa nos autos pertence à ré L. D., segundo afirmou. Mencionou o uso que era feito da casa e do espaço em crise nos autos, quer pelos sogros da ré L. D., quer pela própria, em termos habitacionais e agrícolas, à vista de todos, sem oposição de quem quer que fosse, ao longo dos anos. Questionado, referiu que o largo/eira é conhecido como “de I.”, mas sempre ouviu dizer que a eira era de J. A., desconhecendo como a eira passou do referido J. A. para a Casa I. No que concerne à casa do autor, referiu que aquele tem de passar naquele espaço para aceder ao seu prédio. Actualmente, a casa do autor é diferente daquela que ali existia. Referiu que o autor tem alfaias naquele local e que o mesmo a usava para colocar lenha. Esclareceu que naquele local passam pessoas a pé, animais e tratores e que aquele local serve de estacionamento de viaturas automóveis para todos aqueles que vão assistir a um funeral na aldeia, bem como para desviar o gado que se cruza na rua principal. Mencionou que entende que o largo/eira pertence à ré por causa no nome pelo qual é conhecido o largo. No contrainterrogatório apresentou um depoimento incoerente e inconsistente. Afirmou que na eira também existiam bilhas de gás, madeira e lenha pertencentes a A. J.. Esclareceu ser membro da junta de freguesia de ... e que dirigiu as reuniões ocorridas em ... para se discutir a propriedade do largo/eira. Foi incapaz de explicar por que razão, nessas reuniões, não defendeu que o largo/eira pertencia à ré L. D. (nos termos em que o faz no presente processo), ou porque é que assinou a acta em que foi decidido outorgar procuração a advogado para defesa do largo .... Atentas as contradições evidenciadas no seu discurso, as suas declarações foram atendidas para dar como demonstrado o referido em 19.º a 26.º
Depoimento de A. P., casado, reformado, com 68 anos de idade, residente em …. Afirmou ser vizinho do autor e da ré. Referiu ter vivido em ... até aos seus 20 anos, em frente ao espaço em causa nos autos e, a partir de então, deslocava-se regularmente àquela aldeia, pelo menos, 2 vezes por ano, uma vez que é proprietário de prédios ali existentes. Esclareceu que o largo/eira em causa nos autos era conhecido por “eira J. A.”, por pertencer a um habitante local com o mesmo nome. À sua morte, os seus bens foram transmitidos aos avós da testemunha, conhecidos por família M. (em sede de contrainterrogatório, infletiu esta posição, afirmando que não sabe a que descendente da família M., em concreto, ficou a pertencer tal eira). Todavia, afirmou que desconhece como é que a eira passou da sua família – M. – para a família de I., à qual a ré pertence. Alegou que, enquanto viveu em ..., era a ré L. D. quem ocupava a eira/largo, com carros de bois, arados, lenha. Descreveu as confrontações da casa da ré; o uso que pela mesma era feito da referida casa, bem como dos pátios que a compõem; as obras realizadas no prédio daquela. Mencionou que o autor reconstruiu a casa que comprou junto ao largo/eira, descrevendo a forma como aquele acedia ao seu prédio. Referiu, também que outros habitantes também estacionam os seus veículos na eira, pedindo à ré para o fazer. Quando havia funerais, toda a gente estacionava na eira/largo durante a missa. Confrontado com o teor de fls 93 e 124, foi muito célere a identificar o local em discussão nos autos, sendo patente que já conhecia de antemão tal documento e que não depunha de forma espontânea. Face ao exposto, as suas declarações não foram valoradas.
Depoimento de E. G., casado, agricultor, residente em …, com 50 anos de idade. Referiu nunca ter vivido em ..., conhecer o Autor de vista e ser sobrinho da ré. Esclareceu que, por vezes, vai a ... e que durante a sua juventude acompanhou a sua mãe a ..., até casa da Ré L. D.. Mencionou que a casa da ré L. D. é conhecida como Casa I e que actualmente, ainda lá vive, desde a altura em que casou, tendo os seus filhos sido ali criados. Esclareceu as confrontações da casa da ré, as suas características, a utilização que era feita pela ré L. D. do seu prédio e do largo/eira, asseverando que este faz parte da casa da ré (apesar de não saber como é que a mesma adveio à sua posse). Mencionou, também, que apenas o autor fazia uso do largo/eira para aceder ao seu prédio. Referiu que apenas a família e as visitas da Ré L. D. é que estacionam as suas viaturas no largo/eira, o que não foi confirmado pela demais prova produzida. O seu depoimento surgiu-nos como claramente interessado, parcial e comprometido, razão pela qual foi apenas valorado para dar como demonstrado o vertido em 19.º a 27.º.
Depoimento de M. A., reformado, casado, com 69 anos de idade, residente em …. Afirmou conhecer o autor de vista e ser primo afastado da ré L. D.. Asseverou que ia com regularidade a ..., a casa da ré, pelo menos, desde os seus 10-12 anos. Descreveu a casa da ré, o uso que da mesma era feito pela ré e também do largo/eira em causa nos autos (designadamente, com a colocação da lenha, na passagem do carro das vacas), à frente de todos, sem oposição de ninguém, sendo que a ré se intitulava como dona daquele local (apesar de ter referido desconhecer como é que a propriedade daquele espaço adveio à posse da ré L. D.). Este depoimento surgiu-nos claramente parcial e interessado e desconhecedor da realidade da aldeia de ....
Depoimento de A. L., casada, reformada, com 74 anos de idade, residente há 50 anos em .... Esclareceu que viveu em ... até aos 20 anos, mas desde que passou a viver noutra localidade, ia pelo menos, uma vez por mês visitar os seus pais e irmãos a .... Referiu que a eira em causa nos autos foi deixada aos seus avós – L. F. e J. C.- por J. A.. Esta eira passou depois para António, pai da testemunha e com a morte deste, ocorrida em 12/8/1986, a eira passou para os seus herdeiros, sendo que a referida eira nunca foi vendida, trocada ou doada à ré L. D.. Esclareceu que os seus familiares nunca fecharam a eira para não impedirem o acesso que era feito pelo autor e que advertiram a ré L. D. de que não poderia usar a eira para depositar a sua lenha, uma vez que aquele espaço não é e nunca foi público. Referiu, também, que a ré L. D. apenas tinha direito a passar na eira. Este depoimento surgiu em sentido totalmente oposto às versões trazidas para os autos e à prova produzida. Em abono da verdade, refira-se que, apesar de a testemunha se intitular proprietária do espaço em causa, certo é que não apresentou qualquer documento que fundamentasse tal pretensão, sendo que o teor das mencionadas declarações não encontra respaldo na demais prova produzida, motivo pelo qual não logrou convencer.
*
No que respeita aos factos dados como não provados, tal resulta de quanto aos mesmos não ter sido feita qualquer prova ou os mesmos resultarem em contradição com a demais prova produzida.
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Nos presentes autos, fomos confrontados com duas posições antagónicas no que tange à natureza jurídica do espaço em causa nos autos. Na versão do autor, a parcela de terreno em causa nos autos é um bem de natureza pública, usado ao longo de tempos imemoriais pelos habitantes de ..., nas mais diversas actividades, sendo actualmente usado como local de estacionamento e paragem de viaturas automóveis e tractores; local que serve para realizar manobras de trânsito e de desvio de animais que se cruzam na rua principal de ... e local de armazenamento de bens e equipamentos diversos – lenha, bilhas de gás, alfaias agrícolas, entre outros, e do qual os réus se pretendem apropriar.
Por sua vez, os Réus negam tal natureza pública e afirmam que tal tracto de terreno lhes pertence (por via de aquisição derivada decorrente de fenómeno sucessório) e que sempre a usaram, por si pelos seus antepossuidores, na convicção de que são seus legítimos proprietários, de boa fé, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, ao longo de mais de 50 anos.
Ora, analisada a prova produzida e os factos dados como provados, resultou inequivocamente para este Julgador que a parcela de terreno em causa nos autos teve inicialmente origem privada, pois chegou a pertencer a J. A. (pessoa esta que nenhuma das testemunhas afirmou ter conhecido ao longo da sua vida, não obstante a provecta idade da maioria das testemunhas ouvidas), sendo que, ainda hoje, alguns dos habitantes se refere aquele local como “largo J. A.”.
Não obstante, certo é que foi referido pelas testemunhas que o referido J. A., à sua morte, terá deixado aquele espaço à família M.. Todavia, não se apurou de que forma se operou essa transmissão e a quem, em concreto, foi deixado tal bem (sendo que, os depoimentos obtidos em sede de audiência de julgamento se revelaram dispares neste particular.)
Seja como for, o que é certo é que, a partir de determinado momento – cujo início, igualmente, não se apurou – a população de ... começou a utilizar indiscriminadamente aquele local, na realização das mais variadas tarefas, como sejam, na vacinação das vacas; na matança do porco; para uso enquanto depósito de materiais de construção civil (aquando da reconstrução da casa do autor), depósito de lenha, tractores e alfaias agrícolas, bilhas de gás; para realização de manobras de trânsito de veículos automóveis e de animais. Todo este uso foi sendo feito ao longo de vários anos, pelos diferentes habitantes de ..., de boa fé, de forma pública, pacífica e reiterada, na convicção de que se tratava de coisa pública.
Por outro lado, mais se diga que resultaram infrutíferos os esforços encetados pela Ré no sentido de demonstrar que aquele espaço lhe pertencia em exclusivo. De facto, a ré não juntou qualquer documento que comprovasse a compra da peticionada parcela por si ou pelos seus antecessores, sendo que, não resulta minimamente demonstrado do teor dos documentos por si juntos – designadamente do auto de declarações do cabeça-de-casal de 13/4/1977 instaurado por óbito de A. G. e da certidão dos autos de inventário obrigatório a que se procedeu por morte de A. G., e em que desempenhou funções de inventariante MC., aberto no ano de 1967, de fls 137 a 160 – que a mesma tenha advindo à sua posse por partilha decorrente de óbito dos seus familiares.
Acresce que, resultou indemonstrada a aquisição originária da posse por banda da ré relativamente à parcela em causa nos autos, tal como nos demonstra a matéria de facto dada como não provada.
Por fim, da análise dos diversos documentos oficiais (como sejam escrituras públicas, certidões do registo predial; certidões de matrizes prediais) relativos aos prédios pertencentes ao Autor (vide fls. 260 a 262 e 266 a 267); aos Réus (fls. 6 verso; 7 verso e 8; 50; 137 a 160) e de A. J. (testemunha nos presentes autos)- vide fls. 6, 270; 275 a 276; 277 a 278, afere-se ocorrer uma falta de conformidade nas suas confrontações.
Todavia, a referida divergência em nada afecta a natureza pública do espaço em causa, pois como é consabido, as declarações prestadas aquando da elaboração de tais documentos não fazem prova plena de que tais imóveis têm realmente as características, propriedades e confrontações que foram declaradas, não se podendo concluir, desta falta de conformidade, no sentido pretendido pela Ré. “

IV. APRECIAÇÃO

A. – Questão de Facto

A.1 – Previamente

No âmbito das contra-alegações que apresentou em resposta ao recurso dos réus, a Junta de Freguesia de ... – que tem neste processo, conforme relatado, o estatuto de interveniente principal e litiga ao lado do autor –, invocou que aquele não deve ser admitido “em apreço à invocada nulidade”.

Examinando-se as suas alegações e correspondentes conclusões e, em relação a elas, no contexto da longa peça, procurando interpretar aquilo que pretende e os fundamentos que invoca, depreende-se que terá tido em vista duas questões que, por aparentemente se nos apresentarem como prévias ao conhecimento do objecto da apelação, têm de ser referidas ab initio.

A.1.1.

Na primeira delas, espalhada ao longo dos parágrafos 1 a 36 das alegações e reeditada nas conclusões I a XXIV, sustenta a autarquia que o recurso não deve ser admitido porque as alegações também não devem sê-lo.

E não o devem ser porque, segundo diz, são intempestivas.

E são intempestivas porque, baseando-se a impugnação da decisão da matéria de facto em prova gravada, esta é alegadamente nula.

E é nula, nos preconizados termos do nº 2, do artº 195º, do CPC, e como tal deverão ser declaradas “as gravações” – entenda-se a cópia do respectivo registo sonoro da audiência efectuado pelo tribunal – porque esta foi obtida:

-ilegitimamente;
-com violação do contraditório;
-com lesão da confiança gerada quanto ao trânsito em julgado;
-com violação do princípio da cooperação;
-com violação do princípio a boa-fé;
-com violação do princípio da segurança jurídica;
-e também do Estado de Direito.

Raciocínio elaborado e apresentado para fundamentar tamanha ofensa: como os réus interpuseram o seu recurso, no último dia, para além do prazo normal de 30 dias consignado no nº 1, do artº 638º, fazendo uso do prazo suplementar de mais 10, deferido no seu nº 7, e tal pressupõe a prévia obtenção e exame da gravação (a fim de serem indicadas as passagens nos termos do artº 640º, nº 2, alínea a)) mas não fizeram requerimento autónomo a requerê-la nem consta lavrado termo de entrega e assim “mantiveram todo o processo de obtenção de prova gravada absolutamente sigiloso surpreendendo a recorrida com a apresentação das alegações”, pois que esta considerara a sentença “plenamente transitada em julgado”, tal “é lesivo para os interesses da recorrida”, já que a omissão de qualquer acto que publicite (ou ao menos indicie) a entrega da cópia “imbui o ato da sua disponibilização de fortes suspeitas quanto à sua legalidade”. Teriam agido com “intuito de surpreender a recorrida”.

Infere, pois, que a obtenção da “prova gravada” daquele modo – rectius de cópia da gravação – consubstancia “prática de um acto que a lei não admite, bem como em omissão de uma formalidade que a lei prescreve, e que influi determinantemente no exame e decisão da causa”, devendo ser “declarada nula ao abrigo do nº 1 do artº 195”, com as pretendidas consequências.

Ora, atendo-nos à simplicidade proclamada nos artº 131º e 154º, nº 2, in fine, CPC, adianta-se, desde já, que tal questão – a sê-lo realmente – não integra o objecto do recurso e, por isso, nem deve conhecer-se dela e que, mesmo a não se entender assim, também não se lhe perspectivam quaisquer laivos de fundamentação razoável em ordem à sua eventual procedência.

O artº 155º, nº 3, refere, tão só, que a gravação deve ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias a contar do respectivo acto.

Caso, a propósito da disponibilização, fosse cometida qualquer irregularidade pela secretaria à qual compete por ela providenciar, isso não é integra questão invocável directamente perante a Relação, seja no âmbito de recurso seja no da resposta ao mesmo.
Desde logo, porque, como é sabido, nos recursos, ante a Relação, não podem ser invocadas ex novo questões (salvo as de conhecimento oficioso) que não o tenham sido oportunamente perante o tribunal recorrido e por este decididas, uma vez que ao tribunal ad quem compete reapreciá-las e não decidi-las em primeira mão. [8]

Depois, porque aquilo que a lei prevê é que dos actos dos funcionários reclama-se para o juiz de que eles dependam funcionalmente – artº 157º, nº 5. [9]
Caso, diversamente, se tratasse de prática de acto não admitido por lei ou de omissão de acto ou formalidade prescritos na lei porventura geradores da nulidade secundária prevista no artº 195º, nº 1, esta deve ser arguida perante o respectivo juiz do processo e por ele decidida, como resulta dos artºs 199º e 200º.

Os Mestres ensinavam e continua a cultivar-se, na jurisprudência o ensino de que “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. [10]

É da decisão proferida no âmbito de tal reclamação incidente sobre vícios do procedimento e que não afectem a sentença nem estejam por esta cobertos, que pode recorrer-se, nos apertados limites previstos no artº 630º, nº 2, CPC.

Daí que não se tome conhecimento de tal questão.

Se ela fosse de conhecer, sempre, estamos certos, haveria de se concluir, segundo o nosso entendimento, que ela não tem qualquer fundamento que sustente a sua procedência.

Uma vez colocada à disposição das partes a gravação, qualquer delas solicita-a se e quando lhes aprouver. Verbal e informalmente junto da Secretaria, se lhes convier. Pelo correio, como diz ter feito a recorrida, se lhes der jeito. Podem fazê-lo logo a partir da primeira sessão. Ou no último instante do prazo para recorrerem, ainda que de facto. A lei não prescreve – e ainda bem que não prescreve – formalidades. A ideia é agilizar e simplificar, em espírito de cooperação, o pronto acesso à gravação e seu exame, no decurso ou depois da audiência ou da sentença, ainda que no último momento de que o interessado legalmente disponha para desta recorrer. [11]

Sobre isso e o mais atinente a esta matéria, nos pronunciámos no Acórdão desta Relação, de 30-11-2017 [12], onde, designadamente, se referiu:

A disponibilização pela Secretaria Judicial, nos termos do artº 155º, nº 3, do CPC, da gravação da audiência final, não precisa de ser requerida. É oficiosa. Consiste, não na entrega, remessa, sequer notificação ou qualquer outra acção equiparada, mas tão só na colocação ao alcance das partes e para uso destas do suporte destinado às mesmas a fim de o procurarem, examinarem e utilizarem.”.

A enfatizada suspeição sobre o intuito que porventura terá norteado o procedimento seguido apresenta-se, de todo, injustificada.

Sobre o trânsito em julgado, o que o artº 628º estabelece é que como tal se considera a decisão logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.

Sucede que, embora o prazo normal de recurso seja de 30 dias, nos termos do artº 638º, nº 1, como qualquer dos sujeitos processuais sabe – e se o não sabe a Junta de Freguesia, sabe-o obviamente o seu mandatário forense, pois que para isso é exigível o patrocínio obrigatório –, ele é acrescido de mais 10 dias no caso de ele ter por objecto a reapreciação da prova gravada, como prevê o nº 7.

Com isso deve, pois, contar e não formular injustificadas expectativas de que tal prazo não será utlizado e já não haverá recurso.

É certo que, por regra, a sentença transita em julgado se não for interposto recurso no prazo de 30 dias – artº 628º.

Porém, havendo possibilidade legal de ele ser interposto e de, neste, se suscitar a reapreciação da decisão da matéria de facto invocando como fundamento errada valoração de prova gravada e mesmo que se considere que o prazo acrescido por efeito desta “nunca entra no cálculo do trânsito em julgado”, não pode a parte, conhecedora e avisada do regime legal, formular a precipitada convicção e nortear-se pela sua crença subjectiva de que, nada entretanto denunciando a atitude que a parte contrária se propôs, se propõe ou se proporá tomar – e que não é obrigada por qualquer forma a exteriorizar antecipadamente seja perante quem for, muito menos à contraparte –, a decisão transitou e dizer-se, depois, surpreendida se ele vier a ser interposto no prazo suplementar, ainda que no último dia deste ou até no terceiro dia útil posterior (artº 139º, nº 5).

Uma vez que “Só com a efectiva interposição do recurso e com a incidência do mesmo sobre o julgamento de facto, se pode considerar que o recorrente beneficia do prazo adicional de 10 dias previsto no nº 7 do art. 638º” [13], não resta senão aguardar pelo termo deste prazo e, então, certificar-se cuidadosamente no processo (quiçá via Citius) daquilo que nele tenha acontecido, ou não.

Como diz Abrantes Geraldes, a estabilização do decidido, “nos casos em que a decisão tenha sido proferida depois de ter sido produzida prova gravada” depende, ainda, do decurso do prazo suplementar de 10 dias e “o único mecanismo que permite antecipar a data do trânsito em julgado e estabilizar a decisão recorrida é a declaração de renúncia ao recurso, nos termos do artº 632º, nº 1, a exigir a colaboração da parte vencida na causa” [14].

Do que, no caso, não havia indícios, até em função dos ânimos acirrados das partes.

Ora, nada a respeito de tal colaboração exigindo a lei, terá a parte vencedora que cautelarmente aguardar pelo esgotamento de todas as hipóteses legalmente contempladas para eventual reacção da parte vencida.

De resto, é destituído de qualquer fundamento o argumento de que deve no processo ficar sinal indicativo de que uma cópia da gravação foi pedida e disponibilizada a qualquer das partes, muito menos a pretexto de que tem a outra o direito de cogitar, a partir daí, que aquela irá interpor recurso e obstar ao trânsito em julgado. Pode obtê-la e, ouvindo-a bem, não recorrer. A obtenção da cópia por uma não tem como função servir de alerta para a outra, que também poderá obtê-la, do mesmo modo, e responder apenas no último momento de que legalmente dispuser.

Não se vislumbra, portanto, que, em face das circunstâncias e do regime legal, possa colocar-se a hipótese, muito menos entender-se a mesma como verificada, de violação de qualquer dos muitos princípios legais brandidos.

Não relevando nem se descortinando, pois, aqui, qualquer invalidade nem fundamento algum para considerar inadmissíveis as alegações, sempre deverá considerar-se que o recurso não é intempestivo.

Adiante, pois.

A.1.2.

Na segunda das referidas questões, dispersa ao longo dos parágrafos 37 a 59 e das conclusões XXV a XXXV, também referida à “admissibilidade o recurso”, enfatiza a recorrida que, por se verificar falta de indicação da data ou do início e termo dos depoimentos gravados que os recorrentes invocam, prolixidade das conclusões destes, falta de clareza na indicação das questões concretas relativas à impugnação da matéria de facto, não deve ser admitida a apelação ou que deve ser rejeitada a impugnação da decisão da matéria de facto.

Embora tal não distinga bem, parece ter tido em vista, no essencial, duas sub-questões por vezes discutidas na jurisprudência: uma relativa ao problema de saber se, para beneficiar do prazo suplementar de dez dias e, por isso, poder apresentar o seu recurso para além dos trinta dias, a parte recorrente tem de nele cumprir cabalmente os requisitos da referida impugnação, devendo ele ser logo julgado extemporâneo se tal não se verificar; outra, relativa à rejeição especificamente prevista no artº 640º, mas limitada à parte do recurso relativa à matéria de facto e sem obstaculizar o seu prosseguimento quanto ao mais.

A.1.2.1.

Ora, quanto àquela, parece ter querido a recorrida ressuscitar discussão antiga mas há muito pacificamente arrumada em sentido unívoco pela jurisprudência.

Como é sabido, está actualmente consolidado o entendimento de que, mal ou bem estruturada e apresentada, na sua forma, a impugnação da matéria de facto e ainda que não satisfeitos cabalmente aqueles requisitos primários, o recorrente goza do prazo adicional desde que, por mais desmerecida ou até desajeitada ele se perspective, em seu fundamento apele à reapreciação da prova gravada, mostrando que, na análise desta, se empenhou e, na respectiva reapreciação, pretendeu basear a sua discordância quanto à respectiva decisão.

Considera-se, pois, que o recurso, para tal efeito, tem por objecto prova gravada desde que a priori, a propósito da impugnação de factos, esta tenha sido invocada e independentemente da regularidade formal ou do mérito substancial que à impugnação seja atribuída a posteriori.

É isto que resulta, aliás, da melhor Jurisprudência, de que se cita como exemplo o Acórdão do STJ, de 22-02-2017 [15]:

“….a concessão daquele prolongamento do prazo (10 dias) só não é de deferir quando o recorrente omite a alegação e prova, por quaisquer sinais descritivos ou outros, de que se alheou de examinar a concernente “gravação da prova”, pressuposto daquela regalia recursória.
Se, porém, o recorrente demonstra que deveras se envolveu na procura de argumentos descobertos na “gravação” e que, alegadamente, são passíveis de persuasão no sentido de que há erro no julgamento da matéria de facto, mostrando-os na atinente alegação, a constatação deste evento processual impõe a concessão desta denotada prerrogativa.
O que se torna indispensável para que o recorrente possa usufruir desta vantagem é que esteja patenteado no processo que houve uma consulta dos depoimentos gravados e que foi com base nesta pesquisa que foi deduzida a impugnação do julgamento sobre os factos que serviram de base à decisão posta na invocada desaprovação da determinação judicial.”

É o que resulta também, curiosamente, da Jurisprudência citada, ainda que debalde, pela recorrente, como é o caso lapidar do Acórdão da Relação de Évora, de 19-11-2015 [16], e que ora e aqui se lhe relembra:

I – Na articulação do regime que decorre dos artigos 638º, nºs 1 e 7 e 640º, do CPC, no que toca a rejeição do recurso com fundamento na reapreciação da prova gravada, há a distinguir duas situações: uma, respeitante ao prazo de interposição e apresentação das alegações (concessão do prazo suplementar) e, portanto, reportada à problemática da tempestividade; a outra, relativa a (in)observância dos requisitos de admissibilidade, que se prende com a questão do conhecimento do recurso.
II - Na primeira, o uso do prazo alargado depende do propósito do recorrente em impugnar a decisão de facto, que deverá resultar inequivocamente manifestado nas conclusões do recurso; a não ser assim, estar-se-á perante uma interposição extemporânea do recurso.
III - Na segunda, o recorrente não obstante ter manifestado a sua intenção de impugnar a factualidade dada como provado em 1ª instância, incumpre as especificações obrigatórias que constituem os requisitos de admissibilidade para o conhecimento do objecto do recurso. Neste caso está-se perante uma impugnação que, na parte atinente à matéria de facto, será objecto de rejeição, e não perante uma interposição extemporânea geradora de não admissibilidade do recurso.” [17]

Entendimento, aliás, a cada passo reafirmado, como, mais recentemente, sucedeu no Acórdão do STJ, de 24-10-2019 [18]:

Ocorrendo que o objeto do recurso (devida e claramente recortado como tal) incida sobre reapreciação da prova gravada, como é o requisito do art. 638, n.º 7 do CPC, a ocorrência de eventuais imperfeições, irregularidades e omissões na forma de invocar o referido preceito e requerer a respetiva possibilidade (designadamente por forma generalista ou demasiado sintética), pode não constituir obstáculo à sua admissibilidade, e em muitos casos não o constituirá, por facilmente poder ser suprida a deficiência ou a forma de fundamentar a pretensão do alargamento do prazo”.

Ora, no caso, como clara e exuberantemente resulta da análise da peça recursória dos apelantes, eles, ao impugnarem, aliás vastamente, pontos provados e não provados que indicam da decisão da matéria de facto e ao pretenderem que a mesma, quanto a eles, seja modificada, invocam depoimentos testemunhais vários e múltiplas partes da gravação respectiva.

É, pois, inequívoco o seu propósito de recorrerem da matéria de facto e de, no objecto de tal recurso, incluírem a reapreciação da prova gravada.

Daí que se evidencie a conclusão de que beneficiam eles do prazo suplementar a que alude o artº 638º, nº 7, e nenhuma razão tem a recorrida para, procedentemente, sustentar o contrário.

A.1.2.2.

Quanto à outra das aludidas sub-questões e que consiste em, distintamente, saber se a impugnação cumpre, ou não, os requisitos do artº 640º, também nenhuma dúvida se nos coloca de que, por aí, não se perfila qualquer motivo para rejeição ad limine.

Recorde-se que a modificação da decisão da matéria de facto pela Relação pode ocorrer nas hipóteses contempladas no artº 662º, uma das quais é a da impugnação cujos pressupostos constam no artº 640º.

Estes podem assim esquematizar-se:

-especificação ou individualização concreta dos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, pois não são admissíveis recursos genéricos de tal matéria;
-especificação, de entre os constantes do processo, nele registados ou gravados em áudio ou vídeo, dos concretos meios de prova que, na perspectiva dele, teriam imposto decisão diversa de cada um de tais pontos e fundamentam a sua alteração, assim se afastando meras manifestações de discordância ainda que porventura baseadas numa global apreciação e valoração das provas produzidas;
-no caso de serem invocados meios probatórios que tenham sido gravados, indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso, assim se obrigando a parte a, cuidada e criteriosamente, identificar, salientar e sustentar, perante o tribunal ad quem, a razão do alegado erro de julgamento e da alteração pedida e a definir, com precisão, o âmbito da reapreciação e decisão a este cometida;
-isto sem prejuízo da possibilidade de o recorrente, cooperando, proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
-especificação da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida.

Ora, como é Jurisprudência dominante, e de que se cita como exemplo, por muito recente, o Acórdão do STJ, de 16-12-2020 [19]:

I - No âmbito do recurso de apelação visando a impugnação da decisão de facto podem distinguir-se dois ónus que incidem sobre o recorrente:
Um ónus principal, consistente na delimitação do objecto da impugnação (indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados) e na fundamentação desse erro (com indicação dos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação que impunham decisão diversa e o sentido dessa decisão) – Art.º 640º nº 1 do CPC;
E
Um ónus secundário, consistente na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art.º 640º nº 2 al. a) do CPC.
II – Este ónus secundário não visa propriamente fundamentar e delimitar o recurso, mas sim facilitar o trabalho da Relação no acesso aos meios de prova achados relevantes.
III - O controlo do cumprimento deste ónus secundário deve ser feito pela Relação em termos funcionalmente adequados e em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
IV - Não respeita este principio a decisão da Relação que rejeita a apreciação do recurso sobre a matéria de facto quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento – como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento, tal indicação é complementada com a indicação do inicio e termo dos depoimentos, com a indicação do inicio das passagem dos depoimentos com referência ao tempo de gravação e ainda com a transcrição de excertos desses depoimentos.

Ora, no caso, olhando às alegações e às conclusões apresentadas pelos recorrentes, facilmente nelas se vê que eles:

-especificaram concretamente quais os pontos, provados e não provados, da decisão da matéria de facto, que consideram incorrectamente julgados e, por isso, pretendem que sejam alterados;
-especificaram os concretos meios probatórios constantes do processo e da gravação que, em sua perspectiva, teriam imposto e devem agora impor, segundo eles, decisão diversa da recorrida quanto aos referidos pontos;
-especificaram a decisão que, também no seu entender, deve ser proferida sobre os mesmos;
- indicaram, a propósito de cada um deles ou de grupos deles – e até com muito detalhe –, as passagens da gravação onde se encontram as parcelas dos depoimentos que consideram relevantes para sustentar a sua impugnação;
-procederam também a extensas transcrições.

Se, porventura, a recorrida, quando alude a “falta de indicação de data” pretendeu referir-se ao dia, mês e ano em que cada depoimento, ou parcela dele, foi prestado, temos por óbvio que nem a lei tal exige nem isso é necessário, bastando, como é pressuposto, que se leiam as actas da audiência. Sendo embora várias, uma vez que a mesma se arrastou por sete sessões desde Fevereiro de 2018 a Dezembro de 2019, tudo isso está registado no processo.

De resto, está indicado, por referência ao tempo de duração mediante registo horário da gravação, o momento de início e do termo das passagens consideradas relevantes.

Apesar de muitas, longas e densas, não vale e é ineficaz referir-se a recorrida a que são prolixas ou lhes falta clareza e concretização, sequer que os recorrentes se limitam a contrapor a sua convicção.

Os pontos estão objectiva e cristalinamente elencados. Sendo embora extensas as passagens citadas, densa e complexa a argumentação desenvolvida, compreende-se que a tal não é alheia a dinâmica com que a audiência foi orientada, o descontrolo das instâncias consentido, protagonizado e aproveitado pelos participantes e do que resultaram horas e horas de gravação na verdade de muito difícil e trabalhosa análise mas de que nenhuma das partes terá razões para se queixar dada a cumplicidade no método, aliás bem perceptível nas gravações ouvidas e bem visível nas longas e densas peças alegatórias neste recurso por todas apresentadas.

Não ocorre, pois, motivo algum para rejeição da apelação (ela tem conclusões, apresenta fundamentos e cumpre os requisitos formais), designadamente na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto.

Percebem-se, mediante laboriosa e demorada leitura, as questões suscitadas pelos recorrentes e, no mesmo contexto e do mesmo modo, também as contrapostas pelos recorridos, aliás ora e aqui em apreço.

Em nada obstando os argumentos brandidos pela recorrida Junta de Freguesia ao conhecimento do recurso, deixa-se ainda consignado, neste ensejo, que, tudo o mais por ela contra o mesmo esgrimido contende com o respectivo mérito (seja quanto à matéria de facto seja quanto à de direito) e, oportunamente, será analisado e ponderado.

Na verdade, nos parágrafos 60 a 143 das longas alegações e nas prolixas conclusões XXXVII a LXXV, ao ponto de chamar ao caso Doutrina Penal do ensino do Sr. Prof. Figueiredo Dias, a recorrida argumenta, se bem apreendemos e conseguimos sintetizar, muito abstractamente e sem preciso e conciso enfoque na situação concreta, que o recurso não ataca os passos e o modo de formação da convicção mas só a fase final dela ou de valoração da prova; brande, inconsequentemente, com os princípios da livre apreciação da prova, da imediação e da oralidade; refere que a análise apresentada pelos recorrentes é parca, se cinge a uma sua convicção pessoal e a uma censura infundamentada à formação da dita convicção; consiste numa prolixa amálgama de trechos das gravações; não justifica por que não devam prevalecer os citados princípios, etc..

Porém, não se questiona aí, nem se descortina, qualquer outro obstáculo, para além dos já considerados, à análise do recurso, tudo respeitando, isso sim, à procedência ou improcedência dos respectivos fundamentos, a tratar mais adiante.

A.2. – Enquadramento da questão

A acção popular [20] constitui uma manifestação do direito de participação e intervenção conferido pela Constituição da República a todos e quaisquer os cidadãos, mesmo a título pessoal e individual, nos assuntos públicos e de interesse geral, com a finalidade de, nomeadamente, assegurar a defesa dos bens do domínio público, entre eles os das autarquias locais – artº 52º, nº 3, alínea b).

Tenha ou não interesse imediato na demanda, qualquer cidadão pode exercitar tal direito, mesmo em matéria civil, na forma prevista pelo respectivo regime processual, conferindo-lhe a lei especiais poderes de representar por iniciativa própria todos os demais (cidadãos ou entidades) titulares dos direitos ou interesses em causa – artºs 1º, 2º, 12º, nº 2, e 14º, da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto.

Nessas acções, a lei atribui, ainda, às próprias autarquias locais o direito de acção popular em relação aos interesses de que sejam titulares os residentes na área da respectiva circunscrição, reconhece também ao Ministério Público legitimidade activa e poderes de representação e confere ao juiz iniciativa própria em matéria de recolha de provas, sem vinculação à das partes, nesse âmbito, portanto, se sobrepondo o princípio do inquisitório ao do dispositivo - artºs 2º, nº 2, 16º, nº 1, e 17º.

Como se refere no Sumário do Acórdão do STJ, de 29-11-2016 [21]:

I - Os tribunais da ordem judicial são os competentes para conhecer a pretensão formulada em acção popular fundada na violação por particulares de direitos inerentes ao domínio público, sem que, atendendo ao modo como os autores a estruturam, se configure qualquer comportamento, activo ou omissivo, adotado por uma entidade pública que tenha concorrido, essencial e decisivamente, para essa violação.
II - Ao atribuir o direito de acção popular a “todos”, a lei permite que qualquer pessoa defenda interesses ou bens protegidos que não são apenas seus, mas de todos os neles interessados, pelo que o específico interesse processual do autor popular não é condicionado à existência de uma conexão substantiva entre o mesmo, individualmente considerado, e o bem tutelado, antes é originário, porque baseado na lei e radicado no direito fundamental dos cidadãos a participação na condução dos assuntos públicos. Contudo, só a integração na comunidade de “interesses” visados pela acção permite assegurar a legitimidade popular e o interesse em agir, ainda que, em determinadas situações, tal interesse radique em qualquer cidadão, como sucede, p. ex., com a defesa do domínio publico.”.

Elucidativamente se resume também no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29-04-2003 [22], que:

I - A acção popular traduz-se, por definição, num alargamento da legitimidade processual activa dos cidadãos, independentemente do seu interesse individual ou da sua relação específica com os bens ou interesses em causa.
II - O objecto da acção popular é, antes de mais, a defesa de interesses difusos. A acção popular tem sobretudo incidência na tutela de interesses difusos, pois sendo interesses de toda a comunidade, deve reconhecer-se aos cidadãos uti cives e não uti singuli, o direito de promover, individual ou associadamente, a defesa de tais interesses.
III - Sobre um determinado bem pode incidir um interesse individual, ou seja, um direito subjectivo ou interesse específico de um indivíduo, um interesse público ou interesse geral, subjectivado como interesse do próprio Estado e de outras pessoas colectivas, um interesse difuso, que é a refracção em cada indivíduo de interesses da comunidade e um interesse colectivo, quando se trata de um interesse particular comum a certos grupos e categorias.”

Ainda na mesma linha se orientou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-10-2005 [23]:

Não é, portanto, qualquer interesse meramente individual e egoístico que pode estar na base de uma acção popular.
Muito embora a lei atribua legitimidade processual a qualquer pessoa singular para intentar tal acção popular, os direitos que se pretende ver tutelados deverão ter um carácter comunitário, ou seja, um valor pluri-subjectivo e os interesses subjacentes devem assumir um cunho meta-individual.”

No caso aqui em apreço, trata-se de um espaço ou largo, situado no Lugar de ..., freguesia de ..., em Montalegre, contíguo à artéria denominada, na toponímia local, por Rua X e que será, alegadamente, um “prolongamento lateral” desta, delimitado por casas, entre elas as do autor e a dos réus, que aquele diz ser do domínio público e, portanto, tendo aí, enquanto cidadão habitante na localidade, tal como os demais em geral (lá moradores ou não) que ali acedam, o direito de o utilizar e circular livremente, sem qualquer empecilho causado por estes.

Fundamenta-se o demandante na alegação de que, “ao longo de muitas gerações, sempre desde há mais de cem e duzentos anos até à actualidade”, tal utilização foi sempre feita colectivamente na convicção de que se trata de espaço público e nunca ele fez parte do prédio dos demandados, apesar de este confinar com tal espaço – que, “há mais de sessenta anos” era conhecido por “Largo ..” – pois que “em data anterior à memória dos vivos, sempre confinou pelos lados norte e poente com a Rua ... (Rua X)”.

Além, portanto, de um óbvio interesse individual mas derivado ou reflexo daquele direito, colectivo, titulado pela população em geral e não pelo próprio, revelado pelas utilidades, nomeadamente o acesso que o largo permite de e para o seu prédio, sobrepõe-se o interesse difuso ou colectivo que justifica a atribuição, por lei, de legitimidade para singularmente promover a acção e nesta representar a generalidade dos cidadãos.

Respeitando tal interesse a uma via alegadamente de acesso, de passagem e de circulação de carácter vicinal (na tese do autor e da autarquia local) e sendo principalmente, na sua tese, utilizado pelos moradores, ele é encabeçado e titulado pela Freguesia enquanto pessoa colectiva autárquica organizada, representativa da população de certo território, que corporiza e prossegue os interesses comuns respectivos e a defesa dos bens do respectivo domínio – artºs 235º, nº 2, e 236º, nº 1.

Dadas as referidas funções do espaço em questão e apesar da sua estranha configuração física mas tendo em conta que ele desemboca na Rua ... a norte e, embora sem outra saída, permite que nele se transite, revelando, portanto, potencialidades análogas às de um caminho, será, em princípio, de admitir que o largo [24] em causa será público se se demonstrar, à semelhança do que se entendeu e decidiu no Assento do STJ, de 19-04-1989, a respeito dos caminhos, e sem prejuízo da actualização jurisprudencial entretanto havida, que desde tempos imemoriais, ele está no uso directo e imediato do público.

Aí se tratando de saber “quais os requisitos que devem existir num caminho para que este seja considerado como caminho publico”, entendeu-se que:

Sobre a caracterização dos caminhos públicos não existe unanimidade na doutrina e na jurisprudencia, havendo duas orientações.
Segundo uma delas - que foi a seguida no acordão recorrido -, consideram-se públicos os caminhos sempre que eles estejam no uso directo e imediato do público.
A outra orientação - adoptada no Acórdão de 10 de Abril de 1970 - é a de que só devem considerar-se caminhos públicos aqueles que, além de se encontrarem no uso directo e imediato do público, tenham sido administrados pelo Estado ou outra pessoa de direito publico e se encontrem sob a sua jurisdição.
Entendem aqueles que seguem esta última orientação que do artigo 380º do Código Civil de 1867, conjugado com o artigo 1, alínea g), do Decreto-Lei n. 23565, de 12 de Fevereiro de 1934, resulta não bastar o uso público para caracterizar a dominialidade pública dos caminhos.
De acordo com o artigo 380, n.1, do citado Código Civil de 1867, pertencem a categoria das coisas públicas as estradas, pontes e viadutos construídos e mantidos a expensas públicas, municipais ou paroquiais.
O actual Código Civil não se refere as coisas públicas, limitando-se, no artigo 202º, n. 2, a estabelecer que se consideram fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio publico e as que são, por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual.
No Decreto-Lei n. 47344, de 25 de Novembro de 1966, que aprovou o Código Civil, dispõe-se que, desde que principie a vigorar tal Código, fica revogada toda a legislação civil relativa às matérias que esse diploma abrange.
Não sendo definidas as coisas públicas no Código Civil actual e não estando já em vigor o artigo 380º do Código Civil de 1867 – cuja enumeração de coisas públicas é, aliás, exemplificativa -, verifica-se que a nossa lei nada estabelece quanto a caracterização das coisas públicas.
O Decreto-Lei n. 23565, de 12 de Fevereiro de 1934, no qual se regulou o cadastro dos bens do domínio publico do Estado e que, no seu artigo 1, alínea g), dizia estarem incluídos em tais bens, alem de outros, todos os demais bens que estivessem no uso directo e imediato do publico, não é de atender, dado ter sido revogado pelo Decreto-Lei n 477/80, de 15 de Outubro (artigo 18).
Este Decreto-Lei n. 477/80 enumera, para efeitos de inventário geral do património do Estado, os bens que estão no seu domínio público e privado.
Entre aqueles bens, ao referir-se a vias de comunicação terrestre, indica apenas as linhas férreas de interesse público, as auto-estradas e as estradas nacionais, com os seus acessórios, obras de arte, etc. [alínea e) do artigo 4].
As restantes vias de comunicação terrestre, como as estradas municipais e os caminhos públicos, não fazem parte do domínio público do Estado.
Ora, entende-se que, quando a dominialidade de certas coisas não está definida na lei, como sucede com as estradas municipais e os caminhos, essas coisas serão públicas se estiverem afectadas de forma directa e imediata ao fim de utilidade pública que lhes esta inerente.
É suficiente para que uma coisa seja pública o seu uso directo e imediato pelo público, não sendo necessária a sua apropriação, produção, administração ou jurisdição por pessoa colectiva de direito publico.
Assim, um caminho é público desde que seja utilizado livremente por todas as pessoas, sendo irrelevante a qualidade da pessoa que o construiu e prove a sua manutenção.
Como bem se refere no acórdão recorrido, esta orientação é a que melhor se adapta as realidades da vida, visto ser com frequência impossível encontrar registos ou documentos comprovativos da construção, aquisição ou mesmo administração e conservação dos caminhos, e assim se obstar a apropriação de coisas publicas por particulares, com sobreposição do interesse público por interesses privados.
Basta, portanto, para a qualificação de um caminho como caminho publico o facto de certa faixa de terreno estar afecta ao transito de pessoas sem discriminação.
E, assim, de manter o acórdão recorrido, que entendeu ser suficiente para um caminho ser considerado público o uso directo e imediato pelo público, não se tornando necessário que ele tenha sido apropriado ou produzido por pessoa colectiva de direito publico e que esta haja praticado actos de administração, jurisdição ou conservação.”.

O entendimento seguido teve dois votos de vencido.

Num, defendeu-se que “o artigo 380º do Código Civil de 1867 não foi abrangido na fórmula revogatória, permanecendo em vigor. Dai que seja "indispensável para o reconhecimento da dominialidade pública de um caminho provar-se que foi produzido ou legitimamente apropriado por pessoa colectiva de direito publico e que por ela é administrado, constituindo o uso público directo e imediato, desde que imemorial, mera presunção natural dessa dominialidade, ilidível por prova em contrário" [cf. Marcelo Caetano, Manual, volume II, 9 edição (reimpressão), pagina 924]. Com o que continua a proteger-se o interesse na sujeição ao domínio público de vias de comunicação, designadamente de interesse local”.

No outro, baseou-se a divergência nos argumentos de que, assim, também os atravessadouros terão de ser qualificados como caminhos públicos, a despeito do artº 1383º, do CC, que os considerou abolidos, e no de que o artº 380º, do Código Civil de Seabra, ainda vigora e, portanto, que, para tal evitar, é de exigir ainda, como requisitos da dominialidade pública, a apropriação ou produção pelo Estado e corporações públicas e a correspondente manutenção sob a sua administração.

Dá bem conta desta polémica António Carvalho Martins [25].

Como esse autor refere, citando jurisprudência, além das duas posições confrontadas no Assento, “afirmaram-se ainda critérios híbridos, exigindo para a natureza pública dos caminhos que estes sejam objecto do uso directo imediato do público e se encontrem sob a administração do corpo público (conquanto não tenham sido construídos nem mantidos por tais entidades); ou que tenha havido somente a apropriação do terreno por órgão da Administração, ou, ainda, que se verifique apropriação, continuidade de administração por entidade pública e conjuntamente o uso directo e imediato do público”.

No plano normativo, a nossa Constituição reconhece que as autarquias têm património – artº 238º, nº 1.

Ela, todavia, não contém uma noção de domínio público nem estabelece os modos por que o mesmo se constitui. Enumera alguns dos bens que lhe pertencem (águas territoriais, estradas, linhas férreas, etc.) e salvaguarda outros que como tal forem classificados por lei – artº 84º, nº 1. Mas remete para a lei ordinária a definição de quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites – nº 2, do artº 84º.

Sucede que não existe, entre nós, como, comparando, verificámos existir em Espanha, uma lei que, como lá, regulamente os bens das entidades locais.

O Real Decreto nº 1372/1986, de 13 de Junho, define o seu património, estabelece que o respectivo regime se regulará, além do mais, pela legislação básica estadual relativa aos bens das administrações públicas e prevê que podem adquirir por atribuição legal, a título oneroso com exercício ou não do direito à expropriação, por herança, legado ou doação, por prescrição, ocupação ou por qualquer outro modo legítimo conforme ao ordenamento jurídico.

A Lei nº 33/2003, de 3 de Novembro, por seu turno, estabelece que as administrações públicas daquele país vizinho poderão adquirir bens e direitos por qualquer modo legítimo e, designadamente, por atribuição legal, a título oneroso, mediante o exercício ou não do direito de expropriação, por herança, legado ou doação, por prescrição e por ocupação (artigo 15º).

Remete a prescrição aquisitiva e a ocupação para o respectivo Código Civil e leis especiais (artigos 22 e 23) e prevê a afectação, desafectação ou mudança de destino de bens e direitos. Define afectação como a vinculação dos bens e direitos ao uso geral ou a um serviço público e a sua consequente integração no domínio público (artº 65). Estabelece como formas de afectação, se esta não derivar de uma norma legal, o acto expresso de qualquer órgão competente, nas condições referidas, a tal afectação expressa (artº 66º, nº 1) equiparando, entre outras situações, a “utilização pública, notória e continuada pela Administração Geral do Estado ou seus organismos públicos de bens e direitos da sua titularidade para um serviço público ou para um uso geral” (nº 2, alínea a)), “a aquisição de bens ou direitos por usucapião, quando os actos possessórios que hajam determinado a prescrição aquisitiva tenham vinculado o bem ou direito ao uso geral ou a um serviço público, sem prejuízo dos direitos adquiridos sobre eles por terceiras pessoas ao abrigo das normas de direito privado” (alínea b)).

Em Portugal, não se detecta um regime assim tão claro, particularmente quanto ao chamado domínio de circulação (estradas, ruas, caminhos, praças, jardins), sobretudo nas povoações e freguesias rurais do interior e que contemple e regule as variadas e específicas relações a tal propósito por vezes estabelecidas e perpetuadas entre vizinhos sob pretextos e formas diversas e de difícil enquadramento jurídico. [26]

Historiando, verifica-se que, o Código Civil de 1867, contrapondo as coisas particulares (artº 383º) às públicas (artº 380º) e distinguindo (segundo o critério relativo às pessoas a quem a sua propriedade pertence ou que delas se podem livremente aproveitar, definido no artº 379º) estas das comuns (artº 381º), estabelecia que “São públicas as cousas naturaes ou artificiaes, apropriadas ou produzidas pelo Estado e corporações públicas e mantidas debaixo da sua administração, das quais é lícito a todos, individual ou colectivamente, utilizar-se, com as restrições impostas pela lei, ou pelos regulamentos administrativos.”

Compreendiam-se aí, portanto, no dizer de Manuel de Andrade [27], dois requisitos, cumulativos:

a) que a coisa pertença – por ter sido por ele apropriada ou produzida – ao Estado ou a uma corporação de direito público (Câmara, etc.), estando debaixo da sua administração;
b) que esteja afectada ao uso público”.

“…não é inteiramente de excluir que uma coisa se torne dominial por prescrição (pelo exercício efectivo do uso público), em termos que restaria precisar. A prescrição não pode funcionar contra o domínio público, mas outra coisa bem diversas é não poder funcionar a favor dele” (página 294).

O Decreto-Lei nº 13969, de 20-07-1927, já considerava nas vias de circulação terrestres, além das estradas nacionais, as estradas municipais e os caminhos públicos.

O Decreto-Lei nº 23239, de 20 de Novembro de 1933, alterou a designação classificativa dos caminhos públicos para caminhos vicinais.

No seu artigo 5º, definia que “Caminhos vicinais são os que asseguram o acesso a todas as povoações e zonas produtoras, estabelecendo a ligação dos meios rurais aos centros administrativos e de consumo” e, no artº 6º, cometia às Câmaras e às Juntas de Freguesia a sua construção e conservação.

O artº 1º, alínea g), do Decreto-Lei nº 23565, de 12-02-1934, mandava incluir, por referência ao artº 49º da Constituição de 1933, no cadastro dos bens do domínio público do Estado “todos os demais bens que estejam no uso directo e imediato do público”, sem estabelecer qualquer outro critério, designadamente temporal.

Por essa altura, o Código Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 31095, de 31-12-1940, dispunha, no artº 46º, que, nas suas funções de fomento, competia às Câmaras deliberar sobre a construção, reparação e conservação das estradas e caminhos a seu cargo, nos termos das leis especiais, sobre a abertura de novas ruas e praças nas povoações, sobre a limpeza das povoações, bem como sobre a criação e conservação de parques, jardins, miradouros e outros lugares de aprazimento público.

E dispunha, no artº 253º, que era das atribuições das Juntas de Freguesia deliberar sobre o modo de fruição dos bens do logradouro comum e exclusivo da freguesia ou dos moradores de parte dela, sobre a administração dos bens próprios da freguesia, e sobre a construção, conservação e reparação dos caminhos que não estejam a cargo das câmaras municipais.

No artº 262º, conferia ao Presidente da Junta de Freguesia competência para prover à desobstrução das ruas e caminhos da freguesia.

Remonta a 1945 o primeiro Plano Rodoviário Nacional aprovado pelo Decreto nº 34593, de 11 de Maio desse ano, em cujo relatório se reporta a 1927 e a 1929 a distinção entre caminhos públicos e caminhos municipais, estes aí considerados como “de mero interesse rural” por “não se destinarem, normalmente, ao trânsito automóvel”.

Nos seus artigos 1º, 6º, alínea b), 7º, alínea c), e 41º, classificam-se, entre as aí apelidadas comunicações públicas rodoviárias, os caminhos públicos municipais e os caminhos públicos vicinais, como tal se designando os destinados ao trânsito rural e estabelecendo-se que os mesmos ficam a cargo das Juntas de Freguesia, sendo a estas pertencentes, dispondo-se também quanto às respectivas características.

Tal diploma foi revogado pelo artº 14º, do Decreto-Lei 380/85, de 25 de Setembro, referente, no entanto, apenas (na medida em que deixou de fora as da rede municipal) às vias da chamada rede nacional fundamental e da rede nacional complementar.

O Decreto-Lei nº 222/98, de 17 de Julho, que o revogou também (artº 15º), salvaguardou as estradas municipais e previu a regulamentação destas em futuro diploma próprio.

Ainda relativamente às vias de circulação, a Lei 2110, de 19-08-1961, estabeleceu um regulamento geral das estradas e caminhos municipais e previu que as Câmaras deveriam elaborar e manter actualizado um cadastro dos mesmos. Nada nela se refere, porém, quanto aos das freguesias.

Entretanto, O Código Civil de 1966, no artº 202º, optando por não dar qualquer outra a noção, apenas dispôs que “Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas” (nº 1) e que “Consideram-se, porém, fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual” (nº 2).

No artº 1304º, estabelece-se que “O domínio das coisas pertencentes ao Estado ou a quaisquer outras pessoas colectivas públicas está igualmente sujeito às disposições deste código em tudo o que não for especialmente regulado e não contrarie a natureza própria daquele domínio.”.

O Decreto-Lei nº 477/80, de 15 de Outubro, estabeleceu o regime de inventariação geral dos elementos constitutivos do património do Estado, define e estabelece em que consiste cada um dos respectivos domínios (público, privado e financeiro) e descreve que bens e direitos integram cada um deles – artºs 1º a 6º.

Nada refere quanto às autarquias locais, designadamente quanto a modos de aquisição, administração e extinção do respectivo domínio público.

De acordo com o Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado em anexo ao Decreto-Lei nº 54-A/99, de 22 de Fevereiro, a Freguesia tem de elaborar e manter actualizado um inventário de todos os bens, direitos e obrigações constitutivos do seu património – ponto 2.8.1. Estabelece-se no ponto 2.8.2.2 que daquele fazem parte, como documentos obrigatórios de registo, as fichas respeitantes, entre outros diversos bens, ao imobilizado incorpóreo, aos bens imóveis, equipamento básico e de transporte, ferramentas e utensílios, etc.. Parece, assim, que o domínio público da Freguesia está para além desse património, não se confunde com ele.

O artº 34º, da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, comete à Junta respectiva, nas alíneas e) e f), do seu nº 1, a competência para administrar e conservar o património e para elaborar e manter actualizado o cadastro dos bens móveis e imóveis da freguesia, ao passo que, no artº 17º, nº1, alínea i), confere à Assembleia competência para estabelecer as normas gerais de administração do património da freguesia ou sob sua jurisdição e, no nº 2, alínea b), competência para apreciar o inventário de todos os bens, direitos e obrigações patrimoniais e respectiva avaliação.

O Decreto-Lei nº 280/2007, de 7 de Agosto, estabelece o Regime Jurídico do Património Imobiliário Público, dispondo no seu artº 1º, nº 1, alínea a), que que as suas disposições gerais e comuns sobre a respectiva gestão abrangem, também e além dos do Estado e Regiões Autónomas, os bens das autarquias locais.

Nessas disposições gerais, compreendem-se as do artº 14º, segundo o qual os imóveis do domínio público são os classificados pela Constituição ou por lei, individualmente ou mediante a identificação por tipos, e do artº 15º, segundo a qual a titularidade dos imóveis do domínio público pertence ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais e abrange poderes de uso, administração, tutela, defesa e disposição nos termos do presente decreto-lei e demais legislação aplicável.

Prevê-se, no artº 16º, nºs 1 e 2, que sempre que o interesse público subjacente ao estatuto da dominialidade de um imóvel não decorra directa e imediatamente da sua natureza, compete ao respectivo titular afectá-lo às utilidades públicas correspondentes à classificação legal, ficando a eficácia de tal afectação dependente da efectiva verificação das utilidades que justificaram a sujeição do bem àquele estatuto.

Ao invés, o artº 17º, prevê a desafectação: quando sejam desafectados das utilidades que justificam a sujeição ao regime da dominialidade, os imóveis deixam de integrar o domínio público, ingressando no domínio privado do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais.

Esta alusão, tal como a do capítulo próprio (o III) dedicado ao domínio privado, designadamente o artº 31º relativo às formas de aquisição de bens dele integrantes, e segundo cujo nº 1, as autarquias locais podem, para instalação ou funcionamento de serviços públicos ou para a realização de outros fins de interesse público, adquirir o direito de propriedade ou outros direitos reais de gozo sobre imóveis, a título oneroso ou gratuito, nos termos previstos nas normas subsequentes, mostra como estas entidades públicas titulam bens de domínio público e bens de domínio privado.
Nos artºs 18º a 21º, consagram-se os princípios da inalienabilidade (os imóveis do domínio público estão fora do comércio jurídico, não podendo ser objecto de direitos privados ou de transmissão por instrumentos de direito privado), da imprescritibilidade (os imóveis do domínio público não são susceptíveis de aquisição por usucapião), da impenhorabilidade (os imóveis do domínio público são absolutamente impenhoráveis) e da autotutela (a Administração tem a obrigação de ordenar aos particulares que cessem a adopção de comportamentos abusivos, não titulados, ou, em geral, que lesem o interesse público a satisfazer pelo imóvel e reponham a situação no estado anterior, devendo impor coercivamente a sua decisão, nos termos do Código do Procedimento Administrativo e demais legislação aplicável).

Proclama o artº 25º que os bens do domínio público podem ser fruídos por todos mediante condições de acesso e de uso não arbitrárias ou discriminatórias, salvo quando da sua natureza resulte o contrário – uso comum ordinário.

Os artºs 116º e 117º, dispõem, também, sobre a inventariação dos bens, designadamente os imóveis, com o fim de assegurar o conhecimento da sua natureza, da utilização e do valor respectivo, consistindo no registo dos dados relativos à identificação, classificação, avaliação e afectação dos mesmos, sendo que o inventário compreende os bens imóveis dos domínios públicos do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.

O artº 16º, nº 1, da Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro, ff) e ii), atribuiu à Junta de Freguesia competência para proceder à manutenção e conservação de caminhos, arruamentos e pavimentos pedonais, e para administrar e conservar o património da freguesia.

O artº 22º, nº 1, da Lei 31/2014, de 30 de Maio, relativa às bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, estabelece que os espaços de uso público integram o domínio público ou privado da administração, e, no seu artº 24º, sob o título de autonomização de bens imóveis de titularidade ou afectação pública, dispõe que:
1 - O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais devem autonomizar, nos seus planos de atividades e orçamento e nos documentos de prestação de contas, os bens imóveis integrantes do seu domínio público ou privado e outros ativos patrimoniais, que ficam afetos à prossecução de finalidades de política fundiária.
2 - Os bens imóveis podem ingressar na titularidade pública ou ser afetos à prossecução das finalidades das entidades referidas no número anterior por qualquer meio legalmente admitido, nomeadamente:
a) Aquisição originária;
b) Reafetação de terrenos de titularidade pública;
c) Compra e venda, permuta, arrendamento, locação financeira e outros contratos de natureza análoga;
d) Sucessão, doação e renúncia;
e) Expropriação por utilidade pública;
f) Cedências no âmbito de operações urbanísticas e compensações perequativas.”

Quanto à noção de domínio público e ao modo como este se constitui não se encontram, pois, melhores fontes. Menos ainda quanto a espaços em aldeia, como o aqui discutido.

Ainda assim, na Doutrina, aceita-se como definição de domínio público autárquico, “o conjunto das coisas públicas pertencentes às autarquias locais submetidas a um regime jurídico específico que visa garantir a sua utilidade pública”. [28]

Não existindo lei específica dedicada ao domínio público local, todavia não parece haver dúvidas que existe um domínio de circulação integrado pelos caminhos vicinais pertencente ao domínio público da freguesia. Porém, não se define o conceito ou noção ou estatuto legal de tal coisa, não se estabelece uma distinção clara em relação às que são objecto de direitos privados, não se regula a sua constituição, a sua aquisição, transmissão e extinção, tratando-se normalmente as questões no quadro legal, doutrinal e jurisprudencial relativo ao domínio público e, aí, particularmente centrando a discussão sobre os caminhos públicos.

Daí as tremendas dificuldades de prova em juízo.

Sobre como se adquire e como se perde a qualidade de coisa pública, discorre A. Carvalho Martins [29] que, dependendo do tipo de bens, seguindo o ensino de Marcelo Caetano, “A atribuição do carácter dominial depende de um, ou vários, dos seguintes requisitos:

-existência de preceito legal que inclua toda uma classe de coisas na categoria do domínio público;
-declaração de que certa e determinada coisa pertence a essa classe;
-afectação dessa coisa à utilidade pública”.

Com efeito, se “há bens cuja dominialidade depende apenas da genérica disposição da lei, completada, ou não, por meras operações de delimitação da parte sobre a qual se exercerão os direitos dominiais” (exemplo: o ar atmosférico), outras há que “entram no domínio depois de se verificar, por lei ou acto administrativo, possuírem o atributo típico da classe genericamente considerada dominial” (exemplo: classificação de uma água como mineromedicinal) e outras existem ainda que embora “pertencentes a uma categoria que a lei considera do domínio público, a integração em cada caso concreto depende de um acto especial de afectação, isto é, de aplicação do imóvel ao fim de utilidade pública justificativo da dominialidade” (caso da abertura ao público do uso de uma estrada).

A classificação, que pode ser constitutiva (se dela depende a aquisição do carácter dominial pela coisa classificada) ou apenas verificativa ou declarativa (apenas destinada a dissipar dúvidas existentes sobre tal carácter), é o “acto pelo qual se declara que uma certa e determinada coisa reúne os caracteres próprios de cada classe legal de bens dominiais”.

A afectação é o “acto ou prática que consagra a coisa à produção efectiva de utilidade pública”. Tal afectação pode resultar de acto administrativo ou de mero facto ou de uma “prática consentida pela Administração em termos de manifestar a intenção de consagração ao uso público.” Ela implica a prova do destino ou uso público enquanto manifestação do exercício da jurisdição administrativa.

Nisso radicam, como destaca, as divergências jurisprudenciais e, segundo relata também o referido autor, resulta da obra de Marcelo Caetano citada [30], que “para que um caminho outrora particular se converta em público é necessário que pelo abandono do proprietário este deixe prescrever os seus direitos e que o Estado ou outra pessoa colectiva de direito público pratiquem actos ou factos que representem, através da conservação, reparação, regulamentação do trânsito, etc., a intenção ou o animus sem o qual não há posse jurídica.
A aquisição de propriedade por usucapião, ligada a actos administrativos que manifestem a intenção de destinar a coisa ao uso público, é que poderão suprir a falta de afectação expressa e conferir carácter dominial a tais caminhos.”

Nesta orientação, seria “indispensável, para o reconhecimento da dominialidade pública dum caminho, provar-se que foi produzido ou legitimamente apropriado por pessoa colectiva de Direito Público e que por ela é administrado, constituindo o uso público directo e imediato, quando imemorial, mera presunção dessa dominialidade, ilidível por prova em contrário”. [31]

Se, portanto, é invocável, por uma Junta de Freguesia, a prescrição a favor do domínio público com base na posse imemorial, para obter a declaração judicial de que é público e vicinal um determinado caminho [32], também, como parece inferir-se do Acórdão da Relação do Porto, de 31-01-1962 [33], que terá tido fundamento na Lei nº 54, de 16 de Julho de 1913, a prescrição a favor de particulares e contra o Estado só pode ter lugar, como se dispõe no artº 1º desta, “desde que, além dos prazos actualmente em vigor, tenha decorrido mais de metade dos mesmos prazos”, ou seja, como sumaria o referido acórdão “para haver prescrição aquisitiva de imóveis ou bens imobiliários é preciso que se verifique a posse com mais de 30 anos, faltando o registo de posse ou do título de aquisições”. [34] [35]

Foi, pois, a culminar tal discussão na Doutrina e na Jurisprudência [36] que surgiu o referido Assento do STJ, de 19-04-1989.

A polémica, porém, não cessou. Posteriormente [37], enveredou-se por uma interpretação restritiva do mesmo no sentido de que é necessário que se demonstre também a afectação a utilidade pública, a satisfação de interesses colectivos relevantes.

Nessa linha, entendia-se, v.g., no Acórdão da Relação do Porto, de 31-05-2007 [38], que:

I – A qualificação de um caminho como público poderá basear-se em ser o mesmo propriedade de um ente de direito público e estar afecto a esse ente, ou no uso directo e imediato pelo público desde tempos imemoriais.
II – Provando-se apenas que a utilização pelo público em geral ocorre, há mais de 70 anos, e inexistindo outros elementos que permitam concluir por uma utilização tão longínqua no tempo que escapa à percepção da memória humana, não ocorre a mencionada imemorialidade.
III – Por via da sua desafectação, o caminho que era público passa para o domínio privado da entidade administrativa respectiva.”.

Bem assim no da mesma Relação, de 04-06-2013 [39]:

I - O reconhecimento de um caminho como público depende da verificação de dois requisitos [a provar por quem quer vê-lo declarado como tal]: que a sua utilização por um número significativo de pessoas ocorre desde tempos imemoriais e que o seu uso se destine à satisfação de fins de utilidade pública ou colectiva relevantes.
II - Não preenche o primeiro requisito a prova de que o caminho ou passagem em questão é utilizado há mais de 80 anos pelas pessoas de um determinado lugar.
III - E o segundo também não se mostra verificado pela prova de que esse caminho ou passagem dá acesso ou serve de acesso a diversos prédios rústicos.”.

Ainda no sentido da interpretação restritiva se orientaram os Acórdãos desta Relação, de 13-06-2013 [40] :

A circunstância de uma faixa de terreno estar afeta e destinada ao uso público há pelo menos 30 ou 40 anos não implica, só por si, que faça parte do domínio público e, deste modo, que se trata de um caminho público (em sentido jurídico).”

E, ainda, o de 19-02-2015 [41]:

I - É entendimento uniforme do STJ aquele que considera que o Assento do S.T.J. de 19-4-89, nos termos do qual “são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”, carece de uma interpretação restritiva, devendo esta última ser efectuada no sentido de a publicidade dos caminhos exigir ainda a sua afectação à utilidade pública, e consistindo a utilidade pública no facto do uso do caminho visar a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.
II - Não se concluindo pela satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância, e não permitindo outrossim a factualidade provada considerar que o caminho foi legitimamente apropriado por pessoa colectiva de direito público, por esta último passando v.g. a ser administrado, inevitável é a improcedência do pedido de reconhecimento judicial de que concreto caminho é público, ou um bem dominial possuído por entidade pública.”.

Também o STJ, conforme, v.g., Acórdão de 14-02-2012 [42], considerou:

I – São dois os requisitos caracterizadores da dominialidade pública: o uso directo e imediato pelo público e a imemorialidade daquele uso.
II – Tempo imemorial é aquele tão antigo que o seu início se perdeu na memória dos vivos.
III – O Assento do S.T.J. de 19-4-89 carece de uma interpretação restritiva, sob pena do art. 1383 do C.C. ficar sem campo de aplicação e de todos os atravessadouros de uso imemorial terem de qualificar-se como caminhos públicos.
IV – Tal interpretação restritiva deve ser feita no sentido da publicidade dos caminhos exigir ainda afectação à utilidade pública.
V – A referida afectação à utilidade pública deverá consistir no facto do uso do caminho visar a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.”.

Não obstante, o mesmo mais Alto Tribunal, em Acórdão de 28-05-2013 [43], entendeu [44], algo diversa e mais precisamente:

I - A interpretação restritiva do assento de 19-04-1989, de acordo com a qual os caminhos devem considerar-se públicos quando, desde tempos imemoriais, estão no uso direto e imediato público e afetados a interesses coletivos de certo grau ou relevância, pressupõe que tais caminhos atravessam propriedades privadas.
II - Por isso, não se verificando a previsão constante do aludido assento interpretado restritivamente, tais caminhos são atravessadouros e, consequentemente, devem considerar-se abolidos face ao disposto no art. 1383.º do CC, ressalvados os casos contemplados no art. 1384.º do CC.
III - No caso de passagem ou caminho, que não se integra em nenhuma propriedade privada, existente num lugar e que desde tempos imemoriais liga duas ruas desse lugar, a prova do seu uso imemorial pela população basta para se considerar tal caminho como caminho público, não se impondo nenhuma interpretação restritiva do assento.
IV - Incorre em responsabilidade civil pelos danos causados às pessoas que ficaram impedidas de circular nessa via o proprietário de imóvel que fechou o acesso a esse caminho, construindo no topo sul um muro com portão, impondo-se-lhe também repor o acesso à referida passagem no estado em que se encontrava, ou seja, destruindo o muro e portão (arts. 562.º e 564.º do CC).”.

Na mesma senda se orientou, entretanto, também o Acórdão, ainda, do STJ, de 21-01-2014 [45]:

I - Quanto à caracterização de um caminho como público, desde há muito se dividiu a jurisprudência: a) para uns, seria sempre necessário demonstrar que o caminho foi construído ou apropriado por uma pessoa colectiva de direito público; b) para outros, bastaria provar-se o uso directo e imediato pelo público em geral, desde que imemorial; c) finalmente, para uma terceira corrente, seria de aceitar o critério da construção ou apropriação do caminho pela entidade pública, mas o uso imemorial (directo e imediato) pelo público em geral constituiria uma presunção (ilidível) da dominialidade, prescindindo-se, nestes casos, da prova directa da construção ou apropriação pela entidade pública.
II - No sentido de pôr termo à referida divergência jurisprudencial, o Assento do STJ, de 19-04-1989, hoje com valor de jurisprudência uniformizada, firmou a seguinte jurisprudência: “São públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”.
III - Não pode interpretar-se aquele Assento no sentido de excluir a dominialidade de um caminho que, tendo sido construído ou legitimamente apropriado, em data recente por pessoa colectiva de direito público, foi por ela afectado ao uso público, servindo o interesse colectivo que lhe é inerente. Nestes casos, desde que se prove que o caminho foi construído ou foi legitimamente apropriado por uma autarquia, que exerce sobre ele jurisdição, administrando-o, melhorando-o e conservando-o, não pode duvidar-se que se trata de um caminho público pertencente àquela entidade pública.
IV - A suficiência do uso imemorial a que se refere o Assento, de modo algum exclui outras vias de aquisição da dominialidade, como acontecerá quando a lei directamente integra determinada coisa na categoria do domínio público, ou quando uma pessoa de direito público, depois de a construir, produzir ou dela se apropriar, a afecta à utilidade pública.
V - Noutra perspectiva, o Assento deverá ser restritivamente interpretado de modo a evitar atribuir a qualificação de caminho público a simples atravessadouros. O atravessadouro não deixa de ser um caminho, embora alternativo e destinado a encurtar distâncias (atalho), ligando, normalmente, caminhos públicos através de prédio(s) particular(es), cujo leito faz parte integrante do prédio atravessado.
VI - O uso directo e imediato do público em geral, quando imemorial, bastará para caracterizar um caminho como público, mas é ainda necessário acrescentar que esse uso público deve reflectir a sua afectação à utilidade pública, ou seja, à satisfação de interesses colectivos de significativo grau ou relevância.”.

Como, enfim, se sintetiza no Acórdão do STJ, de 18-10-2018 [46]:

I - A figura do “caminho público” foi sendo objecto de longo debate, sobretudo a nível jurisprudencial, com o marcante confronto entre duas opostas posições: uma defendendo que deveriam ser tidos como caminhos públicos aqueles que estivessem, desde tempos imemoriais, no uso directo e imediato do público; outra, mais exigente, sustentando que só deveriam considerar-se caminhos públicos aqueles que, além de se acharem no uso directo e imediato do público, fossem produzidos e/ou administrados pelo Estado ou outra pessoa de direito público, e se encontrassem sob a respectiva jurisdição.
II - Por Assento de 19-04-1989 (publicado no DR, Série I, de 02-06-1989), hoje com valor de AUJ, o STJ, no sentido de pôr termo a tal diferendo, decidiu que “[s]ão públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”.
III - No entanto, não tendo tal resolvido a questão, veio posteriormente este Alto Tribunal a concluir pela necessidade de se levar a efeito uma interpretação restritiva do Assento referido em II no sentido de que “a publicidade dos caminhos exige ainda a sua afectação a utilidade pública, ou seja, que a sua utilização tenha por objectivo a satisfação dos interesses colectivos de certo grau ou relevância”, sob pena de, seguindo à letra o seu dispositivo, também os atravessadouros com posse imemorial haverem de ser considerados como caminhos públicos, ao arrepio do disposto no art. 1383.º do CC.
IV - Mais recentemente, o STJ, por acórdão de 28-05-2013, veio, em nova inflexão, ressalvar que que essa interpretação restritiva do Assento referido em II pressupõe que “[n]o caso de passagem ou caminho, que não se integra em nenhuma propriedade privada, existente num lugar e que desde tempos imemoriais liga duas ruas desse lugar, a prova do seu uso imemorial pela população basta para se considerar tal caminho como caminho público, não se impondo qualquer interpretação restritiva do assento”.
V - Provando-se que o caminho em causa nos autos era apenas utilizado pelos proprietários dos prédios a que dava acesso – uns não identificados e outros os antecessores das partes – e uma vez que a existência de um acesso aberto a pessoas determinadas ou a um círculo determinado de pessoas é insuficiente para se falar de “utilização pública”, sendo mister a sua utilização por uma generalidade de pessoas, não pode senão concluir-se pela impossibilidade considerar o ajuizado caminho como sendo um “caminho público”.”.

Em vista deste quadro jurídico, tratemos então agora dos factos.

A.3. –Matéria de facto

Como já se disse, não há obstáculos ao conhecimento da impugnação da decisão desta matéria.

Recorda-se que, no âmbito do artº 662º, ela deve ser alterada não só por via do recurso, mormente da impugnação com base no artº 640º, mas também oficiosamente.

Ora, na conclusão 8ª, os apelantes consideram que foram incorrectamente julgados os pontos da matéria de facto provada nºs 4, 5, 6, 7 a 9, 13 a 16, 18 e 29.

Pretendem que o facto 6 seja alterado nos termos da conclusão 21ª.

Sustentam, quanto à matéria de facto do ponto provado 29, que a mesma não devia ser considerada por a lei não o consentir, ou que, a não se entender assim, deve ser julgada não provada.

Quanto aos demais pontos, devem eles ser julgados não provados.

Consideram também que os pontos das alíneas b) a o), w, x), y), z), cc), dd), ff), hh), ii), jj) e kk) do elenco dos factos julgados não provados, devem ser alterados para provados nos termos e com a redacção que preconizam (algo diversos dos vertidos na sentença e que, por isso, mantivemos na transcrição conclusões transcritas) e que especificam amplamente na 22ª.

Tentando-se não perder o norte e sempre tendo em vista o objecto do processo definido, em função da peculiar natureza da acção (popular), pelo pedido (essencialmente, declaração judicial de que o referido largo da aldeia tem natureza pública e integra o domínio público e condenação dos réus a tal reconhecer) e pela causa de pedir (utilização, pelos cidadãos em geral, do aludido espaço, nos termos e circunstâncias, designadamente de tempo, que àquele teriam conferido a referida feição e o consequente ingresso no alegado domínio, sempre olhando ao alegado por cada uma das partes [47] e aos temas da prova que – sem qualquer reclamação – foram enunciados na audiência prévia [48], vamos começar por analisar, a propósito da matéria do ponto 29, uma questão que, sendo puramente de direito, se apresenta como prévia à da respectiva impugnação.

Seguir-se-á a análise desta quanto aos pontos especificados como seu alvo, sem embargo de, no uso dos poderes oficiosos que a lei nos confere, quer no âmbito do citado artº 662º, quer no do nº 4, do artº 607º, eventualmente se introduzirem as correcções ou alterações que justificadamente se impuserem.

A.2.1. – O problema da consideração do facto ao abrigo do artº 5º, nº 2

Ora, no ponto 29, considerou o tribunal a quo provado que: “O local mencionado em 4º e 5º dos factos provados – melhor, mais simples e claramente: o espaço disputado e assinalado no levantamento topográfico junto a fls. 193 dos autos, original do de fls. 81-vº, junto pelos réus, aí assinalado com tracejado verde e como tendo a área de 196,70 [49] – é ou foi também usado pela população de ..., nos termos descritos em 8º e 9º - ou seja, grosso modo, como local de estacionamento –, para desviar gado que circula na rua principal; para servir de paragem de veículos de vendedores de mercadorias que se deslocam a ...; para depositar bens e equipamentos – lenha, alfaias agrícolas, botijas de gás; para proceder à vacinação de gado e para proceder à matança do porco”.

Anotou o tribunal que tal matéria de facto resultou da discussão da causa e que foi considerada ao abrigo do artº 5º, nº 2, alínea a), do CPC.

Como decorre das alegações de recurso e da conclusão 19ª, queixam-se os recorrentes de que não foi dado conhecimento às partes até ao fim da discussão da causa de que tal ponto iria ser incluído.

E, de facto, não consta que o tivesse sido, como resulta da leitura das actas.

Daí retiram, portanto, a conclusão de que não se deu cabal cumprimento ao princípio do contraditório (artº 3º, nº 3) e que tal facto deve ser eliminado.

O autor/recorrido sustenta o contrário [50], contrapondo que a lei mais não exige, que a jurisprudência maioritário tal não acolhe, pois que as partes tiveram a possibilidade de se pronunciar e de exercer o contraditório no decurso da audição das testemunhas.

Tal norma dispõe, sem especificar nela qualquer outra condição, que são ainda considerados, além dos articulados pelas partes, os factos complementares ou concretizadores deles e que “resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”.

É verdade que, como relevam os recorrentes, o STJ, em acórdão de 07-02-2017 [51], entendeu, mui respeitavelmente :

1. Não parece ser de sufragar o entendimento segundo o qual o aproveitamento de factos essenciais novos (complementares ou concretizadores) depende apenas da observância do princípio da audiência contraditória relativamente à produção do meio de prova de que eles emergem (art. 415º do CPC).
2. A disciplina prevista no art. 5º, nº 2, al. b), do CPC exige que o tribunal se pronuncie expressamente sobre a possibilidade de ampliar a matéria de facto com esses factos novos, disso dando conhecimento às partes antes do encerramento da discussão. Só depois poderá considerar esses factos (mesmo que sem requerimento das partes nesse sentido).
3. Só assim é conferida à parte "a possibilidade de se pronunciar" sobre os factos que o tribunal se propõe aditar e só desse modo lhe é facultado o exercício pleno do contraditório, podendo requerer – como é admitido por qualquer das teses –, se for caso disso, novos meios de prova em relação a esses factos.
4. Daí que não pareça possível que, sem o acordo das partes, a Relação possa aditar à matéria de facto um facto novo, nos termos do art. 5º, nº 2, al. b), no âmbito da reapreciação da prova, efectuada nos termos do art. 662º do CPC (sem prejuízo de poder anular a decisão, considerando a relevância do facto na apreciação do mérito).” [52]

Não é menos verdade, contudo, que a Relação de Coimbra, em acórdão de 17-01-2017 [53], sufragou entendimento diverso:

1. - Ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 2, do NCPCiv., na sentença podem ter assento factos não alegados que, embora ainda essenciais, não são os nucleares, mas antes complemento ou concretização dos alegados, desde que resultem da instrução da causa e sobre eles tenha havido a possibilidade de as partes se pronunciarem, mesmo que nenhuma delas manifeste vontade de os aproveitar.
2. - Só está, pois, afastada a intervenção oficiosa do tribunal, neste âmbito, quanto aos factos essenciais nucleares/principais – os que constituem a causa de pedir ou que fundam as exceções deduzidas –, continuando aí a manter-se integralmente o princípio do dispositivo.
3. - Já quanto aos demais – factos instrumentais (os substantivamente indiferentes), factos essenciais complementares (os que têm papel completador dos nucleares) ou concretizadores (com função de pormenorizar ou decompor os nucleares) dos alegados –, podendo, mesmo sem alegação, ser atendidos na sentença, ocorre restrição ao princípio do dispositivo, no escopo da obtenção de soluções de justiça material.
4. - É de considerar que as partes tiveram a possibilidade de se pronunciar se os factos novos resultantes da instrução da causa emergem de prova testemunhal cuja produção foi sujeita ao imediato contraditório, com ambas as partes a questionar a(s) testemunha(s) sobre essa factualidade.”. [54]

Não é fácil a opção, sendo certo que a lei, por um lado, visa e confia ao Juiz a obtenção de uma decisão substancialmente justa alargando os seus poderes inquisitórios, ainda que com a compressão do dispositivo e em troca de uma crescente complacência ante a irresponsabilidade das partes e de uma assumida menorização progressiva do seu papel no processo, mas, por outro, tem como pilar fundamental, a garantia do contraditório e proibição de decisões-surpresa.

No caso, não constando tais factos alegados nos articulados, sem dúvida que, como também implicitamente reconhecem as partes, eles foram repescados do que – como ouvimos – várias testemunhas e o próprio autor [55] foram verbalizando ou corroborando, no decurso das instâncias, sem que ninguém, que tivéssemos notado (e nada quanto a tal consta das actas), se tivesse insurgido quanto à pertinência deles.

Pelo contrário, foram objectiva, abundante e repetidamente esgrimidos e discutidos.

Significa isto que, particularmente nestas circunstâncias e não impondo a lei uma prévia e expressa convocação para as partes se pronunciarem sobre a hipótese, muito menos sobre o prévio anúncio de que tais aspectos fácticos serão considerados, a garantia de contraditório previsto nos artºs 3º, nº 3, e 415º, CPC, pode considerar-se assegurada com a possibilidade, que também supõe a atenção e concentração das partes no que verdadeiramente interessa ou pode vir a interessar sem necessidade de esforço ou diligência incomuns – ou seja, na discussão útil, breve e eficaz, como preconiza o artº 602º, nº 1, e não arrastada e dispersa –, de os factos terem sido, sob orientação também do juiz enquanto garante de tal procedimento, produzidos, discutidos e contraditados no decurso da audiência, nos termos dos artºs 516º, 521º e 604º, mormente nas alegações orais finais, em que pode ser suscitada e questionada a veracidade dos factos discutidos bem como da sua própria alegação, relevância e consideração, em face dos limites e condições legais supostamente conhecidos.

Mesmo que assim se não entenda, não parece que dos termos em que tal problema vem, no caso, suscitado possam os recorrentes colher proveito.

Em primeiro lugar, a ser como eles dizem, a consequência não seria a eliminação do ponto. Seria, isso sim, a anulação – não arguida nem pedida – e a baixa à primeira instância para cumprimento do contraditório nos termos que preconizam mas no âmbito da reabertura da audiência de julgamento.

Sucede, em segundo lugar, que, no caso, não se vê que utilidade tal teria. A discussão arrastou-se demorada e exaustivamente, quase sem limites. As partes questionaram tudo o que lhes aprouve questionar, foram juntando ao longo do processo e da audiência prova documental. Foi determinada oficiosamente produção de prova testemunhal não arrolada, repetida a de outra já ouvida. A utilização do espaço por via dos procedimentos discriminados no ponto 29 foi incisivamente debatida. Não se cogita que, perante expressa advertência para a hipótese de aqueles elementos serem considerados, mais pudessem acrescentar, em contraditório, os réus.

É, aliás, sintomático que nada a esse respeito se refira, nenhum prejuízo específico no exercício efectivo do contraditório aleguem e que, apenas, pretendam a eliminação do ponto, naturalmente mais por a respectiva matéria não convir à sua tese e aos seus interesses processuais, do que por da sua recolha, sem para tal terem sido alertados expressamente, lhes advir um conexo e directo prejuízo que mereça ser atendido.

Além disso, em terceiro lugar, como deflui do registo sonoro da audiência, é patente que a Mª Juíza, como garante dos princípios, escancarou, sobre tudo e a todos, e assegurou de forma ampla, exaustiva, o exercício do contraditório pleno, inclusive sobre os factos em apreço do ponto 29. Com tal estímulo dado pelo Tribunal e o evidente afinco posto na discussão pelos sujeitos processuais, aqueles foram ditos, reditos, esclarecidos e contraditados. A notória adesão, pacífica e sem reservas, a tal discussão outra coisa não significa senão concordância tácita quanto ao eventual relevo dos mesmos e, portanto, quanto à hipótese de poderem vir a ser, como foram, considerados na sentença a proferir pelo tribunal. Seria um contra-senso ignorar tal realidade e embrenharmo-nos agora pela aventada mas escusada formalidade.

De resto, temos por duvidoso que os factos em apreço tenham a natureza estrita de complementares ou concretizadores.

O facto jurídico complexo essencial constitutivo da causa de pedir e fundamentador da pretensão radica, afinal de contas, como já se salientou no enquadramento da questão e voltará a referir-se adiante, na natureza pública do espaço decorrente da sua alegada utilização, durante o referido período de tempo, pelo autor, pela população de ... e pela generalidade das pessoas que, por variados motivos, acedem à localidade. Se essa utilização se manifesta ou revela nos pormenores descritos (para desviar gado, para pararem o merceeiro, o padeiro ou o peixeiro, para depositar lenha, alfaias, botijas de gás, para vacinar gado ou para matar o porco), são detalhes fácticos pretensamente ilustrativos da referida utilização com um cariz que não choca considerar meramente instrumental e cuja consideração pelo juiz está eximida à discutida formalidade.

Não é, pois, por causa da invocada falta de comunicação expressa que tal ponto deve ser eliminado, a seu tempo se devendo, isso sim, tratar de saber se ele resultou ou não provado e como devia e deve ser julgado.

Daí que deva improceder esta questão.
***
A.2.2. Impugnação

Entremos, então, na análise da matéria de facto e da respectiva impugnação, seguindo o esquema ordenado das conclusões.

Não sem antes, porém, salientarmos que, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artº 662º, e, especialmente, pela alínea b), do nº 2, do artº 640º, para aferirmos apreciarmos e decidirmos sobre os aventados erros de julgamento de tal matéria e para formarmos a nossa própria convicção sobre ela e a cotejarmos com a do tribunal recorrido, não nos limitámos às provas por cada uma das partes, indicadas, transcritas e brandidas quanto aos pontos questionados, antes ouvimos a prova gravada na íntegra e analisámos minuciosamente todos os elementos constantes dos autos.

Pontos provados 4, 5 e 7

Neles se deu como provado que o acesso ao prédio urbano do autor se faz através do espaço discutido, o qual permite a passagem de pessoas, animais e automóveis, e que este é um “prolongamento lateral da Rua X”, delimitado por essa rua e pelas casas existentes à volta dele.

Os recorrentes pretendem que tais factos sejam declarados como não provados, essencialmente por tal não resultar da prova para o efeito invocada – e detalhada – pela Mª Juíza a quo na motivação.

Comecemos por, quanto ao ponto 4 precisar a identificação do espaço nele referido.

Com efeito, à falta de outra mais objectiva e clara, é incontroverso, porque resulta dos documentos, da demais prova e, afinal do consenso entre as partes, que o espaço de terreno em causa é o assinalado nos desenhos de fls. 93 e 124, a triplos traços verdes descontínuos, tem a configuração geométrica aí mostrada e acesso, do lado norte, pela Rua X na qual desemboca. [56]

É esse o alvo da disputa e, como tal, esta descrição necessária incluir-se-á no dito ponto.

Tendo em conta que a questão, de direito, a decidir se prende com a natureza pública ou privada de tal espaço e com a titularidade do respectivo domínio, logo se nos afigura como óbvio que não pode, em tal ponto, considerar-se, de facto, que ele é um “prolongamento lateral da Rua X”.

Sendo essa Rua uma artéria da localidade, consensualmente pública, dizer-se que tal espaço é um seu “prolongamento” é, em face da contenda, equívoco, por simultaneamente tal poder ser perspectivado, de facto, como a continuação física da rua e, de direito, como tendo a mesma natureza dominial dela.

Esta última conclusão, só pode resultar da decisão final. Não cabe no facto, que deve cingir-se à realidade empírica, objectiva e perceptível. Aquela, é inútil porque a disposição, forma e entrosamento da via com o espaço, melhor e mais realisticamente resultam retratadas nos aludidos documentos.

Têm, pois, razão, segundo tal perspectiva, os réus recorrentes em que, desde logo e por isso, se desconsidere – e, portanto, elimine do referido ponto a alusão a que “constitui um prolongamento da Rua X”.

Mesmo que se considerasse que tal asserção corresponde a mera conclusão de facto e que esta assenta e promana de outros factos elementares colhidos a partir da análise dos meios de prova produzidos – relativos à utilização de tal espaço, pelo público, ao longo dos tempos e, portanto, da sua adstrição funcional aos interesses comuns –, o certo é que, em nossa convicção, como se verá, nem dos invocados para tal na motivação da sentença, nem de quaisquer outros relacionáveis, resulta demonstrada factualidade apta e bastante para, por si, induzir e suportar, pela sua eventual diversidade e persistência, a inferência de que, subjectiva e objectivamente, tal utilização ocorre, em termos similares e em continuação, da que é dada à Rua ... em ordem a poder afirmar-se que aquele é “prolongamento” desta.

Não resulta isso, por certo, da simples ligação à rua e conformação física do espaço – essa indiscutível. Vejam-se os levantamentos topográficos de fls. 81 verso e 93 e seu complemento explicativo de fls. 123 acrescentado pela técnica que o elaborou e o conjunto das fotografias constantes dos autos. Ele configura um polígono muito irregular, com catorze lados desiguais, que estreita e se prolonga muito para sul em relação à rua e se alarga de nascente para poente, com o chão ora em terra, ora em lage natural ora em calçada muito tosca, erva e plantas crescidas que, apesar de permitir o acesso às casas do autor e dos réus, em nada sugere ser uma praça, largo ou via pública análoga. Sequer a um desvio, baía ou alargamento lateral da mesma.

Nem resulta também do que, quanto à referida utilização e função se colhe dos meios de prova disponíveis, particularmente – como se verá melhor adiante a propósito sobretudo dos pontos impugnados 8, 9 e 29 – dos referidos na motivação exposta pelo tribunal a quo e a que se voltará, em que avulta a convicção, aqui não posta em causa, de que, afinal de contas, o espaço foi propriedade privada, chegou a pertencer a um tal J. A. e por ele deixado a herdeiros, pelo que, após isso, só poderia ter-se tornado público e juntar-se à Rua X nessa qualidade se factos houvesse que, por direito, conduzissem também à aquisição/constituição de tal dominialidade sobre ele.

Retirar-se-á, pois, do ponto 5, a expressão conclusiva “constitui um prolongamento lateral da Rua X”, que foi importada do item 6 da petição e ali acriticamente incluída.

Do mesmo passo, relativamente às confrontações, importa, no mesmo ponto e para o enxugar de quaisquer referências de natureza conclusiva e denunciantes de qualquer sentido indutor do resultado da acção, logo excrescentes da objectividade rigorosa que deve nortear a selecção e discriminação dos factos, devem estas ser concretizadas com melhor precisão por referência à conformação real observável in loco.

Se é certo, olhando-se, por exemplo, às fotos e levantamentos, que o terreiro em causa é ladeado pela Rua ... e pelas casas de A. J., de M. C., do autor, de J. C., dos herdeiros de D. P. e dos réus, não pode consignar-se que, pelo lado nascente, ele “confronta com os réus”.

É que saber se “confronta” ou não com estes, depende da extensão do prédio deles, de se apurar a natureza (dominial ou privada) do espaço e a sua titularidade (pelo público ou pelos réus).

Recorde-se que o autor, como naturalmente lhe convinha e em consonância com a sua tese, alegou que o espaço confina, pelo lado nascente, com a rua ou largo ...s (cfr. itens 2º e 5º), que este, logicamente, confina, pelo lado poente, com o seu imóvel – obviamente no pressuposto em que fundamenta a acção de que tal espaço é público e não integra o prédio dos réus.

Por isso mesmo, ao identificar o imóvel dos demandados, apenas o descreveu, pelo lado poente, como confinante com o vizinho J. C. e não consigo (item 13), refutando, aliás, a atitude daqueles ao alterarem a matriz e a descrição predial de maneira a referenciá-lo como confrontante, pelo dito ponto cardeal, com o autor, não com o largo, assim alegadamente “pretendendo absorvê-lo e usurpá-lo” (item 17º).

Ao passo que, diversamente, os réus, na contestação, sustentaram que o largo é uma “Eira” e faz parte do seu prédio, é privado e não público (item 1º).

Por isso, ali o identificaram como confrontante, do referido lado poente, com os donos das três casas ali implantadas, não com o largo (item 3º).

Ora, uma vez que a definição exacta de tal confrontação depende da decisão do cerne do litígio – saber qual a natureza e quem é titular do domínio sobre o largo –, é óbvio que não pode precipitar-se nos factos que ele “confronta com os réus”, uma vez que a afirmação pressuporia um juízo prévio, antecipado mas inoportuno, em sede de decisão da matéria de facto, sobre aquela questão.

Com efeito, só depois de se decidir, de direito, se o espaço (como defende o autor) é público e, portanto, que (ao contrário do defendido pelos réus) não é privado, não integra o prédio destes nem lhe pertence, é que poderá concluir-se que, de facto, aquele “confronta do nascente com os réus”.

Nem mesmo se percebendo qual a convicção formada pelo Juiz recorrido e se sabendo da decisão por ele proferida no sentido de que o largo é público pode, em bom rigor, dar-se como assente a consequente confinância – factualmente controvertida e dependente da prova da publicidade do terreiro.

Por isso, fazendo jus àquilo que normativamente impõem os nºs 3 e 4, do artº 607 – discriminação de factos – em conjugação com o disposto nos artºs 5º e 552º, nº 1, alínea d), e com o que, a tal propósito se colhe da boa Doutrina e Jurisprudência, mormente em face dos objecto da causa, reconduzir-se-á a matéria do ponto 5 apenas àquilo que factual e objectivamente resulta da prova produzida.

Como, sobre isto, bem se diz, por exemplo, no Acórdão da Relação do Porto, de 23-11-2017 [57], “A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante- artº 607º, nº 4, NPCP.”

Eliminar-se-á, pois, a mencionada expressão “confronta do nascente com os réus”.

Ainda relativamente ao ponto 7, assinalam os recorrentes conter ele uma discrepância em relação ao 3.

Sucede que tal discrepância não existe. Muito menos motivos para ele ser dado como provado.

No primeiro daqueles, consta que o autor no seu prédio urbano, sem dúvida alguma pacificamente implantado no lado poente do espaço, guarda alfaias agrícolas, etc.. E, no segundo, que tal espaço permite aceder ao prédio a pé, com automóveis, etc..

Ora, isto retrata a realidade sobre que nem sequer há controvérsia. Ninguém duvida da utilização e função que o autor dá ao seu prédio. Nem que o espaço permite o acesso ao mesmo a partir da Rua X.

Mais: os próprios recorrentes reconhecem expressamente tudo isso. Reconhecem mesmo que o autor tem direito de passar. Como, aliás, não podia deixar de ser, uma vez que da prova resulta exuberantemente demonstrado que o autor não tem outro acesso.

Só que, cientes desta realidade e tolhidos por não lhe puderem fugir, propõem, como fundamento da utilização e da passagem, um alegado direito de servidão sobre o terreno do largo que defendem ser sua pressuposta propriedade, assim concedendo ao autor que lhe é permitido passar mas negando que se trate de uma utilização com carácter público.

Há consonância entre os dois pontos. Permitir (fisicamente) o acesso, ao contrário do que acontece nos aspectos já referidos e a corrigir nos termos apontados, não encerra qualquer pré-juízo, não significa nada quanto ao que acontece efectivamente, muito menos não define a legitimidade e o fundamento por que o autor por ali acede.

Nenhuma alteração, portanto, a tal ponto se deferirá.

Posto isto, os pontos alterados, ficarão com a seguinte redacção:

4. O acesso a este prédio do autor faz-se através de um espaço de terreno – espaço este que é o assinalado nos desenhos de fls. 93 e 124, a triplos traços verdes descontínuos, tem a configuração geométrica aí mostrada e acesso, do lado norte, pela Rua X na qual desemboca – com o qual confina, conhecido por “Largo ....”

5.O espaço referido em 4 é delimitado, a norte, pela Rua X e pelo prédio urbano pertencente a A. J.; a poente pelos prédios urbanos de M. C., do autor J. B. e de J. C.; do sul pelo prédio dos herdeiros de D. P.; e do lado nascente com as casas dos réus”.

Ponto 6

Nele se dá como provado que o espaço em questão há mais de sessenta anos também era conhecido por “Largo ..” (depois de ter dado como provado, no ponto 4, que o é por “Largo ...”).

Se bem percebemos, os recorrentes pretendem se desconecte a referência de tal espaço com a caracterização que lhe havia sido dada no ponto 5 “prolongamento lateral da Rua X”, que se inclua a menção a que também se designava por “Eira de J. A.” e se elimine o advérbio “também”.

Ora, aquela precisão já foi decidida e, portanto, removida qualquer temida conexão, de índole jurídico-conclusiva, com a natureza e titularidade do espaço.

As designações que, ao longo do tempo, teve o dito espaço ou as que tem, na actualidade, e com que se lhe referem as pessoas e se lhe referiram as testemunhas ouvidas, no decurso da audiência, são várias: “Eira de J. A.”, “Largo de J. A.”, “Largo ..”, “Largo ...”, “Largo do …”, “Largo da …”, “Largo da Casa do …”, “Eira Velha”.

Cada uma exprime ou acentua a designação que entende mais significativa e mais ajustada à ideia que formou, sobretudo pelo que ouviu dos antepassados ou vai ouvindo agora, quanto à origem, evolução e situação actual do espaço, relativamente à sua propriedade e à sua função.

Ninguém questiona que tal espaço, como concluiu e decidiu o tribunal recorrido na sentença (cfr. motivação), foi propriedade privada, chegou a pertencer a um tal J. A. e foi por ele deixado a herdeiros, embora se desconheça exactamente o acto e modo por que se efectivou tal “deixa” e quem foram os beneficiados por ela.

É, portanto, compreensível e aceitável que realmente ele tenha sido conhecido e seja ainda referido pelo nome dessa pessoa “de J. A.”. Tal como o é que o seja pelo de pessoas habitantes em redor (caso “do …” ou “de I.” ou mesmo “da …”). É o costume, no meio rural: referem-se ruas, lugares ou prédios pelos nomes dos donos, confinantes, pelas suas profissões, alcunhas, etc.

É-o também que se designe por “largo”, por “eira”, por “desvio”, etc., enfim, de acordo com a configuração ou a função que, na linguagem vulgar, pouco rigorosa e expressiva, mais impressiona empiricamente a pessoa que circunstancialmente de boca se lhe quer referir e que entende mais elucidativa daquilo que quer comunicar.

Repare-se que, olhando à configuração retratada no levantamento, o espaço não se parece com um largo de um aglomerado urbano, nem com uma eira rural para depositar, malhar e secar o cereal. No entanto, tais designações repetem-se como consensuais, inclinam-se mais para uma ou outra consoante as sensibilidades e são mais ou menos enfatizadas pelas partes conforme, em função do que aparece referido em alguns documentos quanto a prédios e sua identificação, maxime quanto a confrontações, julgam relevante para sustentar a respectiva tese.

Daí que os recorrentes insistam que, no ponto, deveria acrescentar-se à designação de “Largo ..” também, em alternativa, a de “Eira de J. A.”, em consonância com a sua insistente alegação (cfr. contestação) que aquilo é uma eira.

Simplesmente, não se entende que verdadeiro fundamento nem que atendível finalidade lhes deva ser justamente reconhecida para tal.

Dizer-se, como consta do ponto em apreço, que era conhecido por “Largo ..” (tal como ficou a constar do 4 que também é conhecido por “largo da I.”) exprime adequadamente, em função da prova e do relevo para a decisão, a realidade perceptível, ainda que algo incerta sobre o espectro de nomes por que as pessoas o conhecem ou se lhe referem. As ilações disso ou que, com base nessa premissa em conjugação com outras poderão tirar-se, são alheias à objectividade do ponto. E é esta que deve prevalecer.

Por isso, ele se manterá inalterado, tanto mais que os recorrentes acabam por não explicitar qual a “valoração crítica e conjugada” que, em sentido diverso e a demonstrar qualquer erro de julgamento a corrigir, retiram dos meios de prova indicados e que possamos chancelar.

Pontos 8, 9 e 29

Dada a sua conexão, vamos apreciar a respectiva impugnação em conjunto, embora os recorrentes apresentem a do último em separado, aliás em consonância com o método adoptado pelo autor recorrido na sua resposta.

Nos dois primeiros, consta provado que o espaço é “utilizado pelos moradores de ... e pelos cidadãos em geral, para estacionamento de veículos automóveis, tractores agrícolas e alfaias” e que tal uso é – natural e consensualmente pelo autor e pelos réus donos de casas adjacentes, o que eles reciprocamente reconhecem e aceitam – “praticado pelos cidadãos que residem ou visitam a povoação”, fazendo-se “sempre de forma pública […] dia após dia, mês após mês, ano após ano, e pacífica […] convictos de que utilizam bem pertencente a todos os cidadãos, residentes e não moradores em ... […], em correspondência com o exercício do direito [de] propriedade pública”.

Trata-se de matéria importada dos itens 8 a 11 da petição [58].

No terceiro – já atrás referido a propósito da questão do artº 5º, nº 2, CPC –, explicitou-se que o local “é ou foi também usado pela população de ..., nos termos descritos em 8º e 9º, para desviar o gado que circula na rua principal, para servir de paragem de veículos de vendedores de mercadorias que se deslocam a ...; para depositar bens e equipamentos – lenha, alfaias agrícolas, botijas de gás; para proceder à vacinação de gado e para proceder à matança do porco”.

Este foi considerado e incluído oficiosamente pelo tribunal a quo, como já se viu.

Ora, os recorrentes, invocando passagens dos depoimentos gravados, defendem que devem alterar-se tais pontos e julgar-se não provados.

Têm, em parte, razão.

Olhando-se para as fotos juntas, nenhum sinal nelas se encontra da utilização constante e generalizada que em tais pontos se pretendeu retratar. No pavimento em terra, vê-se erva crescida, lages de pedra à mostra e só uma parte (indo da rua, na trajectória das casas do autor e réus e junto destas), parece mais cotiada plausivelmente por algum trânsito pedestre, pelo menos o do autor quando vai aos seus arrumos e o da ré L. D., única que lá mora.

Ele não é de passagem, nem de trânsito, nem de estadia. Trata-se de um espaço apenas aberto na confluência com a Rua X, uma espécie de reentrância, sem quaisquer condições ou atractivos.

Não há sinais, necessidade, nem condições propícias para fazer do local parque de veículos.

Não tem sentido, não é plausível, que os poucos [59] e dispersos [60] moradores de ... – muito menos os cidadãos em geral que, escassa e eventualmente, por ali passem – precisem e se lhes apresente como afeiçoada a utilização do espaço. Sítio disponível, inclusivamente, nos seus prédios ou à beira deles, não lhes falta, seja para porem os seus veículos, seja para guardarem os seus tractores ou outras alfaias agrícolas.

Tractores, na localidade, há 12, como informou a testemunha J. H., cujas declarações o tribunal recorrido considerou “essenciais”, “esclarecedoras e coerentes”, mormente para a decisão tomada quanto a tais factos. O problema, como ele também disse, e afloraram outras, é de eventualmente, se cruzarem dois deles na Rua e tal “engarrafamento” – a expressão já é nossa – precisarem de se desviar. Aí, um afasta-se para o espaço. Não espera ele, nem ninguém espera, que assim proceda por conjecturar que se trata de um espaço público e que é seu direito utilizá-lo. Nem espera que os réus venham de lá escorraçá-lo, a pretexto de ser sua propriedade. Confia na usual e pacífica tolerância.

Se houver Missa na Capela ou funeral no Cemitério, ali próximos, há o Largo respectivo, a rua e os terrenos adjacentes para estacionar e mesmo que algumas pessoas, de lá ou de fora, para o efeito, utilizem o espaço em questão (como disse aquela testemunha e outras), como é prática tolerada nestes meios, tal é insignificante de que o façam convictos de que se trata de uma praça ou largo .... Objectivamente, in loco nada lhes mostra que o seja, a não ser apresentar-se-lhes o acesso franqueado dada a inexistência de qualquer vedação, como sucede com muitos terrenos marginais às vias públicas secundárias no interior e nas aldeias rurais.

Há 3 ou 4 padeiros que vão à localidade. Com certeza que não vão todos em simultâneo. Há 7 rebanhos de vacas. Se, por um acaso, aqueles respectivos veículos ou estes animais ali se cruzarem e precisarem de se desviar e de, para tanto, ocuparem uma parcela marginal à rua do espaço, nada daí se pode concluir.

Notoriamente, estas são as preocupações e as razões da defesa da publicidade do caminho. Aliás, esta testemunha, para tal afirmar que toda a vida aquilo foi público, justificou que “espaço que tenha cinco ou seus herdeiros é público”. Considerando ele como “herdeiros” os donos das casas em volta (que do J. A. passaram para os seus avós ou pais e para seus tios e daí sucessivamente sem que se saibam exactamente as transmissões até ao autor e réus) e, entre os actuais, o autor e referindo que o largo foi – como o tribunal entendeu e ninguém questiona – propriedade de J. A. e as ditas casas pertenceram a pessoas com laços familiares entre si, bem se vê que a utilização comum sempre se confinou aos que por lá e por isso têm acesso, como é o caso do autor e dos réus.

É claro também que à aldeia vai o merceeiro. O Largo mais adequado para servir os clientes será o da Capela. É aí que ele pára, como reconheceu a mesma testemunha “essencial”. Obviamente que, como também acrescentou, se ali estiverem “duas ou três pessoas”, também pára. Parará se lá estiver ou o chamar a ré, única que lá mora (ou, tal como o padeiro, for hábito ir lá servi-la). Ou pessoa que ocasionalmente por ali vá a passar. Não o próprio autor que nem sequer lá habita (reside junto da Capela, mais adiante).

O mesmo acontecerá com o fornecedor do gás. E não diga o autor (como aventou nas suas declarações) que a carrinha lá vai ao largo entregar-lho e depositá-lo. É que ele não precisa, não gasta ali gás, nem pode, pela sua idade, transportar, depois, as botijas dali para a casa onde mora e o utiliza. Não faz sentido. O que é lógico é que a encomenda seja entregue no sítio onde a gasta.

Claro que o ex-dono da casa à esquina (confluência da rua com a espaço), A. J. e, agora, seu filho F. M. (testemunha), por comercializarem também gás, depositavam junto das suas escadas as respectivas botijas, como aliás se vê em algumas fotos (v.g., fls. 133 a 135). Tal utilização, porém, é confinada, nada significa, objectiva e subjectivamente, quanto à natureza do caminho e consciência sobre a mesma, sendo certo, aliás, como já se anotou, que, de acordo com o desenho do levantamento topográfico naturalmente feito mediante as indicações da ré L. D., o traço verde, a norte, delimitador do terreiro disputado da Rua ..., deixa para o lado desta as ditas escadas e nem sequer, significativamente, as toca, o que quer dizer que, nessa parte, não há litígio e que tal depósito de gás irreleva para o caso.

Certamente que a ré e o autor terão já matado porcos naquele espaço. Naturalmente, se ali têm as suas cortes (e são os únicos que as têm com acesso por aquele lado) é junto delas que tratam da matança. Nada demonstra, porém, que outras pessoas ali se desloquem (com os ajudantes e os animais) para levarem “publicamente” a cabo tal acto. Não se imagina que, para tal, venham lá dos seus lados, das suas cortes.

Ainda a respeito da vacinação do gado, embora tal seja referido por algumas testemunhas (F. M. e M. B.) e negado o conhecimento de tal facto por outras (caso de A. P.), tal não se nos afigura plausível para que a tal se procedesse naquele espaço, uma vez que não se encontra razão para, havendo outros locais mais propícios, sem dúvida públicos, de fácil e equidistante acessibilidade aos seus donos (caso do Largo da I.) e usualmente, segundo mostram as regras da experiência comum conhecidas por quem lida com estes casos e meios, mais procurados para tal. Aliás, a testemunha M. R., embora tendo dito que “antigamente” quando as vacas eram muitas lá se procedia também à vacinação, não deixou de acrescentar que, por agora já serem menos, “já se vacinam em determinados sítios” – ou seja, noutros e não neste.

Sem prejuízo do exposto, não há dúvida que, autor e réus, acedem e utilizam o espaço.

Assim, pese embora a crença pelo tribunal a quo afirmada quanto às declarações do autor e das suas testemunhas (M. R., F. M., M. B., J. H., A. G., A. P.), mormente quanto aos pontos 8, 9 e 29, e, ainda, a A. M. e A. B. quanto ao ponto 8 – excluindo qualquer credibilidade sobre isso quanto a J. C. – e negada quanto ao que disseram as testemunhas arroladas pelos réus e à oficiosamente inquirida A. L., e de, com base nelas ter concluído que “resultou inequivocamente para este Julgador que a parcela de terreno em causa nos autos teve inicialmente origem privada, pois chegou a pertencer a J. A. (pessoa esta que nenhuma das testemunhas afirmou ter conhecido ao longo da sua vida, não obstante a provecta idade da maioria das testemunhas ouvidas), sendo que, ainda hoje, alguns dos habitantes se refere aquele local como “largo J. A.”” e, ainda que, “Não obstante, certo é que foi referido pelas testemunhas que o referido J. A., à sua morte, terá deixado aquele espaço à família M.. Todavia, não se apurou de que forma se operou essa transmissão e a quem, em concreto, foi deixado tal bem (sendo que, os depoimentos obtidos em sede de audiência de julgamento se revelaram dispares neste particular)”, não nos convencemos que, seja certo, como a seguir afirmou julgar ser, que “a partir de determinado momento – cujo início, igualmente, não se apurou – a população de ... começou a utilizar indiscriminadamente aquele local, na realização das mais variadas tarefas, como sejam, na vacinação das vacas; na matança do porco; para uso enquanto depósito de materiais de construção civil (aquando da reconstrução da casa do autor), depósito de lenha, tractores e alfaias agrícolas, bilhas de gás; para realização de manobras de trânsito de veículos automóveis e de animais” e que “os diferentes habitantes de ...” assim procedessem “na convicção de que se tratava de coisa pública”.

O que se colhe, pese embora os longuíssimos depoimentos [61], resumidos na motivação [62] como tendo resultado de concreto e objectivo, é apenas a utilização, sim, pelo autor e pelos réus (mais pela ré L. D. – veja-se a residência dos demais), esporadicamente também por quem a casa deles se dirija, porventura ali páre ou precise de se desviar. Não chegam tais actos para concluir, com a certeza e segurança exigíveis, que mais intensa ou extensa utilização foi ou é dada ao espaço pelos demais habitantes do lugar, muito menos pelos forasteiros, e menos ainda pelos cidadãos em geral, pois que nem a Junta de Freguesia que os representa sobre isso alegou o que quer que seja, nem apresentou quaisquer provas ou alguém referiu ali ter exercido qualquer acto da sua função e competência que indiciasse, sentir-se ou representar o sentimento generalizado da população, de que o local é público e sobre ele tem jurisdição. A própria testemunha J. G., que era e disse ainda ser o Secretário da Junta de Freguesia e que assinou (em 18-06-2017) a acta de fls. 68, verso, a deliberar a outorga da procuração forense junta, apenas emitiu a opinião ou seu entendimento de que o espaço pertence à ré L. D. mas isso pelo que deduz do facto de o largo também ser conhecido por “de I.”, embora confirme que sempre ouviu também dizer que o era como de “J. A.”, e não porque exista qualquer facto que o conexione com a autarquia ou com a comunidade.

Seja como for, devendo alterar-se tais pontos em conformidade e, nesta medida, dar-se razão parcial aos recorrentes e reduzir os respectivos factos à realidade que se nos afigura demonstrada, tal não implica que eles sejam julgados totalmente como não provados.

Nem nesse sentido nos convencemos nem eles apresentaram fundamentos que a tal conduzam, mormente que arredem a referida utilização tal como a descortinamos, pois que, como também referiu o tribunal recorrido em ordem a afastar a tese dos réus sobre a questão, ”De facto, a ré não juntou qualquer documento que comprovasse a compra da peticionada parcela por si ou pelos seus antecessores, sendo que, não resulta minimamente demonstrado do teor dos documentos por si juntos – designadamente do auto de declarações do cabeça-de-casal de 13/4/1977 instaurado por óbito de A. G. e da certidão dos autos de inventário obrigatório a que se procedeu por morte de A. G., e em que desempenhou funções de inventariante MC., aberto no ano de 1967, de fls 137 a 160 – que a mesma tenha advindo à sua posse por partilha decorrente de óbito dos seus familiares. Acresce que, resultou indemonstrada a aquisição originária da posse por banda da ré relativamente à parcela em causa nos autos, tal como nos demonstra a matéria de facto dada como não provada. Por fim, da análise dos diversos documentos oficiais (como sejam escrituras públicas, certidões do registo predial; certidões de matrizes prediais) relativos aos prédios pertencentes ao Autor (vide fls. 260 a 262 e 266 a 267); aos Réus (fls. 6 verso; 7 verso e 8; 50; 137 a 160) e de A. J. (testemunha nos presentes autos)- vide fls. 6, 270; 275 a 276; 277 a 278, afere-se ocorrer uma falta de conformidade nas suas confrontações.

Assim, alterar-se-ão os ditos pontos do seguinte modo:

8. O espaço descrito em 4 é utilizado pelo autor para estacionar o seu tractor e alfaias agrícolas junta de sua casa e, por ocasião de eventos na aldeia (por exemplo, a festa em Julho ou funeral na I. e Cemitério próximos), é também utilizado, por algumas pessoas neles participantes, para estacionarem os seus veículos.”

9. Tal prática, independentemente de quem seja a pessoa, sempre ocorreu sem objecção de quem quer que fosse.”

29. O espaço descrito em 4 é também utilizado pelos habitantes da aldeia que têm vacas para, quando se cruzam na Rua X a que é adjacente, as desviarem e passarem; pelos vendedores que ali vão fornecer alguns produtos para parar os seus veículos e servirem a ré e pessoas que ali se encontrem; pelo autor e réus, para ali pousarem lenha; e, ainda, pelo dono da casa da esquina – antes A. J. e actualmente seu filho F. M. – para, encostadas às suas escadas, depositarem botijas de gás que comercializam.

Ponto 13

Nele consta como provado que, em 22-06-2016, os réus promoveram o registo predial do seu prédio e que, na respectiva descrição relativa à área descoberta, incluíram a área do espaço objecto do litígio.

De facto, é essa sua actuação que, objectivamente, resulta da cópia da respectiva ficha junta a fls. 6 verso e 7, que, obviamente, foi precedida do “Procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos” documentado a fls. 50, 71 e 72 efectuado em 22-06-2016.

Tal ponto reporta esse facto objectivo. Nada mais contém sobre a correcção da inclusão da área disputada na descrição da descoberta do prédio inscrito pelos réus. Não contém qualquer asserção afirmativa da realidade descrita, maxime quanto às confrontações a poente, logo da extensão do prédio e assim da veracidade da natureza de tal área ou da respectiva titularidade.

Por isso, não se compreende e julga-se mesmo sem sentido que, com base em tais documentos, os apelantes se limitem, na aparente impugnação de tal ponto, a corroborar os limites/confrontações do seu prédio e a defender que ele seja dado como não provado, alteração sem qualquer fundamento. Menos ainda se percebe a alusão, a tal propósito, à caderneta predial de fls. 6, relativa ao prédio vizinho 110 pertencente a A. J., da qual efectivamente resulta que em 24-08-2012 foi entregue a ficha Modelo 1 do IMI e de que terá resultado a indicação de ser o mesmo confrontante pelo seu lado nascente com a “Rua”, ou, ainda, aos documentos de fls. 275, 276 ou 293 a 300, em cotejo com o desenho de fls. 93, bem assim ao que disseram as testemunhas, quanto ao que deles se pode inferir sobre a veracidade/falsidade das confrontações do prédio dos réus cuja inscrição eles promoveram.

Trata-se de ostensiva confusão dos réus entre o que é estrita matéria de facto – promoveram a inscrição com aqueles dados – e a conclusão jurídica para que o ponto pode concorrer ou o efeito que de tal registo se pode extrair – natureza e propriedade do espaço em função dos limites entre propriedades.

É que no ponto, retirado embora daquilo que alegou o autor na petição, não se insere qualquer juízo quanto ao pressuposto e finalidade com que ele o invocou, designadamente verberando a atitude dos réus.

Ponto 14

Dele decorre, como provado, que a ré L. D., já desde o Verão de 2014 vem afirmando que o referido espaço lhe pertence e que “interpelou alguns cidadãos que nele estacionaram”.

Os apelantes pretendem que tal ponto seja julgado não provado, essencialmente porque defendem não se ter demonstrado que a ré tivesse interpelado outros cidadãos, que não o autor.

Ora, não é verdade que, na motivação, a Exmª Juíza mencione como fundamento respectivo, apenas, a carta de fls. 87 e 88. Ela aponta também diversos depoimentos testemunhais.

Sem embargo, parece-nos que, sempre numa perspectiva objectiva a que devem subordinar-se os factos, os réus têm razão quando sustentam que não é verdade terem interpelado “outros cidadãos”, negando que tal tivessem feito embora a pretexto de que tal não sucede (como lhes convém enfatizar) porque o local não é público.

A carta de fls. 87 e 88 é a referida no ponto provado 27 e data de 21-07-2016. Nela, a Mandatária dos réus dirige-se ao autor. Apenas a este – e a mais ninguém – imputa o estacionamento (antes tolerado, segundo a tese aí arquitectada, por favor mas posteriormente contra sua vontade) de veículos próprios e depósito de alfaias agrícolas no “pátio” que diz ser de sua casa, interpelando-o para deixar a “eira” devoluta.

Acresce que nem das declarações do autor, nem dos depoimentos das suas testemunhas, nem das cartas juntas a fls. 8, verso, ou 9 e verso (referenciadas no ponto 17), resulta demonstrado, sequer indiciado, que a ré L. D. se tivesse dirigido a “alguns cidadãos que nele estacionam” e, portanto perante eles, a propalar que o espaço é seu.

Claro que o autor, em evidente confusão, como consta, aliás, resumido na motivação da sentença, por duas vezes disse, no seu depoimento, que a ré, a partir de 2015, começou a afirmar ser dona do espaço.

Só que não é bem assim – o que, de resto, nesse e noutros aspectos, abala a consideração de “sincero, verídico, coerente e relevante” que o tribunal conferiu ao seu depoimento.

Na realidade, a carta de fls. 8 verso, em que ele se queixou à Junta de Freguesia de a ré L. D. se intitular dona do espaço e de se estar a preparar para promover o registo predial em conformidade, data de 20-10-2014, o que significa que, já então, e não a partir de 2015, ela se manifestava. Nessa carta, não consta que ela interpelasse quaisquer cidadãos. O que diz é apenas que, nesse mesmo mês, fora efectuada uma reunião da população da aldeia – encontro este certamente promovido pelo próprio, já que da Junta nenhuma actuação entretanto se conhece em tal sentido – e que aí a ré L. D. – que esteve também presente, como, por exemplo, testemunhou M. R. –, certamente perante os participantes, se intitulou dona do logradouro, perante o que – curiosamente – terá sido instada a apresentar documentos…, mas não confrontada com a afirmação de que o espaço era seguramente público!

Apenas na carta de fls. 9, dirigida em 2-11-2016, pela Mandatária do autor, à Junta de Freguesia, instando-a a agir judicialmente – o que esta só veio a fazer por meio da intervenção deduzida nestes autos e, juntamente com a sua posterior actuação, mostra bem a sua relutância, plausivelmente baseado na sua falta de fundamentos e consequente falta de convicção quanto à publicidade do espaço, o que parece resultar atestado do ”entendimento” expresso na audiência pela dita testemunha Fortunas, membro da autarquia –, é que, além da atitude da ré, reportada a cerca de um ano antes, se arquitecta, em termos mais elaborados mas vagos, e para cuja concretização não encontrámos justificação em qualquer outro meio de prova, que ela “manifesta oposição aos cidadãos, naturais de ... ou não, que estacionam no referido Largo, dizendo que não autoriza o estacionamento e diz que aquele espaço lhe pertence”.

Não há, pois, quaisquer indícios, menos ainda prova certa e segura, de que algum outro cidadão tivesse sido interpelado por lá estacionar, nem tal se mostra plausível, uma vez que, para além do autor e, esporadicamente, de alguém que ali se dirija por motivos com ele (caso do seu filho – cfr. o que alega no item 20 da petição) ou com a ré relacionados (e, portanto, com a respectiva tolerância), conforme descrevemos nos pontos alterados 8 e 29, não consta que o local seja e mais ninguém dele faça parque de estacionamento.

Consequentemente, seguindo sempre com indeclinável rigor a realidade emergente da prova, alterar-se-á (apenas) o ponto, que ficará assim:

14. A ré L. D., desde o Verão de 2014, vem afirmando que o espaço referido no ponto 4 lhe pertence”.

Ponto 15

Nele se dá como provado, conforme alegação feita nos itens 21 e 22 da petição reprodutora de parte da carta de fls 9 elaborada pela Srª Advogada do autor e dirigida à Junta, o depósito, pelos réus, de troncos, consequente ocupação permanente do espaço, impedimento que “os demais cidadãos dele façam uso” e que tal ocorre “dificultando as manobras de entrada e saída, cargas e descargas nos prédios confinantes”.

Os recorrentes pretendem que tal ponto seja julgado não provado porque dos meios de prova que indicam, em suma, resulta que sempre a ré ali colocou lenha, agiu como dona do espaço, que os últimos troncos que lá puseram estão arrumados junto e sua casa e em nada estorvam a passagem do autor.

Ora, sendo certo que, na motivação, não se discrimina qual teria sido o concreto meio de prova que o tribunal valorou a este propósito, não o é menos que todas as fotos estão mencionadas como tendo sido apreciadas e na alusão às declarações prestadas pelo autor consta tal ponto referido (no conjunto 14º a 18º).

O autor, ao alegar aquela factualidade, remeteu para as fotos juntas com a petição. Essas e as muitas outras dispersas pelos autos mostram, claramente, que, junto à parede da casa dos réus e também, no lado oposto, no enclave entre a do autor e de A. J. (frente à casa de M. C.) estão depositados troncos de árvore, aparentemente destinados a servir de lenha.

Ninguém duvida e os réus assumem que lhes pertencem e foram eles quem os lá colocou, embora se rejeite a sua asserção de que ali fazem o “canto da lenha”. Ao ar livre, no lado oposto e mais distante de sua casa? Não têm melhor e mais cómodo sítio para dele fazer o “canto”?

Também é obviamente credível que, não precisando eles de os depositar no aludido recanto fronteiro ao edifício da sua casa, foram lá pô-los depois que surgiu a zanga entre eles e o autor e como forma de vincarem a sua posição. Nem se duvida que lá os mantêm, com tais achas assegurando que permaneça bem crepitante a fogueira desta acção!

Tudo o mais é retórica: obviamente, os troncos não ocupam o largo, pois que este tem, segundo o levantamento topográfico, 196,7 m2 de área e como se vê nas fotos apenas uma ínfima parte desta é ocupada por eles. Não estorvam o autor no acesso a sua casa. Não impedem o acesso ao largo nem dificultam quaisquer manobras. Entradas por ali, como resulta claríssimo de toda a prova, apenas as têm os réus, o autor e, já muito próximo da Rua ..., como se disse, o filho de A. J. (dono da casa ali situada na esquina contrária à dos réus). Apesar de, quanto a isso, a testemunha M. R. dizer que, em tempos, também por lá passavam os animais pertencentes a seus pais, a verdade é que, não se vendo para onde se dirigiam, tal também reconhece ela não acontecer há muito e, em abono da verdade, não se percebe por que ou para que havia de assim acontecer uma vez que a sua casa é situada noutro lado, não adjacente ao largo, e não tem entradas por este mas sim por outra artéria pública. Não há o menor vestígio de que algum cidadão tivesse querido lá entrar ou manobrar e que disso tivesse sido impedido. Não há ali dentro pretexto para cargas e descargas de quem quer que seja, para além do autor e réus, e evidentemente os troncos, para além do acirrar recíproco dos ânimos, não as embaraçam sequer.

Em função do exposto, e em bom rigor, têm os réus razão, mas apenas parcial, não podendo eles pretender que se dê como não provado o mais que salta aos olhos.

Alterar-se-á, por isso, o ponto, que ficará assim redigido:

15. Na sequência do descrito nos pontos 13 e 14, em finais de Julho de 2016, os réus depositam, junto da parede de sua casa e no recanto oposto entre as escadas de acesso à casa do autor e as paredes das outras duas casas vizinhas ali situadas a norte e a poente, troncos de árvores, que lá mantêm.”

Ponto 16

Alude o ponto provado 16 às duas reuniões efectuadas pela população para discutirem o assunto do largo.

Pretendem os recorrentes que o mesmo seja eliminado, ora por irrelevante (pois que, segundo eles, nada têm a ver os cidadãos com a questão nem lhes compete decidi-la) ora porque, como alegam decorrer da prova, sempre os réus se disseram donos daquele espaço, ele constituía uma eira de sua casa, puseram lenha, animais e mataram porcos.

Não duvidam, portanto, que as reuniões foram efectuadas. Sendo o resto que a propósito afirmam inócuo quanto à realidade da matéria de facto vertida em tal ponto, é efectivamente discutível a relevância dela para a solução jurídica do pleito.

Ora, considerando e respeitando a metodologia da selecção da matéria de facto – que inclui mais aspectos instrumentais do que essenciais, aliás na linha dos articulados – e cuja bondade em geral não vem posta em causa quanto a outros pontos e admitindo até que as iniciativas ou atitudes tomadas pela população, ainda que evidentemente não decisivas, podem ser ponderadas como eventualmente significativas do seu sentir ou da sua inclinação quanto ao domínio do espaço disputado, manter-se-á inalterado tal ponto.

Ponto 18

Nele se dá como provado que “o prédio dos réus não tem qualquer superfície descoberta extra-muros”.

Pretendem os apelantes, que esse “facto” deve ser julgado não provado, com base no vasto acervo de prova que indicam e do qual retiram como comprovada a sua tese a tal respeito.

Ora bem.

Em primeiro lugar, temos por evidente que apurar e decidir se o prédio dos réus tem, ou não tem, área descoberta extramuros das suas casas e tomando em conta que a tal questão apenas interessa e que ela só contende com a área nesta acção disputada (pelo autor e pela Junta como pública; e, pelos réus, como sua propriedade), seleccionar e julgar como se fosse um facto e julgar como provado que “não tem” é o mesmo que – em face das duas teses em confronto – decidir antecipadamente que tal espaço não lhes pertence e abrir caminho à tese do autor, secundada pela Junta, segundo a qual ele seria público.

Desse ponto de vista, como já atrás se referiu a propósito de problema similar relativo à asserção vertida no ponto 5 de que o “espaço constitui um prolongamento lateral da Rua X”, e pelas mesmas razões aí aduzidas e que aqui se repristinam, o ponto deve ser eliminado.

Em segundo lugar, tendo em conta a causa de pedir que integra o objecto desta acção e em que assenta o pedido do autor e, assim, os factos fundamentadores do alegado e pretendido domínio público sobre o aludido espaço, é ao autor que compete, nos termos do artº 342º, nº 1, do CC, fazer a prova (positiva), porque sobre ele impende o respectivo ónus, daqueles factos, na medida em que constitutivos do direito (difuso) em que se baseia.

Daí que não releve para a boa solução do mérito jurídico da causa, indagar e dar como assente (negativamente) que os réus não têm qualquer área descoberta, além das suas paredes. A alegação, selecção, julgamento, decisão e discriminação dos factos relevantes para a procedência da acção deve ser feita, técnica e juridicamente, pela positiva, mediante a afirmação de factos que traduzam a natureza pública do terreno e a sua aquisição para o domínio público.

Por isso, também tal ponto deve remover-se do elenco.

Em terceiro lugar, resultando ele do referido, pelo autor, no item 28 da sua petição, tal afirmação mais não é do que uma antecipada impugnação, quiçá motivada, e ainda que com cariz conclusivo, da prevista e na contestação consumada alegação, pelos réus, de que tal espaço é coisa privada, integra o seu prédio e com este foi por eles originariamente adquirido, por usucapião.

Ora factos ou argumentos que redundem em simples motivos de impugnação não têm lugar na aludida selecção dos factos relevantes para decisão do pleito. Tê-lo-iam, isso sim, mas positivamente, os factos fundamentais relativos à composição da coisa e à sua aludida aquisição no âmbito do comércio jurídico privado, caso tivesse sido deduzida reconvenção e pedido que tal espaço fosse reconhecido e declarado como propriedade dos réus – o que não sucedeu – ou, vá lá, se integrassem verdadeira excepção peremptória, modificativa, impeditiva ou extintiva, o que temos por incerto.

Daí que tal ponto, assim redigido, fosse dispensável.

Em todo o caso, e agora em quarto lugar, mesmo que assim se não entenda sempre concordamos que tal ponto não deve ser julgado provado.

Não porque os réus tenham logrado, contrariamente, demonstrar que adquiriram e que são donos do terreno em causa de modo a concluir-se que este integra o seu prédio (matéria, aliás, vertida na alínea c), dos factos não provados).

Não pode afastar-se o juízo formulado pelo tribunal recorrido – ainda que o consideremos com um menor grau de convicção e certeza subjacentes ao mesmo – quando conclui: “resultaram infrutíferos os esforços encetados pela Ré no sentido de demonstrar que aquele espaço lhe pertencia em exclusivo. De facto, a ré não juntou qualquer documento que comprovasse a compra da peticionada parcela por si ou pelos seus antecessores, sendo que, não resulta minimamente demonstrado do teor dos documentos por si juntos – designadamente do auto de declarações do cabeça-de-casal de 13/4/1977 instaurado por óbito de A. G. e da certidão dos autos de inventário obrigatório a que se procedeu por morte de A. G., e em que desempenhou funções de inventariante MC., aberto no ano de 1967, de fls 137 a 160 – que a mesma tenha advindo à sua posse por partilha decorrente de óbito dos seus familiares.
Acresce que, resultou indemonstrada a aquisição originária da posse por banda da ré relativamente à parcela em causa nos autos, tal como nos demonstra a matéria de facto dada como não provada.
Por fim, da análise dos diversos documentos oficiais (como sejam escrituras públicas, certidões do registo predial; certidões de matrizes prediais) relativos aos prédios pertencentes ao Autor (vide fls. 260 a 262 e 266 a 267); aos Réus (fls. 6 verso; 7 verso e 8; 50; 137 a 160) e de A. J. (testemunha nos presentes autos)- vide fls. 6, 270; 275 a 276; 277 a 278, afere-se ocorrer uma falta de conformidade nas suas confrontações.”
Sendo verdade que “Todavia, não se apurou de que forma se operou essa transmissão e a quem, em concreto, foi deixado tal bem (sendo que, os depoimentos obtidos em sede de audiência de julgamento se revelaram dispares neste particular.)”, tal não basta para daí se poder extrair a conclusão que ele tenha ingressado no domínio público, mas também não parece que se possa afirmar peremptoriamente e considerar provado que ele não integra domínio privado.

Escalpelizada toda a prova, segundo os critérios legais utilizáveis, os padrões usualmente exigíveis na jurisprudência e em funções das necessidades práticas do processo, mesmo à luz do princípio da liberdade de apreciação e valoração dos meios de prova, restará a sombra e a incerteza.

É que, assumindo-se como certa a conclusão a que se chegou na sentença e que nenhuma das partes afronta – segundo a qual “resultou inequivocamente […] que a parcela de terreno em causa nos autos teve inicialmente origem privada, pois chegou a pertencer a J. A.”, o qual “à sua morte, terá deixado aquele espaço à família M.” –, julgamos muito duvidoso – irreversivelmente duvidoso, pois não se vê que mais possa fazer-se, ao cabo de tão intensa, demorada e esgotante instrução em que as partes de todas as hipóteses dispuseram para apresentarem as suas provas e em que o tribunal tudo fez [63] para esclarecer os factos, para mais e melhor se descobrir o iter, privado ou público, que a coisa terá seguido depois daquele J. A. e até que estalou a desavença entre autor e réus que, até aí comungaram, na paz dos anjos, do acesso e utilização do espaço – poder seguramente afirmar-se ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido, que “a partir de determinado momento – cujo início, igualmente, não se apurou – a população de ... começou a utilizar indiscriminadamente aquele local, na realização das mais variadas tarefas, como sejam, na vacinação das vacas; na matança do porco; para uso enquanto depósito de materiais de construção civil (aquando da reconstrução da casa do autor), depósito de lenha, tractores e alfaias agrícolas, bilhas de gás; para realização de manobras de trânsito de veículos automóveis e de animais. Todo este uso foi sendo feito ao longo de vários anos, pelos diferentes habitantes de ..., de boa fé, de forma pública, pacífica e reiterada, na convicção de que se tratava de coisa pública.”

Note-se que, mesmo para o tribunal recorrido, além da perceptível escassez de factos (relativos à utilização) de que dispunha como alegados e provados e de reconhecer não ter conseguido apurar a partir de que data eles se teriam iniciado [64], mesmo no próprio ponto 29 que, por isso mesmo, julgou necessário repescar e acrescentar (e, ainda assim, reduzimos), os factos aí elencados (sobre tal uso) são duvidosamente afirmados ora no tempo presente ora no passado – o espaço “é ou foi” usado –, o que mostra bem a insegurança, a incerteza e a volatilidade do resultado da prova emergente da audiência e, portanto, a falta de dados certos e firmes em que qualquer juízo, no sentido da tese do autor ou no da dos réus, sobre como tudo, entretanto, historicamente aconteceu in loco, se possa estribar.

Por isso e pelo que, ainda mais adiante, a propósito da impugnação dos factos não provados, se acrescentará, cremos que, tal como na alínea c) destes, se julgou não demonstrado que “O espaço em causa nos autos faça parte do imóvel” dos réus, também, peneirada e avaliada em termos semelhantes toda a prova, e ao abrigo do artº 414º (primeira parte), do CPC, não consente que se dê como provado que “O prédio dos réus não tem qualquer superfície descoberta extramuros” [65]

É exactamente porque nunca os próprios autor e réus questionaram a quem pertence o terreiro e ninguém, individual ou colectivamente, o reivindicou, que a própria Junta de Freguesia, apesar de expressamente solicitada, em 2014 e em 2016, por aquele, compreensivelmente, nenhuma acção (judicial ou outra) empreendeu até que, em 05-06-2017, esta foi proposta, tendo-se limitado ora a mandar cartas, em 29-03-2017, a cada um dos réus e aos respectivos cônjuges (fls. 45 a 67), ora a deduzir intervenção nestes autos (mas apenas em 06-10-2017 e na sequência da citação genérica dos interessados levada a cabo em Agosto desse ano nos termos do artº 15º, da Lei nº 83/95), do teor daquelas cartas e do deste articulado sobressaindo a exiguidade de fundamentos, sequer de argumentos (de facto ou de direito), para sustentar a dominialidade do terreno.

Eliminar-se-á, portanto, o ponto provado 18.

Sempre na mira do máximo rigor quanto à descrição fáctica, importa corrigir dois pontos: o 10 e o 11.

Com efeito, quanto ao primeiro, não pode manter-se nele a afirmação de que o prédio tem a área mencionada. Tal pressupondo a inclusão nele do terreiro discutido até às casas fronteiras, isso, sendo controverso, não pode considerar-se facto, muito menos provado pelas razões expostas, antes deverá ser conclusão a tirar a final.

Em consequência, a sua redacção será alterada, ficando:

10. Pela AP. 478 de 2016/06/22, encontra-se inscrita a favor dos réus, em comum e sem determinação de parte ou de direito, a aquisição, por sucessão hereditária, em decorrência do óbito de D. P., do prédio urbano, sito em ..., inscrito na matriz sob o art.º 112, composto por casa de habitação, de r/c e 1º andar, e logradouro, e aí descrito como sendo confrontante de norte com Rua ... e A. J.; sul, herdeiros de D. P.; nascente, escola primária e J. P.; e poente M. C., J. A. e J. C.; com a área coberta de 281,7m2; e como tendo de área descoberta 304,2m2; e descrito na conservatória do registo Predial ... sob o n.º ../2060622.”.

Quanto ao 11, resulta esclarecido, conforme certidão de fls. 83 a 85, 137 a 160 e 180 a 224, que, no inventário, instaurado em 1967, por óbito de A. G. (avó da testemunha J. H.), falecida em ..-02-1964, foram descritas:

-a verba 62 – artigo ... – metade, designada por “Sobrado Novo”;

-a verba 37 – artigo ... – outra metade, designada por “Sobrado de Fora”.

Ora, a verba 62 foi adjudicada a três herdeiros (filhos): T. J., M. A. e AG., recebendo cada um uma terça parte da mesma.

Ao passo que a verba 37 foi adjudicada em representação do filho pré-falecido D. P., aos quatro netos daquela e ora réus: M. P., A. G., H. T. e D. P., recebendo cada um uma quarta parte da mesma.

A ré L. D. (esposa do pré-falecido, em ..-03-1966, D. P.) não herdou aí nada, nem da sua sogra inventariada A. G. nem, obviamente, daquele seu marido.

Nem os demais réus seus filhos herdaram em partilha da herança de D. P., mas na da avó.

Porém, no “Procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos” junto a fls. 50 e 71 e 72, realizado em 22-06-2016, descreveu-se como integrante da herança de D. P., todo o prédio inscrito na Matriz sob o artº ..., integrando assim o que naquele inventário constituía duas verbas (cada uma metade dele), uma adjudicada aos quatro réus (filhos) – um quarto a cada um – e, a outra, adjudicada aos três tios destes – um terço a cada um.

Sendo certo que a ré L. D. nada herdou, no aludido inventário, “há cerca de cinquenta e cinco anos” [66], não se percebe – porque não há qualquer prova explicativa, seja de que natureza for – como, quando e porque modo, todo ele foi (e, portanto, as duas casas), no dito procedimento, descrito como integrante da herança de D. P., ou seja, como se transmitiu para o acervo desta a metade que fora antes herdada por seus três irmãos sobrevivos, nem como aquilo que fora herdado por seus quatro filhos e ora réus reaparece também como fazendo parte do seu património hereditário e, portanto, também a separar para a meeira e a partilhar por ela e pelos filhos.

Isto, por um lado, ilustra bem a dificuldade de se perceber o percurso dos bens – maxime o do espaço discutido adjacente aos mesmos – e, por outro, mais não permite senão inserir como facto que o registo provado em 10 foi feito com base no aludido “Procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos” junto a fls. 50 e 71 e 72. Nada mais. O que se nada interfere com a posse pelos réus e duração dela descritos quanto ao prédio em si nos pontos provados 19 e seguintes, uma vez que a propriedade dele é pacífica, já quanto à da alegada (mas não provada) em relação ao espaço questionado inviabiliza qualquer hipótese de se considerar como provado que ela o abrangeu, como de resto se verá ainda mais à frente.

O ponto 11 ficará, pois, assim redigido:

11. Os réus, no “Procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos” junto a fls. 50 e 71 e 72, realizado em 22-06-2016, declararam-se, respectivamente, meeira e herdeiros do falecido marido da ré L. D. e pai dos demais réus M. A., A. G., H. T. e D. P., declararem como integrando a sua herança o prédio dscrito em 10 e foi com base nesse título que o registaram a seu favor na Conservatória.”

Pontos não provados das alíneas b) a o), w, x), y), z), cc), dd), ff), hh), ii, jj) e kk).

Tais pontos, essencialmente, como se colhe da sua transcrição acima feita, consubstanciam a tese fáctica aventada pelos réus na contestação, segundo a qual tal espaço era e é uma eira; integra o seu prédio inscrito na Matriz sob o artigo …; este sempre teve a mesma área, composição, configuração e confrontações que emanam do levantamento topográfico (a seu mando e por sua óbvia inspiração elaborado, pois que, conforme consta a fls. 123, foi a ré L. D. que lhe à Técnica as confrontações, por si ignoradas) e com base no qual o inscreveram no registo predial e alteraram no cadastro fiscal; sobre tal espaço sempre exerceram e exercem actos de posse variados, nos termos, com as características e durante período de tempo (mais de 80 anos) que conduziu à sua aquisição originária.

A motivação do tribunal recorrido a tal respeito redunda na afirmação da inexistência de qualquer prova e na contrariedade da produzida em relação a eles.

De facto, a prova concludente em um sentido exclui o outro. Só que, como já se aflorou, não se apresentando como tal em relação à tese da publicidade da coisa, também não nos convencemos que o seja quanto à da sua privacidade e aquisição pelos réus.

Revisitemos todo o acervo documental.

Mostra o documento de fls. 5 (cópia do BI) que o autor nasceu em -/01/1941. Logo, a sua memória não pode ir além dos sessenta e tal anos.

Sendo porém matéria consensual e assente na sentença que o espaço foi privado e propriedade de J. A. e constando do ponto 6 que pelo nome de “Largo” ou de “Eira” do dito “J. A.” ele era, em conformidade com isso, conhecido há mais de sessenta anos, e, do ponto 4, que é conhecido agora por “Largo ...” mas que também o é, ainda, quer por aquela designação antiga quer por outras (“do B.”, “da F.” ou “FO.”), percebe-se que ele sempre foi referido aos donos das casas adjacentes.

Os “I.” são os réus, “B.” e “F.” ou “FO.” foram ante-proprietários de casas a poente, podendo ter pertencido todas ao “J. A.” (e daí que a ele próprio referido o espaço por elas circundado) e, depois, em função de transmissões sucessivas, para os diversos vizinhos (e daí que aos respectivos nomes referido o largo, sem que tal signifique algo de decisivo quanto ao domínio e propriedade do mesmo (apenas pelos réus ou por todos eles e respectivos antecessores) ou queda no domínio público.

Na verdade, ignora o autor o que se passou a seguir ao J. A. e apenas cogitam, sem suporte factual e probatório concreto, ele e o réu também ouvido e as testemunhas, conforme interesse e simpatia por uma ou outra tese, que ele se terá tornado público (não se sabe como, apenas se esgrime uma realidade consumada estribada numa utilização de tal jaez mas indemonstrada) ou que terá sido adquirido pelos réus.

Ora, a Junta, tal como o autor, não alegou qualquer acto, seja de que natureza for, por si própria, ou seja, através dos seus órgãos, praticado no ou sobre o espaço em discussão (reparação, melhoramento, limpeza, etc.), nem a existência de qualquer marca, característica ou infra-estrutura de água, saneamento, energia eléctrica, comunicações) que aponte para jurisdição pública, a não ser o envio das já aludidas cartas a todos os réus e respectivos cônjuges, a dar-lhes conta de alegadas reclamações da população, a censurar as alterações feitas pelos réus à descrição do seu prédio e a exigir a desobstrução daquele.

A badalada natureza de eira em que os réus tanto insistem e que o local teria tido e terá ainda, embora baseada pretensamente nas referências documentais abaixo aludidas e no indício (reportado pelas testemunhas, como A. L. ou J. H.) de que ali teria existido um Y e que foi desmontado e remontado juntamento com outro, noutro local e em prédio cuja propriedade não resulta clara, não assenta em prova bastante nem é plausível no caso.

Uma eira não consiste num espaço, como o discutido e mostrado nas fotos, no levantamento topográfico e por certo observado na inspecção, tão irregular, com catorze lados desiguais, com o chão ora em terra, ora em lage natural ora em calçada, erva e plantas crescidas, sem qualquer vestígio notório de ter sido ou servido para tal função, ou seja, para depositar, malhar, secar e guardar cereais. De acordo com a experiência, pessoal ou funcional, a eira é normalmente um quadrilátero (quadrado ou rectângulo), arejado e bem exposto ao sol (não rodeado por edifícios), demarcado do terreno onde se insere pelo menos com o pavimento em lages de pedra inseridas regularmente no chão e com mínima aptidão funcional.

Conforme fls. 6, que reproduz a caderneta predial do prédio 110 que pertenceu à herança de I. J., depois a A. J. e actualmente a seu filho (testemunha F. M.), é verdade que, tendo sido actualizada supostamente com a apresentação, em 24-08-2012, do Modelo 1 de IMI, figura como confrontando de norte, sul e nascente com a rua e do poente com A. F. (a casa que é agora de M. C.).

Trata-se da casa mais ao cima, no levantamento topográfico de fls. 93 (mandado elaborar e junto aos autos pelos réus), assinalada como de A. J., de onde se observa que metade da sua fachada nascente e metade da fachada sul pegam com o espaço em disputa, estando a outra metade da fachada nascente na Rua X (segundo o desenho) e pegando a outra metade da fachada sul com prédio de M. C..

Sobre isso, a fls. 282 a 285 e 293 a 300, foi junta certidão de uma escritura, datada de 19-04-1965, em que A. FO. – o tal FO. que também teria dado nome ao largo? – declarou vender a A. J. a dita casa inscrita no artigo 110, aí se mencionando que “do norte e nascente com a Rua ...”, do sul como D. P. (assim se chamava o falecido marido da ré L. D. e pai dos réus M. A., Ana, H. T. e D. P.) e do poente com A. F. (que teria sido o anterior dono do prédio assinalado no levantamento topográfico como de M. C.).

Ainda a fls. 270, consta a descrição predial do mesmo prédio (artigo 110), como a confrontar de “norte sul e nascente com a Rua ...” e do poente com A. F., e a aquisição, por doação, registada em 22-03-1991, por F. M. aos doadores seus pais, A. J. e mulher I. J., documento apresentado pelo donatário quando ouvido na qualidade de testemunha e mandado juntar aos autos, impugnado pelos réus quanto a tais confrontações, inclusivamente oferecendo outros documentos. A fls. 275 e 276, consta a própria escritura da referida doação do prédio 110, datada de 14-03-1991, nela constando o prédio identificado com aquelas mesmas confrontações de “norte sul e nascente com a Rua ...” e do poente com A. F., mas consignando-se que foi, no mesmo dia, apresentado um pedido de rectificação delas na Matriz, pois que a certidão do respectivo teor datada de 05-03-91 e que instruiu a escritura refere, como confrontações (fls. 277, verso), “norte, sul, nascente e poente com D. P.” juntando-se certidão de 07-05-2019 (fls. 278, verso), com fotocópia da folha de cadastro físico na Matriz, do tipo antigo, onde constavam estas confrontações manuscritas mas que, a seguir e por baixo, foram riscadas e substituídas pelas mencionadas na escritura.

Tais referências que legalmente nada valem e instrumentalmente apenas podem tomar-se como indícios, patenteiam a incerteza mesmo a displicência com que são feitas. A sul e nascente não existe rua. Existe o terreiro, espaço diverso. A sul ora se menciona D. P. ora a rua. Não podem os réus esquecer esta referência e apenas salientar aquela. O significado e valor probatório de uma e outra é o mesmo, ou seja, nenhum. De resto, ignora-se quem era o referido D. P. e, designadamente, quem o precedeu ou lhe sucedeu como proprietário vizinho e de quê, logo as circunstâncias por que é nomeado como confrontante por todos os lados.

A fls. 5, verso, dos autos consta a Caderneta Predial do imóvel do autor – o nº … da Matriz. Apesar de ela referir ter sido apresentado o Modelo1 do IMI em 24-08-2012, estranhamente, não indica confrontações. Vê-se que a área do terreno é a da construção (122 m2), o que confirma que esta foi reconstruída e aumentada. Verifica-se também que efectivamente a mesma não é habitação do autor, pois que ele mora no Largo ....

A fls. 102 consta o registo na Conservatória (feito em 07-02-2018) do aludido prédio 111, em nome do autor, também sem indicação de quaisquer confrontações, com base em aquisição, por compra, que, conforme resulta da escritura pública de fls. 259 a 262, ocorreu em 02-08-1983, onde figura como vendedor M. A., mencionando-se que a casa era conhecida por Casa de ... e que tinha, como confrontantes, do norte com A. F., do sul J. M. bem como “do poente e do nascente com Largo ...”, confrontação esta impugnada pelos réus fls. 265 e 266, para o que juntaram, a fls. 267, certidão, emitida pela Repartição de Finanças de …, por narrativa e impressa (não cópia do manuscrito), segundo a qual do teor do artigo .. da matriz predial física consta que se trata de “Moradia construída com pedra tosca e coberta com colmo. Rés do chão com uma divisão, uma porta, 1º andar, uma divisão, uma janela e uma porta, sita em ..., lugar de ..., a confrontar de norte com Corte de D. P.; sul e poente com casa de JG., nascente com Serventia, como S. C. de 22,8m2, inscrito em nome de J. B.… Foi inscrita na matriz no ano de 1937”, notando-se que, quem escreveu o texto da certidão, leu “Serventia”, o que, como se verá, não parece ser correcto.

Sobre a mesma casa, consta, a fls. 172, fotocópia do antigo cadastro físico da Matriz, junta pelos réus, segundo eles referente à descrição matricial do prédio … do autor (mas cujo artigo é ilegível) e que, de acordo com o respectivo teor, tem de área coberta 22,8m2, antes teria estado inscrito em nome de M. A. (traçado, como era hábito fazer-se nas Finanças antigamente) e depois em nome do autor, descrito como moradia construída com pedra tosca e coberta com colmo, tendo no rés do chão uma divisão e uma porta e no primeiro andar uma divisão, uma janela e uma porta, a confrontar do norte com corte de D. P. (antecessor da actual casa de M. C.?), de sul e poente com casa de JG. e nascente com … - a palavra (quase ilegível pela grafia e por estar muito esbatida na fotocópia) afigura-se-nos ser “moradia”, a aludida certidão de fls. 267 reporta ser “Serventia” e os réus lêem e alegam ser “imediato”, para daí retirarem (conforme fls. 171) e alegarem que tal prédio “imediato” é o seu 112, ao passo que o autor lê e alega ser “caminho”,– documento este impugnado (fls. 174 verso pela interveniente Junta de Freguesia), sendo certo que não há como esclarecer a dúvida.

Ora, dando a casa do autor, de norte (em parte) e de nascente, para o discutido terreiro, as indicadas confrontações, pela sua diversidade, não permitem extrair conclusão alguma, certa e firme, sobre a natureza e propriedade do terreno desses lados contíguo, tanto podendo pretender quem as determina referir-se a espaço público, como a privado e mesmo relativamente à passagem que ele permite a mero direito de servidão (como alegam os réus).

A fls. 6, verso, e 7, constam a Caderneta, obtida em 29-01-2016, e descrição na Conservatória, informada em 5-6-2017, respeitantes ao prédio dos réus inscrito na Matriz sob o artº112, como situado na Rua X (os outros são no Lugar de ...), a confrontar de norte com Rua ... e A. J., de sul com herdeiros de D. P., de nascente coma Escola Primária e J. P. e de Poente com M. C., J. B. e J. C.; com a área de terreno 585,9, área de implantação 281,7, referenciando-se que a ficha Modelo 1 do IMI foi entregue em 12/1/2015. Nova Caderneta está junta e repetida a fls. 161 mas impressa em 23-03-2018, constando também, a fls. 226, uma certidão do teor matricial do mesmo prédio 112 com os mesmos dados das Cadernetas antecedentes.

Sobre o mesmo prédio 112, consta, a fls. 163 verso e 164, reproduzida a fls. 231, a antiga folha do respectivo cadastro matricial, datada de 1954, que o mostra inscrito em nome de A. G. (27/35) e D. P. (8/35) – mãe e filho, este marido da ré L. D. –, descrita como moradia construída com pedra trabalhada e coberta com colmo, tendo (se bem lemos) no rés-do-chão 5 divisões e 6 portas e no 1º andar 6 divisões, 8 janelas e 4 portas, a confrontar do norte e poente com a rua (note-se que apenas diz “rua”, não diz “Rua ...”, diferentemente do que terá lido e alegou o autor ao responder ), sul com terra do mesmo e nascente com casa de L. F., tendo 166,63m2 de área coberta.

Nada, igualmente, pelas confrontações se consegue concluir com clareza e firmeza.

A fls. 162, consta a Caderneta Predial do prédio urbano 120, descrito como casa de habitação, em nome de F. M., situado no Lugar de ..., a confrontar do Norte e Poente com L., do sul com L. J. e do Nascente com a Rua, com a área total de terreno e de implantação de 34,10m2, segundo ficha Modelo 1 entregue em 24-08-2012. A fls. 228 consta certidão de teor da inscrição matricial do mesmo prédio. A fls. 165, melhor reproduzida a fls. 233, consta a antiga folha do cadastro matricial do prédio urbano 120, em nome de F. M., com 34m2 de área, então descrita como moradia construída com pedra trabalhada e coberta com colmo com uma divisão e uma porta, com as mesmas confrontações de fls. 162 – documentos de que nada se alcança com relevo.

A fls. 163 e 230, constam a Caderneta Predial e a certidão de teor do prédio urbano 204, descrito como casa de habitação de rés-do -hão, situado na Rua da …, a confrontar do Norte com caminho, do sul como herdeiros do casal, nascente com JC. e poente com JA., inscrito em nome de Cabeça de Casal da Herança de D. P., vendo-se, a fls. 165 verso e 166 verso, melhor reproduzida a fls.232, antiga folha do cadastro matricial do mesmo prédio urbano, descrito como casa térrea com uma só divisão, com a mesma inscrição e confrontações - igualmente se nada daí se retirando como esclarecedor e decisivo.

A fls. 8 vº, consta a carta do autor, por ele próprio subscrita e aparentemente elaborada, remetida à Junta de Freguesia onde apelida o espaço ora de “largo de acesso público”, ora de “largo ...”, ora de “logradouro” e onde refere ora que a “minha serventia” sempre foi feita pelo “logradouro” ora que o foi pelo “largo ...”, referências singelas e espontâneas que já não aprecem na carta de fls. 9, elaborada e endereçada à Junta de Freguesia pela sua advogada (onde se reconhece que o espaço era conhecido por “Largo ..”) mas que mostram eloquentemente a própria incerteza do autor sobre a natureza do espaço e do seu alegado direito, não se esquecendo que os réus efectivamente lhe reconhecem ter servidão de passagem.

Auto de inspecção de fls. 119, segundo o qual o piso da Rua X é em paralelo e o do espaço discutido é em terra batida (parte mais interior, conforme fotos), em pedra (na parte mais chegada à Rua X e contígua a esta configurando uma calçada mas com pedras muito irregulares, como se vê das fotos de fls. 118) e lage natural (fotos de fls. 119).

Quanto a fotos, ainda, constam dos autos as de fls. 11 a 13 e 21 a 23 (e versos) e originais juntos a fls. 118 a 122, 131 a 135, 86 verso, 89 e 90 e 94 a 97, 286 a 291. Trata-se de imagens do local, da sua confluência com a Rua X, pavimentada a cubos, pavimentação esta a que se segue, no início do espaço em causa, um empedrado irregular, depois lages naturais, terra, erva e plantas rasteiras não calcadas nem sequer cotiadas, na sua maior parte, por qualquer transeuntes. Não se vê qualquer infra-estrutura de serviços públicos. Sugere ser uma reentrância ou recanto (embora com 196,7 m2 de área, segundo o levantamento topográfico) de passagem e acesso às casas que o ladeiam e que por ele têm efectivamente entrada (apenas as duas, de autor e réus), sem sinal de possibilitar outras ligações, trânsito corrente, ou seja, permitindo por ele a deslocação de pessoas e animais e a circulação de veículos, sim, mas limitada àquele espaço, aos proprietários confinantes, com ar de abandono e muito reduzida utilização.

Vê-se que os edifícios dos réus têm, no rés-do-chão, portas largas (portas “carrais”), enquanto que, quanto às demais casas, apenas o do autor tem varanda e umas escadas. Nas de fls. 89 verso e 96, vê-se que aquilo que os réus designam, na contestação e na respectiva legenda, por pátio está devidamente arranjado (chão pavimentado, limpo e embelezado com vasos de flores), ao passo que o disputado espaço exterior que dizem pertencer-lhes e que designam por Eira não revela sinais de qualquer cuidado.

No domínio das imagens, constam de fls. 81 verso e 93 os levantamentos topográficos, cuja orientação cardeal foi confirmada pela técnica que os elaborou através dos documentos por si subscrito e juntos a fls. 123 e 124 e cujas confrontações, segundo o mesmo, lhe foram dadas, na altura da execução e no local, pela ré L. D.. Na planta retirada do Google Maps, sobrepôs o levantamento para mostrar, segundo ela, a correcção deste. Porém, essa sobreposição, cotejada também com a imagem de satélite acessível pelo Google Maps na Internet, esclarece que a parte norte do espaço legendado como logradouro e demarcado a tracejado azul não se estende até ao assinalado como Eira (espaço objecto do litígio e que os réus assim nomeiam) e a traços verdes, nem liga com este, pois que nessa parte norte, por um lado, é visível claramente a existência de telhado de cobertura contínuo entre os dois edifícios designados por “casa sobrado de fora” e “sobrado novo” e, por outro, nas diversas fotos juntas tiradas do lado da Rua X para o interior, vê-se que as fachadas de um e de outro e os telhados respectivos estão, esses sim, ligados sem que, entre ambos, haja qualquer espaço de terreno livre e descoberto que aparente e se possa designar por “logradouro” e que seja contíguo ao designado por “Eira”, o que mostra a inexactidão, pelo menos quanto a tais detalhes, do levantamento, e põe em causa os motivos que determinaram a sua elaboração e, portanto, o rigor e a fiabilidade das legendas mais significativas nele apostas.

Consta de fls. 50 e 71 e 72 o documento 3, oferecido pela interveniente Junta de Freguesia. Trata-se de um intitulado “Procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos”, efectuado, em 22-06-2016, na Conservatória de …, relativo ao falecido (em 10-03-1966), D. P., marido e pai dos réus, datado de 22-06-2016, no qual se relaciona o seu prédio …, com a área, confrontações que constam, segundo fls. 6 vº e 7 da Matriz, que vieram a ser por eles levadas ao registo, onde, até então, ainda não se encontrava descrito, a propósito do qual e em cotejo com os documentos relativos ao inventário a seguir referido se precisou a redacção do ponto 11.

O documento III junto com a contestação dos réus (fls. 83 a 85), reporta-se a um inventário, instaurado em 1967, por óbito de A. G., falecida em ..-02-1964, mãe do pré-falecido D. P. (cônjuge e pai dos demandados), em cuja relação de bens se descreve sob a verba 62 (fls. 85, verso) o prédio “Sobrado Novo e Eira, que confrontam do Norte com João, nascente com o caminho, poente e sul com bens do casal, inscritos na matriz sob o artigo ... (um meio)” e, na verba 63, descreve-se o “Forno do I.” – pormenor este que sustenta a referência a tal família como “de I.”.

Consta, ainda, uma certidão, junta de fls. 137 a 160 e 180 a 224, vendo-se que, no inventário referido, foram descritas duas verbas, repetidamente, sob a designação de verba 37, a primeira como “Casa com seu sobrado de fora”, que será a situada mais a norte do conjunto predial dos réus indiciado no levantamento topográfico e que “confronta do norte e poente com a rua” (sendo que de poente não existe rua mas o largo) e sul “com bens do casal” inscrita na Matriz sob o artº ... (um meio); e, a segunda verba, como “Casa ...” que confronta do norte e nascente com bens do casal, poente e sul com a rua, inscrita no artigo …; enquanto que a verba nº 62 foi descrita como “Sobrado Novo e Eira”, que será a implantada a sudoeste do aludido conjunto e que confronta do norte com João, nascente com o caminho, poente e sul com bens do casal também inscrita sob o mesmo artigo ... (outro meio).

Verifica-se, do auto de conferência de interessados que a dita verba 62 foi adjudicada por um terço à herdeira T. J., outro terço ao herdeiro M. A., e outro terço a A. G., ao passo que a verba 37 (neste auto discriminada como referindo-se à Casa ...) foi (toda) adjudicada à herdeira H. C., enquanto que a outra segunda verba 37 (“Casa com seu sobrado de fora”) foi adjudicada a M. P. (um quarto) e A. G. (outro quarto), à interessada H. T. (outro quarto) e ao interessado D. P. (outro quarto) – os quatro filhos do pré-falecido D. P. e sobrinhos dos demais, netos, portanto, de A. G..

Quanto a processos de inventário, constam de fls. 312 a 335 cópias mandadas extrair e juntar oficiosamente (fls. 388 verso) do inventário 26/12.1TBMTR, por óbito de António e de M. L. (pais da testemunha A. L.), falecidos em ..-08-1986 e ..-11-1988 em que esta foi cabeça de casal. Na relação de bens descreve-se, sob a verba 1, o prédio 121 – prédio urbano denominado casa de habitação na Rua das ..., composto por R/C e 1º andar com 154 m2 de superfície coberta confronta de norte com A. G., do sul com a Rua, do nascente com L. e do poente com servidão (fls. 321), junta-se a Caderneta Predial respectiva (fls. 323). Na conferência de interessados (fls. 327 verso) foi rectificada a verba 1 quanto à área e confrontações ficando “área de 170 m2, de norte com herdeiros de M. A., de sul com MP., do nascente com herdeiros de M. A. e do poente com MP. e com pátio em comum”. Tal verba foi licitada por AG..

Referiu a testemunha A. L. que esta foi a casa que tinha a tal Eira do J. A., que era de J. A., que este deixou aos seus avós (J. C. e L. F.), onde viveram sempre, e que tal Eira foi deixada a seu pai António.

Apesar de tal verba 1 ter sido licitada pelo irmão da testemunha A. L. (AG. - fls. 328), o certo é que nela não se discrimina qualquer eira e a referida testemunha acabou por dizer, afinal, que esta ficou para todos (ela e seu cinco irmãos).

A fls. 336 a 387, consta certidão do inventário 553/1916 por óbito de J. C. (avô da testemunha A. L.), falecido em ..-01-1916, em que foi cabeça de casal sua esposa, viúva, L. F. (avó da testemunha). Nas declarações de cabeça de casal, constam como seus herdeiros seis filhos. Nenhum aí tem o nome do pai da testemunha (António) (cfr. fls. 338). O mais parecido é “AC.”, então com cinco anos de idade. Nos pagamentos respeitantes a essa partilha de fls. 378, 384 e 385, ao dito herdeiro AC. foram adjudicadas (em parte) quatro verbas, conforme notas do documento de fls. 310 que a testemunha A. L. apresentou em mão. Nos pagamentos à viúva inventariante L. F. (a designação do largo advirá também desta “F.”? ou do “FO.” já referido?), por conta da sua meação, conforme fls. 378, 384 e 385, constam (no todo ou em parte) oito verbas, conforme notas do apontamento de fls. 311 que a testemunha A. L. apresentou em mão.

Ignora-se, porém, a partilha por óbito daquela L. F. dos bens que lhe foram adjudicados, sendo que, conforme certidão de fls. 392 verso, tal pessoa (L. F.) faleceu em 01-11-1949, com 80 anos de idade, no estado de viúva de “JP.” (referência que indicia que também por este nome era conhecido o avô da testemunha A. L. “J. C.”, por cujo óbito, em 1916, correu o citado inventário 553/1916, e que também pode explicar o facto de o pai da dita testemunha ser nomeado ora como “António” ora como “AC.”).

Lendo-se as respectivas verbas da descrição de bens adjudicadas à viúva L. F. (7 a 12 e 14 a 16), nenhuma das quais indica artigos matriciais, embora nelas (7, 8 e 9) conste a referência a “morada de casas”, a “eira, palheiro e tulhão” e a “Y”, nenhuma delas ou todas, mesmo pelas confrontações, coincide com a verba 1 (fls. 321), inscrita na Matriz sob o artº …, do inventário por óbito do pai (AC. ou António) e da mãe (M. L.) da testemunha A. L.. Mesmo a verba 9 (“Y”) não se sabe a que corresponde. Apenas há alguma conotação com as notas manuscritas no documento de fls. 310 verso (um dos tais dois apresentados em mão pela testemunha A. L.) referenciando bens pertencentes a seu pai, incluindo “O Sobrado Novo” que “correspondem a 33/52 do chamado J. A. 121”. Saliente-se que, na resposta sobre os documentos, o autor (fls. 396 verso e 397, invocou que a “Eira” não consta da relação de bens do inventário 26/12 por óbito dos pais da testemunha A. L. e que uma eira a que ela fez referência no seu depoimento – dizendo que partes do Y que na sua versão teria existido na discutida foram retiradas e juntas a outro existente nessa tal outra Eira – se situa a cerca de 300 metros do local da contenda e nada tem a ver com esta.

Salienta-se, por fim, que os réus aceitam, no seu requerimento/resposta a documentos de fls. 391 verso que a “Eira” disputada “pertenceu primitivamente a J. A. […] e que dele passou para a família dos M.s” mas, embora aleguem que ela (a “Eira”) foi adquirida pelos seus ascendentes à família dos M.s, desconhecem se tal aquisição (a ter acontecido, claro) teria sido feita à própria L. F. ou a outra pessoa da família dos M.s e em que data, sabendo apenas que tal teria acontecido antes de a ré L. D. ter casado – em 21-09-1953, conforme certidão de fls. 394 e verso – com o antecessor (pai dos réus), pois que ela própria, apesar da sua avançada idade – nasceu em 20-01-1926 (cfr. mesma certidão) –, desconhece tal pessoa concreta.

Os referidos documentos juntos a fls. 310 e 311, foram exibidos pela testemunha A. L. a sua junção foi ordenada oficiosamente (fls. 388 verso). Trata-se, no primeiro caso, de uma espécie de apontamentos, em folha pautada do tribunal, relativo aos “bens pertencentes a AC.” (cujo nome disse ter sido o de seu bisavô mas terá sido o nome verdadeiro, ou usado, também por seu pai) [tem intercalada por escrito “ou António”, que foi o pai da testemunha referida] nos autos de inventário por óbito de J. C. (avô da testemunha), em que foi cabeça de casal L. F. (avó da testemunha A. L.); e trata-se, no segundo caso, também de uma espécie de apontamentos, em folha pautada do tribunal, que menciona “bens pertencentes a L. F.” (avó da testemunha A. L.) no inventário por óbito de AC. (bisavô da testemunha A. L.).

De tudo o exposto, resulta patente como é movediça a prova. Sempre tendo presente que, antigamente, tudo pertenceu a J. A., e admitindo-se que os bens dele, todos (incluindo o largo), foram transmitidos posteriormente e, sem que seja possível aqui saber-se como, passaram pela numerosa família dos “M.s”, não conseguimos, coligindo e tentando relacionar os dados daqueles processos, olhando ao que disseram as testemunhas, sobretudo J. H. e A. L. quanto à identificação dos seus ascendentes e mesmo tendo em conta o esforço desta última nesse sentido para também os relacionar com os papéis e dados que apresentou, estabelecer qualquer conexão clara, certa e segura [67], de modo a, com base nela, se captar e expor, de modo encadeado, as sucessivas transmissões e a concluir sobre qualquer relação objectiva da primitiva ordenação dominial ao tempo de J. A. com a realidade hoje observável no local e sobre a ligação intersubjectiva entre ele, como antigo dono, e os actuais, dada a multiplicidade de factos transmissivos (hereditários e/ou contratuais) entretanto ocorridos, à quantidade de pessoas, familiares ou não, que os protagonizaram e à evidente rarefacção e consequente dispersão dos bens por elas, não podendo, por isso, afastar-se a hipótese de o espaço ter continuado como coisa privada mas sem que se consiga atingir qualquer certeza quanto a isso e discernir o respectivo modo, nem definir com precisão a eventual titularidade respectiva em função da relação entre aquele e os demais prédios circundantes.

Não se consegue esclarecer, nem os réus o fizeram, para além de alegarem a posse por usucapião que tal não resolve, como é que na coisa imóvel que registaram a seu favor efectivamente se integra o espaço em disputa e, assim, que ele terá a área e as confrontações que indicaram e defendem ser as verdadeiras e actuais. Não estabeleceram eles nem se demonstrou, uma cadeia de transmissões a partir do J. A. que retratasse o caminho da coisa até ao património hereditário objecto do “procedimento simplificado” de maneira a mostrar-se, especialmente, o iter do espaço a que chamam eira, nem actos de posse especificamente praticados sobre este.

Repare-se, por exemplo, no inventário de 1916 por óbito de J. C., que os bens imóveis descritos (fls. 342 e sgs.) não têm inscrição matricial, alguns são apenas quotas (caso do nº 7: 11/12 avos, ou do nº 13:15/16 avos), têm designações, confrontações ou outras referências que nenhuma testemunha foi capaz de reconhecer e identificar ao certo e na actualidade, como sucede com os nºs 8 e 9, apesar de o primeiro aludir a uma “eira, palheiro e tulhão” e o segundo a um “Y” (fls. 343) cuja adjudicação, juntamente com o prédio da verba 7 (“casas de morada”) foi feita à viúva L. F. (fls. 367), tal como foram outras com nomes e dados não reconhecíveis adjudicadas (fls. 378) a um herdeiro AC. (mesmo nome do inventariado), mas que (pessoas e bens), com os intervenientes nos outros inventários, designadamente o instaurado por óbito de A. G. (viúva de um tal M. A., pré-falecido cerca de quarenta anos antes, conforme fls. 181, mas cujo suposto inventário se ignora), não é possível conexionar (como os réus pretendem argumentar a propósito das verbas 37, 60 ou 62 deste, maxime quanto à referência à suposta eira muito discutida na audiência e nas alegações de recurso), mesmo examinando os apontamentos exibidos pela testemunha A. L. (fls. 310 e 311) e tendo em conta o que ela narrou bem como seu parente (de outro ramo), a testemunha J. H..

E tal acontecendo assim, a despeito daqueles meios probatórios, o mesmo resultado se colhe quanto à tentativa de perceber a inserção do ex-marido e pai dos réus, D. P., em qualquer cadeia sucessória contínua desde o J. A. à actualidade, tal como da própria ré L. D. sua viúva. Nenhum dos ascendentes destes identificámos no dito inventário de 1916.

De resto, perscrutados e conjugados os depoimentos das partes e de todas as testemunhas, consideramos que nem as dos autores mereceram a credibilidade que largamente o tribunal a quo lhes concedeu nem as dos réus o desvalor com que as taxou.

Analisando-se o teor de tais depoimentos gravados, muito mais extensos – basta recordar-se a sua duração – do que permite supor o resumo deles feito na motivação, não cremos que, sobretudo quanto à razão de ciência e à fidedignidade dos mesmos a respeito dos factos concretos relativo a cada uma das teses, seja principalmente quanto à do uso público do largo seja à da sua aquisição e posse privada, devamos aos da parte do autor (salvo o de J. C.) atribuir pleno valor e eficácia probatória, como fez o tribunal recorrido classificando-os – sem se dizer fundamentadamente porquê – de “sinceros”, “verídicos” “coerentes”, “descomprometidos”, “isentos”, “relevantes”, “desinibidos”, “claros”, “precisos”, “coerentes”, “esclarecedores”, “francos”, “desinteressados” e com “respaldo” na demais prova produzida, e, nos antípodas, aos da parte dos réus, como “inconsistentes”, “contraditórios” “não espontâneos”, “interessados”, “parciais”, “comprometidos”, etc..

Destacamos, quanto aos primeiros, e exemplificativamente, o de J. H. e, quanto aos segundos, o de A. L., mormente quanto ao que tentaram explicaram a respeito dos laços familiares. Ouvindo-se os mesmos, depreende-se que nem o primeiro merece o valor que lhe foi dado de “esclarecedor”, “coerente” e “essencial”, atendendo a que, embora inclinando-se no sentido de que o espaço é público tal justificou apenas “porque é de cinco ou seis herdeiros” e porque não pode ser de outro modo senão não há onde desviar o gado e os carros; nem, a segunda, merece o desvalor atribuído, pois que, embora esta se oriente para a privacidade do espaço porque era uma “Eira” e tinha um Y e assim foi herdada embora o Y retirado e levado, afinal de contas, há até alguns pontos de aproximação entre eles, como acontece, designadamente, quanto a alguns parentescos e à alusão de que aquilo a que esta chama “Eira” herdada mas aquele considera “largo ...” e proveio de J. A. acabou dividido, afinal, por vários herdeiros. Não sabem é detalhar e justificar cabalmente tais partilhas, aquilo que foi partido, quando, por quem e de que modo ao certo, nem, afinal, o que, ao longo dos tempos e até à actualidade, daí acabou por resultar, apesar da opinião de cada um deles.

O espaço não tem nada de ser “assim redondo”, como disse a testemunha M. R., a que foi dada credibilidade, chamando-se “largo”, uma das que opinou considerá-lo “público” mais por aquilo que deduz do que por aquilo que realmente conhece e, na prática, beneficiaria a aldeia. Em nada se parece com a praceta de qualquer localidade. Se, como diz, a casa do autor foi por este comprada a um tal “M.” aponta isso para existência de diversos membros dessa família dos “M.s” como donos dos vários imóveis por ali existentes. Todavia, não se sabe se e como isso porventura se terá reflectido na pelo autor alegada queda do espaço no domínio público ou na pelos réus defendida preservação do mesmo como propriedade privada desde a “deixa” de J. A. e até à actualidade.

Não é verdade que o largo, referindo-nos sempre a exemplos, “foi sempre um largo ...”, como proclamou M. B., dando também a sua opinião, sem fundamento sólido e até contrariada pela comprovada privacidade do mesmo reconhecida há umas décadas atrás, no fundo e no essencial todas as testemunhas expendendo uma opinião sobre a publicidade ou dominialidade do largo conforme a sua impressão mas, tudo decantado das perguntas e respostas acessórias, sem reportarem factos concretos e objectivos significativos de um ou de outro domínio, além dos poucos apurados.

Por tudo isto, o nosso juízo quanto aos pontos 18 e à alínea c) e, sem embargo de toda a longa argumentação dos recorrentes, e sem necessidade de ainda mais nos alongarmos quanto a ela e quanto à do autor recorrido, conclui-se não haver fundamento probatório que justifique qualquer alteração relevante quanto aos questionados factos não provados.

Apenas, portanto, nos termos supra apontados deverá o recurso, em parte, proceder.
***
A.2.3. – Matéria de facto fixada como provada

Posto isto, a factualidade provada que ora se fixa e a ter em conta será a seguinte:

“1. O A. é um cidadão natural, residente e eleitor em ..., freguesia de ..., Concelho ....
2. Pela apresentação 1250 de 2018/02/07 encontra-se inscrito a favor do autor, por contrato de compra e venda celebrado 2 de Agosto de 1983, a M. A., o prédio urbano sito em ..., n.º 1, com a área coberta e área total de 122m2; inscrito na matriz sob o art.º 111, composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar e que se encontra descrito na conservatória do registo Predial ... sob o n.º …/2019207.
3. No prédio identificado em 2.º, o autor guarda alfaias, tractores agrícolas e no primeiro andar, palha, feno e outros produtos agrícolas.
4. O acesso a este prédio do autor faz-se através de um espaço de terreno – espaço este que é o assinalado nos desenhos de fls. 93 e 124, a triplos traços verdes descontínuos, tem a configuração geométrica aí mostrada e acesso, do lado norte, pela Rua X na qual desemboca – com o qual confina, conhecido por “Largo ...”.
5.O espaço referido em 4 é delimitado, a norte, pela Rua X e pelo prédio urbano pertencente a A. J.; a poente pelos prédios urbanos de M. C., do autor J. B.s e de J. C.; do sul pelo prédio dos herdeiros de D. P.; e do lado nascente com as casas dos réus.
6. Este espaço, há mais de sessenta anos, também era conhecido por “Largo ..”.
7. O mencionado espaço permite aceder ao prédio urbano do autor, com pessoas a pé, veículos automóveis, máquinas e tractores agrícolas e com animais.
8. O espaço descrito em 4 é utilizado pelo autor para estacionar o seu tractor e alfaias agrícolas junta de sua casa e, por ocasião de eventos na aldeia (por exemplo, a festa em Julho ou funeral na I. e Cemitério próximos), é também utilizado, por algumas pessoas neles participantes, para estacionarem os seus veículos.
9. Tal prática, independentemente de quem seja a pessoa, sempre ocorreu sem objecção de quem quer que fosse.
10. Pela AP. 478 de 2016/06/22, encontra-se inscrita a favor dos réus, em comum e sem determinação de parte ou de direito, a aquisição, por sucessão hereditária, em decorrência do óbito de D. P., do prédio urbano, sito em ..., inscrito na matriz sob o art.º 112, composto por casa de habitação, de r/c e 1º andar, e logradouro, e aí descrito como sendo confrontante de norte com Rua ... e A. J.; sul, herdeiros de D. P.; nascente, escola primária e J. P.; e poente M. C., J. A. e J. C.; com a área coberta de 281,7m2; e como tendo de área descoberta 304,2m2; e descrito na conservatória do registo Predial ... sob o n.º …/2060622.
11. Os réus, no “Procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos” junto a fls. 50 e 71 e 72, realizado em 22-06-2016, declararam-se, respectivamente, meeira e herdeiros do falecido marido da ré L. D. e pai dos demais réus M. A., A. G., H. T. e D. P., declararem como integrando a sua herança o prédio descrito em 10 e foi com base nesse título que o registaram a seu favor na Conservatória.
12. Em 12 de Janeiro de 2015, os RR. ou alguém por eles mandatado, através de um requerimento Modelo 1 do IMI, alteraram as confrontações e a área daquele o seu prédio na respectiva inscrição matricial, indicando as seguintes confrontações: norte com Rua ... e A. J.; sul herdeiros de D. P.; nascente escola primária e J. P. e poente M. C., J. A. e J. C..
13. No dia 22 de Junho de 2016 os réus promoveram o registo predial deste seu prédio na Conservatória do Registo Predial ..., incluindo na sua superfície descoberta área correspondente ao referido espaço.
14. A ré L. D., desde o Verão de 2014, vem afirmando que o espaço referido no ponto 4 lhe pertence.
15. Na sequência do descrito nos pontos 13 e 14, em finais de Julho de 2016, os réus depositam, junto da parede de sua casa e no recanto oposto entre as escadas de acesso à casa do autor e as paredes das outras duas casas vizinhas ali situadas a norte e a poente, troncos de árvores, que lá mantêm.
16. Os cidadãos da referida povoação de ... reuniram em assembleia (“couto”) duas vezes em datas não concretamente apuradas para discutir o comportamento da ré.
17. O autor remeteu à Junta de Freguesia de ... uma carta no dia 20 de Outubro de 2014 e outra, no dia 2 de Novembro de 2016, por intermédio da sua advogada.
18. [Eliminado]
19. O prédio descrito em 10.º vem sendo utilizado pelos réus para habitação (1º andar), aí comendo, dormindo, recebendo familiares, amigos e vizinhos, uma parte para arrumos e palheiro, para porem produtos agrícolas (feno, palha, batatas, milho, centeio, beterrabas, etc), lenha, caixas de madeira, móveis, e o R/C para arrumos e cortes para meterem os animais bovinos e suínos (aqueles até há cerca de 30 anos e estes até há cerca de 18 anos, em que deixaram de ter animais) lenha, alfaias, madeiras e objectos vários
20. Os RR. vêm usando o prédio descrito em 10.º até ao presente, como antes faziam os seus antecessores no domínio, do dito imóvel entrando e saindo livremente, retirando todas as utilidades pelo mesmo proporcionadas, zelando-o e vigiando-o, acedendo ao mesmo directamente da Rua ... (Rua X), com a qual confronta do norte, e desta ao imóvel, pagando a contribuição predial respectiva.
21. Agindo os réus, tal como antes deles já faziam os seus antecessores no domínio, na prática dos actos supra ditos, em nome próprio e na qualidade, fé e ânimo de verdadeiros e exclusivos proprietários,
22. Tudo e sempre de forma pública - à vista e com conhecimento de toda a gente, incluindo o autor –, pacífica – sem estorvo nem oposição de quem quer que fosse -, contínua – dia após dia, ano após ano,
23. De boa fé porque na convicção do exercício de um direito próprio (de propriedade) sem lesarem direitos nem interesses alheios,
24. em correspondência com o direito real de propriedade dos réus (em comum e sem determinação de parte ou direito), sobre tal imóvel.
25. Desde há mais de 20, 40 e 50 anos que tal imóvel pertence aos réus, no qual sempre viveram, a ré L. D. (de 91 anos de idade), desde que casou há mais de 60 anos e os filhos M. A., A. G., H. T. e D. P. nele nasceram, foram criados e viveram permanentemente até casarem, e depois disso a ele regressam várias vezes no ano, sempre tendo continuado até ao presente na sua posse.
26. Os pais de D. P., sogros da ré L. D., de seus nomes A. G. e M. A. eram conhecidos como “Casa I
27. A Mandatária dos Réus remeteu ao autor, em 21/07/2016, carta registada, por ele recebida, na qual o intima a “ (…)até ao final do mês de julho de 2016, retirar da eira todos os veículos e alfaias agrícolas que nela têm colocado – quer os que vêm colocando desde há cerca de dois anos, de forma abusiva, porque não consentida, quer os demais que lá deixavam há vários anos por mera tolerância deles –deixando a eira totalmente devoluta.”
28. A Junta de Freguesia de ... remeteu aos réus carta datada de 29 de Março de 2017, onde se refere: “ Por força das reclamações apresentadas pelos habitantes desta freguesia, em meados de Novembro de 2016, dando conta da ocupação ilegal do Largo ..., na povoação de ..., designadamente através da colocação de troncos de árvores neste espaço público, a Junta de Freguesia encetou a diligências no sentido de perceber a conduta de V. Exa. Constatou-se, então, que por consulta À inscrição predial e matricial, que a herança por óbito de D. P., de que V. Exa. é interessada, tendo sido apresentada a 12/01/2015 uma rectificação no serviço de finanças competente, mediante a entrega do modelo1 do IMI referente ao artigo matricial … e descrição predial …, a qual serviu de base à escritura de habilitação de herdeiros e consequente registo. Em tal pedido de rectificação de áreas participado por V. Exa., foram acrescentados 200m2 de superfície descoberta, área essa que abrange o Largo ..., o qual, desde tempos imemoriais se reveste de natureza pública, sendo utilizado por toda a população de .... (….)”.
29. O espaço descrito em 4 é também utilizado pelos habitantes da aldeia que têm vacas para, quando se cruzam na Rua X a que é adjacente, as desviarem e passarem; pelos vendedores que ali vão fornecer alguns produtos para parar os seus veículos e servirem a ré e pessoas que ali se encontrem; pelo autor e réus, para ali pousarem lenha; e, ainda, pelo dono da casa da esquina – antes A. J. e actualmente seu filho F. M. – para, encostadas às suas escadas, depositarem botijas de gás que comercializam”.

B. Matéria de Direito

Neste âmbito, recordemos o que o tribunal recorrido, na sentença, ponderou, para proceder, como procedeu, à subsunção jurídica dos factos e justificar a decisão proferida.

Aludindo ao artº 84º, da CRP, salientou que “a dominialidade de certos bens pode resultar, desde logo, de disposição legal”, nenhuma, naturalmente, tendo encontrado aplicável ao caso.

Acrescentou e é verdade que “A lei não contém qualquer definição de domínio ou coisa pública, ao contrário do que acontecia no art.º 380º do Código Civil de 1867. O art.º 202º, n.º2 do Código civil limita-se a prescrever que as coisas do domínio público estão fora do comércio jurídico, não podendo ser objecto de direitos privados.”

Procurando a Doutrina, citou, do Manual de Direito Administrativo, de Marcelo Caetano, que “as coisas públicas são as coisas submetidas por lei ao domínio de uma pessoa colectiva de direito público e subtraídas ao comércio jurídico privado em razão da sua primacial utilidade colectiva”.

Aceitando que, quando um bem não está classificado por lei como pertencente ao domínio público, importa averiguar se ele está afectado à utilidade pública, considerou que esta “consiste na aptidão para satisfazer necessidades colectivas” ou “se existe uma utilidade pública inerente ou natural.”

Continuando na senda do antigo Professor, expôs que “a atribuição do carácter dominial depende de um, ou vários, dos seguintes requisitos: a) existência de preceito legal que inclua toda uma classe de coisas na categoria de domínio público; b) declaração de que certa e determinada coisa pertence a essa classe; c) afectação dessa coisa à utilidade pública” mas que “Não é necessário que concorram os três requisitos, bastando um só”.

E, citando-o, acrescentou que a “afectação é o acto ou a prática que consagra a coisa à produção efectiva de utilidade pública”. A “enumeração legal compreende bens cuja utilidade pública se conhece através de vários índices; o indicie evidente cuja existência logo denota publicidade é o uso directo e imediato do público. Só quando exista este índice evidente é que a lei permite que o intérprete considere públicas coisas não enumeradas categoricamente como tais por disposição legal”. “Há uso directo quando cada indivíduo pode tirar proveito pessoal de tal coisa pública e o uso imediato faz-se quando os indivíduos se aproveitam dos bens sem ser por intermédio dos agentes de um serviço público”.

Relativamente à Jurisprudência, relembrou, o Assento de 19-04-1989 e acolheu a interpretação restritiva que dele vem sendo feita, não sem evidenciar o conceito geralmente seguido da expressão “tempos imemoriais” nele relevada.

Destacando, então, os factos que julgara provados nos pontos 1 a 9 e considerando que “os réus não demonstraram terem adquirido a propriedade da parcela em causa nos autos, quer por via originária, quer por via derivada, tal como resultam dos factos dados como não provados”, concluiu que “toda esta matéria de facto evidencia que o espaço em questão é usado pelo público em geral desde tempos imemoriais para os mais diversos usos: trânsito de animais, veículos automóveis, tractores; local de estacionamento de veículos automóveis; local de paragem de veículos automóveis pelos vendedores ambulantes que se deslocam à aldeia de ...; local de depósito de vários objectos – botijas de gás, alfaias agrícolas, lenha.”

Com efeito, enfatizou: “Tudo aponta, pois, para uma posse com tal antiguidade cujo início se perdeu na memória dos homens. Os fins a que o espaço em causa nos autos se destina não podem deixar de se considerar fins colectivos por serem comuns "à generalidade dos respectivos utilizadores, por o destino dessa utilização ser a satisfação da utilidade pública e não de uma soma de utilidades individuais", tratando-se de fins colectivos cuja importância "não pode ser menosprezada até porque se trata de costumes enraizados de populações rurais e do interior" que não suscitam qualquer discordância. Todos esses fins a que se destina esse espaço bem como os que nele eram exercidos evidenciam bem que estamos perante um largo ..., com evidente dominialidade pública, presumindo-se que o mesmo foi apropriado pela comunidade de ....”

Por último, invocando o disposto no artº 1304º, acolhendo-se no regime dos direitos reais e citando especialmente as normas dos artºs 1287º, 1251º, 1256º, 1260º, 1296º e 1304º, todos do CC, atinentes à aquisição do direito de propriedade por usucapião, rematou:

Ora, os bens podem ingressar no domínio público, quer com base em actos de posse do executivo, de um ente autárquico ou das respectivas populações, como intermediárias, conducentes à usucapião, como forma de aquisição da posse originária, quer com base em cedência e tradição consubstanciadoras da «dicatio ad patriam», como forma de aquisição da posse derivada. É o que resulta dos presentes autos. De facto, atenta a matéria de facto dada como demonstrada resulta que a comunidade de ... vem usando, de forma imediata e directa, o espaço em causa nos autos, desde tempos imemoriais, afectando-o para a satisfação de interesses colectivos relevantes, tais como sejam, possibilitar o trânsito de viaturas automóveis e de animais; servir de local de paragem e estacionamento de viaturas; servir de local de depósito de bens (bilhas de gás, alfaias agrícolas, lenha) por parte dos proprietários dos prédios circundantes. Por outro lado, resulta que essa utilização vem sendo feita há mais de 60 anos, de forma pública, pacífica, de boa fé, sem oposição de quem quer que seja e na convicção de aquele se tratar de um lugar público. Pelo exposto, a acção terá que proceder.”

Sucede que, salvo o devido respeito, não entendemos que seja assim, tal como sustentam os recorrentes relativamente ao mérito da causa.

A respeito da causa de pedir, relembre-se que o autor – com a adesão da Junta de Freguesia respectiva – como tal e como fundamento da sua pretensão circunscreveu, na petição, à pretensa utilização pública do questionado espaço (por ele, pela população de ... e pela generalidade das pessoas que, por diversos motivos se deslocam à localidade) e que a delimitou no tempo ora, mais vagamente, “ao longo de muitas gerações”, ora, mais concretamente, “desde há mais de cem e duzentos anos” (item 34º da pi).

Embora se conceba que uma tal utilização dita como “desde … há mais de duzentos anos ” pode significar e ser susceptível de se considerar alegada como “desde tempos imemoriais”, na medida em que, a ter sido assim, escaparia naturalmente à memória de qualquer pessoa ainda viva e, portanto, necessariamente, se teria iniciado numa data tão longínqua que ninguém é já capaz de testemunhar no presente, a verdade é que aquele, na petição, não chegou a relacionar, directa e objectivamente, a invocada utilização como “desde tempos imemoriais” nem, portanto, a alegá-la, em termos assertivos, como remontando a um “tempotão antigo que o seu início se perdeu na memória dos vivos” (na expressão, v.g., do Acórdão do STJ, de 14-02-2012, processo nº 295/04.OTBOFR.C1.S1).

Com efeito, no item 15º do seu articulado, apenas indirecta e sugestivamente, alegou que a “construção” do prédio dos réus remonta a “data anterior à memória dos vivos” e, conclusivamente, que, desde tal edificação, ele “sempre confinou …com a Rua ...”.

Porém, para se alcançar, indutivamente, a conclusão de que tal largo é espaço (rua) público e de que com esta sempre o prédio confinou “desde tempos imemoriais”, necessário seria que se alegasse e demonstrasse a pressuposta premissa do silogismo: que tal espaço é realmente “público” e “desde tempos imemoriais” e, assim, que já o era quando o prédio foi construído.

Acontece é que tal tese desmorona-se quando o autor alega que tal espaço “há mais de sessenta anos também era conhecido por «Largo ..” (item 7º da pi); a prova aponta inequivocamente no sentido de que esse J. A. foi, realmente e em concordância com tal designação significativa, o proprietário do mesmo (caso das testemunhas A. L. e J. H.) e o “deixou” a pessoas que lhe sucederam no respectivo domínio; os próprios réus aceitam (requerimento de fls. 391, verso) que ela “pertenceu primitivamente a J. A.” e “que dele passou para a família dos M.s” – embora sustentem, mas seja controverso, que teria sido a esta família que os avós paternos da contestante H. T. a adquiriram –; e, enfim, quando, na sentença recorrida, se concluiu, “inequivocamente”, que “a parcela de terreno em causa nos autos teve inicialmente origem privada, pois chegou a pertencer a J. A., que por isso alguns habitantes da aldeia ainda hoje se lhe referem como «Largo J. A.»” e que “certo é que foi referido pelas testemunhas que o referido J. A., à sua morte, terá deixado aquele espaço à família M.”.

Por seu turno, a Junta de Freguesia – relembre-se também –, na esteira do autor, como os recorrentes bem salientam, não alegou qualquer acto (jurídico ou facto concreto), seja de que natureza for (de aquisição, afectação, de apropriação, por um lado, ou de intervenção in loco), por si própria, ou seja, através dos seus órgãos, praticado no ou sobre o espaço em discussão (reparação, iluminação, água, saneamento, outros melhoramentos, limpeza, colocação de placas toponímicas e números de polícia, ou outras indicações relativas ao pretenso uso colectivo), nem a existência de qualquer outra marca, característica ou infra-estrutura de serviço público que aponte para jurisdição pública, a não ser o envio das já aludidas cartas a todos os réus e respectivos cônjuges, a dar-lhes conta de alegadas reclamações da população nas reuniões havidas, a censurar as alterações feitas pelos réus à descrição do seu prédio e a exigir a desobstrução daquele.

Ora, a factualidade concreta verdadeiramente apurada exclui aquela já de si frágil alegação do autor. O que mostra é que o espaço, há mais de sessenta anos, era conhecido por “Largo ..” e que, como também o tribunal recorrido apurou, proclamou e ninguém põe em causa, resultou “inequivocamente” demonstrado que tal parcela de terreno “teve inicialmente origem privada, pois chegou a pertencer a J. A.” e daí o nome do lugar por que, ainda hoje, entre outros diversos, é conhecido.

Embora se não saibam as circunstâncias e exactamente a quem em concreto, “o certo é que”, como se referiu na sentença, “o referido J. A., à sua morte, terá deixado aquele espaço à família M.”.

Ora, sendo assim, não existe prova de que, desde tempos imemoriais, o largo está no uso directo e imediato do público.

Tal só poderia ter sucedido nos últimos sessenta anos. Ainda assim, os factos não evidenciam que ele tenha estado, desde então, afectado à utilidade pública, seja dos cidadãos em geral, seja, ao menos, da população local.

A este propósito o que, em boa verdade, resta provado é que o largo é rodeado de diversas casas: de um lado (nascente) as duas dos réus; e, do outro (poente e sul), cinco (como mostra o levantamento) e, entre estas, a do autor; tem a estranha forma que as fotos e desenhos mostram e apenas acesso de e para a Rua X no alinhamento formado pelas esquinas da casa, mais a Norte, dos réus e a do filho de A. J.; só os réus e o autor por ali transitam, possibilitando-lhe aceder com animais e veículos.

Não se prova a existência de qualquer sinal que lhe confira qualquer feição de espaço público.

É verdade que, por ocasião de eventos na aldeia (por exemplo, a festa em Julho ou funeral na I. e Cemitério próximos), é também utilizado, por algumas pessoas neles participantes, para estacionarem os seus veículos, e que também o é pelos habitantes da aldeia que têm vacas para, quando se cruzam na Rua X a que é adjacente, as desviarem e passarem; pelos vendedores que ali vão fornecer alguns produtos para parar os seus veículos e servirem a ré e pessoas que ali se encontrem; pelo autor e réus, para ali pousarem lenha; e, ainda, pelo dono da casa da outra esquina para, encostadas às suas escadas, depositar botijas de gás que comercializa.

Nada mais. Não ocorre uma utilização geral, indiscriminada – bastante, mesmo na tese mais ampla do Assento de 1989 –, desde tempos perdidos na memória dos homens, não se descortina qualquer sinal de afectação à utilidade do público em geral, nem que este use o lugar para satisfazer interesses colectivos com relevo para a comunidade – como se exige ainda na tese mais restritiva que lhe sucedeu.

Há uma utilização efectiva, importante, diversificada, pelos réus e pelo autor. Há um uso cúmplice, esporádico, marginal, por outras pessoas mais ou menos alheias (o padeiro, por exemplo, não é propriamente um estranho), dada a disponibilidade que o espaço franqueia e pacificamente, dado o seu carácter efémero e não prejudicial, ninguém questiona, mormente em alguns certos eventos (raros) ou quando passam os vendedores ambulantes. Não se verifica, contudo, ter havido nem haver um uso livre, generalizado, indiscriminado, variado, um uso público, ao contrário do que concluiu e enfatizou o tribunal recorrido mas os factos já não mostravam e agora menos ainda.

Não se vê que o espaço tenha aptidões naturais ou essenciais ao domínio público. Como tal, ele não resulta de qualquer normativo jurídico que assim o tenha considerado ou afectado, nem consta em qualquer acto administrativo, sequer mencionado em instrumento autárquico ou municipal.

Não ocorre qualquer acto apropriativo, por via do direito público ou do direito privado (expropriação, prescrição).

Enfim, embora não tenha fundamento seguro nem, por isso, se corrobore a tese contraposta pelos réus de que o espaço foi ou é uma eira, integra o seu prédio, foi por si adquirido, lhes pertence exclusivamente e que a utilização e passagem que também o autor dele faz (e eles reconhecem) apenas tem natureza e se circunscreve a um direito de servidão, também não se demonstra, de facto, nem se pode julgar, de direito, que aquele seja do domínio público.

E não se demonstrando isto mas quedando-se como certo que, em resumo do apurado, a contenda interessa directamente, isso sim, às relações reais e pessoais entre autor e réus e não ao interesse difuso ou colectivo da Freguesia, lembra-se que, como afirmou o Supremo, no citado Acórdão de 20-10-2005, “Não é qualquer interesse meramente individual e egoístico que pode estar na base de uma acção popular”, já que “os direitos que se pretende ver tutelados deverão ter um carácter comunitário, ou seja, um valor pluri-subjectivo e os interesses subjacentes devem assumir um cunho meta-individual” – o que, evidentemente, não acontece in casu.

Na espécie tratada e decidida pelo Acórdão do STJ, de 18-10-2018, mais atrás referido, entendeu-se que “Provando-se que o caminho em causa nos autos era apenas utilizado pelos proprietários dos prédios a que dava acesso – uns não identificados e outros os antecessores das partes – e uma vez que a existência de um acesso aberto a pessoas determinadas ou a um círculo determinado de pessoas é insuficiente para se falar de “utilização pública”, sendo mister a sua utilização por uma generalidade de pessoas, não pode senão concluir-se pela impossibilidade considerar o ajuizado caminho como sendo um “caminho público”.

Ora, neste nosso caso, pelo espaço referido apenas acedem o autor e os réus. Mais ninguém. Mutatis mutandis, não pode concluir-se que o largo ou espaço é público.

Por isso e nesta medida a apelação deve proceder e revogar-se a decisão recorrida.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida e absolvem os réus dos pedidos.

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Sem custas (acção e recurso), por isenção legal de quem decai e por não ser “manifesta” a improcedência do pedido, mas com encargos da responsabilidade de autor e interveniente – artº 4º, nºs 1, alíneas b) e g), 5 e 6, do RCP (considerando-se revogado o artº 20º, da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto).
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Notifique.
Guimarães, 04 de Fevereiro de 2021

Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:

Relator: José Fernando Cardoso Amaral

Adjuntos: H. T. Maria de Carvalho Gomes de Melo
Eduardo José Oliveira Azevedo



1. Embora a Caderneta Predial o descreva como “Casa de habitação” mas em “condições muito deficientes de habitabilidade”, sendo certo que o autor não mora lá.
2. Desses lados, inexiste qualquer “rua pública”. Existe sim o espaço de terreno questionado.
3. O ortofotomapa camarário junto pelo autor (fls 14, vº) pouco elucida. No entanto, perceber-se-á, pelo exame dos autos (mormente a planta de fls. 93), que tais casas ladeiam o espaço questionado e designado por “Largo”, e que este configura geometricamente um polígono, com catorze lados, muito irregular, apenas aberto do lado da Rua ..., situada a Norte dele.
4. Não alega, aí, o autor a que tempo ou a que data remonta tal “utilização”. Apenas, no item 15º, alude, em termos indutivos, como se verá, à construção do prédio dos réus “em data anterior à memória dos vivos” e que “sempre”, desde aí, ele confrontou com a “Rua Pública (Rua ...)” e, mais adiante, no item 34º, expressamente, a que vêm utilizando, em termos públicos, o disputado espaço “ao longo de muitas gerações, sempre desde há mais de cem e duzentos anos até à actualidade”.
5. Mesmo considerando que, segundo a tese do autor, o “Largo” não integra o prédio dos réus, mal se compreende como é que este, pelo seu lado poente, confina com a “Rua Pública (Rua ...)” – cfr- planta de fls. 93 – a menos que, como tal rua tenham querido considerar o próprio largo.
6. Percebe-se, sem necessidade de convite ao seu aperfeiçoamento, como permitiria o nº 3, do artº 639º, do CPC, promovendo-se, assim, a maior celeridade dos autos e a economia de actos – bens cada vez mais alardeados como escassos e, por isso mesmo, encarecidos, no sistema de justiça.
7. Impugnados e, por isso, ainda susceptíveis de alteração.
8. Na imensa jurisprudência sobre isso publicada, pode ver-se, por exemplo, o Acórdão desta Relação de Guimarães, de 15-11-2018, processo nº 1724/15.3T8VRL.G1.
9. Cfr. o Acórdão da Relação do Porto, de 30-04-2015, processo 452/13.9TBAMT-A.P1.
10. Para melhor elucidação, podem ver-se, v.g., o Acórdão do STJ, de 17-11-2010, processo nº 1427/06.0TAVNF.P1, ou, ainda, o desta Relação, de 23-05-2019, processo nº 3669/16.0T8BRG.G1.
11. Veja-se, no sentido da simplicidade e desformalização, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 25-09-2018, processo nº7839/15.0TBLSB-A.C1.
12. Processo nº 229/17.2T8VVD.G1.
13. Acórdão da Relação de Coimbra, de 23-09-2014, processo nº 913/09.4TBCBR.C1.
14. Recursos no Novo CPC, 2013, página 113.
15. Processo nº 638/13.6TBLRA.C1.S1.
16. Processo nº 219/12.1TBTVR.E1.
17. Também podem ver-se, sempre a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 28-04-2016, processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1 ou de 08-02-2018, processo nº 8440/14.1T(PRT.P1.S1.
18. Acórdão do STJ, de 24-10-2019, processo nº 3150/13.0TBPTM.E1.S1.
19. Processo nº 8640/18.5YIPRT.C1.S1.
20. Para uma visão geral, cfr. A Acção Popular: configuração e valor no actual Direito português, de Paulo Otero, in https://portal.oa.pt/upl/%7Bc2d6cd49-2a30-4cd6-9481-2791485902b2%7D.pdf.
21. Processo nº 135/14.2T8MDL.G1.S1.
22. Processo nº 047545.
23. Processo n° 05B2578.
24. Quando ao espaço disputado chamamos largo, evidentemente fazemo-lo apenas com o sentido físico objectivo, de área de terreno, e sem qualquer carga significativa contida quando se refere, em qualquer meio urbano, “O Largo de…”, pois que enquanto aqui se pressupõe ser este público, ali é exactamente o que se discute e busca decidir.
25. Caminhos Públicos e Atravessadouros, 2ª edição, Coimbra Editora.
26. É curioso ouvir, na audiência, que, na sequência da zanga entre autor e réus, a população da aldeia se reuniu em “couto”. A menção é reminiscência da antiga organização territorial com prerrogativas próprias. Porém, os coutos foram há muito abolidos da nossa ordem jurídica e as deliberações dos vizinhos não vigoram nela.
27. Teoria Geral da Relação Jurídica, volume 1, 1983, página 282.
28. Dissertação de Mestrado, intitulada As Receitas Patrimoniais das Autarquias Locais, de Débora Soraia Oliveira Marques, Universidade do Minho, Abril de 2015, página 46, e remissões na nota 129.
29. Obra citada, páginas 36 a 39.
30. Manual de Direito Administrativo, volume II, página 924.
31. A ideia é reiterada, na citada obra “Caminhos Públicos e Atravessadouros”, a páginas 67, e nota 61.
32. Na expressão usada pelo Acórdão do STJ, de 04-03-1949, citado a páginas 83 e 105 da mesma obra.
33. Mencionado a páginas 96.
34. No sentido da aquisição privada do que antes fora caminho público, o Acórdão do STJ, de 22-03-2007, processo nº 07B228: “1. São públicos os caminhos que desde tempos imemoriais estão no uso directo e imediato do público, mas se com a construção de uma ponte e de um novo caminho, o primeiro deixa de ser utilizado pelas pessoas que antes o utilizavam, por terem passado a utilizar o novo caminho e desde então nunca mais por lá ter passado qualquer pessoa, ocorre a sua desafectação do domínio público.
A desafectação do caminho do domínio público pode ser expressa ou tácita, considerando-se tácita desde que a coisa, se tornou desnecessária à utilidade pública. Neste caso, o caminho deixou de ser necessário para nele passarem as populações locais que antes o utilizavam a partir do momento em que as populações passaram a poder dispor de uma estrada mais larga asfaltada melhor construída para satisfazer as suas necessidades de comunicação. 3. Ocorreu a desafectação tácita, tendo o terreno do caminho passado para o domínio privado da Junta de Freguesia do …. Esta Autarquia nunca usou o respectivo terreno por onde passa o seu leito do caminho, desde a constituição da Ponte do … e do novo caminho em 1978.4. Os autores/recorrentes passaram a usar esse terreno desde 1978 continuadamente, há mais de 20 anos mantendo nele uma exploração agro-pecuária, e explorando-o à vista de toda a gente, sem que disso hajam sido impedidos por ninguém, aproveitando o pasto que nele cresce, pelo que adquiriram esse terreno por usucapião.”.
35. Também no sentido de que a atribuição do carácter dominial a uma coisa não está sujeita à disciplina do Código Civil, como é o caso da dicatio ad patriam (que consiste em uma pessoa ceder para uso público bens de sua propriedade como sucede na cedência de uma faixa de terreno para estrada, mas de que, portanto, ao domínio público podem sobrevir bens adquiridos pelos modos previstos no comércio jurídico-privado, como é o caso da usucapião, ou usando-se de formas e formalidades próprias deste ramo, se orienta o Acórdão desta Relação, de 02-11-2005, processo nº 1500/05-2.
36. De que o mesmo autor faz longa resenha, a páginas 79 e seguintes.
37. Por exemplo, no Acórdão do STJ, de 10-11-1993, publicado in CJ (ST), Tomo III, página 135.
38. Processo nº 0732272.
39. Processo nº 690/09.9TBCHV.P1.
40. Processo nº 2058/10.5TBBCL.G1.
41. Processo nº 4732/07.4TBBCL.G1.
42. Processo nº 295/04.0TBOFR.C1.S1.
43. Processo nº 3425/03.6TBGDM.P2.S1.
44. Posição adoptado no desta Relação de Guimarães, de 22-06-2017, processo nº 142/14.5TBMTR.G1.
45. Processo nº 6662/09.6TBVFR.P1.S2.
46. Processo nº 1334/11.4TBBGC.G1.S1, que confirmou, embora com fundamentação dita diferente, o Acórdão desta Relação de 30-11-2017, relatado pela Exmª Desembargadora 1ª Adjunta neste, no qual, em processo que teve por objecto caso de contornos análogos, se entendeu que “Note-se que os AA. na reformulação da petição, nunca invocaram que a passagem se efectuava desde tempos imemoriais, fazendo, pelo contrário, a sua datação, há mais de 15, 20, 30, 50 anos (artº 12º de fls 251). Ora a datação afasta desde logo a imemorabilidade. Aliás, o que os AA. alegam neste artº 12º é consentâneo com a alegação de actos de posse sobre uma determinada parcela, pois que referem que há já mais de 15, 20, 30, 50 anos que da parcela vêm tratando, limpando, consertando, nele praticando os actos necessários à sua utilização, conservação, etc, o que não se compadece com a natureza de caminho público. É certo que a Mma Juiza deu como provado que o acesso é efectuado desde sempre, mas este sempre tem-se de ser interpretado dentro do espaço temporal alegado pelos AA.”.
47. Apenas, pelo autor e réus, já que o Ministério Público apenas acompanhou os autos e interveio na audiência e a Junta de Freguesia, praticamente, em termos de defesa do interesse autárquico e apresentação de provas concernentes, se limitou a associar-se àquele.
48. Reflexo do teor, cujo grau de consistência e assertividade, já procurámos salientar no relato inicial, da petição e da contestação.
49. Salienta-se a curiosidade de, segundo tal desenho, e nele se tendo baseado os réus para alterarem o teor da Matriz e do registo predial na Conservatória do seu prédio, a linha recta contínua traçada a verde que, junto da confluência com a Rua ..., a norte, pretende demarcar esta (rua pública) do dito espaço que alegam integrar o seu imóvel e pertencer-lhes, embora se inicie, de nascente para poente, na esquina de sua casa marginal a tal rua, ela inclina-se, depois, obliquamente para o lado sul de maneira que deixa de fora (ou seja, aparentemente, em espaço público marginal à Rua ...) uma área triangular em que assentam as escadas de acesso à casa de A. J.. Tal não se compagina com a alegação de que o espaço disputado (seja ele público ou privado) é balizado por esse lado norte pela plataforma, pavimentada a cubos de granitos, da dita rua, pois que, como é lógico, resulta do desenho (melhor ainda no de fls. 124) que mostra a posição das duas casas e se observa nas fotografias juntas, a borda do pavimento da rua é alinhada entre as duas esquinas. Tal mostra, no entanto, que os réus, relativamente a tal triângulo, nada pretendem e não afrontam o acesso dos donos da referida casa (A. J.), nesse pormenor concordando com o autor de que o acesso à mesma é livre, e, portanto que a contenda é apenas entre as duas partes: eles, donos de um prédio, e o autor, donos de outro.
50. A Junta de Freguesia nada concretamente alegou quanto a isso.
51. Processo nº 1758/10.4TBPRD.P1.S1.
52. Nesse sentido parece ter alinhado o Acórdão da Relação de Coimbra, de 22-09-2015, processo nº 60/14.7TBSAT.C1, da Relação do Porto, de 15-09-2014, processo 3596/12.0TJVNF.P1 e de 30-04-2015, processo nº 5800/13.9TBMTS.P1, na esteira destes tendo seguido o desta Relação de Guimarães, de 15-09-2016, processo nº 572/14.2TBBGC.G1.
53. Acórdão de 17-01-2017, processo nº 3161/12.2TBLRA-A.C1.
54. No mesmo sentido, Acórdão da Relação de Lisboa, de 18-09-2014, processo nº 5834/10.5TBOER.L1-2.
55. A pretexto de depoimento de parte, foram-lhe tomadas, sem que qualquer objecção, longas declarações, com mais de uma hora de duração, nas quais enfatizou repetidamente vários dos aspectos que acabaram por ser vertidos no ponto em apreço.
56. Sem embargo da já anotada curiosidade decorrente de, segundo tal desenho, e nele se tendo baseado os réus para alterarem o teor da Matriz e do registo predial na Conservatória do seu prédio, a linha recta contínua traçada a verde que, junto da confluência com a Rua ..., a norte, pretende demarcar esta (rua pública) do dito espaço que alegam integrar o seu imóvel e pertencer-lhes, embora se inicie, de nascente para poente, na esquina de sua casa marginal a tal rua, ela inclina-se, depois, obliquamente para o lado sul de maneira que deixa de fora (ou seja, aparentemente, em espaço público marginal à Rua ...) uma área triangular em que assentam as escadas de acesso à casa de A. J.. Tal não se compagina com a alegação de que o espaço disputado (seja ele público ou privado) é balizado por esse lado norte pela plataforma, pavimentada a cubos de granitos, da dita rua, pois que, como é lógico, resulta do desenho (melhor ainda no de fls. 124) que mostra a posição das duas casas e se observa nas fotografias juntas, a borda do pavimento da rua é alinhada entre as duas esquinas. Tal mostra, no entanto, que os réus, relativamente a tal triângulo, nada pretendem e não afrontam o acesso dos donos da referida casa (A. J.), nesse pormenor concordando com o autor de que o acesso à mesma é livre.
57. Processo nº 3811/13.3TBPRD.P1.
58. Até com o mesmo lapso de redacção, ora corrigido.
59. Pode, por curiosidade, ver-se, na Wikipédia, que, em 2011, a freguesia de ,,,, a que pertence a aldeia de ,,,, tinha 178 habitantes, mas observa-se na site do Município de ,,, que tem, actualmente, toda ela, não mais que 176.
60. Pode também ver-se nas imagens de satélite do Google Maps o tipo de habitat local e a disponibilidade de terrenos juntos da Capela ou do Cemitério.
61. Vários com mais de uma hora de duração, alguns com duas horas e meia e no total mais de 23 horas!
62. Resumo de onde se colhe que, apesar da longa e repetitiva instância a que as testemunhas foram sujeitas, peneirados os mesmos dos comentários, opiniões, argumentos que exprimiram ou com que foram confrontados por vezes em colóquio nada produtivo nem esclarecedor, pouco deles se extrai em termos de factualidade certa, concreta objectiva.
63. Porventura mais do que permite e exige o artº 17º, da Lei 83/95, de 31 de Agosto, que, em linha com o que já dispunha o nº 3, do artº 264, do CPC na versão anterior à reforma de 1995, passou a dispor, depois desta, do artº 265º, nº 3, e se manteve no actual artº 411º do Código de 2013, preserva, no essencial, o princípio dispositivo quanto ao ónus de as partes alegarem e provarem os factos fundamentais, uma vez que, à semelhança destes normativos, apenas “cabe ao juiz iniciativa própria em matéria de recolha de provas, sem vinculação à iniciativa das partes”, não um ilimitado poder, menos ainda dever, de investigação dos factos (essenciais) outros que lhe não tenha sido aportados nos articulados e que não caibam nas balizas do artº 5º, nº 2.
64. Como assinalaram os recorrentes, nada do que, de concreto, foi alegado nos itens 15 e 34 da petição resultou provado.
65. Despreza-se aqui o facto, irrelevante para o caso, de que, verdadeiramente, o prédio dos réus tem realmente uma área descoberta – o logradouro entre as suas duas casas (a do “sobrado de fora” e a do “sobrado novo”, assinalado no levantamento topográfico de fls. 93 a tracejado azul e com 107,5m2, e bem visível na imagem do Google Maps junta a fls. 124.
66. Embora tal ponto provenha do item 14, da pi, e os recorrentes não o impugnem, há que ser rigoroso nos factos, sobretudo em função dos documentos.
67. Há nomes que parecem repetidos em gerações diferentes, há pessoas referidas com nomes diversos, ora próprios ora pelos genéricos da família, oriundos de vários ramos familiares – em regra numerosos.