Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6245/13.6TBBRG.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CASO JULGADO
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1.O processo especial de revitalização (PER) não se destina a resolver litígios sobre a existência e amplitude dos créditos, e a decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental, logo não constitui caso julgado fora do processo (art. 91 CPC), destinando-se à formação e apreciação do quórum deliberativo.
2. Os credores cujos créditos tenham sido reconhecidos no âmbito do PER ficam dispensados do ónus de reclamar no processo de insolvência.
3. Não fazendo caso julgado o reconhecimento de crédito fora do PER, a dispensa do ónus de reclamação não afasta o direito de impugnação por parte dos demais credores no subsequente processo de insolvência.
4.A impugnação da lista provisória de créditos a que alude o artigo 17º-D, nº 3, do CIRE, não está sujeita ao pagamento de taxa de justiça.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório
Nos presentes autos de processo especial de revitalização proposto por J…, SA em apreciação em sede de recurso temos a decisão datada de 21.05.2014 que julgou extinta a instância por inutilidade da lide relativamente às impugnações dos credores ali identificados pelas razões ali expostas e ainda a decisão que entendeu que assiste inteira razão à secção de processos em ter rejeitado ao abrigo do disposto no art.º 17 nº2 da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto a impugnação de créditos apresentada pela credora P…, Lda.
Da primeira decisão supra referida foram interpostos recursos pelos credores A…, SA e G…, Lda e da segunda a credora P…, Lda apresentando para o efeito as seguintes conclusões
Da Credora A…, SA
a) Vem o Tribunal A Quo referir que: "a lista de créditos que é apresentada no ãmbito deste processo releva apenas para o apuramento do direito de voto dos credores, com vista à votação e eventual aprovação do plano de recuperação."
b) Ora, basta atentar ao disposto no artigo 17.º-G, n.o 7, do ClRE para perceber que a lista de créditos apresentada no processo especial de revitalização, não se limita ao ãmbito do mesmo: "Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n." 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.° destina -se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n." 2 do artigo 17.º -D."
c) O mesmo se diga relativamente ao artigo 17.º-E, n.o1, do ClRE nos termos do qual: ':»; decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
d) Ou seja, resulta destes artigos que se o processo especial de revitalização se converter num processo de insolvência tal impedirá a alteração do valor do crédito da Recorrente constante da lista.
e) Ou seja, ficará assente que o mesmo é de €3.885,75 quando a Apelante é credora da quantia de €11.963.64.
f) Não sendo dada à Recorrente possibilidade de reclamar novamente o seu crédito.
g) Não pode portanto ser declarada a inutilidade superveniente quanto à impugnação de créditos da aqui Apelante, sob pena de violação do artigo 17.o-G, n.o 7, pelo que deve a sentença em crise ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos quanto à impugnação feita pela Recorrente,
h) Termos em que se fará a tão costumada JUSTiÇA!

Da credora G…, Lda
1 - Segundo o Tribunal a quo, a lista de créditos que é apresentada no âmbito deste processo, tem apenas relevância para o apuramento do direito de voto dos credores, com vista à votação e eventual aprovação do plano de recuperação.
2 - Assim, havendo uma lista definitiva de créditos reclamados e sendo o PER convertido em insolvência, por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 36, destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados, nos termos do n.º 2 do artigo 17-D do C.I.R.E.
3 - Também o artigo 17-E n.º 1 do C.I.R.E., que remete para o artigo 17-C n.º 3 alínea a) do C.I.R.E. impede a instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende quanto ao devedor, acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
4 - Resulta da interpretação destes dois artigos do C. I. R. E. que se o PER se converter em processo de insolvência, não haverá alteração do valor do crédito da recorrente, constante da lista, e como tal, ele fixar-se-á em 3.984,65 €,
quando a recorrente é credora de 10.437,82 € e não podendo a recorrente voltar a reclamar novamente o seu crédito.
5 - Não é aceitável ser declarada a inutilidade superveniente da lide quanto à impugnação da ora recorrente Gruest, sob pena da violação do artigo 17.º - G n." 7 do c.I.R.E., bem Como dos princípios constitucíonais da igualdade e do acesso à justiça (artigos 20 n.º 1 e 4 e 202 da C.R.P.).
Assim, revogando-se a sentença do Meritíssimo Juiz a quo, por outra que faça prosseguir os autos quanto à impugnação efetuada pela recorrente.
Assim far-se-á Justiça!
E da credora P…, Lda
1) Com o presente recurso, a aqui Recorrente pretende apenas ver analisada a questão de saber se o Tribunal a que, decidiu corretamente ao dar razão á secção de processos, pelo facto de, a mesma ter rejeitado a impugnação á lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos apresentada pela aqui Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 17 nº2da Portaria n. ° 280/2013 de 26 de Agosto.
2) A credora/aqui Recorrente foi notificada pela Administradora Judicial Provisória, de que, nos presentes autos, lhe foi reconhecida um crédito, de natureza comum, no montante de € 684,02, constante da contabilidade da devedora, tendo ainda, sido notificada de que, nos termos do disposto no nº3 do arto 17°-D do Cire, dispunha do prazo de 5 dias úteis para impugnar a referida lista provisória.
3)O valor do crédito da aqui Recorrente reconhecido pela Administradora Judicial provisória, não se encontrava correcto, razão pela qual, a Recorrente, em devido tempo apresentou a sua impugnação à lista de credores reconhecidos e não reconhecidos.
4)Sucede que, foi a Recorrente notificada pela secretaria, via citius, da " ... recusa da peça processual de impugnação, por força do artº 17º da Portaria nº 280/2013 de 26 de Agosto, pelo facto de, não ter liquidado a taxa de justiça ... "- cfr. notificação com a ref.o; 12827690, constante a fls dos autos, tendo a Recorrente reclamado desse acto da secretaria, pois, no seu entender, havia sido efetuada uma interpretação incorreta do artigo 17º da Portaria nº 280/2013 de 26 de Agosto, reclamação esta, que foi recebida pelo tribunal a quo.
5) O tribunal a quo. face á reclamação apresentada por parte da Recorrente, entendeu que a impugnação da lista provisória de créditos reconhecidos e não reconhecidos, configura um incidente nos termos do artigo 17.° D n.º 3 do ClRE, a cujo impulso processual corresponde a taxa de justiça prevista na tabela anexa ao Regulamento das Custas Processuais para os incidentes em geral e, deste modo, não tendo sido liquidada a taxa de justiça devida" assiste inteira razão á secção de processos em ter rejeitado, ao abrigo do disposto no artigo 17.° n.º 2 da Portaria n." 280/2013 de 26 de Agosto, as impugnações apresentadas por estes credores", aqui se incluindo a Recorrente- cfr. notificação recebida via citius com a referência 13311552 constante a fls dos autos.
6)Ora, salvo o devido respeito e melhor entendimento, foi efetuada por parte do tribunal a quo. uma interpretação incorreta do citado normativo do Regulamento das custas processuais, desde logo, porque o nº 17° não se aplica aos presentes autos de processo especial de revitalização.
7)Com efeito, a matéria de custas processuais no âmbito do Processo Especial de revitalização encontra-se expressamente regulada nos nº 6 e 7 do arto 17-F do ClRE, onde se prevê o seguinte:" 6. A decisão do Juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal, nos termos dos crt" 37° e 38°, que emite nota com as custas do processo de homologação; 7: Compete ao devedor suportar as custas referidas no número anterior".
8) Assim, é ao devedor que compete suportar as custas no âmbito dos presentes autos, á semelhança do que sucede nos processos de Insolvência, que consagra no art' 304° do CIRE o princípio de que" as custas do processo de insolvência são a cargo da massa insolvente ou do Sociedade de Advogados, RL requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão transitada em julgado."
9) Acresce que, é pacifico na nossa Jurisprudência que as impugnações da Lista de credores, nos termos do disposto no art" 1300 do ClRE, não pagam taxa de justiça, desde logo, porque sendo decretada a Insolvência, as custas de tudo quanto se integrar no normal andamento do respectivo processo, e o ott" 303. o do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas diz-nos o que é que, para efeitos de tributação, deve ser visto como "normal andamento" do processo, estão a cargo da massa insolvente, pois todos esses actos processuais estão contaminados pelo pecado original, que é a situação de insolvência do insolvente, sem a qual não haveria lugar a tal actividade. Significa isso que a responsabilidade por estas custas não está submetida à regra do artigo 446.º; só o que estiver para lá desse "normal andamento" é que fica sujeito ao regime desse artigo 446.º" - cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.09.2013, Processo 2115/12.3TBBRG-H.G 1, disponível in www.dgsi.pt
10)"Face ao disposto no artigo 130.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a impugnação da lista de credores reconhecidos não pode deixar de ser vista como um acto normal na verificação e graduação dos créditos. Isso significa que é a massa insolvente quem, necessariamente, suportará as custas relativas ao processado previsto nos artigos 130. o a 140. o do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que implica que, mesmo na hipótese de acabar por não ser reconhecida, no todo ou em parte, razão ao credor impugnante, sempre será a massa insolvente quem arcará com as respectivas custas. Sendo assim, não faz sentido exigir que o credor, ao agir nos termos daquele artigo 130.0, tenha que pagar, à cabeça, uma taxa de justiça, dado que, se não extravasar os limites dos preceitos que regulam essa matéria, não terá, a final, que suportar quaisquer custas." - ibidem Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.09.2013, Processo 2115/12.3TBBRG-H.G 1, disponível in www.dgsi.pt
11)No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão proferido em 25.06.2013, no âmbito do Processo 329/12.5TBBRG-H.G 1 quando refere em conclusão que" Não é devida taxa de justiça pelo credor que impugne a lista de credores a quo alude o ort" 129° do ClRE nos termos do arfo 1300, uma vez que, segundo a conjugação dos artº 303° e 3040 do ClRE, as custas do processo de Insolvência e do apenso de verificação do passivo regulado nos art. Os 128. o a 140.°, são encargo da massa insolvente, caso tenha sido decretada a insolvência por decisão transitada em julgado"
12)Ora, também a impugnação da lista de créditos no âmbito do processo especial de revitalização, ao abrigo do disposto no n° 3 do ort." 17°- D do ClRE insere-se na normal tramitação de verificação de créditos e não pode ser considerada um incidente, pelo que, no que respeita a custas terá de forçosamente reger-se pelo disposto nos supra transcritos nº 6 e 7 do artº 17 - F do ClRE, ou seja, as custas ficam a cargo do devedor.
13)Desta feita, a impugnação de créditos da Lista provisória de credores apresentada nos autos pela aqui Recorrente não se encontra sujeita ao pagamento de taxa de justiça, pelo que, deve revogar-se o douto despacho em mérito e, em consequência, admitir-se a impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, apresentada nos autos pela Recorrente.
14)O douto despacho impugnado não pode manter-se, pois violou o disposto no artigo 17,° nº 2 da Portaria n.º 280/2013 de 26 de Agosto, fazendo uma interpretação incorrecta do vertido no mencionado preceito legal.
Termos em que, deve conceder-se provimento ao presente recurso, pois que revogando o douto despacho impugnado, farão Vossas Excelências a habitual,

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Sendo o objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 636, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 4, CPC), importa decidir as seguintes questões:
a de saber os efeitos, processuais e substantivos, da lista definitiva de créditos no processo de revitalização
a de saber se é devida taxa de justiça pela impugnação da lista provisória de créditos a que alude o art. 17º-D, nº 3, do CIRE

Fundamentação
De facto
A matéria factual com interesse para a apreciação da questão supra referida encontra-se enunciada no relatório supra elaborado.

De Direito
O Processo Especial de Revitalização (PER) foi integrado no Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE) pela Lei 16/2012, de 20.4.
O legislador, como diz, simplificando formalidades e procedimentos e instituindo o processo especial de revitalização, dispõe no artigo 17.º-A:
(Finalidade e natureza do processo especial de revitalização)
1 — O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização. (…)
3 — O processo especial de revitalização tem caráter urgente.
Depois, na parte que releva da tramitação, dispõe o artigo 17.º-D:
(Tramitação subsequente.)
1 — Logo que seja notificado do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior, o devedor comunica, de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo preceito, que deu inicio a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do artigo 24.º se encontra patente na secretaria do tribunal, para consulta.
2 — Qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos.
3 — A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.
4 — Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em lista definitiva.

Da leitura destas normas, a par dos efeitos sobre os credores (art.17º-E, nº1 e 6), resulta clara a imposição de prazos curtos e de uma tramitação que se quer célere.
Para conseguir a referida celeridade, o legislador reduziu garantias processuais. E esta redução, naturalmente, deverá implicar efeitos e âmbito reduzidos ao próprio PER, salvo pequenas excepções, como a do art.17º-G, nº7.
Diz esta norma: “Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina -se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º -D”.
E quais serão os efeitos, processuais e substantivos, da lista definitiva?
Para uns tal como os recorrentes e invocando o disposto no artº 17-G nº7: «Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º-D.», a lei, de todo em todo, veda aos credores da lista definitiva a possibilidade da reclamação dos seus créditos no sequencial processo de insolvência.
Assim, a situação de tais créditos fica, definitivamente, regulada em termos substantivos.
E alegando que: «não se afigura aceitável, por exemplo, que um reclamante que viu o seu crédito incluído na lista elaborada pelo administrador judicial provisório, no âmbito do processo especial de revitalização, tenha de vir, em momento ulterior, impugnar a lista que vier a ser apresentada, no âmbito da insolvência, quando o deveria ter efectuado no momento próprio, ou seja, no prazo previsto no PER para o efeito. Tudo a significar uma delonga escusada do processo» - Acs. da RL de 09.05. 2013 e de20.02.2014, p. 1390/13.0TBTVD-A.L1-6.
Para outros, aquele segmento normativo atribui aos credores da lista a faculdade de não reclamarem os seus na insolvência por os haverem já reclamado anteriormente, e não que os não podem, de todo, reclamar novamente.
Mais aduzem que a decisão sobre as impugnações no PER decide apenas sobre a simples admissibilidade dos créditos e não sobre a sua verificação e graduação.
Pelo que a lista definitiva não tem qualquer efeito de caso julgado e não vincula o administrador da insolvência, podendo assim, ser impugnados nos termos gerais, o que possibilita a discussão sobre a sua existência, montante e qualidade, e podendo ser reconhecidos, ou não reconhecidos, por forma diversa do que consta na lista do PER – a decisão recorrida e os AA nela citados.
Após melhor estudo da questão e das respectivas normas legais inclinamo-nos para esta orientação.
Na verdade e considerando a celeridade que se pretende para o PER, e a prova sumaria, que os seus curtos prazos impõem, bem como a limitação do contraditório, seria demasiado arriscado, na perspetiva da consecução da verdade/justiça material, aceitar como incólumes e indeléveis os créditos ali fixados.
De facto o art. 17 G nº7 CIRE reporta-se à reclamação, significando apenas que os credores cujos créditos tenham sido reconhecidos no âmbito do PER ficam dispensados do ónus de reclamar no processo de insolvência.
Mas uma lista de créditos reclamados não é uma lista de créditos resolvidos para o processo de insolvência. Ela não é uma sentença de verificação e graduação de créditos (art.140º da lei em análise).
Apenas haverá efeitos definitivos no PER no caso de créditos não impugnados (art.17º-D, nº4, decorrente da admissão por acordo), no caso de decisões não dependentes de melhor prova e no caso de créditos que, pelos seus fundamentos, permitam uma decisão sumária e imediata. Nestes casos, a decisão não está limitada.
No caso contrário, das impugnações de relativa complexidade e prova, e porque a tramitação do art.17º-D é limitada (também para as garantias das partes), o juiz decide limitadamente ou segundo uma probalidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, para os efeitos do PER. Seguindo o processo para a insolvência, tais impugnações deverão beneficiar do regime dos arts.131º e seguintes do código. Não é admissível nova reclamação e nova impugnação mas é admissível o seu processualmente diferente julgamento.
Na verdade apesar de a lei se exprimir em “conversão” ( “ convertido em processo (…)”) do processo especial de revitalização em processo de insolvência, a verdade é que se trata de processos distintos e autónomos. O processo de insolvência é uma novo processo, com uma nova instância, tanto assim que a ele é apensado o PER (art.17 G nº4).
Em suma o PER, dada a sua natureza, não se destina a resolver litígios sobre a existência e amplitude dos créditos, pois a decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental, logo não constitui caso julgado fora do processo (art. 91 CPC), visando, no essencial a formação e apreciação do quórum deliberativo (cf., Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª edição, 2013, pág. 159 e segs., Nuno Casanova/David Dinis, PER – O Processo Especial de Revitalização, 2014, pág. 78 e segs.).
Neste sentido, em comentário ao art. 17/G CIRE, escrevem Nuno Casanova/David Dinis – “Por último, esclarece-se que o facto de determinados credores terem sido incluídos na lista definitiva de créditos reclamados no âmbito do PER apenas implica que os mesmos ficam desonerados de reclamar os seus créditos no processo de insolvência. Não impede que os créditos desses credores sejam impugnados no âmbito do processo de insolvência. A lista definitiva de créditos no PER não tem força de caso julgado “ (loc. cit., pág. 172).
Sendo assim, porque impugnado o crédito, estava o tribunal legitimado a conferir os votos, nos termos do art. 73 nº4 do CIRE.
Por outro lado, como, igualmente se refere na decisão recorrida a reclamação de créditos no âmbito de um PER dirige-se primacialmente à determinação do universo dos créditos e respectivos titulares, inexistindo graduação de créditos e subsequentes pagamentos, mas tão só se visa a aprovação do plano apresentado ou sugerido, o qual, no caso de não aprovação, conduzirá à conversão em processo de insolvência, onde aí, sim, se procederá à graduação de créditos.
Esta solução é também a defendida por Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, in O Processo Especial de Revitalização, Comentários aos artigos 17.º-A a 17.º-I do CIRE, Coimbra Editora, Março de 2014, pág. 79, quando ali referem:
“a decisão sobre as reclamações visa exclusivamente computar o quórum de maioria e deliberação da decisão de aprovação do plano, pelo que é meramente acessória desta. O PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos. A decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental pelo que nos termos do n.º 2 do artigo 96.º do CPC não constitui caso julgado fora do respectivo processo. Esta é, aliás, a solução que mais se coaduna com os objectivos do PER. O PER é um processo que se quer simples, célere e ágil, o que pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental. Se a decisão sobre a reclamação de créditos constituísse caso julgado fora do PER, as partes teriam de poder dispor de todos os meios de defesa e prova com a amplitude que lhes é reconhecida nos processos cíveis, e provavelmente a isso seriam forçadas, o que – em última análise – comprometeria os objectivos do PER ou, pelo menos, lhe traria uma complexidade desnecessária.”.
Assim, é de sufragar a decisão recorrida
Invoca, ainda, a recorrente G… que a decisão recorrida viola os princípios constitucionais da igualdade e do acesso à justiça ( artigos 20.º nº 1 e 4 e 202º da Constituição da República Portuguesa) se bem se entende, porque ao não se apreciar a sua reclamação se impede a mesmo de aceder à Justiça e aos Tribunais, ficando, assim, impossibilitado de discutir a existência do seu crédito.
Como acima se tentou explicar, a reclamação de créditos no âmbito de um PER apenas tem os efeitos ali assinalados e dentro do PER, não revestindo efeito de caso julgado fora dele, pelo que, noutro âmbito, sempre arecorrente poderá obter o reconhecimento do direito a que se arroga.
De acordo com o artigo 13.º da CRP, consagra-se o direito de igualdade de todos perante a lei, nos artigos 17.º e 18.º, consagra-se a prevalência dos direitos, liberdades e garantias e no seu 20.º, n.º 1, que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, princípio que vem igualmente, plasmado no n.º 2 do seu artigo 202.º, de acordo com o qual, incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
Ora, no caso em apreço, todas as partes processuais tiveram ao seu dispor os articulados respectivos, nos quais alegaram, em pé de igualdade e em obediência às leis processuais civis, as respectivas pretensões e fundamentos, designadamente à recorrente foi possível reclamar o seu crédito, em posição de igualdade com os demais credores reclamantes.
Só que tal reclamação está sujeita aos condicionalismos formais e materiais estabelecidos no PER, onde o legislador ordinário regulou o exercício de tais direitos, em confronto com os dos demais interessados, aí se incluindo os do próprio requerente da providência de revitalização, pelo que a apreciação de tais direitos (como os demais regulados pela ordem jurídica) é e foi feita em obediência ao princípio do contraditório e “da igualdade de armas” concedidos a todas as partes/interessados, nos mesmos termos (os definidos/plasmados na regulamentação do PER).
No seguimento do normal iter processual foi proferida a decisão recorrida que apreciou e decidiu, de acordo com a lei aplicável, o conflito de interesses que subjaz aos presentes autos. Assim, nenhum destes comandos constitucionais se mostra atingido, o que afasta, por seu turno, a violação do disposto no artigo 204.º da CRP.
Acresce que como resulta do art. 277º nº 1 da CRP, o que é passível de juízo de inconstitucionalidade são as normas legais. Não as decisões dos tribunais.
Não vemos que a decisão recorrida tenha aplicado qualquer norma jurídica que em si mesma (e segundo a interpretação que lhe fosse dada) esteja em oposição com o disposto na CRP ou com os princípios que esta contém. Nem, aliás, o Apelante identifica tal virtual norma. E uma coisa é a ilegalidade da decisão (por estar desconforme ao direito infra constitucional regulador do caso concreto, e é disto que se queixa na realidade o Apelante), outra, muito diferente, a aplicação de norma legal em si mesma desconforme à Constituição
Pelo que, também, com base nesta fundamentação, tem o presente recurso de improceder.
Recurso da credora P…
É devida taxa de justiça pela impugnação da lista provisória de créditos a que alude o art. 17º-D, nº 3, do CIRE?
Temos respondido de forma negativa.
Consideramos que na tramitação do processo de revitalização está prevista a impugnação da lista provisória de créditos elaborada pelo administrador judicial provisório (art. 17º-D, nº 3), pelo que tal impugnação se insere no “normal andamento” do processo especial de revitalização, não constituindo nenhum incidente dos previstos na tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais (RCP).
Assim, à impugnação da lista provisória de créditos, no caso das negociações concluírem com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, é aplicável a regra constante do nº 7 do 17º-F, ou seja, compete ao devedor suportar as custas do processo de homologação.
Já no caso do processo de revitalização ser concluído sem a aprovação de plano de recuperação e ser declarada a insolvência do devedor, com a consequente apensação daquele processo ao processo de insolvência (art. 17º-G, nºs 3 e 4), as custas deste último são encargo da massa insolvente nos termos do art. 304º, sendo que em tais custas se englobam as decorrentes do processo concursal (art. 303º).
E, como é sabido, as custas processuais abrangem a taxa de justiça (art. 529º, nº 1, do CPC).
É este, aliás, o entendimento jurisprudencial Cfr. Acórdãos desta Relação de 15.11.2007 (Gomes da Silva), proc. 1881/07-1, de 04.12.2012 (Ana Cristina Duarte) subscrito pela aqui relatora na qualidade de adjunta, proc. 6624/11.3TBBRG-L.G1, de 25.06.2013 (Isabel Rocha), proc. 329/12.5TBBRG-H.G.G1 e de 10.09.2013 (Beça Pereira), proc. 2115/12.3TBBRG-H.G1. No mesmo sentido o Ac. da RC de 20.03.2012 (Teles Pereira), proc. 110/11.9TBCLB-E.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt quando está em causa a impugnação da lista de credores feita no processo de insolvência (cfr. arts. 129º e 130º), não se vislumbrando nenhuma razão que imponha tratamento diverso quando está em causa a impugnação provisória de créditos regulada no processo de revitalização.
Aliás como refere a colega \ Desembargadora Raquel Rego no seu voto de vencido constante do acórdão nº 1666/14.0 TBBRGG-A.G1 proferido em 25.09.2014
Se retrocedermos ao Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, logo se verifica que assim era já na vigência do artº 248º, nº2, onde, de modo similar, se estipulava que, para efeitos de tributação, o processo de falência abrangia o processo principal, as propostas de concordata particular, a apreensão de bens, os embargos do falido (…), a liquidação do activo, a verificação do passivo, o pagamento aos credores, as contas de administração (…) e quaisquer incidentes, ainda que processados em separado, se as respectivas custads houvessem de ficar a cargo da massa.
Já no domínio deste normativo se vinha entendendo que não eram devidos preparos pelos credores da reclamação de créditos, uma vez que o concurso de credores ou verificação do passivo não tinham custas próprias, estando abrangidas pelas custas do processo principal.
Cotejados os preceitos atinentes à matéria constantes do CPEREF e do CIRE logo se verifica que são em tudo similares, pelo que continua a ser válido o aludido entendimento.
Importa por isso reconhecer razão à recorrente quando defende que a validade da impugnação que apresentou não está dependente do pagamento de taxa de justiça. Este recurso merece, pois, provimento.

Síntese conclusiva
1.O processo especial de revitalização (PER) não se destina a resolver litígios sobre a existência e amplitude dos créditos, e a decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental, logo não constitui caso julgado fora do processo (art. 91 CPC), destinando-se à formação e apreciação do quórum deliberativo.
2. Os credores cujos créditos tenham sido reconhecidos no âmbito do PER ficam dispensados do ónus de reclamar no processo de insolvência.
3. Não fazendo caso julgado o reconhecimento de crédito fora do PER, a dispensa do ónus de reclamação não afasta o direito de impugnação por parte dos demais credores no subsequente processo de insolvência.
4.A impugnação da lista provisória de créditos a que alude o artigo 17º-D, nº 3, do CIRE, não está sujeita ao pagamento de taxa de justiça.

Decisão
Pelo exposto, decidem os Juízes desta Secção Cível em:
1)Julgar os recursos apresentados pelas credoras A…, Lda e G…, Lda improcedentes confirmando a decisão recorrida.
Custas pelas recorrentes
2) julgar procedente a apelação interposta pela credora P…, Lda determinando não ser devido o pagamento de taxa de justiça pela impugnação em causa, revogando-se, em conformidade, o despacho recorrido.
Custas conforme for decidido a final, consoante o processo siga para a insolvência (pela massa insolvente), para a revitalização ou caso seja extinto (pela requerente) sem prejuízo de isenções legais.
Notifique
Guimarães, 19 de março de 2015
Maria Purificação Carvalho
Espinheira Baltar
Henrique Andrade