Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6463/17.8T8GMR.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
MONTANTE DA MULTA
VALOR DA ACÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A condenação por litigância de má-fé pressupõe o dolo ou a negligência grave (cfr. art. 542º/2 do CPC), na violação do dever de boa-fé processual que deve pautar a actuação da parte que litiga em juízo.
II – Assim, deve ter lugar uma condenação neste quadro quando seja seguro que ao alegar como alegou, a parte tenha, com dolo ou negligência grave, deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, que tenha faltado ao dever de verdade ou que tenha feito do processo um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal [als. a), b) e d) do nº 2 do dito art. 542º do CPC].
III – Quanto aos critérios atinentes à fixação do montante da multa por litigância de má-fé, importa considerar o que estabelece o art. 27º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), ao prever que nos casos de condenação por litigância de má-fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC (nº 3), e que o montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste (nº 4 do citado preceito legal), importando, assim, ponderar o grau de má-fé revelado, as consequências processuais inerentes e as condições económicas dos litigantes de má-fé.
IV – Na falta de elementos atinentes às condições económicas e à situação financeira dos autores/litigantes de má-fé afigura-se razoável e proporcional às circunstâncias do processo ponderar o valor da acção.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

1 RELATÓRIO

AA, residente na Avenida ..., na cidade ..., ..., intentou contra BB, residente no Lugar ..., freguesia ..., do concelho ..., CC, residente no Lugar ..., freguesia ..., do concelho ..., DD, com domicílio profissional na Rua ..., ..., ..., do concelho ... e EE, com domicílio profissional na Rua ..., ..., do concelho ..., a presente acção declarativa, sob a forma comum de processo[1] peticionando:

a) O reconhecimento do direito de propriedade da herança indivisa aberta por óbito dos pais do A., sobre os prédios identificados nos arts. 1º e 2º da p.i.;
b) A declaração da falsidade e de nenhum efeito das procurações com termo de autenticação datadas de 16 de Agosto de 2016, pretensamente outorgadas pelo A. a favor do 1º R., autenticadas pela 3ª R.;
c) A declaração de nulidade da escritura de venda dos mesmos prédios, outorgada em 19 de Agosto de 2016, no cartório notarial do 4º R., por falsidade das procurações que lhe deram origem ou, subsidiariamente, por simulação dos 1º e 2ª RR.;
d) O cancelamento do registo dos identificados prédios a favor da 2ª R., na Conservatória do Registo Predial ...;
e) A condenação solidária dos RR. a pagar ao A. a indemnização de 22.000,00 € a título de danos morais e patrimoniais, acrescidos de juros a contar da citação.
Alegou para o efeito que o 1º R., na qualidade de procurador dos seus quatro irmãos, entre os quais o A., outorgou escritura pública a 19-08-2016 no Cartório Notarial ..., perante o R. EE, notário de profissão, na qual declarou, em nome da herança aberta por óbito de seus pais FF e GG, pelo preço global de € 33.783,92, vender à 2ª R. vários prédios pertencentes à herança. A procuração atribuída ao A., autenticada pela 3ª R., exibida pelo 1º R. na escritura de 19-08-2016, contém assinatura grosseiramente falsa do A. que nunca a outorgou nem esteve na presença da 3ª R. Também a procuração com assinatura a rogo de HH, foi feita sem reconhecimento e sem a identificação da rogada. O R. EE omitiu o dever de cuidado imposto pelas funções que no acto exercia, agindo com negligência.

Contestou o R. EE (fls. 41 e ss.), defendendo-se por excepção e por impugnação.
Excepcionou a incompetência do tribunal em razão de matéria, entendendo que o foro competente é o administrativo e fiscal, porque a acção tem como uma das causas de pedir a responsabilidade civil extracontratual de notário que, não sendo funcionário público, praticou o acto alegadamente gerador da responsabilidade no exercício de poder público, realizando uma tarefa que ao Estado cabe, numa relação jurídica administrativa.
Impugnou os demais fundamentos da acção.
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Contestou a R. DD (fls. 71 e ss. dos autos).
Alegou que o reconhecimento presencial da assinatura se deveu a lapso involuntário, decorrente de deficiente entendimento de funcionária do seu escritório e de omissão, pela contestante, de leitura da procuração e do termo, sendo sua intenção realizar apenas reconhecimento por semelhança.
Impugnou os demais fundamentos do pedido.
Suscitou incidente de intervenção processual provocada da “EMP01..., S.A.” por virtude do seguro de actividade de advocacia celebrado com a Ordem dos Advogados.
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Contestou a R. CC (fls. 91 e ss. dos autos), impugnando os fundamentos da demanda.
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Contestou o R. José (fls. 94 e ss. dos autos).
Excepcionou o pagamento, aos AA. e demais irmãos, de € 6.500,00 a cada pela venda dos seus quinhões hereditários. Em contrapartida, estes outorgaram as procurações em crise.
Impugnou os demais fundamentos do pedido, nomeadamente a falsidade dos documentos que usou na celebração da escritura de compra e venda.
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No exercício do contraditório (145 v.º e ss.) relativamente à excepção suscitada pelo R. EE, o A. invocou que na presente acção está em causa a validade do acto praticado pelo R. que deu origem à escritura de compra e venda, sendo que a actuação do notário se insere numa relação jurídica privada.
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Admitido que foi o pedido de intervenção principal provocada da “EMP01..., S.A.” (cfr. despacho de 14-04-2018, fls. 122), esta apresentou a sua contestação (fls. 153 e ss.), na qual excepcionou:

- a inaplicabilidade temporal da apólice e a consequente ilegitimidade da Interveniente; e
- a violação do princípio da adesão a processo-crime e consequente caducidade do direito de acção.
Impugnou os demais fundamentos do pedido.
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O A. respondeu (fls. 181) à excepção da caducidade suscitada pela Interveniente, mantendo que não é queixoso no processo crime identificado pela “EMP01...”.
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Em requerimento de 29-06-2018 (fls. 185), veio a EMP01... pedir se tivessem por não escritos os arts. 7º a 21º do seu articulado, referentes à inaplicabilidade temporal da apólice e consequente ilegitimidade da Interveniente.
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A 20-07-2018, veio o R. EE juntar novo requerimento (fls. 215), impugnando o teor de documentos juntos e pretendendo a intervenção processual provocada da “EMP02..., Limited” por ter celebrado com a Ordem dos Notários contrato de seguro de responsabilidade civil dos notários inscritos por danos provocados no exercício da sua profissão.

Por despacho proferido a 12-11-2018 (fls. 229) foi admitida a intervenção processual da EMP02....

Citada, a EMP02... contestou (fls. 244 e ss.) alegando a existência de franquia no montante mínimo de € 1.000,00 por reclamação, aderindo, no mais, à contestação do R. EE, destacando, entre outras, a circunstância da procuração se encontrar autenticada por advogada pelo que nenhuma responsabilidade impende sobre o seu segurado.
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Foi proferido despacho saneador com data de 18-06-2019 (fls. 280 e ss.) que fixou o valor da acção e julgou procedente a excepção dilatória de incompetência, em razão de matéria, do tribunal judicial.
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Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal ..., foi proferida, com data de 28-10-2019 (fls. 290 e ss.) decisão, declarando aquele absolutamente incompetente em razão de matéria.

Suscitado o conflito negativo de competência, o Tribunal dos Conflitos proferiu douto acórdão de 18-10-2021 (fls. 322 e ss.), fixando a competência da jurisdição comum – Juízo Central Cível ... - para apreciar o presente litígio.
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Recebidos os autos, foi proferida, a 17-01-2022 (fls. 374 e ss.) continuação do despacho-saneador, relegando a apreciação da excepção da caducidade para ulterior momento processual, identificando o objecto do litígio, os factos assentes e os temas da prova, e apreciando os requerimentos probatórios.

Determinada que foi a realização de perícia à escrita manual (cfr. despacho de 16-02-2022 – fls. 424), foram juntos a 23-08-2022 (fls. 432 e ss.).
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Por despacho de 09-11-2022 (fls. 438) foi ordenada a apensação, aos presentes, dos autos de acção comum 910/18.... do Juiz ... do Juízo Central Cível, propostos por II e marido HH, contra BB, CC, DD, EE e JJ com o seguinte pedido, fundado em factos similares aos dos autos principais:

a) Ser declarada a nulidade da procuração com termo de autenticação datada de 16 de Agosto de 2016, pretensamente outorgada pelos AA. a favor do 1.º R.;
b) Ser declarada a nulidade do termo de autenticação que acompanha a aludida procuração;
c) Ser declarada nula a escritura de compra e venda dos prédios, outorgada em 19 de Agosto de 2016 no cartório do 4.º R., por manifesta falsidade das procurações que lhe deram origem ou se assim não se entender, por simulação dos 1.º e 2.ª RR.;
d) Ser ordenado o cancelamento do registo a favor da 2.ª R. na Conservatória do Registo Predial ...;
e) Ser reconhecido que a A. esposa é co-herdeira e, portanto, tem quota-parte na herança, sobre os prédios supra identificados sob o art. 8.º, que lhe adveio por óbito de seus pais, FF e GG;
f) Serem os RR. condenados solidariamente a pagarem aos AA. a quantia de €7.500,00 a título de danos patrimoniais;
g) Serem os RR. condenados solidariamente a pagarem aos AA. a quantia de €15.000,00 a título de danos não patrimoniais;
h) Aquelas quantias das alíneas f) e g) acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Nos referidos autos apensos:
- foi declarada a incompetência, em razão de matéria, do Juízo Central Cível ... (fls. 52 e ss.);
- remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal ..., contestaram os Réus: EE (fls. 65 e ss.), impugnando e solicitando a intervenção principal da EMP02...; DD (fls. 83 e ss.), em termos similiares à contestação dos autos principais e requerendo intervenção principal das seguradoras EMP01... e EMP03...; BB (fls. 116 e ss.) e CC (fls. 147 e ss.), com os mesmos argumentos das suas contestações nos autos principais;
- por despacho de 18-09-2019 (fls. 275 e ss.), foi admitida a intervenção principal da EMP01... que contestou (fls. 285 e ss.), invocando a sua ilegitimidade, a existência de franquia contratual de € 5.000,00 e impugnando os restantes fundamentos do pedido;
- por despacho de 21-11-2019 (fls. 310 e ss.), foi admitida a intervenção principal da EMP02... que contestou (fls. 318 e ss.) em termos análogos aos da contestação do processo principal;
- em despacho-saneador de 04-01-2021 (fls. 346 ess.) foi declarada a incompetência, em razão de matéria, do Tribunal Administrativo para conhecr o presente litígio e os Réus absolvidos da instância;
- por acórdão de 18-10-2021 (fls. 365 e ss.), o Tribunal dos Conflitos declarou o Juízo Central Cível ... – J..., materialmente competente para conhecer dos pedidos;
- recebidos os autos no J..., foi proferido despacho-saneador a 14-02-2022 (fls. 403 e ss.), julgando improcedente a excepção de ilegitimidade da 3ª Ré, identificando o objecto do litígio, os factos assentes e os temas da prova, e apreciando os requerimentos probatórios.

Determinada que foi a realização de perícia à escrita manual pelo LPC da PJ (cfr. despacho de 15-06-2022 – fls. 433), foram juntos aos autos os relatórios das perícias realizadas pela mesma instituição no âmbito do processo comum que corre no Juízo Central Criminal ... sob o n.º 709/17.... (fls. 438 e ss.) com objecto parcialmente coincidente, vindo, depois de exercido o contraditório, a ser proferido despacho de 12-10-2022 (fls. 470 e ss.) conferindo ao resultado daquelas perícias força probatória análoga à da perícia requerida e determinada nos autos apensos.
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Depois da apensação, foi junto a 26-01-2023 (fls. 440 e ss. do processo principal) o relatório da parte da perícia não coincidente com as do identificado processo-crime.
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Designada data para o efeito, procedeu-se ao julgamento, que se prolongou por 2 sessões, com a observância das formalidades legais, como resulta das respectivas actas, tendo sido proferido despacho no seu início (cfr. acta de 24-05-2023 – fls. 459 v.º dos autos principais) advertindo as partes de que o tribunal poderia conhecer oficiosamente da questão da litigância de má-fé.
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No final, foi proferida sentença, que decidiu nos seguintes termos:
Pelo exposto, julgo:
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A.
Parcialmente procedentes os pedidos formulados nos autos principais e apensos:
1. Declarando falsas e nulas as procurações pretensamente outorgadas pelos AA. a favor do Réu BB e os respectivos termos de autenticação datados de 16 de Agosto de 2016, referidos nos factos provados números 2 e 3;
2. Declarando nula a escritura de compra e venda outorgada a 19 de Agosto de 2016 no cartório notarial do Réu EE, referida no facto provado número 4;
3. Declarando o direito de propriedade da herança indivisa aberta por óbito de FF e GG, pais dos Autores AA e II, sobre os prédios objecto da escritura pública aludida no facto provado número 4;
4. Declarando que a Autora II é co-herdeira da herança aludida no ponto 3 deste dispositivo;
5. Ordenando o cancelamento do registo dos prédios objecto da escritura pública aludida no facto provado número 4, a favor da segunda Ré, na Conservatória do Registo Predial ...;
6. Condenando:
a) A Ré DD, a pagar o montante indemnizatório de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescido de juros contados desde a prolação da presente decisão até efectivo e integral pagamento, repartido pelos Autores nos seguintes termos: € 3.000,00 (três mil euros) para cada um dos Autores AA e II; € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) para o Autor HH;
b) Solidariamente a Interveniente “EMP01..., S.A.” a pagar € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) do total indemnizatório referido na alínea anterior, acrescido de juros nos termos aí mencionados.
B.
Parcialmente improcedentes os mesmos pedidos:
1. Declarando caducado o direito dos Autores a serem indemnizados nos termos peticionados, pelos Réus BB e CC;
2. Absolvendo os Réus EE e JJ, e a Interveniente “EMP02...”, dos pedidos de condenação contra os mesmos fomulados pelos Autores;
3. Absolvendo a Ré DD, e a Interveniente “EMP01..., S.A.”, da parte restante dos pedidos de condenação formulados pelos Autores.
C.
Condeno o Réu BB como litigante de má-fé, no pagamento de multa no montante de 15 (quinze) Unidades de Conta.
*
***
Custas pelos Autores e pelos Réus José, CC, DD e Interveniente “EMP01...”, na proporção de 1/3 para os primeiros e 2/3 para os demais, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário (art.º 527º do CPC).
Após trânsito, comunique-se à Segurança Social, para os efeitos tidos por convenientes (artigo 10º da LAJ), a condenação do Réu José como litigante de má-fé.
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Registe e notifique.
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Notificado da sentença e com ela não se conformando, apresentou o R. BB recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

I. O presente recurso vem interposto do douto despacho, datado de 16.10.2023 que condenou o Recorrente como litigante de má-fé, em multa do montante equivalente a 15 unidades de conta [nos termos e para os efeitos do previsto no disposto no nº 2 do art. 644º, nº 4, al. g) do CPC, conjugado com os arts 32º e 33º, ambos do RGPTC],
II. Caso pretendesse condenar o Recorrente como litigante de má-fé o Tribunal recorrido haveria sempre de, previamente à prolação da sentença proferida, ter notificado o Recorrente para que se pronunciasse sobre tal questão - o que não fez.
III. No caso sub iudice não se verifica nenhum motivo para condenar o Recorrente como litigante de má-fé, designadamente, com base na alínea a) do nº 2 do artigo 542º do CPC, pelo que, não pode o mesmo acolher o entendimento expresso no douto despacho recorrido.
IV. Pois para que o Recorrente pudesse ser condenado como litigante de má-fé, tinham que ter sido dados como provados, factos de onde se retirasse que agiu com essa intenção, no caso, que agiu dolosa e intencionalmente com vista a deduzir pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar.
O Recorrente estava convencido que as procurações que lhe tinham sido devolvidas eram originais e não falsificadas, pois nunca admitiu que as falsificou.
Não fundamentou o tribunal o valor que fixou.
V. O douto despacho recorrido sempre será, por isso, nulo por falta de fundamentação.
VI. O Recorrente não atuou com intenção ou consciência de deduzir uma pretensão absurda ou infundada, cuja falta de fundamento não ignorava ou não devia ignorar.
O Recorrente não age (nem nunca agiu) de má-fé.
VII. Não se concordando com o entendimento que o Tribunal retirou da prova produzida, e com o qual - sempre com o merecido respeito - não é, por si só, suficiente para fundamentar a condenação do Recorrente.
VIII. A má-fé a que se alude no artigo 542º do Cód. de Processo civil exige-se a existência de um verdadeiro dolo, não bastando a simples culpa, ou seja, a litigância de má-fé tem como pressuposto o dolo, isto é, a consciência de se não ter razão, o que não se verifica no caso concreto.
Analisando o caso sub judicie não se vislumbra como é que se poderá considerar a atuação do Recorrente como dolosa e grave de modo a que se possa justificar a sua condenação nos termos em apreço.
VIII. Por conseguinte, não estão reunidos, in casu, os pressupostos da litigância e má-fé por parte do Recorrente, pelo que, nunca poderia o mesmo ter sido condenado nesse sentido.
IX. Decidindo pela condenação do Apelante como litigante de má-fé, fez o Mmo Juiz a quo errada interpretação e aplicação da norma constante do artigo 542º do CPC, pelo que deve o douto despacho recorrido, ser substituído por decisão que o absolva dessa condenação.
X. A considerar-se ter o Recorrente litigado de má-fé [o que não se aceita e apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio], afigura-se mais adequado, proporcional e equilibrado, em face das circunstâncias do caso em apreço, e da situação económica do Réu, a fixação de uma multa pelo mínimo legal previsto no nº 1 do art. 27º do Reg. das Custas Processuais - o que, em alternativa, se requer.
XI. O douto despacho recorrido, ao decidir como decidiu, violou, por errada ou má interpretação o disposto nos artigos 542º, 543º, 608º nº 2 e 613º todos do Código de Processo Civil e ainda do artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais.
NESTES TERMOS
e nos melhores de direito aplicáveis, requer-se a V. Exas. que se dignem a julgar procedente, por provado, o presente recurso, revogando o douto despacho recorrido e substituindo-o por decisão/acórdão nos termos supra propugnados, tudo com as legais consequências.

Assim decidindo, farão V. Exas. a habitual
JUSTIÇA!
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Não consta dos autos, que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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Foram facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos.
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Nas alegações recursórias que apresentou, o apelante argui nulidade da decisão, em virtude de tal acto decisório enfermar dos vícios previstos nas als. d) e b) do nº 1 do art. 615º do CPC.
Não se tendo o Mmº juiz a quo pronunciado expressamente sobre os apontados vícios formais, como dispõe o art. 617º/1 do citado diploma, face à simplicidade da questão suscitada e face aos elementos que constam dos autos, nos termos do nº 5 da já referida norma, não se mostra indispensável ordenar a baixa dos autos para a apreciação da nulidade.
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Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. 
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende que:
I - se declare nula a decisão recorrida, por ausência de contraditório;
II - se declare nula a decisão recorrida, por falta de fundamentação;
III - se reaprecie a decisão de mérito da acção quanto à condenação do R. como litigante de má-fé, bem como o seu montante.
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3 – OS FACTOS

Factos Provados
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1. Por escritura pública de habilitação de herdeiros outorgada a 10 de Maio de 2016, no Cartório do Sr. Notário EE, em ..., KK, JJ e JJ declararam que:
- FF faleceu no dia ../../2009, no estado de casado em primeiras e únicas núpcias de ambos e sob o regime da comunhão de adquiridos com GG, sem testamento ou qualquer outras disposição de bens de última vontade, deixando como únicos herdeiros legítimos, a referida cônjuge sobreviva e os cinco descendentes II, BB, LL, AA e MM; e
- GG faleceu no dia ../../2013, no estado de viúva de FF, sem testamento ou qualquer outras disposição de bens de última vontade, deixando como únicos herdeiros legítimos os cinco descendentes II, BB, LL, AA e MM;
(cfr. certidão de escritura pública junta a 05.02.2018, fls. 51 e ss. dos autos).
2. Encontram-se redigidas as procurações em nome, respectivamente, de II, AA, MM e LL, reproduzidas nos documentos juntos a fls. 190, 193, 196 e 199 dos autos, constituindo “…seu bastante procurador com a faculdade de substabelecer, seu irmão, BB (…), a quem concede os poderes precisos para, com os demais interessados, vender pelo preço e condições que entender a parte que lhe pertence dos seguintes prédios, todos situados no Lugar ..., freguesia ..., concelho ...:
a) prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...52 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...04;
b) prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...59 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...81;
c) prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...60 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...93;
d) prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...61 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...19;
e) prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...05 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...45;
f) prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...51 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...78;
g) prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...58 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...7;
h) prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...91;
i) prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...81;
j) prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...82;
e receber o respectivo preço, dar quitação, outorgar e assinar a respectiva escritura, representá-lo junto da Repartição de Finanças e Conservatória do Registo Predial, requerendo, praticando, outorgando e assinando tudo quanto necessário se torne aos fins mencionados. (…)”
Consta também da procuração reproduzida a fls. 190 dos autos, referente a II que “…Mais declara o seu marido, HH, residente com a primeira na referida morada, natural da freguesia ..., concelho ... (…) que presta, expressamente, por este meio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1682.º-A do Código Civil, o seu consentimento à venda dos supra aludidos prédios, a quem, nos termos e condições que entender por convenientes.”
Consta também da procuração reproduzida a fls. 199 dos autos, referente a LL que “…Mais declara a sua mulher, NN, residente com o primeiro na referida morada, natural da freguesia ... (...), concelho ... (…) que presta, expressamente, por este meio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1682.º-A do Código Civil, o seu consentimento à venda dos supra aludidos prédios, a quem, nos termos e condições que entender por convenientes.”
(cfr. documentos juntos a 18.07.2018, fls. 188 a 211 dos presentes autos).
3. Encontram-se exarados os termos de autenticação reproduzidos por cópia a fls. 188, 191, 194 e 197, relativos às assinaturas manuscritas apostas em cada uma das procurações aludidas no facto provado anterior contendo os de fls. 188 e 191, os seguintes teores, respectivamente:
“No dia dezasseis de Agosto de dois mil e dezasseis, perante mim, DD, advogada com cédula profissional n.º ..., com escritório na rua ..., ... da vila de ..., compareceu como outorgante:
II, portadora do cartão de cidadão n.º ..., emitido pela República Portuguesa, com validade até ../../2019, contribuinte fiscal n.º ...20 casada com HH, portador do cartão de cidadão n.º ..., emitido pela República Portuguesa, com validade até ../../2020, residentes na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., o qual não sabe assinar, cuja identidade verifiquei peia exibição do seu cartão de cidadão.
Para fim de autenticação, os outorgantes apresentaram-me o documento anexo que consiste numa PROCURAÇÃO, tendo declarado haver lido e assinado e ficado cientes do seu teor, que corresponde à sua vontade.
Foi feita aos outorgantes, a leitura do presente termo de autenticação e a explicação do seu conteúdo tendo estes declarado que o compreenderam quanto ao seu sentido e alcance, indo assiná-lo e aceitando-o nos precisos termos em que está exarado.
Acto gratuito.”;
“No dia dezasseis de Agosto de dois mil e dezasseis, perante mim, DD, advogada com cédula profissional n.º ..., com escritório na rua ..., ... da vila de ..., compareceu como outorgante:
AA, portador do cartão de cidadão n.º ..., emitido pela República Portuguesa, com validade até ../../2017, contribuinte fiscal n.º ...07, residente na Rua ..., freguesia e concelho ..., cuja identidade verifiquei peia exibição do seu cartão de cidadão.
Para fim de autenticação, o outorgante apresentou-me o documento anexo que consiste numa PROCURAÇÃO, tendo declarado haver lido e assinado e ficou ciente do seu teor, que corresponde à sua vontade.
Foi feita ao outorgante, a leitura do presente termo de autenticação e a explicação do seu conteúdo tendo esta declarado que o compreendeu quanto aos seus sentidos e alcance, indo assiná-lo e aceitando-o nos precisos termos em que está exarado.
Acto gratuito.”
(cfr. documentos juntos a 18.07.2018, fls. 188 a 211 dos presentes autos).
4. Por escritura pública de compra e venda outorgada a 19 de Agosto de 2016 no Cartório do Sr. Notário EE, em ..., BB, em seu nome pessoal e em nome e representação, na qualidade de procurador, dos seu irmãos II, LL, AA e MM, como únicos e universais herdeiros de FF e GG, declarou vender a CC, e esta declarou aceitar, pelo preço já recebido de €33.783,92, correspondente à soma dos parcelares de €31,33, €1,26, €2,14, €0,76, €13,20, €9,68, € 1.928,53, €2.894,38, €24.912,68 e € 2.557,58, respectivamente, os imóveis:
Verba um - prédio rústico denominado “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...52 e inscrito na matriz sob o artigo ...04;
Verba dois - prédio rústico denominado “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...59 e inscrito na matriz sob o artigo ...81;
Verba três – prédio rústico denominado “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...60 e inscrito na matriz sob o artigo ...93;
Verba quatro – prédio rústico denominado “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...61 e inscrito na matriz sob o artigo ...19;
Verba cinco – prédio rústico denominado “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...05 e inscrito na matriz sob o artigo ...45;
Verba seis – prédio rústico denominado “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...51 e inscrito na matriz sob o artigo ...78;
Verba sete – prédio urbano composto por casa de primeiro e ... andar e dependência, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...58 e inscrito na matriz sob o artigo ...7;
Verba oito – prédio urbano omisso na Conservatória do Registo Predial ..., composto por arrecadação e arrumos, inscrito na matriz sob o artigo ...91;
Verba nove – prédio urbano omisso na Conservatória do Registo Predial ..., composto por casa de habitação, inscrito na matriz sob o artigo ...81 (o qual teve origem no artigo ...5);
Verba dez – prédio urbano omisso na Conservatória do Registo Predial ..., composto por arrecadações e arrumos, inscrito na matriz sob o artigo ...82 (o qual teve origem do artigo 98);
(cfr. certidão de escritura pública junta a 05.02.2018, fls. 57 e ss. dos autos).
5. Pela Ap. ...24 de 2016/08/24 foi registada a favor de CC, aquisição, por compra a BB, II, LL, AA e MM, com a menção de que “Os sujeitos passivos BB, II, LL, AA e MM, são os titulares de bens ou direitos que fazem parte da herança indivisa de GG”, dos prédios:
- rústico, denominado “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...52 e inscrito na matriz sob o artigo ...04;
- rústico, denominado “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...59 e inscrito na matriz sob o artigo ...81;
- rústico, denominado “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...60 e inscrito na matriz sob o artigo ...93;
- rústico, denominado “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...61 e inscrito na matriz sob o artigo ...19;
- rústico, denominado “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...05 e inscrito na matriz sob o artigo ...45;
- rústico, denominado “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...51 e inscrito na matriz sob o artigo ...78;
- urbano, composto por casa de primeiro e ... andar e dependência, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...58 e inscrito na matriz sob o artigo ...7;
- urbano, composto por arrecadação e arrumos, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...57 e inscrito na matriz sob o artigo ...91;
- urbano, composto por casa de habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...58 e inscrito na matriz sob o artigo ...81;
- urbano, composto por arrecadação e arrumos, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...59 e inscrito na matriz sob o artigo ...82;
todos sitos na Rua ..., da freguesia ..., do concelho ... (cfr. certidões do registo predial reproduzidas de fls. 123 a 144 dos autos, a que se reportam os códigos descritos a fls. 35 dos autos).
6. No dia 11 de Julho de 2017, os AA. foram notificados pela agente de execução OO, no processo execução n.º 306/12.... que corria termos pelo Juiz ... do Juízo de Competência Genérica ..., no qual são executados BB e CC, e exequentes PP e QQ para …na qualidade de titular de direito de preferência sobre o bem a seguir identificado, de que foi designado o dia 14 de Setembro de 2017 pelas 14:00 para a abertura de propostas em carta fechada, no processo em epígrafe (…) Bem/Bens Penhorado(s): Direito e a acção à herança aberta por óbito de FF, falecido em ../../2009 e GG falecida e ../../2013 pertencente ao executado BB (…) (cfr. certidão judicial junta).
7. Nos autos de execução referidos no facto provado anterior foram penhorados os bens pertencentes à herança aberta por óbito de FF e GG, referidos no facto provado número 2 e apresentado, pelos 1.º e 2.ª RR., um requerimento, contendo, entre outro, o seguinte teor:
“A Sr.ª AE, penhorou o direito e acção à herança, aberta por óbito de FF e GG, composto por diversos prédios conforme se encontram descritos no anúncio de venda, que se junta sob o doc. n.º ..., cujo conteúdo se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Nesse mesmo auto, a Sr.ª AE refere que o bem pertence ao executado BB.
Sendo que, de todos os bens penhorados, a Sr.ª AE apenas, procedeu ao registo da penhora sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ...81.º da freguesia ..., concelho ..., em 25/07/17, através da Ap. ...73.
Em relação aos restantes prédios não existe qualquer penhora registada – Cfr. docs. n.ºs ... a ...1.
Sucede que, desde ../../2016 os bens que compõem o direito e acção da herança, pertencem à executada CC.
Aliás, o registo da propriedade a favor desta é anterior ao registo da penhora realizado pela Sr.ª AE sobre o artigo ...81º urbano.
Assim, uma vez que não pertencem ao executado identificado no anúncio publicado, deverá a venda marcada para o dia 14/09/2017, pelas 14h00 ser considerada sem efeito. (…)”
(cfr. referida certidão e documento número ... da p.i. do apenso A).
8. Depois da notificação aludida no facto provado número 6, os Autores tomaram conhecimento que estava penhorado o direito e acção à herança aberta por óbito de seus pais, composto pelos prédios descritos no anúncio da venda, e que tinha sido realizado o registo da penhora sobre um prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...81 da freguesia ..., do concelho ... através da Ap. ...73 de 25/07/2017 (artigos 9º da p.i. do processo principal e 12º da p.i. do apenso A).
9. Na sequência de informações colhidas, os Autores verificaram depois que todos os prédios da herança de FF e GG, estavam em nome da 2ª Ré CC e que havia sido celebrada a escritura referida no facto provado número 4, datada do dia 19 de Agosto de 2016 (artigos 10º da p.i. do processo principal e 15º e 16º da p.i. do apenso A).
10. As assinaturas manuscritas com os nomes “II” e “AA”, apostas nas procurações reproduzidas nos documentos de fls. 190 e 193 e nos termos de autenticação reproduzidos nos documentos de fls. 188 e 191, não foram feitas pelo punho dos Autores II e RR, tendo sido imitadas pelo primeiro R. ou por alguém a seu mando, e a impressão digital atribuída a HH na procuração reproduzida no documento de fls. 190 e no termo de autenticação de fls. 188, não foi feita pelo dedo do Autor HH (artigos 16º, 17º e 24º da p.i. do processo principal e 17º, 24º, 26º, 27º e 37º a 40º da p.i. do apenso A).
11. Os Autores II e AA não pretenderam, nem pretendem vender à Ré CC a sua parte na herança de seus pais (artigo 17º da p.i. do processo principal e 54º da p.i. do apenso A).
12. Os Autores II, HH e AA nunca entregaram os seus documentos de identificação à terceira Ré DD, nem estiveram na sua presença a assinar ou a apôr a impressão digital nas procurações e nos termos de autenticação aludidos no facto provado número 10, nem o Autor HH declarou não saber assinar e pediu a JJ para assinar a rogo tais documentos (artigos 18º e 19º da p.i. do processo principal e 31º a 36º da p.i. do apenso A).
13. Em Agosto de 2016, o primeiro Réu surgiu no escritório da terceira Ré com quatro procurações assinadas e solicitou o reconhecimento das assinaturas dos documentos (artigo 18º da contestação da 3ª Ré).
14. O 1º Réu fez-se acompanhar de cópias dos documentos de identificação das pessoas cujos nomes figuravam nas quatro procurações (artigo 22º da contestação da 3ª Ré).
15. Foram preenchidos e impressos no escritório da 3ª Ré os termos de autenticação aludidos no facto provado número 3 (artigo 19º da contestação da 3ª Ré).
16. A 3ª Ré assinou os termos de reconhecimento descritos no facto provado número 3 (artigos 21º, 23º e 24º da contestação da 3ª Ré).
17. O primeiro e a segunda RR. continuam a fazer vida em comum e a viver juntos (artigos 25º da p.i. do processo principal e 44º da p.i. do apenso A).
18. Desde a ocorrência descrita nos factos provados números 8 e 9 que os AA. vivem com pouco descanso, angustiados e receosos de perder os seus quinhões na herança dos pais (artigos 37º da p.i. do processo principal, 62º e 63º do apenso A).
19. Desde a mesma ocasião que os AA. II e HH se sentem humilhados e perturbados pelos referidos acontecimentos e que o A. AA receia ser desapossado da casa, daquela herança (artigos 64º da p.i. do apenso A e 38º da p.i. do processo principal).
20. Os AA. estão em incumprimento na Repartição de Finanças ..., por terem de declarar no seu rendimento o valor do seu quinhão hereditário nos bens da herança, descritos na escritura de compra e venda aludida no facto provado número 4, valor que nunca receberam (artigos 38º da p.i. dos autos principais e 65º da p.i. do apenso A).
21. Quando descobriram a situação descrita nos precedentes factos provados, os Autores II e HH recorreram ao apoio jurídico da mandatária subscritora da p.i. para defesa dos seus direitos (artigo 56º da p.i. do apenso A).
22. Foi celebrado o contrato de seguro de responsabilidade civil titulado pela apólice número ...58, cujas condições particulares e especiais se reproduzem no documento número ... junto com o articulado da Interveniente “EMP01...” (fls. 161 e ss. do processo físico), tendo como Tomador do seguro a Ordem dos Advogados Portugueses, Segurador a “EMP01..., S.A.”, EMP04..., S.A.” e segurados, entre outros, os “Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam a atividade em prática individual ou societária, por dolo, erro, omissão ou negligência profissionais”.
23. Foi celebrado o contrato de seguro de responsabilidade civil titulado pela apólice número ..., cujas condições particulares e gerais se reproduzem no documento número ... junto com o articulado da Interveniente “EMP02...” (fls. 249 e ss.), tendo como Tomador do seguro a Ordem dos Notários de Portugal, Segurador a “EMP02..., Sucursal em ...” e Segurados os “Membros da Ordem dos Notários que, estando habilitados com a formação adequada para exercer a atividade profissional de notários, sejam titulares de cartão profissional emitido pela Ordem dos Notários, enquanto tal cartão se mantenha em vigor e o seu titular em efetivo exercício”.
24. BB e CC casaram entre si no dia 04.03.2012 e divorciaram-se por decisão transitada em julgado a 12.07.2013 proferida pela Conservatória do Registo Predial ... (cfr. acórdão, transitado em julgado, junto a 23.01.2022 – fls. 393 dos autos principais).
25. A A. II teve que se deslocar a repartições públicas para se munir de documentação necessária para a instrução do presente processo (artigo 40º da p.i. do processo principal e 58º da p.i. do apenso A).
26. Por acórdão, transitado em julgado, proferido a 18.12.2019 no processo Comum Colectivo n.º 709/17.... do Juízo Central Criminal ... - Juiz ... –, foi SS condenado como autor de oito crimes de falsificação e documento (quatro p.ºs e p.ºs pelo artigo 256º, n.º 1, alíneas a) e e) do C.P. e outros quatro p.ºs e p.ºs pelo artigo 256º, n.ºs 1, alíneas a) e e) e 3, do C.P. ), um crime de burla qualificada (p.º e p.º pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º n.ºs 1 e 2 alínea a) do C.P.) e um crime de falsas declarações (p.º e p.º pelo artigo 348º-A, n.ºs 1 e 2 do C.P.), na pena única de cúmulo jurídico de cinco anos de prisão, suspensa por cinco anos e sujeita a regime de prova, pela autoria das assinaturas apostas nas procurações e nos termos de autenticação a que se reportam os factos provados números 2 e 3 e uso dos mesmos para a celebração da escritura referida no facto provado número 4, todos da presente acção (cfr. acórdão junto a 31.01.2022 – fls. 383 e ss. dos autos principais).
27. Quando da celebração da escritura pública referida no facto provado número 4, o 1º Réu agiu com o objectivo de prejudicar os AA. e outros irmãos do 1º Réu, afastando da esfera patrimonial destes os bens pertencentes à herança dos seus falecidos pais (artigos 28º da p.i. do processo principal e 46º da p.i. do apenso A).
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Factos Não Provados
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1. Foram os Autores II, HH e AA que apuseram as assinaturas e a impressão digital constantes das procurações reproduzidas nos documentos de fls. 190 e 193, respectivamente (artigo 26º da contestação).
2. A 3ª Ré disse à funcionária para imprimir reconhecimentos de assinaturas por semelhança e assinou-os sem ler, convicta de que se tratava de reconhecimentos de assinaturas por semelhança (artigos 23º e 24º da contestação da 3ª Ré).
3. A 3ª Ré desconhecia, na ocasião da assinatura dos termos de reconhecimento aludidos no facto provado número 3, para que efeitos e com que objetivo o 1º Réu necessitava dos reconhecimentos das assinaturas apostas nas procurações (artigo 26º da contestação da 3ª Ré).
4. O Réu pagou a cada um dos Autores AA e II o montante de € 6.500,00 para a compra dos seus quinhões hereditários (artigo 20º da contestação do Réu José).
5. O Autor AA suportou € 2.000,00 de despesas extrajudiciais com vista a instruir o presente processo (artigo 40º da p.i. do processo principal).
6. Os Autores II e HH suportaram € 7.500,00 de despesas extrajudiciais com vista a instruir o presente processo (artigo 59º da p.i. do apenso A).
7. Quando da celebração da escritura pública referida no facto provado número 4, o 1º Réu não quis vender, nem a 2ª Ré comprar, os bens objecto da mesma (artigo 25º da p.i.).
8. Quando da celebração da escritura pública referida no facto provado número 4, a 2ª Ré encontrava-se conluiada com o 1º Réu, no objectivo de prejudicar os AA. e outros irmãos do 1º Réu, afastando da esfera patrimonial destes os bens pertencentes à herança dos seus falecidos pais (artigos 28º da p.i. do processo principal e 46º da p.i. do apenso A).
9. Os prédios objecto da escritura de compra e venda aludida no facto provado número 4 tinham, na ocasião, valor de mercado de 80.000,00€ (artigos 27º da p.i. do processo principal e 45º da p.i. do apenso A).
10. A Ré CC desconhecia, no momento da celebração da escritura aludida no facto provado número 4, que eram falsas as assinaturas e a impressão digital, apostas nas procurações e nos termos de autenticação referidos nos factos provados 2 e 3 (artigos 4º e 6º das contestações da Ré CC no processo principal e apenso A, respectivamente).
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Motivação da Decisão da Matéria de Facto
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As matérias dos factos provados números 1 a 7, 22 a 24 e 26 resultam do teor dos documentos autênticos / certidões que neles se encontram respectivamente identificados.
No que aos restantes factos provados respeita, emergentes da base instrutória, o tribunal teve em consideração o conjunto da prova pericial, por declarações / depoimento de parte, testemunhal e documental produzida em audiência de discussão e julgamento.

Concretizando:
I.
Os factos provado número 10 e não provado número 1, referentes à autoria das assinaturas e impressão digital apostas nas procurações reproduzidas nos documentos de fls. 190 e 193 e nos termos de autenticação reproduzidos nos documentos de fls. 188 e 191, resultaram do teor das perícias à escrita manual e à impressão digital em questão, cujos relatórios foram juntos aos autos principais nos dias 23.08.2022 e 26.01.2023 (fls. 432 e ss. e 440 e ss. dos autos principais) e aos autos apensos no dia 18.07.2022 (fls. 438 e ss. do apenso A), nos quais se conclui que as impressões digitais apostas no Termo de Autenticação e na Procuração foram todas produzidas pelo dedo indicador da mão direito de TT e ainda “…como muitíssimo provável que as escritas suspeitas das assinaturas (…) não sejam da autoria dos seus titulares, respectivamente II, AA (…)” (sublinhados meus).
A prova pericial em apreço, juntamente com as declarações de parte dos Autores II e AA que negaram resolutamente, não só a autoria das assinaturas, como ainda qualquer contacto mantido com a Ré DD, e com o depoimento de parte desta Ré em que admitiu que não foram os Autores que lhe entregaram os documentos de identificação, nem se apresentaram pessoalmente perante si na ocasião em que subscreveu os termos de reconhecimento impugnados na presente acção (o que resultava já do artigo 50º da sua contestação), estão na origem do facto provado número 12.
Sobre o circunstancialismo da elaboração dos actos de reconhecimento pela Ré DD (cfr. factos provados números 13 a 16 e não provados números 2 e 3), a convicção resultou da conjugação do teor dos documentos com os testemunhos de UU (funcionária na C.M. ... desde ../../2022, tendo trabalhado antes, de 2008 a 2022, no escritório da Ré DD) e de VV (assistente operacional no Hospital ... em ..., trabalhou 25 anos no escritório da Dr.ª DD).
A testemunha UU disse que o Réu José era um cliente que se exaltava e gritava quando as coisas não lhe agradavam. Apareceu no escritório levando consigo as procurações assinadas e os BIs das pessoas que as tinham assinado. A colega de trabalho do escritório, VV, foi falar com a Dr.ª DD para ver se o podia atender, mas esta estava ocupada com outras pessoas e disse à VV o que tinha de fazer, tendo esta delegado na testemunha UU que, por lapso, não fez um reconhecimento simples por semelhança, mas um termo de autenticação presencial. Levaram os termos à Ré DD que os assinou sem se aperceber do lapso.
A testemunha VV disse que Réu BB foi ao escritório da 3ª Ré para reconhecer as procurações que já estavam minutadas e assinadas. A testemunha foi falar com a Dr.ª DD que estava ocupada com clientes e lhe disse para fazer o reconhecimento por semelhança. Começou a minutar e depois passou o serviço à colega UU, do escritório, que deu seguimento ao trabalho. A UU não estava habituada a fazer reconhecimentos.
Dos documentos em apreço – procurações e termos - resulta que os elementos identificativos – n.ºs de identificação civil e fiscal – dos irmãos e familiares do Réu José estavam correctos, pelo que é plausível que o Réu tenha levado consigo cópias dos cartões de identificação das pessoas que os assinaram.
Todavia, a versão apresentada pelas testemunhas VV e UU não é congruente com o facto de os “termos de autenticação” de fls. 188 e 191 conterem manuscritas assinaturas falsas com os nomes “II” e “AA”. É que segundo estas, o Réu apresentou-se no escritório para solicitar os reconhecimentos, desacompanhado e com os documentos já assinados. Se assim foi, não poderiam os termos de autenticação, preenchidos e impressos pelas testemunhas VV e UU na mesma ocasião em que a 3ª Ré estava, alegadamente, ocupada com clientes e, sem ler, os subscreveu, ter sido assinados por quem quer que se arrogasse ser II e AA, cujos nomes figuram, falsamente, naqueles termos de autenticação.
A explicação das testemunhas deixa, por isso, relevantes aspectos por clarificar que descredibilizam a alegação pela 3ª Ré, de que a 3ª Ré disse à funcionária para imprimir reconhecimentos de assinaturas por semelhança e os assinou sem ler, convicta de que se tratava daquele tipo de reconhecimento. Quanto ao objectivo do reconhecimento das assinaturas era necessário, facilmente se depreendia do teor das procurações que, segundo as mesmas testemunhas, o Réu José levou consigo assinadas para reconhecimento (facto não provado número 3).
II.
Que os Autores II e AA não pretenderam vender a sua parte na herança de seus pais (facto provado número 11), resulta, desde logo, da circunstância de o Réu José ter usado procurações falsas que lhe conferiam poderes para esse efeito, com as assinaturas forjadas dos Autores. Se estes estivessem de acordo, não necessitaria de o fazer.
Acresce que, para além de em declarações de parte da Autora II e do Autor AA, estes terem negado frontalmente, quer o conhecimento da outorga das procurações, quer o conhecimento do negócio celebrado pelo Réu como seu procurador até ao momento em que foram notificados no âmbito do processo de execução, também a testemunha LL (irmão dos AA. II e AA e do Réu José) confirmou que nunca partilharam os bens dos pais, nem falaram sobre esse tema entre todos os irmãos, assim como tampouco passou procuração ao Réu, seu irmão, para vender os bens dos seus pais.
Assim se justifica também o conteúdo dos factos provados números 8 e 9, sobre o momento em que os Autores conheceram a penhora do direito e acção à herança aberta por óbito de seus pais, coerente com a notificação que lhes foi remetida e que se mostra nos autos documentada.
Tal como também se apurou no acórdão proferido no supramencionado processo crime, em que o Réu José foi condenado pela prática de vários crimes relacionados com o negócio impugnado na presente acção, a descrita conduta deste – traduzida no uso das procurações e termos de autenticação falsos para celebrar uma escritura de venda dos bens da herança aberta por morte dos pais, à ex-mulher, sem conhecimento e contra a vontade dos co-herdeiros aqui Autores –, a que acresce a circunstância de não ter entregue aos Autores qualquer quantia decorrente da referida venda, deixou no tribunal a forte convicção de que a motivação do Réu José foi prejudicar os AA. e outros irmãos do 1º Réu, afastando da esfera patrimonial destes os bens pertencentes à herança dos seus falecidos pais (facto provado número 27).
III.
O facto provado número 17, alusivo à manutenção da vida em comum entre os Réus José e CC, foi confirmada em julgamento pela testemunha WW, advogada em ... com intervenção no processo de execução referido no facto provado número 6, assim como pela Autora II, não tendo sido contrariadas por outros elementos de prova.
Já no que respeita aos demais factos alegados no sentido de que o negócio entre ambos foi simulado – a falta de vontade negocial, o conluio e o valor de mercado dos prédios (cfr. factos não provados números 7 a 9) – nenhuma prova foi produzida em julgamento.
IV.
Quanto aos factos provados números 18 a 21, respeitantes aos efeitos que o conhecimento da actuação do Réu José e da Ré CC tiveram nas pessoas dos Autores, e da sua subsequente reacção, tiveram-se em consideração as declarações de parte dos próprios, assim como o testemunho do seu irmão LL e de WW, advogada em ....
V.
O facto provado número 25 resultou das declarações de parte da Autora II.
Não foi produzida qualquer prova das matérias dos factos não provados números 4 a 6 e 10, sendo que o alegado pagamento, pelo Réu José, de valores aos Autores, foi por estes frontalmente negado.
[transcrição dos autos].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Comecemos pelas questões das suscitadas nulidades:
Entende o recorrente que a decisão em causa no recurso – condenação como litigante de má-fé – é nula por ausência de contraditório e falta de fundamentação.
Porém, antecipando desde já a decisão, podemos dizer não ter o mesmo qualquer razão.
Mas vejamos as situações separadamente:

I - Da nulidade da sentença, por ausência de contraditório

A omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar “decisões-surpresa”, configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º/1 d) do CPC.
A proibição das decisões surpresa ou, noutra terminologia, das denominadas decisões solitárias do juiz[2], encontra o seu fundamento próximo no princípio do contraditório, consagrado, na lei adjectiva no art. 3º/3 do CPC.
Estatui aquela norma que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Como determinar o que seja esta manifesta desnecessidade, conceito indeterminado[3], é o que importa densificar? No ensino de Manuel de Andrade[4] essa determinação do que é indeterminado impõe que o juiz desvele o/s princípio/s geral/is que o conceito visa prosseguir na sua indeterminação a fim de deduzir deles a interpretação da espécie.
No caso vertente, a desnecessidade há-de verificar-se quando os valores que o contraditório salvaguarda, possam ser assegurados sem a intervenção judicial autónoma destinada a possibilitar a pronúncia.
Ou seja, a desnecessidade do contraditório verifica-se quando a equidade e igualdade das partes e o imperativo da sua participação efectiva no processo que leva a decisões que impactem os seus interesses, se mantêm respeitados sem aquela intervenção autónoma.
Dito de outro modo, a desnecessidade é uma desnecessidade funcional de audição porque sem esta audição nenhum dos valores que a mesma pretende salvaguardar saem violados.
A desnecessidade não deve por isso ser compreendida ao nível da pretensa clareza da questão a dilucidar ou da suficiência dos elementos para a prolação da decisão.
Em conclusão, é desnecessário o contraditório quando os valores que por ele se prosseguem, são salvaguardados sem a intervenção autónoma do juiz para pronúncia. É o caso das situações em que a parte se pronunciou, quiçá fora do esquema processual normal, em que a pretensão da parte contrária será indeferida liminarmente sem afectar os interesses da contraparte ou em que a questão, não tendo merecido consideração das partes, é de debate usual na jurisprudência em situações similares ou está implícita no requerimento apreciando[5].
O princípio do contraditório constitui pedra angular do processo civil, visando permitir que nenhuma decisão seja tomada sem que a parte/entidade por ela afectada possa pronunciar-se sobre a mesma.
Visa-se, assim, obstar a que as partes se defrontem com uma interpretação judicial que não poderiam antecipar ou com uma tramitação processual que escape ao modelo formal aplicável e não tenha sido submetida a pronúncia.
Em tais casos, o respeito pelo contraditório impõe audição específica das partes, único modo de possibilitar que a decisão seja o culminar de um processo argumentativo justo e equitativo que permita que cada um dos justiciáveis faça ouvir a sua voz, assim trazendo ao decisor a sua perspectiva e, nessa medida, assim influenciando a decisão.
Em suma, a prolação de uma decisão judicial tem de ser o termo de um debate igual e équo entre as partes com efectiva possibilidade de pronúncia das mesmas quanto ao sentido que entendem dever ser o da decisão.
Naturalmente, a efectiva possibilidade de pronúncia não exige a efectiva pronúncia e não impõe que a todo o tempo a prolação de uma decisão imponha a audição das partes quanto ao sentido da mesma.
Assim é que as partes devem assumir com diligência a defesa dos seus interesses e a cooperação entre si e com o tribunal em ordem à tempestividade da composição judicial do conflito que as separa, o que implica que sobre elas impenda o dever de se pronunciarem nas peças processuais admissíveis quanto aos seus requerimentos e aos da parte contrária, bem como quanto ao direito aplicável, nomeadamente no confronto das várias teses doutrinais e jurisprudenciais, sem que seja imperiosa intervenção autónoma[6] do juiz promovendo essa pronúncia.
Assim, o respeito pelo contraditório não implica que haja que apresentar às partes um projecto de decisão para que sobre ele se pronunciem ou que devam ser ouvidas fora dos momentos processuais previstos sobre questões que as suas pretensões coloquem habitualmente na jurisprudência e sejam por isso conhecidas na comunidade jurídica[7].
O lugar próprio da promoção autónoma de pronúncia[8] é, por isso, o das decisões que se pronunciam sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes no processo ou daquelas que tendo sido suscitadas o foram no último articulado possível, impossibilitando a pronúncia ordinária da parte contrária que, assim, há-de ser promovida por outro modo.
No caso dos autos, a decisão impugnada incidiu sobre a condenação do R. e ora recorrente BB como litigante de má-fé, entendendo este que “Caso pretendesse condenar o Recorrente como litigante de má-fé o Tribunal recorrido haveria sempre de, previamente à prolação da sentença proferida, ter notificado o Recorrente para que se pronunciasse sobre tal questão - o que não fez.”.
Ora, como melhor resulta do relatório supra, no início do julgamento, foi proferido despacho (cfr. acta de 24-05-2023 – fls. 459 v.º dos autos principais) advertindo as partes de que o tribunal poderia conhecer oficiosamente da questão da litigância de má-fé. Com efeito, consta da mencionada acta o seguinte:
-----Após, pelo Mmo. Juiz foi proferido o seguinte:-
DESPACHO:-
-----Tendo presentes os resultados das perícias elaboradas nos processos que estamos a julgar, assim como o teor do Acórdão proferido no Tribunal Central Criminal ..., documentos estes atinentes à falsificação de documentos que estiveram na origem dos negócios impugnados nas presentes acções, poderá o Tribunal, oficiosamente, vir a proferir condenação das partes como litigantes de má fé, o que desde já e para os devidos efeitos legais se leva ao seu conhecimento.-
-----Notifique.-
Em face do exposto, entendemos que a decisão recorrida não padece da nulidade que lhe é apontada.

II - Da nulidade da sentença, por falta de fundamentação – art. 615º/1, b) do Código de Processo Civil

Assim o prescreve o art. 615°/1, b) do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Alega o apelante existir falta de fundamentação na decisão ora em recurso que o condenou como litigante de má-fé.
Ora, o dever de fundamentar as decisões (art. 154° do CPC) impõe-se por razões de ordem substancial, cabendo ao juiz demonstrar que, da norma geral e abstracta, se extraiu a disciplina ajustada ao caso concreto e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer, na sua plena dimensão, os motivos da decisão a fim de, podendo, a impugnar.
Na realidade, não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz.[9] Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto.[10]
Porém, ao nível da fundamentação de facto e de direito da sentença, como é lição da doutrina e da jurisprudência, para que ocorra esta nulidade “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.[11] Neste sentido, que é o tradicionalmente perfilhado, referia J. Alberto dos Reis[12], a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”.[13]
Todavia, a nosso ver, no actual quadro constitucional (art. 205º/1 da CRP), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas (cfr. art. 154º do CPC), parece que também a fundamentação de facto ou de direito gravemente insuficiente, isto é, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório.[14]
Feitas estas considerações, de todo o modo, no caso em apreço, é nosso entendimento que não ocorre a invocada nulidade por falta de fundamentação de facto e/ou de direito.
Efectivamente, do teor da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, nomeadamente é possível alcançar, sem particular esforço, que o Juiz a quo, feito o enquadramento jurídico da questão, parte da prova produzida nos autos, que evoca, para concluir que a sua conduta é claramente dolosa e orientada à manutenção de um negócio prejudicial aos irmãos, merecedora de sancionamento como litigante de má-fé, já que foi determinante da propositura da acção. Resultando, pois, inequivocamente, de onde resulta a formação da sua convicção, não estando aqui em causa o acerto dessa interpretação.
Objectivamente, o que se verifica é que o apelante invoca apenas a sua discordância com essa interpretação.
Improcede nesta parte o recurso, dado que não se verifica a invocada nulidade que afectaria a decisão recorrida.

III - Reapreciação da decisão de mérito da acção, quanto à condenação da A. como litigante de má-fé, bem como o seu montante

Resta a questão da condenação do R. BB como litigante de má-fé.
Da sentença a quo, quanto a esta questão, consta dos fundamentos de direito que:

(…)
Da litigância de má-fé
*
Nos termos do art.º 542º, do CPC:
1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. (...).
Entre as normas em apreço a al.ª a) do n.º 2, confere ao juiz do processo o poder de condenar por litigância de má fé material quem, dolosamente ou com negligência grosseira, deduza pedido ou oposição cuja falta de fundamento conheça.
Apreciando, no caso concreto, o uso que o 1º Réu faz do processo, constata-se que sustentou, nas suas contestações, a autenticidade das assinaturas apostas nas procurações que usou para celebrar o acto jurídico impugnado.
Produzida a prova nos autos, resultou incontornável que tais procurações são falsas e que, tal como consta de acórdão penal transitado em julgado, o Réu José foi condenado como autor material de oito crime de falsificação pelo fabrico e uso das procurações falsas no negócio jurídico em questão.
O Réu sabia, por isso, que se tratava de documentos falsos por si engendrados, tendo, frontal e despudoradamente, mantido a sua conduta de desapego à verdade nos articulados do presente processo.
Não fosse essa sua negação e podia ter sido evitada a presente acção ou, pelo menos, abreviado significativamente a marcha dos autos, evitando-se a demorada produção de prova pericial destinada a apurar a autoria das assinaturas.
Neste contexto, a sua conduta é claramente dolosa e orientada à manutenção de um negócio prejudicial aos irmãos, merecedora de sancionamento como litigante de má-fé, já que foi determinante da propositura da acção.
Deverá, por isso, ser o Réu José sancionado como litigante de má-fé no pagamento de multa de 15 UC's.
Entendendo o apelante que esta condenação do R. como litigante de má-fé deve ser revogada, porquanto não estão reunidos, in casu, os pressupostos da litigância e má-fé por parte do Recorrente, pelo que, nunca poderia o mesmo ter sido condenado nesse sentido. E a considerar-se ter o Recorrente litigado de má-fé [o que não se aceita e apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio], afigura-se mais adequado, proporcional e equilibrado, em face das circunstâncias do caso em apreço, e da situação económica do Réu, a fixação de uma multa pelo mínimo legal previsto no nº 1 do art. 27º do Reg. das Custas Processuais - o que, em alternativa, se requer.
Quid iuris?

Estabelece-se no artigo 542º do CPC que:
1 – Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 – Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Isto é, para que possa haver lugar à condenação de qualquer das partes como litigante de má-fé, é necessário que se deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignoravam, se tenha conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais, ou que se tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade.
A este propósito, referem José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto[15], que se “passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária: quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje a litigância de má-fé, com o intuito, como se lê no preâmbulo do diploma, de atingir uma maior responsabilização das partes.”.
Como se refere no Acórdão do STJ de 06-01-2000[16], “a má-fé psicológica, o propósito de fraude, exige, no mínimo, uma actuação com conhecimento ou consciência do possível prejuízo do acto; tal conhecimento ou consciência pode corresponder quer a dolo eventual quer a negligência consciente e, neste último quadro, aquela consciência pode reportar-se a uma simples previsão do prejuízo resultante do acto, nada se fazendo para o evitar, isto é, mesmo assim pratica-se o acto que se tem como potencialmente lesante”. Na obra acima citada do Dr. José Lebre de Freitas, a páginas 220, fornecem-se alguns elementos que permitem esclarecer alguns dos conceitos da previsão legal referida.
Assim, refere-se que “o autor visa, por exemplo, objectivo ilegal quando quer atingir, com a acção, uma finalidade não tutelada por lei, em vez da correspondente à função que lhe é própria; o autor ou o réu visa, também por exemplo, objectivo ilegal quando utiliza meios processuais, como a reclamação, o recurso ou simples requerimentos, para fins ilícitos, designadamente invocando fundamentos inexistentes. Visa impedir a descoberta da verdade a parte que oculta ou procura impedir que sejam produzidos meios de prova, ou produz ou provoca a produção de meios de prova falsos. Visa entorpecer a acção da justiça a parte que actua usando meios dilatórios. Por exemplo, o réu procura, de todo o modo, atrasar o processo: requer a expedição de várias cartas para a inquirição de testemunhas e a seguir desiste delas, ou suscita incidentes a que não dá seguimento. Cabe aqui também a actuação da parte no sentido de desviar a actuação do tribunal das questões essenciais para pontos sem qualquer interesse para o processo. Visa apenas protelar o trânsito em julgado da decisão a parte que recorre ou reclama sem fundamento sério, conseguindo assim atrasar o momento do trânsito em julgado e da exequibilidade da decisão.
Tendo também que se ter presente que não se deve confundir litigância de má-fé com lide meramente temerária ou ousada.
No sentido de que “mesmo que se esteja entre uma lide dolosa e uma lide temerária, mas não sendo seguros os elementos para se concluir pela existência de dolo, a condenação como litigante de má-fé não se deve operar, entendimento que pressupõe prudência e cuidado do julgador, exigindo-se para existir condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte”.[17]
Donde, a simples propositura de uma acção, que venha a ser julgada sem fundamento, não constitui, só por si, actuação dolosa ou gravemente negligente da parte, o mesmo valendo para a contestação deduzida a pedido que venha a ser julgado procedente.
Nesta linha de entendimento se pronunciou o Acórdão do STJ, de 28-5-2009[18], onde se diz o seguinte: “Este Supremo Tribunal decidiu no seu acórdão de 11-01-2001 que a condenação por litigância de má fé pressupõe a existência de dolo ou de grave negligência, não bastando uma lide temerária ousada, ou uma conduta meramente culposa» (Ac. STJ 11-01-2001, Pº nº 3155/00-7ª, Sumários, 47º) e este entendimento é de sufragar inteiramente, desde logo porque em íntima consonância com a littera legis do nº 2 do artº 456º do CPC. Efectivamente, já no recuado ano de 1975 este Supremo Tribunal havia decidido, por unanimidade, em acórdão relatado pelo Exmº e saudoso Conselheiro Almeida Borges, «a falta de razão com que uma das partes litiga não basta para justificar a má fé, apenas podendo provocar a improcedência de pedido». Para se imputar a uma pessoa a qualidade de litigante de má fé, imperioso se torna que se evidencie, com suficiente nitidez, que a mesma tem um comportamento processualmente reprovável, isto é, que com dolo ou negligência grave, deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou que altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes ou, ainda, que tenha praticado omissão grave do dever de cooperação, nas expressões literais do nº 2 do artº 456º do CPC.”[19]

Ora, in casu, face à factualidade apurada e não apurada constante dos autos, afigura-se-nos não ter razão o apelante.
Com efeito, como afirmativamente se refere na sentença recorrida, Apreciando, no caso concreto, o uso que o 1º Réu faz do processo, constata-se que sustentou, nas suas contestações, a autenticidade das assinaturas apostas nas procurações que usou para celebrar o acto jurídico impugnado. Produzida a prova nos autos, resultou incontornável que tais procurações são falsas e que, tal como consta de acórdão penal transitado em julgado, o Réu José foi condenado como autor material de oito crime de falsificação pelo fabrico e uso das procurações falsas no negócio jurídico em questão. O Réu sabia, por isso, que se tratava de documentos falsos por si engendrados, tendo, frontal e despoduradamente, mantido a sua conduta de desapego à verdade nos articulados do presente processo. Não fosse essa sua negação e podia ter sido evitada a presente acção ou, pelo menos, abreviado significativamente a marcha dos autos, evitando-se a demorada produção de prova pericial destinada a apurar a autoria das assinaturas. Neste contexto, a sua conduta é claramente dolosa e orientada à manutenção de um negócio prejudicial aos irmãos, merecedora de sancionamento como litigante de má-fé, já que foi determinante da propositura da acção. 
Como assim, apura-se que o R. e ora recorrente BB alterou a verdade dos factos, devendo, consequentemente, considerar-se verificado o circunstancialismo previsto, mormente, nas als. a), b) e d) do nº 2 do art. 542º do CPC.
Donde, a sua assertiva condenação como litigante de má-fé.
Desde logo, porque, como já referido, deduziu oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou a verdade dos factos e fez do processo um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal.
Depois, porque, tivemos presente que não se deve confundir litigância de má-fé com lide meramente temerária ou ousada. No sentido de que “mesmo que se esteja entre uma lide dolosa e uma lide temerária, mas não sendo seguros os elementos para se concluir pela existência de dolo, a condenação como litigante de má-fé não se deve operar, entendimento que pressupõe prudência e cuidado do julgador, exigindo-se para existir condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte”.[20] Donde, a simples propositura de uma acção, que venha a ser julgada sem fundamento, não constitui, só por si, actuação dolosa ou gravemente negligente da parte, o mesmo valendo para a contestação deduzida a pedido que venha a ser julgado procedente. No caso vertente, não estamos perante uma situação, como muitas vezes sucede, em que uma das partes simplesmente soçobra no seu ensejo probatório.
Assim, tendo em conta todos os factos que resultaram provados ao Tribunal é possível concluir pela actuação dolosa (pelo menos a título de dolo eventual) ou sempre gravemente temerária do ora Recorrente.
Resta a questão do montante da multa, que o recorrente entende não ser adequado, proporcional e equilibrado.
Ora, neste domínio, verifica-se que a decisão recorrida condenou o R.  BB, ora recorrente, na multa de 15 UC’s.
A propósito dos critérios atinentes à fixação do montante da multa por litigância de má-fé importa considerar o que estabelece o art. 27º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), ao prever que nos casos de condenação por litigância de má-fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC (nº 3), e que o montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste (nº 4 do citado preceito legal).
No que concerne ao critério que deverá guiar o juiz na fixação do quantum da multa, dentro da moldura que lhe foi previamente fixada, refere Marta Frias Borges[21], «De acordo com o art. 27º, nº 4 do RCP, deverá o juiz tomar em consideração os efeitos da conduta de má-fé no desenrolar do processo e na correta decisão da causa, bem como a situação económica do agente e a repercussão que a multa terá no seu património, em consonância com aquilo que era já afirmado por ALBERTO DOS REIS quando, ainda na vigência do CPC39, aludia à necessidade de atender ao grau de má-fé e à situação económica do litigante. De facto, a multa por litigância de má-fé, como qualquer outra pena, procurará desempenhar uma função repressiva (punindo aquele que não cumpre com os deveres de lealdade e correção) e, simultaneamente, preventiva (evitando que esse, ou qualquer outro litigante, volte a desrespeitar a lealdade processual). Mas estas funções apenas lograrão ser alcançadas se se tomar em consideração a situação económica do litigante, adaptando o montante da multa à sua condição financeira, assim garantindo que esta tenha verdadeiro efeito sancionatório e punitivo».
Quanto a esta questão, salienta ainda o Acórdão da Relação do Porto[22], que «[a] multa devida por litigância de má fé deve ser fixada com base no “prudente arbítrio” do juiz, que deve sopesar a gravidade da infracção e a situação económica do infractor, a maior ou menor gravidade dos riscos de lesão patrimonial causada ao litigante de boa fé, os interesses funcionais do Estado e o valor da acção».
Ora, como vimos, os factos provados nos autos levam a concluir que o R. deduziu, conscientemente, uma oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar e apresentou nos autos uma falsa versão da realidade ocorrida, permitindo configurar que litigou com dolo caracterizador da litigância de má-fé. Acresce constactar que o R. sustentou, nas suas contestações, a autenticidade das assinaturas apostas nas procurações que usou para celebrar o acto jurídico impugnado, sabendo que se tratava de documentos falsos por si produzidos, o que implicou uma demorada produção de prova pericial destinada a apurar a autoria das assinaturas. Podendo mesmo falar-se de uma complexa tramitação processual.
Por conseguinte, à luz de todo o enquadramento antes enunciado, consideramos que a actuação do R. configura uma hipótese grave de litigância de má-fé, sendo a multa a fixar, como supra mencionado, entre 2 a 100 UC (cfr. art. 27º/3 do RCP).
Porém, como se viu, importa ponderar que a justa fixação do montante da multa depende também das condições económicas e da situação financeira dos litigantes de má-fé, pelo que, na falta de elementos relevantes para o efeito, importa ponderar apenas o valor da acção, fixado em € 102.000,00.
Como assim, tudo considerado, à luz de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, consideramos que a fixação da multa no montante de 15 UC se mostra adequada e proporcional às circunstâncias do processo e às finalidades da condenação, entendendo-se que o juízo de reprovabilidade em que ela assenta engloba já todos os reflexos da actuação do R. BB na regular tramitação do processo.
Termos em que improcede a presente apelação, com a consequente confirmação da decisão recorrida.
*
6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
*
Guimarães, 22-02-2024

(José Cravo)
(Alcides Rodrigues)
(Carla Maria da Silva Sousa Oliveira)


[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca ..., Guimarães - JL Cível - Juiz ....
[2] Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2018, proferido no processo 2057/11.0TVLSB.L1.S2.
[3] Assim, Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis , Coimbra, 1987, p. 47-48: Às vezes, de facto, a lei serve-se de conceitos essencialmente flexíveis, meras directivas gerais muito vagas e plásticas, cuja consistência exacta não especifica e tem de ser definida ou precisada pelo juiz, no momento da aplicação, segundo as convicções reinantes no agregado social ou também, porventura, em investigação livre, operando com a ideia de justiça sobre os dados da realidade ambiente.
[4] Op. cit., nota 2, na pág. 47.
[5] Sobre tal se pronunciam diversos arestos desta Relação, na sua maioria incidindo sobre situações de rejeição liminar de petições. Vejam-se os Acórdãos de 20 de Setembro de 2018, proferido no processo 16141/17.2T8LSB.L1-2, de 21 de Fevereiro de 2019, proferido no processo 5568/17.0T8ALM.L1-2, de 16 de Maio de 2019, proferido no processo 5578/17.7T8ALM.L1-6 ou de 4 de Fevereiro de 2020, proferido no processo 959/13.8TBALQ-A.L1¬7.
[6] Entendendo-se por intervenção autónoma do juiz para pronúncia aquela que ocorre fora dos estritos momentos processuais estabelecidos pela lei ou por adequação formal, visando possibilitar que a parte se pronuncie sobre uma questão determinada.
[7] Assim, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2018, proferido no processo 2057/11.0TVLSB.L1.S2 e de 12 de Julho de 2018, proferido no processo 177/15.0T8CPV-A.P1.S1 ou o desta Relação e Secção de 10 de Maio de 2018, proferido no processo 16173/17.0T8LSB.L1.
[8] No plano das questões de direito, veio a revisão a proibir a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.
Esta vertente do princípio tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado, pois as que estejam na disponibilidade exclusiva das partes, tal como as que sejam oficiosamente cognoscíveis mas na realidade tenham sido levantadas por uma das partes, são naturalmente objecto de discussão antes da decisão, sem que o facto de a parte que as não tenha levantado não ter exercido o direito de resposta (desde que este lhe tenha sido facultado) implique falta de contraditoriedade. Antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficiosos que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso) (José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, op. cit., p. 9).
[9] Vide, neste sentido, J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 139.
[10] Sobre a fundamentação das decisões judiciais, vide, por todos, Ac. do STJ de 24.11.2015, Processo n.º 125/14.5FYLSB, relator Souto Moura, acessível em www.dgsi.pt.
[11] Vide, neste sentido, por todos, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 687.
[12] Ob. citada, Vol. V, pág. 140.
[13] Vide, ainda, no mesmo sentido, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 609; e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, págs. 221-222.
[14] Vide, neste sentido, Ac. do STJ de 02.03.2011, proc. n.º 161/05.2TBPRD.P1.S1, relator Sérgio Poças; e Ac. da Relação do Porto de 16.06.2014, proc. n.º 722/11.0TVPRT.P1, relator Carlos Gil., ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[15] In Código de Processo Civil anotado, vol. 2.º, 2.ª Edição, págs. 219 e ss.
[16] In www.dgsi.pt/jstj.
[17] Citámos o Acórdão do T. da Rel. de Lisboa, de 02/03/2010, no Proc. nº 6145/09.4TBSC.L1-1, acessível in www.dgsi.pt/jrtl.
[18] No Proc. nº 09B0681, acessível in www.dgsi.pt/jstj.
[19] cfr., também neste sentido, os Acórdão do STJ, de 14/03/2002, no proc. nº 02B428, acessível in www.dgsi.pt/jstj, e o Acórdão do T. Rel. do Porto de 27/01/2009, no proc. nº 0827486, acessível in www.dgsi.pt/jtrp.
[20] Citámos o Acórdão do T. da Rel. de Lisboa, de 02/03/2010, no Proc. nº 6145/09.4TBSC.L1-1, acessível in www.dgsi.pt/jrtl.
[21] In Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé, Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre),na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas, com Menção em Direito Processual Civil, 2014, Coimbra, pg. 69, acessível em https://estudogeral.sib.uc.pt.
[22] Acórdão prolatado em 26-02-2008, no Proc. nº 0820769, disponível em www.dgsi.pt.