Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2147/16.2T8BCL.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
ACIDENTE DE TRABALHO
CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL
DIREITOS INDISPONÍVEIS
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.

I- O recurso é o meio de reação adequado quando a parte discorda da decisão da matéria de facto, e não a arguição de nulidade da sentença.
II- O tribunal da relação não deve alterar a decisão da matéria de facto quando a prova produzida, mormente as declarações de parte e a avaliação crítica dos depoimentos das testemunhas, não imponham uma decisão diferente.
III- Os direitos previstos na lei de acidentes de trabalho são indisponíveis - 12º e 78º da NLAT. Assim, a confissão extrajudicial do sinistrado perante o perito averiguador do sinistro não tem força probatória plena, ao invés, o tribunal pode valorar livremente a prova segundo a sua prudente convicção - 354º/b, 361º, CC.
IV- A causalidade adequada abarca todo o facto que actue como condição do dano, excepto se, numa perspectiva de prognose normal, se mostrar completamente indiferente para a verificação do dano/evento, tendo-o provocado somente porque interferiram no processo causal concreto circunstâncias anómalas ou excepcionais. Para o feito é feito um juízo de prognose sobre se aquele facto, em abstracto e em condições normais, tem aptidão genérica para produzir aquele resultado típico, recorrendo-se à probabilidade fundada em conhecimentos médios e em regras da experiência comum.
V- Há causalidade entre a inobservância das regras de segurança e as lesões sofridas pelo sinistrado se era viável a ancoragem de linha de vida nas traves da cobertura do edifício e a empregadora não a implementou, nem tão pouco forneceu arnês e o sinistrado vem a cair de uma laje aberta (onde colocava abobadilhas) para o piso inferior situado a 2m80cm.
VI- É adequada a condenação em litigância de má fé se a ré empregadora deduziu oposição alegando que na obra estava ancorada linha de vida, que forneceu arnês e que o sinistrado o desconectou para facilitar os trabalhos e se vem a provar precisamente o contrário (que a ré não forneceu sequer estes equipamentos) e, ademais, a empregadora tentou condicionar a prova através de contactos telefónicos, mormente feitos a uma das testemunhas oculares.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

ACÇÃO - Os autos respeitam a acção especial emergente de acidente de trabalho que prosseguiu para a fase contenciosa, em que é autor F. P. e rés Construções F. M., Lda (empregadora) e X Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal (seguradora).

PEDIDO - O autor pede a condenação:
a) da ré empregadora na pensão anual e vitalícia de 1.934,91€, com início em 18/01/2017, obrigatoriamente remível; 5.014,86€ a título de indemnizações por incapacidades temporárias; 25,00€ de despesas de transporte; juros de mora à taxa legal de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento; 30.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais;
b) subsidiariamente da ré seguradora na pensão anual e vitalícia de 1.340,76€, com início em 18/01/2017, obrigatoriamente remível; 3.474,94€ a título de indemnizações por incapacidades temporárias; 25,00€ de despesas de transporte; juros de mora à taxa legal de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;
c) ainda subsidiariamente, para o caso de se não demonstrar que o acidente se deveu à violação de regras de segurança por parte da ré empregadora, a condenação das rés a pagarem-lhe: a pensão anual e vitalícia de 1.354,44€, com início em 18/01/2017, obrigatoriamente remível, sendo 1.340,76€ da responsabilidade da ré seguradora e 13,68€ da responsabilidade da ré empregadora; 3.510,40€ a título de indemnizações por incapacidades temporárias, sendo 3.474,94€ da responsabilidade da ré seguradora e 35,46€ da responsabilidade da ré empregadora; 25,00€ de despesas de transporte, a pagar pela ré seguradora; juros de mora à taxa legal de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.

CAUSA DE PEDIR: alega que o acidente se deveu a violação de regras de segurança por parte da empregadora. O acidente de trabalho ocorreu em 17-06-2016 quando o sinistrado, pintor carpinteiro de 1ª, caiu de cima de uma placa onde trabalhava. A empregadora não colocou à disposição do trabalhador arnês e linha de vida, não existindo na obra equipamento de segurança para trabalhos em altura. Para além da incapacidade para o trabalho de que ficou a padecer, sofreu danos morais, incluindo uma depressão e limitação no exercício da sua vida pessoal.
CONTESTAÇÃO DA RÉ SEGURADORA: alega que o acidente foi devido a violação das regras de segurança por parte do autor, pelo que deverá ser descaracterizado. Em concreto na obra competia ao autor colocar abobadilhas entre vigotas de cimento para execução da laje de cobertura. Quando se posicionou sobre uma abobadilha que já se encontrava colocada, caiu para o piso inferior por entre duas vigotas, numa zona ainda sem abobadilhas colocadas. O acidente ocorreu porque o autor usava arnês de segurança, mas não o conectou, como devia, à linha de vida instalada na laje onde exercia a actividade. Alias, o autor perante um perito averiguador que a ré contratou assinou uma declaração onde confessou “Estava uma linha de vida montada e eu estava com o arnês de segurança vestido, no entanto, não estava engatado na linha de vida pois não conseguia facilmente chegar ao material…”
CONTESTAÇÃO DA RÉ EMPREGADORA: alega ter cumprido todas as regras de segurança. Disponibiliza mecanismos de segurança para todas as obras e fiscaliza a sua implementação e uso pelos trabalhadores. O que acontecia na presente obra. A obra em questão decorria na primeira placa, a cerca de 2,80 metros de altura, existindo linha de vida fixada, cintos, capacetes e arnês para os trabalhadores. O autor, que no momento do acidente se encontrava na primeira placa a colocar abobadilhas de laje aligeirada, tinha no momento do acidente colocado o capacete, respectivo cinto e arnês. O acidente ocorreu porque o autor para facilitar o seu trabalho retirou o arnês da linha de vida, aquando da recepção de material. Neste momento, infelizmente, desequilibrou-se e caiu da altura em que se encontrava. Assim, a responsabilidade pela reparação do acidente recai apenas sobre a ré seguradora. Pede a sua absolvição dos pedidos.
O autor apresentou resposta reiterando que não existia arnês e linha de vida na obra. Diz ter sido pressionado pela empregadora a prestar as declarações do documento junto pela ré seguradora (onde se refere que na obra existia arnês e linha de vida), por aquela recear ser alvo de contra-ordenação e porque lhe garantiu que seriam assegurados todos os seus direitos.
Foi proferido despacho saneador e organizada a lista de factos assentes e base instrutória.
Procedeu-se a julgamento que decorreu em várias sessões. Numa delas foi proferido despacho a suscitar oficiosamente a questão da eventual litigância de má fé do autor ou da ré empregadora, uma vez que as versões apresentadas seriam diametralmente opostas, o que implicaria necessariamente que uma das partes tenha apresentado em juízo uma versão que conscientemente sabia não corresponder à verdade. Foi dado prazo às partes para se pronunciarem.
Proferiu-se sentença.

SENTENÇA RECORRIDA (DISPOSITIVO):

“Assim, e nos termos expostos, julgo:
A) a ação procedente por provada e, consequentemente, condeno:
a. solidariamente as rés Construções F. M., Lda. e X Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), no pagamento ao autor F. P. das seguintes quantias:

a) 5.014,85€ (cinco mil e catorze euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de indemnizações por incapacidades temporárias, da responsabilidade apenas da ré Construções F. M., Lda. (estado a responsabilidade da ré X Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal limitada à quantia de 3.474,81€ e tendo direito de regresso sobre aquela ré caso a venha a pagar);
b) 25,00€ (vinte e cinco euros) a título de reembolso de despesas de transporte, tendo a ré X Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal direito de regresso sobre a ré empregadora quanto a tal quantia, caso a venha a pagar;
c) o capital de remição da pensão anual e vitalícia, devida em 18/01/2017, no montante de 891,31€ (oitocentos e noventa e um euros e trinta e um cêntimos), sendo a ré X Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal responsável apenas até ao limite do capital de remição da pensão anual e vitalícia no valor de 617,59€ (seiscentos e dezassete euros e cinquenta e nove cêntimos) e tendo direito de regresso sobre a ré empregadora sobre a quantia que a esse título venha a pagar.
b. a ré Construções F. M., Lda., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), no pagamento ao autor F. P. da quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) para compensação dos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente de trabalho;
B) a ré Construções F. M., Lda. como litigante de má-fé:
a. no pagamento de uma multa de montante equivalente a 85 (oitenta e cinco) unidades de conta; e
b. no pagamento ao autor F. P. de uma indemnização no valor de 5.000,00€ (cinco mil euros), para compensação dos danos decorrentes da má-fé.
*
Custas exclusivamente pela ré empregadora.
*
Valor da ação – 19.849,61€ - art.º 120.º do Código de Processo do Trabalho”.

RECURSO DA RÉ EMPREGADORA: RECORREU E SUSCITOU A NULIDADE DA SENTENÇA.CONCLUSÕES:

1º - Resulta da leitura da sentença que existem objectivas contradições que infringem o disposto no artigo 607º, n.º 3 do C.P.C.. A primeira contradição resulta dos pontos da matéria de facto vertidos nas alíneas E) e F), pois, se entende que existe responsabilidade agravada da aqui Apelante por ausência de observância das regras e medidas de segurança – equipamentos de protecção colectiva, não pode dar como provado que o Autor emitiu uma declaração sua a reconhecer que os equipamentos de protecção colectiva estavam presentes, mormente a linha de vida e o arnês. Ou os equipamentos existiam ou não existiam. Ambos os factos é que não é possível!
2º - A segunda contradição reside no confronto entre os factos constantes nas als. P) ( formação pela empresa na temática segurança no trabalho ao trabalhador) e S) ( instruções expressas e directas ao sinistrado para usar arnês e linhas de vida, pela Apelante) e o constante na parte final do ponto de facto da al. U) da matéria de facto, que menciona que o Autor não formação pela Apelante quanto a temática de segurança no trabalho. É flagrante a contradição, e perante isso, é nosso humilde entendimento que tal lapso será só um lapso de escrita, pois, a manutenção dos mesmos factos cria uma ambiguidade ou ininteligibilidade que não se coaduna com a matéria de facto expressa na sentença recorrida.
3º - Por isso, o lapso que deve ser devidamente corrigido, ou então a última parte tem que ser dada como não provada.
4º - A quarta contradição tem em consideração os factos confessados pelo Autor no seu depoimento de parte, constante da ata datada de 28 de Outubro de 2020, a fls. e ss. dos autos, onde foi concretizado que o mesmo citou que não existia linha de vida e arnês na obra e por isso transposto para a matéria de facto. Ora, tal situação não deveria ter sido lavrada, porque não resulta de confissão dos factos por parte do recorrido, uma vez que, o depoimento de parte constitui um meio processual através do qual se pode obter e provocar a confissão judicial, sendo esta uma declaração de ciência que emana da parte e em que se reconhece a realidade de um facto desfavorável ao declarante (contra se pronuntiatio) e favorável à parte contrária a quem competiria prová-lo (Art. 352º do Código Civil), sendo tal já sido apreciado pela nossa jurisprudência constitucional, no Acórdão nº 504/2004, Artur Maurício, DR, II Série de 2.11.2004, p. 16.093, in www.dgsi.pt/
5º - Por isso, a alegação de inexistência de linha de vida e arnês não é um facto desfavorável ao Autor/sinistrado, mas sim favorável e que não devia ter sido valorado e o ponto F) da matéria de facto, onde indica que não havia linha de vida ou outro equipamento de segurança para trabalhos em altura, tendo sido a falta de tais equipamentos que determinou a ocorrência da queda, merece o estatuto de não provado.
6º - Além disso, a formulação de que tais equipamentos é que causaram a queda do Autor é uma conclusão, juízo de valor e não um facto, sendo certo, como veremos infra, que não foi a ausência daqueles equipamentos que determinaram a queda, mas sim outras causas. Mais não há nenhuma prova concreta produzida quanto a este facto, isto é, que foi a falta de tais equipamentos que provocaram a queda, sendo certo ainda que é o próprio autor, em declarações prestadas perante o perito da Wperitos que afirma que a abobadilha onde permanecia a receber o material partiu e consequentemente desequilibrou-se e caiu ao chão. – cfr. doc. de fls. e ss. dos autos, junto com a contestação da Ré X.
Pelo que, perante o referido na conclusão anterior, o inscrito no ponto de facto F) tem que ser dado como não escrito, por existir excesso ou exorbitância de resposta a quesitos que não se verificaram.
7º - Face ao exposto, a douta sentença agora colocada em risco é nula, ora pela existência das apontadas contradições, tornando a decisão ambígua e obscura, ora porque existiu excesso ou exorbitância de resposta aos quesitos, pronunciando-se assim o douto tribunal sobre questões que não devia pronunciar-se, nulidades que expressamente aqui se invocam para todos os efeitos legais, nos termos do artigo 615º, n.º 1 al. c) e d) do C.P.C.

B – DO RECURSO

8º - A recorrente não pode conformar-se com a douta sentença proferida nos presentes autos, que julgou procedente a acção por provada e em consequência condenou a mesma nos termos constantes na parte atinente ao dispositivo e que aqui se dá como reproduzido, pois, entendemos que não se decidiu bem, bem como existe flagrante contradição entre a fundamentação e a decisão que conduz à nulidade de sentença, conforme já arguida, bem como há errónea apreciação por parte do tribunal “ a quo” quanto à prova de facto efectivamente gravada, e por isso, o Tribunal recorrido fez errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do direito, salvo o devido respeito por opinião contrária.
9º - O fundamento da recorribilidade cinge-se ao seguinte: apurar se há responsabilidade agravada da Recorrente por ausência de observância das regras de segurança, e em consequência, se devia ser responsabilizada ou absolvida dos pedidos peticionados, bem como se a mesma devia ser condenada nos presentes autos como litigante de má-fé.
10º - O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito, e nas presentes conclusões damos como reproduzidas a matéria de facto ( provada e não provada) fixada na sentença recorrida.
11º - E na nossa humilde opinião, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e que foi gravada, foi valorada e apreciada de forma incorreta, nomeadamente o depoimento de parte/Declarações de parte do sinistrado F. P., os testemunhos de depoimentos gravados no sistema digital Habilus a 28 de Outubro e 11 de Novembro de 2020, atinente aos presentes autos de processo n.º 2147/16.2T8BCL, do Juízo do Trabalho de Barcelos – Juiz 2, da Comarca de Braga.
12º- Na verdade, foram os seguintes pontos de facto que se considera que foram incorrectamente julgados, havendo violação do principio de liberdade do julgamento tudo nos termos do disposto nos artigos 640, n.º 1 al. a) do CPC:
- Pontos F), T), U) dos factos provados, que devem ser considerados como não provados.
- Os factos dados como não provados sob os números 10), 11), 12), 13), 14), 15, 16, 17, e 18) que merecem a designação de provados
13º - Quanto aos factos dados como provados sobre os pontos F) e U), é nossa convicção que os mesmos merecem o estatuto de não provados ou até não escritos, pelos argumentos já expendidos em sede da questão prévia atinente à nulidade da sentença, constantes das conclusões 1º a 7º e que aqui damos por reproduzidas, sendo que os mesmos tornam a sentença ininteligível ou até ambígua, determinando a nulidade da mesma nos termos do artigo 615º n.º 1 al. c) e d).
14º - Mas mesmo assim que não se entenda, e conforme já salientado, entendemos que a prova foi erroneamente valorada e apreciada, não tendo a mesma sido devidamente conjugada e de acordo com a experiência comum.
15º - Nos presentes autos, o douto tribunal recorrido privilegiou o depoimento de parte do Autor, meio de prova processual que só deve ser valorado no que concerne aos factos confessados e que forem desfavoráveis à parte, menosprezando toda a restante prova produzida. No entanto, vejamos os meios de prova existentes nos autos e que determinarão a alteração da matéria de facto nos termos propostos, iniciando pela prova documental. E aqui temos:
A) averiguação de sinistros independente, a WPERITOS, para apurar o modo como ocorreu o acidente, constando a mesma de fls. e ss. dos presentes autos.
B) Declaração emitida pelo sinistrado e escrita pelo pulso da sua filha A. F., onde expressamente declarou o seguinte:
“ (…)Quando estávamos na fase final da preparação de uma laje de cobertura para betonagem, estava de joelhos sobre a laje a colocar abobadilhas ( sobre abobadilhas já colocadas) quando caí sobre uma zona que não tinha abobadilhas, entre bigotas. Possivelmente a abobadilha onde estava apoiado partiu (…)
Estava uma linha de vida montada e eu estava com o arnês de segurança vestido, no entanto não estava engatado na linha de vida (…)” - cfr. declaração assinada e cuja assinatura o Autor não impugnou de fls. e ss. dos autos.
C) No mesmo processo de averiguações consta a declaração do trabalhador M. M., que esteve presente no dia, hora e local do acidente de trabalho, que também afirmou que existia linha de vida montada, mas apesar do trabalhador ter arnês, não estava preso à linha de vida, conforme é possível constatar do seguinte trecho:“(…)A linha de vida estava montada na transversal presa nas travessas de madeira, no entanto, no momento do acidente o sinistrado tinha o arnês vestido mas não estava preso à linha de vida (…)” Cfr. declaração assinada pelo trabalhador a fls. e ss.
D) fichas de procedimentos de segurança onde estava identificado perigo de queda de pessoas a níveis diferentes, a fls. e ss. dos autos.
E) Declaração assinada pelo sinistrado de entrega e distribuição de equipamentos de protecção individual aos trabalhadores - assinatura não impugnada e por isso aceite – consubstanciada em botas, óculos, máscara de protecção, capacete, luvas e fato de chuva.
16º - Em segundo lugar, devemos atender ao depoimento de parte do próprio autor, que confessa a existência de equipamentos de protecção individual em obra, fala na existência de fichas de procedimentos de segurança, que diz que nunca viu, mas não sabe se não estariam lá – o que só reforça a convicção das informações existentes na prova documental, bem como menciona que a aqui recorrente também tinha em outras obras a decorrer onde existiam linhas de vida e arnês, conforme podemos constatar pelos seguintes trechos, os quais se encontram transcritos em sede de alegações de recurso:
Depoimento/declarações de parte de F. P., gravado a 28/10/2020, no sistema habilus….
17º - É estranho que, existindo equipamentos de protecção individual na obra, que haja equipamentos de protecção colectiva e fichas de procedimento de segurança para outras obras, que a obra onde ocorreu o acidente não tivesse nenhum equipamento. Uma empresa que tem todos os equipamentos e cumpre com todas as regras nas outras obras, só nesta é que não existam equipamentos. Não existem porque acabam por beneficiar o Autor, que é parte interessada e tem todo o interesse em negar o que confessou ao perito na Wperitos.
18º - Na verdade, querendo o Autor ser ressarcido e visando eximir a sua culpa nos presentes autos, nunca iria em julgamento assumir que usava arnês e havia linha de vida e que se desconectou dela, conforme foram as conclusões do relatório de averiguações junto aos autos e que aqui damos como totalmente reproduzidos e que permitem a alteração dos factos dados como não provados nos pontos 10) a 18).
19º - Quantos aos pontos das als. U) e T), indicamos ainda, com base no depoimento/declarações de parte do Autor, que inexiste prova para dar como provados aqueles factos, isto é as explicações para as pressões que diz ter sofrido, que mais não são do que juízos de valor que merecem ser considerados não escritos, já nos termos supra expostos, transcrições que se encontram reproduzidos no corpo das alegações sendo que aqui apenas referimos o inicio e o termo das declarações do Autor. Assim:
Depoimento/declarações de parte de F. P., gravado a 28/10/2020, no sistema habilus…
20º - Resultam das declarações de parte que o Autor labora com lapsos de memória sobre o tempo que o induz a mentir em tribunal, pois segundo ele, recebeu uma chamada do engenheiro F. M., funcionário da Apelante, a informar que iria receber um perito e para mentir. Telefonema que foi logo após sair do hospital. E por isso, que não teve tempo para contar o acidente à filha. Mas acontece que, a declaração ao perito da Wperitos foi prestada quinze a três semanas após o acidente!!!!!!!!!!
21º- Mais, o próprio autor diz que só teve medo de ser despedido, não se recordando de mais nenhum motivo, e por isso, alegadamente mentiu. Em nenhum momento resulta do depoimento de parte do Autor que foi pressionado para salvaguardar a empresa de contraordenações e que foi convencido que os seus direitos não seriam afectados. Assim, não há qualquer prova para dar como provados os factos T e U, existindo assim o vício de insuficiência da matéria de facto para que os mesmos mereçam o estatuto assinalado de provados.
22º - Mas existem ainda outros elementos de prova que conduzem necessariamente à alteração da matéria de facto, nos termos supra propostos, e por isso, de seguida prosseguiremos com a indicação dos demais meios de prova, passando agora à prova testemunhal produzida em sede de julgamento.
23º - Mas antes, chamamos a atenção a mais um pormenor contraditório da douta sentença. Consta do processo, mormente da ata de julgamento de 28 de Outubro, de fls. e ss., que o Autor confessa que a aqui Apelante dava instruções ser necessário usar arnês e linha de vida. – Resposta ao quesito 22º. Mas apesar disso, o mesmo tribunal dá como não provados os pontos 13 e 18, isto é, que o trabalhador não tenha sido informado dos riscos envolvidos a tomar para a sua prevenção e que tenha recebido instrução para o uso de equipamentos de segurança.
24º - Se há valoração do depoimento do autor, temos que considerar, até pelos trechos já supra transcritos, que existiam equipamentos de protecção individual, havia linha de vida e arnês noutras obras e que o mesmo recebia formação. Por isso, os pontos 13 e 18, só por isto, já mereciam o estatuto de factos provados.
25º - Mas o mesmo entendimento alcançamos com a apreciação dos seguintes depoimentos:
a) No depoimento da Testemunha A. P., ouvido em audiência de discussão e julgamento a 28/10/2020, entre as … Dos trechos citados, constatamos que a testemunha reconhece que não viu como se deu a queda, é peremptória na afirmação da existência de formação, da presença dos equipamentos de segurança, da linha de vida e arnês, bem como na questão de que o acidente ocorreu porque o Autor lhe contou que desengatou o arnês da linha de vida para trabalhar melhor.
b) Depoimento do Engenheiro F. M., também prestado no dia 28/10/2020, …. onde o mesmo refere a questão da formação, da existência da linha de vida e do arnês na obra, apesar de não ter estado presente na hora do acidente, para além de mencionar que mesmo com a linha de vida e o arnês ligados, tal não evitaria as lesões do trabalhador, bem como negou ter ligado para o trabalhador a pressionar para mentir perante o perito da Wperitos, conforme se constata dos trechos cujos minutos de inicio e termo se assinalam, mas cujas transcrições constam do corpo das alegações e que aqui damos como reproduzidas. …. Realce-se ainda que, por força deste depoimento, a queda sucedeu não pela ausência de arnês e linha de vida, mas por causa da quebra de um tijolo ou desequilíbrio do Autor.
c) Depoimento de J. M., …. cujas transcrições se encontram no corpo das alegações e que aqui damos como reproduzidas, mas onde de seguida, apenas indicamos os minutos de inicio e de termo. Neste depoimento, o mesmo refere a formação que foi fornecida aos trabalhadores sobre segurança no trabalho, os equipamentos de protecção individual e colectiva existentes na entidade patronal, bem como a averiguação que fez ao acidente, e que depreende que o acidente ocorreu não pela ausência dos equipamentos colectivos, mas sim pela actuação do trabalhador, que se desligou da linha de vida, por sua livre e espontânea vontade, conforme se depreende dos seguintestrechos constantes nos minutos em questão: Inicio:00:52 – Termo 8:11;
d) Depoimento da Testemunha J. R., que depôs a 28/10/2020, das …. refere como foi feita a investigação, que foi ao local do acidente, que lhe foi comunicado por todos os intervenientes a existência de arnês e linha de vida, a forma como realizou a investigação e como foi feita a tomada de declarações ao autor, em sua casa, onde a filha do mesmo ia escrevendo o auto de declarações, sem qualquer constrangimento ou pressão, conforme transparece dos trechos que a seguir assinalamos, por referência aos minutos de inicio e termo, sendo que as transcrições encontram-se no corpo das alegações do presente recurso e que damos aqui como reproduzidas: …. Só uma nota queremos acrescentar ainda: que a convicção do perito, quanto à caracterização e descrição do acidente sucedeu apenas e só com o depoimento do Autor, que ocorreu vinte dias após o acidente, no conforto do seu lar, na companhia da filha, em estado normal, sem a presença de qualquer funcionário ou legal representante da aqui Apelante. Por isso, os elementos capazes de conduzir o Autor a mentir, perante um assunto de tamanha gravidade e seriedade, eram inexistentes.
e) Depoimento de Testemunha: A. M., prestado a 11/11/2020, das …, que era director de fiscalização da obra e representante do dono da obra e que revela que nunca presenciou a ausência de equipamentos e quando existia alguma falha, alertava e tal era suprido pela Apelante, para além de que, mesmo tendo sido contactado por esta,que não entraram em mais nenhum detalhe e que cessou com qualquer contacto com a mesma, o que é lógico e comum ser efectuado. Assim, deixamos aqui os minutos dos trechos que importam, com referência ao termo e ao inicio, sendo que as transcrições constam do corpo de alegações e damos aqui como reproduzidas. …
26º - Os depoimentos elencados e cujas transcrições aqui damos como reproduzidas ressaltam que o acidente ocorreu de acordo com a versão apresentada pelo Apelante, isto é, que os equipamentos existiam, que o trabalhador desengatou o arnês da linha de vida e que a queda deveu-se não à ausência dos equipamentos de protecção colectiva, mas ao facto de uma tijoleira ou o próprio trabalhador ter desequilibrado.
27º - A favor deste argumento, temos ainda as palavras do Autor, que confessa que não sabe qual o motivo porque sucedeu o acidente, referindo no seu Depoimento/declarações de parte de F. P., gravado a 28/10/2020, no sistema habilus …..
POR ÚLTIMO,

28º - Sobra-nos o depoimento da testemunha que o tribunal recorrido considerou decisiva para o desfecho do presente caso concreto. É crucial apreciar a diferença de comportamento da testemunha A. M., que cortou o mal pela raiz, com o telefonema da Apelante, evitando todo e qualquer contacto, e a postura da testemunha N. T., que segundo a sua versão, recebeu várias chamadas, despendeu mais de 13 minutos numa chamada e ainda teve uma reunião nos escritórios da Apelante. Se pretendia vir ao tribunal apenas falar a verdade – palavra que usou e abusou durante o seu depoimento – porque não cortou logo o mal pela raiz, evitando também todo e qualquer contacto?
29º - Talvez porque existia um interesse da própria testemunha em obter algo da Apelante e como não aconteceu, vem a tribunal onde – utilizando um termo caro na sentença colocada em crise para desvalorizar as testemunhas A. N. e F. M. – foi lesto em anunciar que não existiam em obra nenhuns meios de protecção individual e de protecção colectiva, não existiu formação, que saiu da entidade patronal por falta de condições de trabalho e que teve que comprar botas e capacete, conforme resulta do Testemunha N. T. …..
30º - Dos trechos citados, transparece que a organização da Apelante vive ao sabor do adágio popular “ tudo ao molhe e fé em Deus”, não se preocupando com a segurança dos trabalhadores, que têm que comprar os seus EPIs – vá lá que a custo a testemunha refere que lhe foi disponibilizado um capacete ( só um) em todos os anos de serviço – que eles é que montam alguns equipamentos de protecção colectiva, porque é raro vê-los na empresa, e após alguns anos de serviço ( pelo menos 2 anos após o acidente do sinistrado) é que decidiu sair da empresa por falta de condições de trabalho, pois podia acontecer-lhe o mesmo que ao Autor!!!!
31º - Questiona-se: porque não saiu mais cedo, face á tão graves e reiteradas violações das regras de segurança por parte da Apelante? Pois, é por isso que a experiência comum e a lógica de um homem médio determina que este depoimento foi no sentido de obter a condenação da Apelante, por interesses que o julgamento não conseguiu apurar.
32º - Assim, a sua actuação não se coaduna com o comportamento de uma testemunha isenta e credível, capaz de reconhecer que existiam na Apelante equipamentos de protecção individual, que tinham formação de segurança no trabalho, como fez o Autor e atestado ainda pelas testemunhas F. M., A. N. e Engenheiro J. S., nos depoimentos supra citados. E por isso, tem que ser describilizado.
31º - Mas mesmo que assim não se entenda, resulta ainda deste depoimento que a queda pode ter sido originada pelo desequilíbrio do Autor ou quebra da tijoleira, ponto já assinalado supra e que é essencial para uma decisão diversa da proferida nos autos.
32º -Perante os meios de prova mencionado, a que acrescem os demais factos dados como provados, a formação do trabalhador, que confessou que é experiente e conhecedor das regras de segurança da sua profissão, a existência de equipamentos de protecção individual e colectivos na empresa, há que alterar a matéria de facto nos termos supra propostos e assumir que não houve violação de regras de segurança e que existiam os equipamentos de protecção – individual e colectiva.
33º - Mais, toda a prova supra elencada – documental, testemunhal e aqui transcrita, pericial – devidamente conjugada demonstra-nos que nos presentes autos que a queda não sucedeu pela inexistência dos equipamentos de protecção individual e colectiva, sendo que há prova suficiente, cabal e essencial que permite concluir que o Autor estava com o arnês, desengatou o mesmo da linha de vida, e que a queda foi originada por uma quebra de uma betonilha ou desequilíbrio do Autor, devendo ser enquadrado nos termos do artigo 14º do RJAT, pois proveio de acto praticado pelo trabalhador, que de forma dolosa ou negligente, violou as regras da segurança no trabalho.
34º - Assim, o Apelado trabalhador, por força dos artigos 341º e 342º n.º 1 do C.C., não conseguiu fazer prova dos factos que alegou em sede da acção que intentou, havendo nos presentes autos descaracterização do acidente, e em consequência a Apelante tem que ser absolvida dos pedidos deduzidos contra ela.
35º - E procedendo desta forma, também a Apelante tem que ser absolvida da litigância de má-fé em que foi condenada, devendo ser, isso sim, o Autor condenado como litigante de má-fé nos presentes autos.
36º - Mas mesmo que se mantenha a posição vertida na douta sentença quanto à matéria de facto fixada, teremos que considerar que não se verifica a responsabilidade agravada da Recorrente.
37º - Em primeiro lugar, o Autor é um trabalhador experiente, com conhecimento das regras de segurança da sua profissão – al. P) da matéria de facto dada como provada, e por isso, não ignorava que ao executar o trabalho sem se munir de qualquer tipo de equipamento de protecção, estaria a colocar-se a si próprio numa situação de elevado risco de queda. Além disso, tendo conhecimento da existência de equipamentos de protecção colectiva na firma da Apelante, teve uma conduta temerária e audaciosa, colocando-se de propósito em situação de risco de vida por sua livre e própria vontade.
38º - Acresce ainda que, o mesmo considerou que trabalhar numa laje de tecto, para ser betonada, a cerca de 2,80 metros de altura, não oferecia qualquer risco de vida, ou de lesões e era um trabalho seguro, sendo certo que já estavam a executar aquela laje e outras similares há várias semanas, sem ter sucedido qualquer acidente.
39º - E apesar da Recorrente dar instruções expressas e directas no sentido de que o Autor teria que usar arnês e Linhas de vida – Facto S) dos factos dados como provados, haver fichas de Procedimento de Segurança que possuem identificados os riscos de perigo de queda de pessoas a níveis diferentes, existir na firma um técnico ligado à Segurança no trabalho que dá instruções e fomenta formações de higiene e segurança, o Autor tem uma conduta contrária às boas regras da segurança, à sua experiência e conhecimento, às instruções da Recorrente, pelo que, é o seu comportamento que dá causa ao acidente e não a ausência de observância das regras de segurança pela entidade patronal.
40º - Pelo que, é o autor que não consegue fazer prova dos factos que alega, de acordo com a repartição do ónus da prova, nos termos dos artigos 341º e 342º do C.C., e a aqui Recorrente ser absolvida nos presentes autos de todos os pedidos, pois a mesma não ter contribuiu para a verificação do acidente de trabalho por falta de observação das regras de segurança.

POR ÚLTIMO,
41º - Salvo melhor opinião, não estão preenchidos nos presentes autos todos os requisitos necessários para se verificar a responsabilidade agravada da Recorrente, uma vez que é necessário o preenchimento ou a verificação cumulativa destes pressupostos:

1) ¬ Sobre a entidade empregadora impenda o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança;
2) Que a entidade patronal as não haja observado, sendo-lhe imputável tal omissão e, ainda,
3) que se verifique uma demonstrada relação de causalidade adequada entre a omissão e o acidente.
42º - Acontece que, segundo a prova produzida e os meios de prova supra elencados, os elementos de protecção individual e colectiva existiam, pelo que a Apelante não violou qualquer norma de segurança obrigatória ou que sobre ela impenda.
43º - Mas mesmo que não existissem naquela obra, a verdade é que o Autor tinha instruções para usar linha de vida e arnês – facto S) e era conhecedor das regras da segurança no trabalho – facto P), e entendeu que não eram necessários os equipamentos de segurança colectiva e de protecção individual para a actividade que estava a executar, e por isso, teve uma atitude de violação das instruções da entidade patronal, e assim não há qualquer violação das regras da segurança no trabalho pela Recorrente. – 1º requisito.
44º - Mais, segundo a nossa jurisprudência, mais precisamente o Acórdão do S.T.J. de 9.12.2010, in www.dgsi.pt, Processo n.º 838/06.5TTMTS.P1.S1, que aqui damos como reproduzido, não pode verificar-se a responsabilidade agravada da recorrente, pois não podemos partir do acidente consumado para apurar as medidas de segurança necessárias para evitar o acidente. Há que realizar um juízo de prognose e esse foi feito pelo Autor que, fruto da sua experiência e conhecimento, entendeu que não eram necessários aqueles equipamentos, apesar de os mesmos existirem na firma e executou os serviços achando que estava seguro.
45º - Mais, conforme supra descrito, a queda deveu-se não à existência ou ausência dos equipamentos, mas devido a algo que partiu - abobadilha, ou por desequilíbrio do Autor.
46º - Perante estes pressupostos, simplesmente concluímos que a entidade patronal, aqui Recorrente, fez todos os juízos de prognose necessários para implementar as medidas de segurança referidas na sentença, mas foi a actuação do trabalhador, por sua própria vontade e contra as ordens da Recorrente, que decidiu executar uma obra, sem qualquer equipamento.
Pelo que, a omissão não pode ser imputável à aqui Apelante – 2º requisito.
47º - Além disso, mesmo com a existência dos equipamentos, a verdade é que o acidente iria acontecer, porque com o desequilíbrio ou a quebra de um tijolo, o trabalhador iria cair na mesma, e por isso, as lesões ocorreriam mesmo com a utilização do arnês e da linha de vida, ou até lesões, quiçá ainda mais graves e até fatais. Logo inexiste qualquer nexo de causalidade- 3º Requisito.
48º - Não estando preenchidos os requisitos, não pode ser assacada à aqui Recorrente a responsabilidade agravada pela eclosão do acidente, conforme a posição vertida no acórdão de Jurisprudência do STJ, processo n.º 507/07.9TTVC.T.P1.S1, da 4º Secção, datado de 08.01.2013, in www.dgsi.pt, e que aqui damos como reproduzido.
49º - Pelo que, relativamente aos pedidos peticionados pela Autora, a Recorrente deveria ter sido absolvida, nos termos supra expostos, pois não se verifica nos presentes autos ou não há lugar à sua responsabilização agravada.
50º - Por fim, o aqui recorrente não concorda com a decisão do douto tribunal recorrido, quanto à questão da condenação como litigante de má fé, pois, salvo melhor opinião, o aqui recorrente nunca litigou de má fé.
51º - Na verdade, foram diversos os factos dados como provados e alegados pela Apelante - pontos E), P) e S).Resulta ainda dos depoimentos supra transcritos que a empresa dava formação sobre segurança no trabalho, sendo certo que isso é confessado pelo Autor no seu depoimento de parte, segundo os despachos existentes nas atas de fls. e ss.
52º - A Apelante exerceu o seu contraditório e mereceu credibilidade na presente instância, mas se nem toda a factualidade alegada foi considerada, isso não é sinónimo ou fundamento da condenação como litigante de má-fé, sob pena da condenação automática de todos aqueles a quem seja negada a procedência das suas teses, em todas as ações pendentes em Tribunal, como ensinava o Professor Alberto dos Reis in Alberto dos Reis, CPC anotado, 2º- 263, o qual defendia ainda que a lide ousada não integra o conceito de má-fé. – Alberto dos Reis, Código de Processo anotado, 2º volume, pág. 263.
53º - E nosso entendimento que a posição da Recorrente não está manchada por dolo ou negligência grave, pois, a defesa da sua posição, só por si não consubstancia alteração da verdade dos factos, dedução de oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, falta do dever de cooperação ou uso do processo de uma forma manifestamente reprovável.
54º - Quem utilizou o processo de forma manifestamente reprovável foi o Autor, que sossegado em sua casa, no conforto do mesmo, só com a presença de um perito e com o apoio da sua filha, prestou de forma consciente uma declaração a assumir que o acidente aconteceu por sua inteira e única responsabilidade e agora, pretendendo ser ressarcido, diz o seu oposto.
55º - Por uma questão de cautela, sempre se dirá que o aqui recorrente litigou com mera negligência, nunca podendo a mesma ser considerada grave, sendo que qualquer parte processual colocada na posição do aqui recorrente agiria do mesmo modo.
56º - Pelo que, mesmo preenchendo alguma das alíneas do nº 2 do artigo 542º do C.P.C., falta a existência de dolo ou negligência grave a imputar à Apelante, e por isso, tem que ser absolvida da condenação como litigante de má-fé.
57º - Por tudo o supra exposto, e em súmula, impõe-se uma decisão diversa da recorrida, pois as provas citadas e reproduzidas, conjugadas com o depoimento das testemunhas supra analisado e transcrito, impõe a seguinte decisão:
- Pontos F), T), U) dos factos provados, que devem ser considerados como não provados.
- Os factos dados como não provados sob os números 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17) e 18) que merecem a designação de provado
58º - E em consequência da alteração da matéria de facto, deve a douta decisão ser alterada no sentido de considerar a Recorrente absolvida dos pedidos, por não se verificar a responsabilidade agravada da mesma, tudo nos termos supra expostos
59º - Foram violadas as disposições legais constantes dos artigos artigo 542º n.º 2 C.P.C. a contrario 607º n.º 3 e 5 e 615º n.º 1 al. c) e d), 621º, 640º n.º 1 al. a), 662º n.º 2 als. c), todos do C.P.C., bem como os artigos 341º, 342º e 352º do C.C., artigo 18º do RJAT “a contrario”, e artigos 44º e 45º do Regulamento de Segurança na construção civil.
Termos em que, deve revogar-se a sentença recorrida, em conformidade com o atrás exposto, absolvendo-se a recorrente…
CONTRA-ALEGAÇÕES DO AUTOR E DA SEGURADORA - defendem a manutenção da decisão recorrida.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: propugna que não ocorrem nulidades na sentença recorrida e que esta deve ser mantida, quer quanto à matéria de facto, quer de direito, incluindo condenação como litigante de má fé.
Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1)):

1 – nulidades da sentença;
2 - impugnação da matéria de facto e sua repercussão na matéria de direito (violação de regras de segurança pela empregadora);
3 – condenação da ré empregadora em litigância de má fé.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS:
a) Factos Provados
Os factos provados, com interesse para a decisão da causa, são os seguintes:
A) F. P. nasceu em - de março de 1956 – certidão de fls. 9;
B) No dia 17 de junho de 2016, pelas 13 horas e 30 minutos, F. P. encontrava-se numa obra em Barcelos exercendo as funções de carpinteiro de 1.ª sob as ordens, direção e fiscalização da ré Construções F. M., Lda., quando caiu de cima de uma placa onde se encontrava por determinação desta mesma ré;
C) Nessa data, F. P. auferia a seguinte retribuição:
a. 550,00€ em 14 meses do ano, a título de salário base;
b. 125,40€ em 11 meses do ano, a título de subsídio de alimentação; c. 45,78€ em média, por cada mês de trabalho, a título de trabalho suplementar;
num total anual de 9.674,54€ (nove mil, seiscentos e setenta e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos);
D) À data do acidente referido em B), a ré Construções F. M., Lda. tinha transferido para a ré X Seguros, S.A. a sua responsabilidade por acidentes de trabalho sofridos pelo autor através do contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º 64/690581, pela retribuição anual de 9.576,44€ (nove mil, quinhentos e setenta e seis euros e quarenta e quatro cêntimos);
E) Quando contactado pelo perito da empresa de averiguação de sinistros “Wperitos” (contratada pela ré seguradora para apurar o modo como ocorreu o acidente), o autor assinou o documento junto a fls. 153 (que aqui se dá por integralmente reproduzido), do qual consta como sendo uma declaração sua o seguinte: “(…) quando estávamos na fase final da preparação de uma laje de cobertura para a betonagem, estava de joelhos sobre a laje a colocar abobadilhas (sobre abobadilhas já colocadas) quando caí sobre uma zona que não tinha abobadilhas, entre vigotas. (…) Estava uma linha de vida montada e eu estava com o arnês de segurança vestido, no entanto, não estava engatado na linha de vida pois não conseguia facilmente chegar ao material. (…) Tenho experiência na atividade de construção e tenho formação dada pela empresa em segurança no trabalho”;
*
F) Na data referida em B), não havia na obra nem a ré empregadora colocou à disposição do autor qualquer arnês, linha de vida ou outro equipamento de segurança para trabalhos em altura, tendo sido a falta de tais equipamentos que determinou a ocorrência da queda;
G) Em consequência da queda, o autor sofreu fratura de sete costelas à direita, com atingimento do pulmão e fratura da omoplata direita;
H) Ficou com limitação da mobilidade do ombro, que não permite levar a mão à nuca, ombro oposto e região lombar, com défice de rotação interna do ombro;
I) Em consequência de tais lesões, o autor passou a sentir menos força no braço direito;
J) Em virtude de tais lesões, o autor ficou com sequelas que lhe determinam uma incapacidade parcial permanente de 9,2129% (0,092129);
K) O autor esteve internado quatro dias no Hospital de Barcelos, tendo sido submetido a diversos exames e tratamentos;
L) O autor continua a padecer de fortes dores no braço e ombro direitos e nas costas;
M) O autor toma medicação para dormir;
N) O autor gastou a quantia de 25,00€ (vinte e cinco euros) em deslocações obrigatórias ao tribunal e ao Gabinete Médico-Legal;
*
O) No exercício das suas funções, na data e hora referidas em B) competia ao autor colocar abobadilhas entre vigotas de cimento para execução da laje de cobertura;
P) O autor é um trabalhador experiente na sua atividade, conhecedor das regras de segurança inerentes à sua profissão e teve formação pela ré empregadora na temática da segurança no trabalho;
Q) Na data e hora supra referidas, o autor finalizava a preparação de uma laje de cobertura para betonagem, para o que se posicionou sobre uma abobadilha que já se encontrava colocada;
R) A determinado momento da tarefa que executava, o autor caiu entre duas vigotas, numa zona que ainda não tinha abobadilhas colocadas, para o piso inferior;
S) Para prevenir riscos de queda em altura, no âmbito das formações prestadas ao autor, a ré empregadora dava instruções expressas e diretas no sentido de que teria que usar arnês e linhas de vida;
T) O autor foi pressionado pela ré empregadora a assinar o documento referido em E), a qual receava vir a ser alvo de contraordenações por falta de disponibilização de segurança aos trabalhadores, tendo garantido ao autor que os seus direitos seriam salvaguardados e que seria devidamente compensado pelos danos sofridos em resultado do acidente;
U) Devido a tal pressão e estando convencido de que os seus direitos não seriam afetados, e porque com a sua idade não podia perder o seu posto de trabalho, face às graves dificuldades económicas de que padece, o autor acabou por assinar aquele documento, apesar de ali constarem declarações que não correspondem à verdade, nomeadamente no que respeita à existência de linha de vida e arnês de segurança- alterado em conformidade com a decisão do recurso da matéria de facto;
V) O autor esteve afetado dos seguintes períodos de incapacidades temporárias:
i. ITA entre 18/06/2016 e 17/12/2016 (183 dias);
ii. ITP a 20% entre 18/12/2016 e 17/01/2017 (31 dias), tendo-se as lesões consolidado nesta última data.

Factos aditados em resultado da decisão do recurso sobre a matéria de facto:
X) Era viável a instalação de linha de vida, a ancorar nos barrotes da cobertura (traves do telhado) do edifício alvo de intervenção.
Z) A obra em questão decorria na primeira placa, a cerca de 2,80 metros de altura.

b) Factos Não Provados

Resultaram não provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:
1) Que em consequência das lesões, o autor tenha dificuldade nas tarefas mais pesadas da sua atividade, sentindo fortes dores no ombro direito e na cervical;
2) Que em virtude de tais lesões, o autor tenha ficado com sequelas que lhe determinam uma incapacidade parcial permanente de 20,00% (0,20);
3) Que o autor fosse uma pessoa dinâmica, alegre, comunicativa e cheia de projetos para o seu futuro;
4) Que o facto de ter ficado com sequelas que o impedem de levar uma vida normal tenha provocado no autor uma enorme depressão e falta de alegria de viver;
5) Que o autor tenha tomado e continue a tomar uma grande dose de medicamentos;
6) Que as dores sentidas pelo autor se acentuarão à medida que a idade for avançando;
7) Que tenha ficado com a sua capacidade de movimentos condicionada em definitivo, nunca mais tendo podido fazer trabalhos em casa e no seu quintal;
8) Que tenha pesadelos e lembranças do acidente, acordando cansado;
9) Que tenha deixado de poder fazer caminhadas, o que fazia habitualmente, tendo deixado também de ir a romarias e excursões, o que muito o entristece;
*
10) Que o autor usasse arnês de segurança, porém, o mesmo não se encontrava conectado à linha de vida instalada na laje onde aquele exercia a sua atividade profissional, tendo sido por isso que a queda ocorreu;
11) Que a linha de vida em causa estivesse ancorada nos barrotes da cobertura do edifício alvo de intervenção, a uma altura de 1,30 metros, enquanto o autor se encontrava posicionado a cerca de 1 metro da referida linha de vida, sendo que esta seria movimentada à medida que os trabalhos fossem avançando;
12) Que o autor não tenha conectado o arnês à linha de vida por entender ser assim mais fácil executar as suas tarefas, ou seja, a receção do material que os colegas de trabalho posicionados no piso inferior transferiam;
13) Que não obstante a experiência do autor, tenha o mesmo sido informado dos riscos envolvidos e das medidas a tomar para sua prevenção, relativamente às funções que se encontrava a executar;
14) Que na ficha de procedimentos de segurança para a execução de laje em betão estava identificado o perigo de queda de pessoas a níveis diferentes, adiantando como possível causa da referida situação a não utilização dos equipamentos de proteção individual necessários, nomeadamente, contra queda em altura:
“Perigos Frequentes
- Queda de pessoas a níveis diferentes;
Causas
- Não utilizar os EPI’s necessários, nomeadamente, contra queda em altura.”;
15) Que uma vez que a obra em questão decorria na primeira placa, a cerca de 2,80 metros de altura, existisse linha de vida fixada, cintos, capacetes e arnês para os trabalhadores;
16) Que no momento da queda, o autor, que se encontrava na primeira placa a colocar abobadilhas de laje aligeirada, tivesse colocado o capacete, respetivo cinto e arnês;
17) Que a queda tenha ocorrido porque o autor, para facilitar o seu trabalho, retirou o arnês da linha de vida aquando da receção de material, desequilibrou-se e caiu da altura em que se encontrava;
18) Que o autor, como os outros trabalhadores da ré empregadora, tenha recebido instrução para o uso dos equipamentos de segurança.

B) NULIDADES DA SENTENÇA:
Em suma, a recorrente alega que a sentença está viciada por contradições, ambiguidades, obscuridades e excesso de pronúncia.
Cingindo-nos ao que ao caso importa, segundo o artigo 615º, 1, CPC, é nula a sentença quando:
…c)Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz … conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;…

Quanto à alínea c):
A contradição entre os fundamentos e decisão reporta-se a um vício de raciocínio lógico que ocorre quando os fundamentos invocados não condizem com o resultado que é a decisão final. Trata-se de um erro de contradição lógica porque o fundamento em que a decisão final se baseia leva necessariamente a conclusão oposta à proferida (2). Distingue-se do erro de julgamento que se reporta a uma errada aplicação do direito aos factos e que é sindicável por via de recurso.
A ambiguidade ou obscuridade são casos de ininteligibilidade que se reportam unicamente à parte decisória da sentença e não se estendem à fundamentação e que relevam quando um declaratário normal não consiga alcançar um sentido inequívoco, ainda que por recurso à fundamentação da decisão (3). Ocorre obscuridade quando a decisão é ininteligível e se presta a dúvidas. Ocorre ambiguidade quando alguma passagem da decisão não é clara por comportar vários sentidos ou diferentes interpretações (4).
Quanto à alínea d):
Segundo o nº 2, do artigo 608º, CPC, ocorre excesso de pronúncia quando o tribunal conhece de questões não suscitadas pelas partes, salvo se forem do conhecimento oficioso.
É pacífico que as “questões” são os pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções. Uma vez que desde a reforma do CPC a sentença contém tanto a decisão da matéria de direito como de facto, poderão efectivamente ocorrer vícios/nulidades da decisão da matéria de facto que caibam no âmbito das nulidades e não na previsão dos fundamentos de recurso do artigo 640ºCPC, a ponderar consoante o caso.
Aplicando a teoria ao caso, a invocação das nulidades assenta, não nos fundamentos legais acima elencados, mas em mera discordância sobre a decisão relativa à matéria de facto, cujo mecanismo de reacção é a impugnação por via de recurso e não a arguição de nulidade – 640º CPC.
É o caso da alegada contradição dos pontos da matéria de facto nas alíneas E) e F). A declaração de tais factos como provados ou não provados terá de ser aferida à luz do erro de julgamento sobre os factos. Sempre se diga que os pontos em causa não encerrarem em si qualquer contradição lógica, por serem realidades distintas a inexistência de arnês/outros mecanismos de segurança e a declaração assinada pelo autor onde consta que havia arnês. A explicação encontra-se aliás detalhada na fundamentação da sentença e sustentou a condenação em litigância de má fé da empregadora.
Pelas mesmas razões não ocorre a alegada nulidade quanto aos factos constantes nas als. P), S) e parte final do ponto de facto da al. U). A questão respeita ao mérito sobre a decisão de facto.
Idem quanto ao ponto F) da matéria de facto (não havia linha de vida ou outro equipamento de segurança para trabalhos em altura, o que provocou a queda). Acresce que a alegada errada valoração do depoimento de parte é uma tarefa típica de reapreciação da prova e não um vício de nulidade da decisão.
Finalmente, não há qualquer excesso de pronúncia dado que o tribunal fixou a materialidade tendo em conta à causa de pedir invocada pelo autor: a violação das regras de segurança por parte da empregadora. O autor narrou na petição inicial que a empregadora não colocou à sua disposição arnês, linha de vida ou outro equipamento capaz de prevenir queda em altura, não existindo na obra equipamento de segurança para trabalhos em altura. O tribunal mais não fez do que responder a esta questão.
Pelo exposto, improcede a arguição de nulidades.

C) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

O tribunal superior tem o dever de alterar a decisão se os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente – art. 662º do CPC.
O verbo utilizado frisa o grau de exigência de que o tribunal superior deve estar ciente caso modifique a decisão, só o devendo fazer se adquirir um grau de segurança máximo.
Impor significa que o tribunal não pode trilhar outro caminho que não seja a alteração da matéria, tal a sua evidência. Afasta-se a prova que não tenha um superlativo grau de certeza, dentro do quadro dos limites do conhecimento humano.

No caso concreto:

Factos que são algo de impugnação:
Pontos F, T e U (provados) que no entender da recorrente devem ser considerados como não provados;
Pontos 10 a 18 (não provados) que no entender da recorrente devem ser considerados provados.

É esta a redacção dos pontos provados:

F) Na data referida em B), não havia na obra nem a ré empregadora colocou à disposição do autor qualquer arnês, linha de vida ou outro equipamento de segurança para trabalhos em altura, tendo sido a falta de tais equipamentos que determinou a ocorrência da queda;
T) O autor foi pressionado pela ré empregadora a assinar o documento referido em E), a qual receava vir a ser alvo de contraordenações por falta de disponibilização de segurança aos trabalhadores, tendo garantido ao autor que os seus direitos seriam salvaguardados e que seria devidamente compensado pelos danos sofridos em resultado do acidente;
U) Devido a tal pressão e estando convencido de que os seus direitos não seriam afetados, e porque com a sua idade não podia perder o seu posto de trabalho, face às graves dificuldades económicas de que padece, o autor acabou por assinar aquele documento, apesar de ali constarem declarações que não correspondem à verdade, nomeadamente no que respeita à existência de linha de vida e arnês de segurança, bem como quanto à formação dada pela ré empregadora em segurança no trabalho;
Os pontos não provados 10 a 12, 15 a 17, transcritos em II-A), contêm a matéria oposta ao ponto provado F (existia linha de vida e o autor tinha arnês que desconectou para facilitar o trabalho). Os pontos 13, 14, 18 refere-se à informação sobre riscos, ficha identificando os riscos de queda em altura e instruções para o uso de equipamentos de segurança, matéria que se refere em concreto à obra onde ocorreu o acidente, a cooperativa agrícola ... (a ré tinha pelo menos 3 obras a decorrer em simultâneo) e não à formação obrigatória ministrada em geral a que se referem as alíneas P e S.
Alega a recorrente que o facto provado F) está em contradição com o facto provado E).
Que o facto U na sua parte final (quando menciona que o autor não teve formação na temática de segurança no trabalho), está em contradição com a matéria das alíneas P (formação pela empresa na temática segurança no trabalho ao trabalhador) e S (no âmbito da formação dava instruções expressas e directas ao sinistrado para usar arnês e linhas de vida).
Que os factos F, T e U considerados provados também não estarão de acordo com a prova produzida em julgamento, nem tão pouco os não provados 10 a 18.

Vejamos.
O facto E refere-se à declaração assinada pelo autor perante o perito averiguador da empresa de sinistrado onde declarou entre o mais “Estava uma linha de vida montada e eu estava com o arnês de segurança vestido, no entanto, não estava engatado na linha de vida pois não conseguia facilmente chegar ao material…”
Ora, quanto a esta alegada contradição entre as alíneas E e F já referimos não existir por se tratarem de realidades diferentes.

Subscrevemos o seguinte segmento do parecer do Ministério Público a este propósito:
“Ora, o facto dado provado na alínea E) corresponde apenas a uma declaração subscrita pelo sinistrado em que o mesmo reconhece que no local do acidente estava uma linha de vida montada e que estava com o arnês de segurança vestido, enquanto na alínea F) o Tribunal deu por provada que não havia na obra nem a ré empregadora colocou à disposição do autor qualquer arnês, linha de vida ou outro equipamento de segurança para trabalhos em altura.
Ou seja, pese embora a declaração dada como provada na alínea E), da prova produzida resultou que a mesma não correspondia à verdade e daí na alínea F) ter-se considerado provado que a recorrente não colocou à disposição do trabalhador os equipamentos de proteção aptos a prevenir o risco de queda, designadamente a linha de vida e o arnês.
Inexiste, assim, a invocada contradição e para dar como provado o facto constante da alínea F), contrariamente ao alegado pela recorrente, o julgador não se baseou apenas no depoimento de parte do autor.”

Já a alegada contradição entre a parte final do facto U (a falta de formação dada pela ré empregadora em segurança no trabalho) está efectivamente em contradição com a materialidade das alíneas P) e S) que não foram postos em causa (consta que o autor teve formação pela empregadora na temática da segurança no trabalha e que no âmbito das formações esta dava instruções genéricas para o uso de arnês e linha de vida), pelo que se determina a sua eliminação desta parte final. A alteração ficará a constar no lugar próprio. Note-se, contudo, que a matéria contida nas alíneas P) e S) refere-se a formações e instruções gerais no âmbito da organização do serviço de segurança que a ré adoptou na modalidade de serviço interno. É matéria algo diferente das instruções concretas dadas em obra e, de resto, a empregadora tinha várias obras a decorrer, designadamente a obra da cooperativa agrícola ..., onde o acidente terá ocorrido por facto diferente.
A restante matéria impugnada que a recorrente diz referir-se a juízos de valor (parte final da alínea E), reporta-se à causalidade enquanto facto naturalístico e fenómeno da vida real, isto é, à circunstância de as lesões resultarem da queda do autor motivada por ausência de arnês e de linha de vida. Aliás, a própria recorrente na contestação (artigo 16) refere que o acidente ocorreu porque o autor, para facilitar o trabalho, desconectou o arnês da linha de vida. Que o acidente de deu porque o autor não estava ligado a linha de vida sempre foi um facto consensual entre as três partes do processo, a controvérsia era saber o motivo porque tal aconteceu.
Cumpre agora apurar se a prova impõe que sejam não provados os pontos F, T e U, e provados os pontos que foram julgados não provados 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17) e 18).
O que está em causa é saber se a ré empregadora naquela obra concreta da “Cooperativa agrícola da …” não colocou à disposição do autor arnês, linha de vida ou outro equipamento de segurança para trabalhos em altura, não obstante a declaração contrária que assinou perante o perito averiguador (J. R.). E se deu instruções e informou contra risco de queda em altura naquela obra concreta, o que está ligado à circunstância de ali haver equipamento de segurança, em especial linha de vida e arnês, pois só assim as recomendações fazem sentido. Os factos não provados representam a matéria inversa.

A fundamentação da sentença nesta questão é a seguinte:

“A ocorrência do acidente aqui em apreço não era posta em causa pelas partes, que centravam a sua discussão no modo como terá ocorrido e não na sua efetiva verificação.
Do depoimento de parte do autor resultou a confissão parcial de alguns factos, conforme consta da assentada lavrada a fls. 279, nomeadamente os relativos aos trabalhos que o autor exercia no momento da queda (sendo que essa descrição foi também unanimemente afirmada pelas testemunhas presenciais que depuseram em juízo – A. P. e N. T., o primeiro ainda trabalhador da ré e o segundo já não, desde abril de 2020).
A questão essencial em discussão era a da existência ou não de arnês e linha de vida no local da obra e se teria sido o autor a voluntariamente desconectar-se dela, conforme alegavam as rés. Ora, da prova produzida ficou o tribunal absolutamente convencido da veracidade da versão apresentada pelo autor e da falsidade do que em contrário a ré empregadora alegava. Foi decisivo a este propósito o confronto das declarações de parte do autor com os depoimentos do já referido A. P., bem como – e acima de tudo – o depoimento de N. T. e a acareação feita entre este e o legal representante da ré. As testemunhas A. P. e F. M. (engenheiro técnico da ré empregadora há dez anos, filho do legal representante) foram lestas em afirmar a existência de todos os equipamentos de segurança, mas para além de a segunda ter aparentado manifesto comprometimento com a posição da ré (ficou claro que assume na empresa funções muito para além de simples trabalhador, sendo verdadeiramente também ele patrão), os seus depoimentos pareceram ao tribunal muito pouco espontâneos, sem qualquer coerência (nomeadamente quando esta última testemunha, depois de afirmar a sua grande preocupação com a segurança dos trabalhadores, afirmou que não tiveram qualquer preocupação em averiguar como teria acontecido a queda, o que seria de estranhar caso efetivamente estivessem disponíveis no local todos os meios de segurança que referiu), manifestando claro desconforto quando confrontados com a versão anteriormente relatada pelo autor nas suas declarações, sobretudo a última testemunha no momento em que foi confrontada com a acusação do autor de lhe terem telefonado para que mentisse ao perito averiguador da seguradora. O referido A. P. também não pareceu minimamente seguro na descrição que fez do modo concreto como os trabalhos estariam a ser executados, não tendo qualquer lógica a sua narração dos factos, tendo em conta que estavam dois trabalhadores em cima da placa (o autor e um outro, entretanto falecido) e outros dois a passar abobadilhas, tendo a descrição que fez das características e cores da linha de vida e arnês sido contraditória com a que o filho do legal representante fez. Esta contradição também se verificou quanto às cores da linha de vida e arnês que o perito averiguador da seguradora (J. R.) afirmou terem-lhe sido mostradas pelo engenheiro da empregadora no momento da visita ao local, e também quanto ao depoimento de J. S. (engenheiro responsável pela segurança na ré), que também não pareceu minimamente credível ao tribunal no relato feito.
Estas dúvidas sérias que os depoimentos referidos tinham gerado viram-se totalmente confirmadas na sessão de audiência em que depôs N. T., que – já sem qualquer ligação à ré empregadora – afirmou de forma perentória e sem qualquer hesitação que não havia nem nunca houve naquela obra qualquer linha de vida ou arnês, tendo-o feito de modo a todos os títulos convicto e aparentemente isento. Esta convicção reforçou-se ainda mais quando foi essa testemunha diretamente confrontada com o legal representante da ré empregadora (expressamente convocado pelo tribunal nesse dia para depor, face ao depoimento da testemunha), tendo ficado absolutamente claro que houve da parte da empregadora uma tentativa de condicionar o depoimento da testemunha logo após a primeira sessão de julgamento, tendo esta sido contactada telefonicamente pela empresa e tendo a ré empregadora tentado convencê-la a vir a tribunal dizer que nada sabia ou mesmo que existiriam na obra os meios de proteção. A testemunha afirmou-o sem qualquer hesitação e, mesmo perante a negação por parte do legal representante da ré, continuou firme nessa sua afirmação e exibiu até o seu telemóvel em juízo para corroborá-la, tendo da análise desse (deixada consignada na ata, a fls. 288) ficado claro que imediatamente após o encerramento da primeira sessão de julgamento o irmão do legal representante que depôs em juízo contactou por diversas vezes a testemunha (sendo que o depoente confirmou ser o número em causa daquele seu irmão). Do confronto direto entre a testemunha e aquele legal representante foi notório e evidente o desconforto do segundo e a firmeza e convicção do primeiro, não tendo ficado no tribunal a mínima dúvida quanto à veracidade do que a testemunha acabara de narrar. Por outro lado, já a testemunha A. M. (engenheiro da cooperativa agrícola, dona da obra onde se deu o acidente, convocada oficiosamente pelo tribunal) havia dito no início do seu depoimento que logo após a sessão de audiência na qual o tribunal ordenou a sua notificação para depor tinha sido também ele contactado pela ré falando-lhe deste julgamento, assim se denotando um padrão de comportamento que não pode deixar de ser valorado.
Da conjugação de todos estes meios de prova ficou nítida a convicção de que não havia na obra qualquer arnês ou linha de vida, tudo apontando no sentido de ter a ré empregadora tudo tentado fazer para que essa realidade fosse encoberta. Daqui se retirou também a convicção quanto à veracidade do alegado pelo autor quanto a ter prestado as declarações que prestou ao perito averiguador sob pressão do seu empregador, conforme afirmou nas declarações de parte prestadas, o que em nada se estranha e é consentâneo com a postura que a conduta processual da ré empregadora revelou.”
Do excerto da decisão resulta que a prova não foi linear, nem concordante, e que se optou por valorizar uma em detrimento de outra. Explicou-se claramente o que motivou essa opção.
Ouvida toda a prova e não somente a parcialmente transcrita pela recorrente, há que concluir que a decisão foi acertada.
Quanto à suposta declaração confessória assinada pelo autor:
Um dos meios de prova invocado pela recorrente é uma declaração escrita de confissão extrajudicial efectuada pelo autor perante o perito contratado para fazer a averiguação do sinistro, onde se refere a existência na obra de arnês e linha de vida (als. E, T, U dos factos provados).
Porém, o autor não confirmou em julgamento esta matéria e explicou porque motivo assinou tal declaração. Acresce que a pretensa declaração de “confissão” de factos não integra prova vinculativa do tribunal.
A “confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.” - artigo 352º do CC.
A confissão é uma declaração de ciência, isto é, uma informação sobre uma realidade. O facto confessado pode assumir formas diferentes. Pode ser constitutivo dum dever para o declarante ou pode ser a negação de um facto favorável constitutivo do seu direito ou de situação jurídica complexa do seu interesse, entre outras hipóteses. Esta última seria a que ao caso interessaria.
Porém, hipóteses há em que os factos são insusceptíveis de prova por confissão, como é o caso dos relativos a direitos indisponíveis – 354º/b, CC.
Tal acontece porque “…sempre que a disposição de um direito subjectivo atribuído pelo ordenamento não possa ter lugar por mera vontade das partes, tão pouco pode ter lugar a confissão dum facto que tenha semelhante efeito dispositivo, pois, caso contrário, produzir-se-ia, através do ato (voluntário) da confissão, um efeito prático (indirecto) que as partes não poderiam diretamente atingir por via negocial” – José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, 4ªed., p. 297.
Esta proibição de confissão que versa sobre factos relativos a direitos indisponíveis tem aplicação na área laboral, em especial nos acidentes de trabalho.
Na verdade, a lei comina de nulos todos os actos que se traduzam na renúncia ou que sejam contrários a direitos e garantias do regime de reparação de acidentes de trabalho – artigo 12º e 78º da NLAT, Lei 98/2009, de 4-09. Trata-se de matéria considerada de relevante interesse social e público, imperativa, em que o grau de oficiosidade é maior, optando o legislador por subtrair a sua resolução ao domínio privado, com as consequências daí advindas que se repercutem no seu regime jurídico.
Tratando-se de direitos indisponíveis não é aceitável a confissão extrajudicial como meio com força probatória plena capaz de manietar o tribunal de decidir, na sua plenitude, num campo de interesse público. Sobretudo, em contextos frágeis onde por norma emergem declarações “confessórias” de trabalhadores abordados pouco depois do acidente. Seria dificilmente compreensível que o tribunal não pudesse ponderar livremente o valor da declaração e ficasse tolhido pela acção privada do perito investigador, ao serviço de uma das partes interessadas.
Ainda que a confissão fosse legalmente admissível, nunca teria força de prova plena- 358º/2, CC. Porque lhe falta um dos seus requisitos, qual seja a de que “seja feita a parte contrária ou a quem a represente”. No caso, a declaração é enxertada num processo de averiguação do sinistro levada a cabo pela seguradora, sendo contratado um perito investigador, que é um terceiro.
Assim, os factos, por se referirem a direitos indisponíveis, não podem pelo autor ser objecto de confissão extrajudicial, nem tão pouco a declaração que os abrange pode ter força probatória plena por não ter sido feita perante a ré (5).
O tribunal pode assim valorar livremente a prova produzida, segundo a sua prudente convicção - 361º CC.
Já a declaração prestada pelo trabalhador M. M., não ouvido em tribunal por já ter falecido, integra documento particular a valor livremente pelo tribunal, de acordo com a conjugação com a restante prova.

Os restantes meios de prova:
No local e momento do acidente apenas se encontravam duas das testemunhas ouvidas em julgamento (o outro trabalhador M. M. entretanto faleceu). A saber, a testemunha A. P., motorista e ainda trabalhador da ré empregadora, que, do piso inferior, passava para cima abobadilhas. E N. T., actualmente sem qualquer vinculação à ré recorrente, que, na laje superior, colocava abobadilhas juntamente com o autor.
Esta última testemunha negou claramente que naquela obra existisse linha de vida colocada e que fosse disponibilizado arnês e dadas instruções concretas e informação sobre risco de queda em altura. Concordamos com a valorização que o tribunal a quo fez deste depoimento. O depoimento afigurou-se desinteressado, consistente e coerente. A testemunha depois do acidente nunca mais contactou com o autor, que não retornou ao trabalho, não havendo sequer entre os dois especial relação de amizade. A testemunha revelou ainda que a antiga empregadora tentou condicionar o seu depoimento após o julgamento se ter iniciado, contactando-o telefonicamente várias vezes, com vista a que dissesse que “não se lembrava” ou que “havia linha de vida”. Estes contactos resultaram completamente comprovados em audiência de julgamento com a exibição do telemóvel da testemunha, onde foi verificado o registo de várias chamadas, cujo número de telemóvel foi reconhecido pelo próprio gerente da ré (F. M.), como sendo do seu irmão, Sr. M. M.. Estes registos de chamadas, que ademais também foram efectuados para outra testemunha (A. M.), denotam aquilo que na decisão recorrida se chamou pertinentemente “um padrão de comportamento“ da empregadora, que terá de ser valorado muito negativamente.
A. P. depôs de modo pouco seguro e pouco convincente. É estranho que a testemunha não tivesse chamado uma ambulância levando o autor no seu carro contra as regras de segurança que ao caso se impunham. Ademais, apresentou um relato diferente sobre o modo como decorriam os trabalhos supostamente passando as abobadilhas para o piso superior em cima de uma prancha e de mão para mão e não com o uso de uma “forquilha” (não confirmado nem pelo autor nem pela testemunha N. T.). Mal se referiu ao facto de local também se encontrar a testemunha N. T., aliás no início do depoimento chegou a afirmar que o autor “era o único que estava lá em cima”. Finalmente, identificou o suposto arnês que o autor teria com cores preta e amarela e o ”chicote” com a cor branca, cores diferentes das assinaladas pelo perito J. R. (arnês azul e linha de vida roxa).
Em declarações de parte o autor F. P. negou a existência naquela obra de linha de vida e de arnês. O relato afigurou-se coerente e é suportado por outros meios de prova, mormente o depoimento de N. T.. Explicou que a declaração “confessória” perante o perito foi precedida de um telefonema de F. M., filho do “patrão”, 10 a 15 minutos antes de o perito averiguador chegar, com vista a que produzisse declarações no sentido de que na obra havia arnês e linha de vida, sentindo-se constrangido e com receio de represália de despedimento.
Ora, o perito J. R. confirmou que, antes de falar com o autor, recolheu o depoimento de filho do legal representante da ré, Eng. F. M., que lhe relatou (15 dias depois) o alegado modo de ocorrência do acidente e lhe mostrou o arnês e linha de vida, tendo tirado fotografias dos mesmos numa outra obra, que eram de cores azul e roxo, respectivamente (confirmou as cores com recurso ao relatório que consultou em tribunal). As cores assinaladas, como referimos, não coincidem sequer co as cores referidas pela testemunha A. P.. A testemunha F. M. é técnico responsável pela direcção da obra e filho do legal representante da ré. Não estava no local aquando do acidente. Afirmou, contudo, que havia arnês e estava colocada linha de vida naquela obra, por lá ter estado da parte da manhã. O depoimento revelou-se inconsistente e nitidamente comprometido. Quando confrontado com o facto de o autor negar que houvesse arnês e linha de vida, não reagiu, limitou-se às expressões “ah, pronto”, “não sabia”, “ok, pronto, tudo bem”, reacção desajustada a quem acabou de contar uma versão oposta. Confrontado ainda com a afirmação de ter ligado ao autor antes da chegada do perito com o fito de influenciar aquele a produzir depoimento favorável à empresa (de que havia linha de vida colocada) limitou-se a declarar “não me lembro disso”. Retirou-se de útil do depoimento que a empresa tinha várias obras a decorrer em simultâneo (3, pelo menos, as outras em S. Martinho e Barcelinhos), que os equipamentos são fornecidos sem afetação específica, que os arneses são dois ou três no máximo, e que os trabalhadores da empresa são entre 12 e 14.
O depoimento de J. M., técnico de segurança e trabalhador da ré recorrente, na sua própria alegação apenas esteve na obra uma semana antes do acidente e já após do acidente, tendo razão de ciência limitada. Acresce que o depoimento foi muito pouco assertivo quanto a alegada existência de linha de vida e de arnês na obra, sendo que a cor que apontou ao arnês (verde forte) não coincide com a do arnês que o Eng. F. M. terá mostrado ao perito averiguador e por este fotografado. Igualmente não soube explicar porque não foi chamada a ambulância admitindo que não é normal transportar de carro própria as vítimas de acidente de trabalho. Reteve-se de útil que os equipamentos são fornecidos para todas as obras que tinham em mão.
As declarações do legal representante da empregadora, F. M., negando ter falado com o autor com vista a que este produzisse depoimento no sentido de existência de equipamento de segurança (linha de vida/arnês) não mereceram qualquer credibilidade, apenas se aproveitando a parte em que reconheceu como sendo do seu irmão M. M. o número de telemóvel que constava do registo de chamadas do telemóvel da testemunha N. T., após acareação com este.
A. M., foi ouvido por iniciativa do tribunal. Era o representante do dono da obra “a cooperativa agrícola” que fiscalizava a execução do projeto. Pese embora a testemunha não mostrasse conhecimento directo dos factos, o depoimento foi útil na parte em que informou que só teve conhecimento do acidente cerca de 15 dias antes do julgamento, quando foi contactado pelo Sr. Eng.º F. M.. O facto releva a dois níveis. Primeiro porque não deixa de ser estranho que o dono da obra não tivesse conhecimento do acidente, caso todas as regras de segurança estivessem a ser cumprida. Segundo, porque tal contacto por parte da ré deve ser valorado negativamente face ao que igualmente sucedera com a testemunha N. T., e com o próprio autor. Finalmente, a testemunha informou que costumava ir à obra com certa regularidade e, pese embora não “possa garantir que sim ou que não” quanto a existência de linha de vida, referiu que “não tem ideia de reparar nisso” e que “não tem ideia de linhas de vida na obra”.
A declaração escrita do trabalhador M. M., que se encontrava também na obra, está sujeita a livre apreciação do tribunal e não poderá ser valorado já que aquele não foi ouvido por, entretanto, ter falecido e a dita declaração oferecer as maiores reservas por tudo o que vem sendo referido.
Por tudo o exposto, concordamos com a avaliação que foi feita pelo tribunal a quo relativamente à credibilidade/descrédito das testemunhas nos termos acima exarados.
É de manter a resposta aos factos provados e aos não provados, estes últimos na parte em que são o reverso dos primeiros e se referem à ausência de instruções quanto a medidas de queda em altura na concreta obra da cooperativa, as quais não fazem aliás sentido se não forem acompanhadas do respectivo equipamento.
Parte dos pontos não provados 11 e 15, deve, contudo, fazer parte do acervo dos factos provados. É pacífico entre as partes que era viável a ancoragem de linha de vida na cobertura, que à mesma poderia ser ligado o arnês, e que a obra se processava no primeiro piso, a altura de 2m80cm, o que de resto sobressaiu confirmado pelas testemunhas. Pelo que se determina o aditamento das alíneas X e Z com a seguinte redacção que se tem por importante para a compreensão das medidas de segurança a adoptar:
X) Era viável a instalação de linha de vida, a ancorar nos barrotes da cobertura (traves do telhado) do edifício alvo de intervenção.
Z) A obra em questão decorria na primeira placa, a cerca de 2,80 metros de altura.
A alteração ficou a constar em lugar próprio.

D) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente e já decididas as questões de prova, a questão de direito que se colocava era a de saber se existia responsabilidade agravada no acidente de trabalho, por inobservância das regras de segurança e saúde por parte da ré empregadora.
A questão estava essencialmente dependente da alteração da decisão sobre a matéria de facto, a qual foi julgada improcedente. Remete-se para a fundamentação de direito da sentença que se mantém válida.
Ainda assim, vem a recorrente somente em sede de alegações duvidar da existência do nexo de causalidade, dizendo que as lesões teriam ocorrido na mesma e que o autor, sendo trabalhador experiente e tendo formação, não deveria ter executado o trabalho se não tinha equipamento de segurança.
Ora, diga-se que a ré nunca pôs em causa o nexo de causalidade entre a ligação a um ponto fixo e a queda/lesões, ao invés no artigo 16º refere que a causa do acidente foi o facto de o autor ter desconectado o arnês da linha de vida para facilitar o trabalho. Sempre defendeu que na obra havia arnês e linha de vida. Alegar agora que, se estas não existiam, então o trabalhador deveria ter feito uma melhor avaliação da situação segundo a sua muita experiência e formação e, se o não fez, a omissão foi sua, representa uma visão nova e muito distorcida da entidade a quem compete assegurar as regras de segurança e saúde no trabalho.

O agravamento de responsabilidade do empregador está contemplado no artigo 18º da NLAT, segundo o qual:
Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
Ao caso interessa o segundo fundamento respeitante à inobservância das regras sobre segurança e saúde no trabalho, regime em que se dispensa a prova da culpa (6) bastando, ao nível da imputação subjectiva, a prova da inobservância de normas de segurança e saúde no trabalho.
Para que a entidade empregadora responda a título principal e de forma agravada têm de se verificar cumulativamente os seguintes requisitos: (i) que sobre o empregador impenda o dever de observar determinadas regras de segurança e saúde no trabalho (ii) que o empregador ou representante as não haja observado sendo-lhe imputável tal omissão; (iii) que haja nexo de causalidade adequada entre a inobservância das normas de segurança e saúde no trabalho e o evento acidente (7).
No caso pré-existiam regras de segurança e saúde no trabalho a observar pela empregadora. Era sobre esta que que recaía a obrigação de assegurar condições de segurança prescritas para os trabalhos em altura, designadamente a implementação de medidas específicas que tivessem em conta os riscos especiais dos concretos locais em que o trabalhador estava a executar os trabalhos, de modo a evitar que deles caísse- 127º, 1, als. c, g, h) e i) e 281º CT. O artigo 11º da Portaria n.º 101/96, de 03 de abril, prescreve sobre o perigo de quedas em altura, remetendo para o Decreto nº 41821, de 11/08/1958, que determina a utilização de equipamento coletivo e/ou individual de segurança no trabalho, mormente sempre que haja vigamentos a nu ou os elementos de enchimento não tenham adquirido ainda a necessária consistência, estabelece-se a obrigatoriedade de emprego de meios que evitem a queda de pessoas (41º). Pré-existiam também prescrições mínimas de segurança e saúde para a utilização pelos trabalhadores de “equipamentos no trabalho”, conforme Decreto Lei nº 50/2005, de 25/02, em especial “…Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de protecção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura” (37º, 2).
Quanto à inobservância destas regras sobre segurança e saúde no trabalho, resulta claro que a empregadora não as observou, sendo-lhe imputável tal omissão. O que decorre da factualidade provada de que não foi colocada linha de vida e o autor não estava equipado como arnês, sendo consensual que era viável a sua instalação - al.s F, X e Z.
Quanto à causalidade, vigora no nosso sistema a teoria da causalidade adequada consagrada no artigo 563º do CC nos seguintes termos: “A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Tem sido dito que nesta formulação negativa de causalidade adequada cabe todo o facto que actue como condição do dano, excepto se, numa perspectiva de prognose genérica e normal, o mesmo se mostrar completamente indiferente para a verificação do dano/evento, tendo-o provocado somente porque interferiram no caso concreto circunstâncias extraordinárias, anómalas ou excepcionais.
Trata-se, assim, de elaborar um juízo de prognose sobre se aquele facto, em abstracto e em condições normais, tem aptidão genérica para produzir aquele resultado típico que é, assim, sua consequência normal. Para o efeito recorre-se à probabilidade fundada em conhecimentos médios e às regras da experiência comum. Finalmente, acresce que o facto para funcionar como causa adequada não tem ser o único a contribuir para o acidente (8).
Tendo em conta esta noção de causalidade adequada e a materialidade provada nos autos, a falta de observação das regras de segurança, em concreto a falta de colocação de linha de vida e de disponibilização de arnês ao trabalhador, foi causa adequada do concreto acidente que vitimou o sinistrado, porque este não teria ocorrido se tal obrigação tivesse sido observada. O autor executava trabalhos na placa (laje) a cerca de 2,80 metros de altura, laje de vigotas que se encontravam a ser preenchidas com abobadilhas, havendo espaços abertos nas zonas não preenchidas. Era viável a instalação de linha de vida, a ancorar nos barrotes da cobertura (traves do telhado) do edifício alvo de reabilitação. Se o equipamento estivesse a funcionar o sinistrado não teria embatido no solo do piso inferior e não teria sofrido lesões no ombro, braço e costelas. Note-se que a própria recorrente sempre defendeu que o acidente ocorreu porque o autor desconectou o arnês da linha de vida, tese que tem implícita a causalidade entre a falta de linha de vida/arnês e o acidente, quer esta seja devida a omissão do sinistrado, quer da empregadora. No caso provou-se que se deveu a omissão da ré empregadora. Não competia ao sinistrado fiscalizar a empregadora, mas sim a esta assegurar condições de trabalho em segurança.
É de manter o decidido.

E) CONDENAÇÃO DA RECORRENTE COMO LITIGANTE DE MÁ FÉ

O recurso sobre a condenação tinha por base a alteração da matéria de facto no que respeita à omissão de colocação de linha de vida e de fornecimento de arnês pela empregadora. O recurso improcedeu.

Constava na sentença a este propósito:
“O tribunal suscitou oficiosamente em audiência a questão da eventual condenação da ré empregadora como litigante de má-fé.
Nos termos do disposto no art.º 542.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, tiver praticado omissão grave do dever de cooperação, tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Face aos factos provados e ao que acima se disse quanto à postura da ré empregadora, não só pressionando o autor para assinar uma declaração falsa perante o perito averiguador da ré seguradora, mas especialmente tentando condicionar uma testemunha deste processo a vir prestar falso depoimento quanto à existência dos equipamentos de segurança, dúvidas não restam quanto a ter atuado a ré com má-fé nestes autos.
Não apenas alegou conscientemente uma versão dos factos que sabia não corresponder à verdade, como fez do processo um uso manifestamente reprovável, tentando impedir a descoberta da verdade.
A postura da ré é altamente censurável e contrária à correção exigida às partes num processo judicial e, por isso, deve ser sancionada através do instituto da litigância de má-fé.
Nos termos do art.º 542.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir”.
Quanto à multa, ela deve ser fixada entre 2 e 100 UC’s, nos termos do art.º 27.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais, devendo para a sua fixação ter-se em consideração “os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste” (n.º 4 da mesma norma), sendo neste caso necessário considerar as várias sessões de julgamento a que a posição infundadamente sustentada pela ré nos autos deu causa e também o facto de que, caso desde o início tivesse assumido a verdade dos factos da qual tinha perfeito conhecimento, poderia o processo ter findado em sede de tentativa de conciliação há mais de 3 anos (fls. 109 – ou no máximo, pouco mais de seis meses depois, caso houvesse apenas divergência quanto à incapacidade, prosseguindo apenas para realização de junta médica). Além disso, deve ter-se em conta também a especial gravidade do que se demonstrou em julgamento quanto à tentativa de condicionar um depoimento de uma testemunha. Assim, entendo adequado fixar a multa a pagar pela ré em 85 (oitenta e cinco) UC’s.
Já quanto à indemnização, ela pode consistir, nos termos do disposto no art.º 543.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos, ou no reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé. O autor a fls. 292 e ss. pede a condenação da ré no pagamento de uma indemnização no valor de 9.000,00€. É necessário ter em conta a demora e a atividade processual acrescida que a atuação da ré provocou (já referidas), as várias sessões de julgamento e os demais elementos decorrentes dos autos. Tratando-se aqui de danos não patrimoniais, é imperioso também ter em conta que a indemnização por danos não patrimoniais tem também uma função de “reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 1996, pág. 630). Ora, quanto a esta questão temos de concluir que qualquer valor aqui a fixar tem de ser de molde a levar a ré a sentir as consequências da sua conduta.
Ponderando todos estes fatores, entendo equitativo atribuir ao autor uma indemnização de 5.000,00€ (cinco mil euros) pela conduta de má-fé da ré. …”

Tedo em conta a improcedência da matéria de facto não há razão para alterar a decisão de direito. Concorda-se inteiramente que a ré deduziu oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou a verdade dos factos e fez do processo um uso manifestamente reprovável, visando impedir a descoberta da verdade, ao tentar influenciar a prova. É de manter o decidido.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do Cód. de Proc. Civil, acorda-se em julgar improcedente a arguição de nulidades de sentença e negar provimento ao recurso confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
20-05-21

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
2. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p 434-5.
3. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, volume 2, 4ª ed., p. 734-5.
4. António Santos Abrantes Geraldes, CPC Anotado, vol. I, p. 738.
5. No sentido de que os factos relativos a direitos indisponíveis conferidos pela lei de acidentes de trabalho, sendo irrenunciáveis, não podem ser objecto de confissão: ac. STJ de 12-12-1990, RC de 12-04-2011, RG de 3-11-2016 (salientando que os direitos indisponíveis e proibição de confissão só de aplicam ao autor/trabalhador), RG de 4-10-2018 (onde se debate situação parecida de “confissão” perante perito averiguador), www.dgsi.pt
6. Ac.s STJ 26-04-2012 e de 1-03-2018, in www.dgsi.pt.
7. Ac.s STJ 9-09-2009; RG de 17-05-2018 e 24-04-2019, a título de exemplo.
8. Acórdãos do STJ de: 26-04-2012, 23-09-2009 e 1-03-2018.