Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
171/14.9TBPRG-D.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: PROCESSO URGENTE
ERRO NA CONTAGEM DO PRAZO
SITUAÇÃO EXCECIONAL
LEI TEMPORÁRIA
DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DO TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Alegando e concluindo a parte chamada a intervir na causa a título principal, perante a Relação, no recurso por ela interposto da decisão de 1ª Instância que julgou extemporânea a sua contestação, que não lhe foi mas devia ter sido (apesar de rejeitado o seu articulado) notificada a marcação da audiência prévia e que “impõe-se que o Tribunal a quo notifique a recorrente” para tal diligência, isto sem que o problema tenha sido colocado naquele tribunal a quo e este tenha, quanto ao mesmo, proferido qualquer decisão com que porventura a chamada não se conforme e pretenda ver superiormente reapreciada nesta, tal matéria jamais pode constituir objecto do dito recurso, uma vez que, como é geralmente sabido e, aliás, é pacífico na Doutrina e na Jurisprudência que vastamente tratam a questão, o tribunal superior tem a função de reponderar e eventualmente modificar decisões proferidas no inferior, não lhe competindo acolher e despachar requerimentos por tal via e modo formulados nem substituir-se-lhe (não sendo a matéria de conhecimento oficioso), assim invertendo o regime de recursos.
2. O mesmo sucede quanto ao pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça fundado na circunstância de o valor da causa ser de 500.000€, pois tal pedido deve ser dirigido ao respectivo juiz do processo e por este ser apreciado e decidido, sempre nas oportunidades legal e processualmente adequadas para o efeito, como decorre do nº 7, do artº 6º, do RCP, não tendo qualquer fundamento a alegação de que cabe ao tribunal ad quem, ou seja, a esta Relação, pronunciar-se nesta sede recursiva que visa outra questão diversa.
3. Tendo a Chamada sido citada, em acção declarativa para resolução de negócio em benefício da Massa apensa a processo de insolvência – que tem natureza urgente – em 28-04-2020 (data em que vigorava a redacção do nº 7, da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, introduzida pela Lei nº 4-A/2020, de 6 de Abril, de acordo com a qual aqueles processos “continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos”) e apresentado o seu articulado de contestação em 25-06-2020, este é extemporâneo, pois, contado continuamente, nos termos do artº 138º, nº 1, CPC (por não haver lugar a qualquer suspensão ou interrupção legais), o prazo de 30 dias terminou, já com a dilação legal, em 02-06-2020 (ou 05-06-2020, com multa, nos termos do artº 139º).
4. Constando, na nota de citação, a advertência de que o prazo é “contínuo”, o facto de aí não se aludir à natureza do processo e de se acrescentar erradamente que aquele se “suspende nas férias judiciais” (hipótese, no caso, insusceptível de ocorrer), tal não legitima que a recorrente tenha assumido e ficcionado o processo como não urgente e pretenda que, nessa perspectiva, deve o prazo contar-se como sendo-lhe aplicável o nº 1, do artº 7º, na referida redacção (segundo a qual “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de actos processuais […] ficam suspensos até à cessação da situação excepcional […]”).
5. Tal não constitui fundamento para invocar ter sido induzida em erro pela Secretaria e em função do teor da nota de citação e que foi esta que gerou em si a confiança de que a contagem do prazo, apesar de o processo ser urgente e lhe ter sido comunicado que era contínua, estava, no entanto, suspensa ao abrigo da lei temporária então vigente para todos os demais processos.
6. Por isso, não pode beneficiar do regime previsto no nº 6, do artº 157º, nem dos nºs 3 e 4, do artº 191º, CPC, uma vez que não foi o lapso da secretaria que lhe causou o erro (e o prejuízo) nem ele consistiu na indicação de um prazo superior ao legal ou num modo de contagem de que tal resultasse.
7. Não vale argumentar com o disposto no artº 236º, do CC: um qualquer outro destinatário normal da citação naquelas mesmas circunstâncias – ou seja, uma qualquer outra pessoa tida como capaz de agir de harmonia com os padrões de cuidado e de sagacidade considerados socialmente como normais, iluminada por conhecimentos próprios das pessoas comuns, instruído com medianas aptidões adquiridas por via da experiência corrente da generalidade delas – colocado na posição de quem realmente recebe aquela nota de citação do tribunal chamando-o para contestar uma acção e lê nela a advertência de que o prazo é “contínuo” (expressão simples, clara, de sentido facilmente perceptível e assimilável por qualquer cidadão) e que o mesmo apenas se “suspende nas férias” (circunstância cuja hipótese de ocorrência só alguém dotado de instrução superior poderia equacionar como possível), não deduziria que, por a secretaria se ter enganado, o processo tinha a natureza legal de não urgente e que, afinal, era inócua e desprezível a “continuidade” para que fora alertada por, ao invés, nesse pressuposto se lhe aplicar a suspensão da Lei 4-A/2020.
8. Nem a secretaria e o próprio tribunal razoavelmente contariam que, em vez de interpretar em termos correntes a comunicação e reagir diligentemente em função dela – ou seja, contar o prazo seguido –, a recorrente iria cogitar e retirar dela um outro sentido mais rebuscado, necessariamente carente de maior labor intelectual e posse de especiais conhecimentos, e que confiaria neste para, em postura temerária, relaxar e reagir em conformidade, protelando a apresentação do seu articulado para o 59º dia posterior ao da citação.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Em acção com processo comum para resolução de negócio em benefício da Massa Insolvente que corre por apenso a processo de insolvência no Tribunal de Comércio de Vila Real, movida por aquela contra diversas rés e em que foi chamada a intervir a ora apelante, foi, com data de 29-06-2020, proferido o seguinte despacho – que é o recorrido:

“Aos 25.06.2020 veio a chamada X Insurance Company Limited juntar o seu articulado de contestação.
Compulsados os autos verifica-se que a ré foi citada em 28.04.2020, iniciando-se o prazo para apresentação da contestação em 29.04.2020 e terminando em 02.06.2020, podendo o acto ser praticado até ao dia 05.06.2020 – não havendo aqui que considerar a interrupção ou suspensão de qualquer prazo, por em causa se tratar de um processo apenso à insolvência, que à data da citação não beneficiava de qualquer interrupção na contagem do prazo para apresentação da contestação - (nos termos do disposto nos arts. 139º e 245º n.º 1 al. b) do CPC e art. 9º n.º 1 do CIRE).
Face ao exposto, tendo o acto em referência sido praticado em 25.06.2020, deve considerar-se extemporâneo, porquanto a contestação foi apresentada para além dos 30 dias legalmente previstos, mostrando-se igualmente esgotado o prazo adicional previsto no art. 139º para o efeito.
Assim, não se admite a contestação apresentada fora do prazo, determinando-se o seu desentranhamento e restituição ao apresentante.
Notifique.
*
Havendo concordância de ambos os mandatários, consigna-se que a audiência prévia agendada terá lugar no dia indicado, pelas 11h40.
Notifique.“

A referida “X” não se conformou e dele interpôs recurso para este Tribunal, alegando e concluindo:

“1. Vem o presente recurso interposto do despacho que determinou o desentranhamento da contestação da ora Recorrente, por alegada intempestividade do articulado.
2. Contudo, não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão, porquanto, a contestação, foi apresentada dentro do prazo constante da citação enviada pela secretaria judicial.
3. A Recorrente apresentou a contestação supra referida de acordo com a citação recebida, ao contrário do despacho em crise, e não obstante ter sido citada em 28.04.2020, o seu prazo para contestar não terminou no dia 02.06.2020.
4. Isto porque da citação recebida (ref. citius 34362281) consta expressamente “O prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais.” (destaques nossos), não tendo sido feita qualquer referência na citação, a ser o processo em causa um processo urgente, e como tal não se suspendia nas férias judiciais, pelo que a Recorrente assumiu e tramitou o processo como sendo comum.
5. Desta feita, atendendo à situação pandémica os prazos processuais e tramitação dos processos comuns encontravam-se suspensos ao abrigo da Lei n.º 4-A/2020 de 6 de abril, a qual entrou em vigor no dia 7 de abril de 2020.
6. Ora, em clara contradição com o vertido na citação, o Tribunal a quo fundamentou a extemporaneidade da apresentação da contestação pela ora Recorrente, com base no artigo 9.º 1 o CIRE – decisão com a qual a Recorrente não concorda, pelos motivos que passa agora a expor.
7. Conforme já se adiantou, a ora Recorrente foi citada no dia 28 de abril de 2020, constando expressamente da citação (cfr. ref. citius 3436228) que “O prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais. Ao prazo de defesa acresce uma dilação de: 5 dias”, não constando da citação, qualquer alusão à natureza do processo e muito menos menção ao artigo 9.º n.º 1 do CIRE.
8. Circunstância essa que é comum nos processos urgentes, o que constitui facto notório, fazendo o Juízo de Comércio, nas citações e notificações que enviam às Partes do processo de insolvência, referência expressa à natureza urgente do processo e que este corre em férias judiciais, o que, reitere-se, no caso sub judice não se verificou.
9. Assim a Recorrente, baseada na citação recebida, e assumindo como correta a menção expressa de que o prazo para contestar suspendia nas férias judiciais, a Recorrente não podia seguir outro raciocínio, se não o de que o prazo para apresentação da contestação em crise estaria suspenso.
10. E isto porque, a 19 de março de 2020, perante a situação de pandemia gerada pela Covid 19, foi decretado estado de emergência no território nacional e, nessa sequência, foram aprovadas medidas excecionais, as quais visaram o funcionamento dos processos judicias e dos tribunais.
11. Tais medidas foram aprovadas pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que ratificou os efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/ 2020, de 13 de março.
12. A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, suscitou algumas questões quanto à sua interpretação, tendo a mesma sido alterada pela Lei n.º 4 -A/2020 de 6 de abril.
13. No entanto o artigo 1.º da nova Lei não sofreu qualquer alteração, e dispunha, quanto aos processos comuns, o seguinte:“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.” (destaques nossos)
14. Ora, ficam assim sanadas todas e quaisquer dúvidas quanto à tramitação dos processos comuns, resultando, quer da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, quer da Lei n.º 4 -A/2020 de 6 de abril, que nos processos não urgentes os prazos suspendem fez a Recorrente correta interpretação e contagem do prazo que constava da citação, para apresentação da contestação.
15. Figurando expressamente a menção na citação “o prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais” , a Recorrente assumiu que se tratava de um processo de natureza comum, ou pelo menos o apenso em crise do processo urgente, não teria sido considerado como urgente, que como se sabe é comum acontecer.
16. Posto isto e em função da pandemia Covid 19, a Recorrente viu o seu prazo suspenso por força da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, não sofrendo qualquer alteração com a Lei n.º 4-A/2020 de 6 de abril, pelo que, dúvidas não restam que de acordo com a citação recebida, a referida Lei aplica-se ao caso em concreto, porquanto o ato a praticar pela Recorrente – a apresentação da contestação – encontrou-se suspenso até ao dia 2 de junho, tendo a contagem do mesmo se iniciado no dia 3 de junho, por força da já referida Lei n.º 16/2020, de 29 de maio.
17. Assim, o prazo para apresentação da contestação iniciou-se no dia 3 de junho, esgotando-se no dia 7 de julho (30 dias acrescidos de 5 dias de dilação).
18. Ora, a Recorrente apresentou a sua contestação no dia 25 de junho de 2020 (cfr. ref. citius n.º 2308711), quando o prazo para o efeito ainda não se havia esgotado, sendo por esse motivo o seu articulado tempestivo.
19. Nada fazia querer à Recorrente que estaria perante um processo urgente, uma vez que a citação era clara quanto à suspensão do prazo nas férias judiciais, tendo o Tribunal a quo andado mal quando diz no Despacho Recorrido que “não havendo aqui que considerar a interrupção ou suspensão de qualquer prazo, por em causa se tratar de um processo apenso à insolvência, que à data da citação não beneficiava de qualquer interrupção na contagem do prazo para apresentação da contestação – ( nos termos do disposto nos art. 139.º e 245 n.º 1al.b) do CPC e art. 9.º n.º 1 do CIRE).
20. Por outro lado, e a confirmar-se que efetivamente o prazo para apresentação da contestação era contínuo, não se interrompendo nas férias judiciais, e por essa razão aplicando-se o n.º 5 do artigo 7.º da Lei n.º 4-A/2020 de 6 de abril. (conforme entendimento do Tribunal a quo) e não beneficiando a Recorrente da suspensão das férias judiciais (conforme citação recebida), então é indiscutível que foi a Recorrente expressamente induzida em erro quanto ao prazo para apresentação da contestação.
21. Erro esse à qual a Recorrente é totalmente alheia e o qual é, integralmente, imputado à secretaria do Tribunal a quo, que, atendendo ao conteúdo da citação, gerou uma legítima expectativa de confiança na Recorrente que o processo tinha natureza comum, e não urgente.
22. Repare-se que, quem é citado é a parte que não tem qualquer obrigação de saber qual o prazo para contestar, confiando no que é mencionado na citação, e, por essa razão o artigo 157° n° 1 e n° 6 conjugado com o artigo 191° n.° 3 e 4 ambos do CPC, justificam e impedem que a contestação apresentada pela Recorrente seja recusada por ter sido apresentada nos termos e nos prazos indicados pela secretaria.
23. Em consonância com a uniforme Doutrina e Jurisprudência Portuguesa o prazo fixado pelas secretarias judiciais, nas suas citações/notificações, se superior ao legalmente previsto, por erro da secretaria judicial não corrigido atempadamente, aproveita ao visado, devendo, em consequência, ser-lhe permitido apresentar o acto processual dentro do prazo que lhe foi transmitido e em consonância com o seu teor.
24. Conforme referem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E PIRES DE SOUSA, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, 2ª ed. 2019, p. 205, em anotação ao artigo 157.º do CPC: “(…) as partes não podem, em caso algum, ser prejudicadas em virtude de erros ou omissões da secretaria judicial (cfr. STJ 3’-3-17, 6617/07), sobre a legibilidade da data afixada na nota de citação e início da contagem do para contestar), o que radica na ideia de que, devendo a secretaria judicial atuar nos termos da lei e segundo as orientações do juiz de que depende, as partes hão de poder confiar naquilo que os funcionários judiciais lhes transmitam ou levem a a cabo(…)”, sublinhado nosso.
25. Destarte, tendo sido a Recorrente citada para apresentar a sua contestação, querendo, no prazo de 30 dias, prazo esse que suspendia nas férias judiciais, e tendo cumprido tal prazo, não pode agora ser prejudicada, como o foi na Decisão recorrida, se a indicação da suspensão do prazo se ficou a dever a um erro da secretaria judicial do Juízo de Comércio de Vila Real.
26. Tal suspensão, ao invés, aproveita à Recorrente nos termos do artigo 157° n.°1 e n° 6 aliado ao artigo 191º, n° 3 e 4 ambos do CPC.
27. A interpretação da Recorrente supra exposta é legítima e deverá merecer total acolhimento pelo Tribunal ad quem, atendendo aos cânones interpretativos resultantes do artigo 236.º, do CC, aqui aplicáveis.
28. Assim, a Recorrente, enquanto parte, sem que lhe sejam exigidos especiais conhecimentos jurídicos, confia que dispõe daquele prazo para enviar para os seus mandatários ou tomar as diligências que lhe aprouver.
29. Note-se que a Recorrente declaratária média e atendendo ao teor da declaração proferida pela secretaria judicial do tribunal de 1ª instância, ínsita na citação que lhe foi remetida, deduziu, legitimamente, que o processo não seguia tramitação urgente, razão pela qual a apresentação em juízo da contestação, encontrar-se-ia suspenso.
30. Acresce, ainda, que este entendimento encontra acolhimento, desde logo, na garantia constitucional do acesso aos Tribunais nas suas dimensões de direito a uma tutela efetiva e eficaz e de proibição de indefesa, consagrado no artigo 20º da CRP, e no princípio da tutela da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no art. 2° da CRP.
31. A concessão do prazo mais favorável à Recorrente (e indevidamente indicado na citação lavrada pela secretaria judicial do Tribunal a quo) é a única que garante a imprescindível tutela da confiança, como elemento de um processo equitativo.
32. Tendo a Recorrente de boa fé, acreditado e confiado no disposto na citação recebida, o qual não deixou quaisquer dúvidas, tendo, por essa razão, aceitado os termos e o prazo para o qual foi citada, não os questionando e agindo em conformidade;
33. O Despacho recorrido, ao decidir não admitir a contestação apresentada pela Recorrente no prazo constante da notificação, com a necessária suspensão violou, assim, a garantia constitucional do acesso aos Tribunais nas suas dimensões de direito a uma tutela efetiva e eficaz e de proibição de indefesa, consagrada no art.º 200.º da CRP e o principio da tutela da confiança ínsito no princípio do Estado de direito Democrático, que consagra que se deve confiar nos atos dos funcionários judicias praticados no processo, enquanto agentes dos Tribunais, e enquanto estes atos não forem revogados ou modificados, nos termos do art. 2° da CRP, sendo, por conseguinte, inconstitucional, o que expressamente se argui;
34. O Despacho recorrido viola o disposto nos artigos 157° n.° 1 e n.° 6 e 191° n.° 3 e 4 ambos do C.P.C., e os artigos 2° e 20º da CRP, pelo que deve ser revogado e alterado por outro que admita a contestação apresentada pela ora Recorrente.
35. Verifica-se, pois, que a Recorrente não pode ser prejudicada no seu direito de defesa, constitucionalmente consagrado, por uma conduta negligente da secretaria judicial do Tribunal a quo na tramitação do processo.
36. Os erros das secretarias judiciais que prejudicam as Partes no decorrer dos processos tem sido objeto de análise em múltiplos acórdãos das instâncias superiores nacionais, as quais têm protegido as Partes de tal conduta negligente das secretarias judiciais, decidindo pela admissão do articulado considerado extemporâneo pela primeira instância, quando tal circunstância se deveu a negligência da secretaria.
37. Circunstância essa que ocorreu no caso sub judice.
38. Desta feita, e conforme resulta, a título meramente exemplificativo, do acórdão do Tribunal de Guimarães de 09.12.2009, relativo ao processo 274/06.3TBCTX-B.E1, que pela sua clareza aqui se cita:
“(…)Quer as partes, quer o Julgador a quo, reconhecem que estamos perante um processo cuja tramitação assume carácter de urgência, [1] e como tal, não devia a citação da ré ter sido formulada nos termos em que o foi, ou seja, de a informar que o prazo que lhe foi dado para contestar, embora contínuo se suspendia durante as férias judiciais, o que deste modo, face a data em que a citação ocorreu, alertava para o facto de durante o período de férias da Páscoa se suspender, para voltar a correr após esse período. A ré, pessoa à qual é dirigida a citação (ré, enquanto parte, não é a mesma realidade jurídica que ré representada por mandatário judicial, sendo que a citação foi efectuada na sua própria pessoa e não na pessoa do seu mandatário) não tem que saber, se o processo que contra si foi instaurado, corre termos com carácter de urgência e o que é que isso na realidade significa. Não tendo a autora, eventualmente ao aperceber-se da irregularidade da citação, feito citar, de novo, a ré, em termos regulares não tinha esta que invocar a priori, qualquer justificação para a eventual “apresentação tardia”, ao contrário do que se sustenta na decisão recorrida, já que a mesma, assim, não se apresentava em face do teor da citação que lhe havia sido feita. Para nós é manifesto que aproveita à ré “o alargamento do prazo que por erro lhe foi indicado” sendo-lhe, por tal, permitido apresentar a contestação dentro do prazo declarado e em consonância com o que lhe foi transmitido no acto de citação, posto que superior ao prazo legal, até porque os erros ou omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes (cfr. artº 161º do CPC).” (destaques nossos)
39. Diga-se ainda que a Recorrente, confrontada com o Despacho que julgou a sua contestação extemporânea, e já com o devido acesso aos autos na plataforma Citius, por uma questão de cautela, verificou as citações das demais Rés.
40. Após tal análise, verificou que quer na citação da Ré S. S., Lda (ref. citius 33476897), quer na citação da Ré M. V. – Leilões, Lda (ref. citius 33476900), consta a expressa menção de que: “O Prazo é continuo, não se suspendendo durante as férias judiciais (nº 1 do artº 9º do CIRE).”
41. Deste modo, relativamente à Ré S. S., Lda. e relativamente à Ré M. V. Leilões, Lda., a secretaria do tribunal advertiu-as de que o processo era urgente, que o prazo da contestação não se suspendia em férias e que se aplicava o regime do artigo 9.º do CIRE.
42. Por oposição, e no que concerne à Recorrente, Interveniente Principal, a sua citação não tem qualquer menção à natureza urgente do processo.
43. Conclui-se assim, sem margem para dúvidas, que o Tribunal a quo, relativamente à ora Recorrente, considerou que o processo não tinha natureza urgente, pois, caso contrário, teria agido em conformidade na citação, tal qual fez com a Ré S. S., Lda. e M. V. Leilões, Lda.,
44. Em conclusão, andou mal Tribunal a quo ao decidir pelo desentranhamento da contestação apresentada pela Recorrente, tendo feito tábua rasa do teor da citação expedida pela secretaria.
45. Porquanto a Recorrente tomou como fiável a citação recebida, uma vez que era o primeiro contacto que tinha com o processo e o próprio texto da citação claro, é notório que a secretaria judicial do Tribunal a quo, violou, pois normas processuais de que depende o direito de defesa da ora Recorrente, assim restringindo direitos fundamentais da Recorrente, mormente o direito de defesa, o direito ao contraditório e a uma tutela jurisdicional efetiva, conforme acima amplamente demonstrado.
46. Assim, a citação para contestar que ocorreu nos autos, é, por si só, uma citação irregular, que não preenche os critérios estabelecidos na lei e que contém inúmeros lapsos e irregularidades nos termos supra indicados.
47. Perante a irregularidade da citação, quer esta consista especificamente em conferir prazo de defesa superior ao que a lei concedia, quer assente na indicação desacertada quanto à suspensão da contagem dos prazos durante as férias judiciais, a lei estabelece uma solução específica.
48. Para esta nulidade ao invés de determinar a anulação dos atos já praticados ( nova citação e nova contestação), impõe ao Tribunal que admita a contestação, que foi apresentada dentro do prazo de defesa previsto na citação. O que se requer.
49. De notar ainda que, apenas após a consulta do processo, pôde a Recorrente constatar que para além da sua contestação ter sido considerada extemporânea pelo Despacho Recorrido, também não foi a Recorrente notificada do agendamento da audiência prévia.
50. Ademais a Recorrente não tinha como saber antes, já que só com o envio da Contestação é que a Recorrente teve acesso aos autos, através da plataforma citius, tendo aí sido confrontada com as disparidades entre as várias citações.
51. Acontece que, por despacho de 18.06.2020, foi marcada a audiência prévia do apenso D desta acção, para o próximo dia 10.09.2020, pelas 09:30 horas.
52. No dia 19.06.2020, foram a Autora e os Réus notificados, via Citius, da audiência prévia, não o tendo sido a Interveniente Principal aqui Recorrente.
53. Mesmo atendendo ao entendimento do Tribunal a quo de que a contestação da Recorrente foi extemporânea, o que não se concede, a verdade é que esta não precludiu o seu direito de ser notificada da audiência prévia, nem o seu direito a estar presente na mesma.
54. Mais uma vez a secretaria do Tribunal a quo foi manifestamente negligente na tramitação deste litígio, uma vez que não cumpriu com o disposto no 219.º, nº 2, do CPC, o qual determina que a notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto.
55. Por tal razão, impõe-se que o Tribunal a quo notifique a Recorrente para a realização da audiência prévia de 10.09.2020, o que desde já aqui se requer.

Do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça

56. No vertente litigio o valor da acção ascende a €500.000,00., de acordo com o artigo 6.º, n.º 1, do do RCP e tabela I-B, a taxa de justiça inicial é de €816,00, de acordo com o limite máximo estalecido na aludida tabela I-B.
57. Atendendo ao valor da causa (€500.000.00), acresceria ao valor de taxa de justiça inicial agora liquidada, o pagamento. a final, de €1.377,00, atendendo a que existem 9 frações de €25.000,00, além dos €275,000, e cada fração de €25.000,00 acresce 1,5 UC.
58. Contudo, a taxa de justiça é paga pelas partes pelo seu impulso processual, estando imbuída numa ideia de correspetividade.
59. Destaque-se que a taxa de justiça deve ter em conta o valor da acção e a complexidade da causa, devendo existir proporcionalidade entre o valor que cada interveniente deve prestar no processo e os custos que este acarretou para o sistema de justiça.
60. Deste modo, a dispensa ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser concedida, por força do referido artigo 6.º, nº 7, do RCP, quando existam razões atendíveis que o justifiquem, designadamente, a ausência de complexidade da causa, a conduta processual irrepreensível e colaborante das partes e a reduzida actividade do Tribunal.
61. Ora, no caso sub judice, estão vertidas as razões previstas no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, que impõe a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a final.
62. Isto porque: O valor da causa, apesar de elevado (€500.000,00), não reveste particular complexidade, apenas se discutindo, neste presente apenso, uma questão simples de Direito, relativa à existência de uma proposta de venda no âmbito de um processo de insolvência e a alegada obrigação de entrega de um cheque relativamente a uma das Rés,
63. E as matérias em discussão no recurso não são de especial complexidade, não se subsumindo na previsão das alíneas b) e c) do art. 530.º, n.º 7, do CPC, pois este Tribunal da Relação apenas irá circunscrever o objeto do recurso à análise da tempestividade ou intempestividade da contestação da Recorrente, não analisando, sequer, quaisquer exceções dilatórias e perentórias, não procedendo ao julgamento de mérito nem procedendo à análise de meios de prova complexos, à audição de qualquer testemunha ou valoração ou de qualquer outro meio de prova.
64. Conclui-se, assim, que a causa não tem natureza complexa, verificando-se o primeiro requisito do artigo 6.º, n.º 7, do RCP.
Além dos mais, as Partes em litigio têm demonstrado uma conduta processual irrepreensível e colaborantes, não obstaculizando o avançar do processo, v.g., com requerimentos e/ou manobras de natureza dilatória com vista a entorpecer o processo e evitar a sua tramitação regular.
65. Na verdade, os articulados das Partes e as aqui alegações de recurso da Recorrente não se revelam excessivamente prolixos, para efeitos do artigo 530.º, n.º7, al. a), do CPC, limitando-se as partes a alegar e a invocar factos relevantes e os argumentos jurídicos que, no seu entender, determinavam, respetivamente, a procedência ou a improcedência da acção e do recurso.
66. Verifica-se, pois, que os critérios de cálculo da taxa de justiça, condicionam o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado à Parte que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da CRP), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito.”
67. A ser cobrada a taxa de justiça inicial pela interposição do recurso (€816,00), a que acresceria o valor de €1.377,00 (valor a final), no total de €2.193,00, assistir-se-ia a uma manifesta desproporção entre o valor liquidado de taxa de justiça e o custo implicado na acção, que registou uma tramitação muitíssimo reduzida.
68. O procedimento em causa (recurso de apelação), gerador das custas em controvérsia, tem o valor da acção de €500.000,00, cfr. anteriormente dito, consubstanciando-se, até á data, neste incidente particular à prolação, pela 1.ª instância, de um despacho que julgou extemporâneo o recurso.
69. Aqui chegados, e tendo em linha de conta os critérios de razoabilidade e proporcionalidade que devem, necessariamente, condicionar o juízo aplicativo do referido artigo 6.º, n.º 7, do RCP e atendendo a que os seus requisitos estão verificados no processo em crise, cabe o Tribunal ad quem deferir o pedido de dispensa de pagamento a final do remanescente da taxa de justiça, o qual desde já aqui se formula
Nestes termos, requer-se a Vossas Excelências,

Senhores Juízes Desembargadores, o seguinte:
Deve o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se por um outro, que aceite a contestação, em virtude da mesma ter sido apresentada em tempo, de acordo com o mencionado na citação recebida, determinando-se a anulação de todo o processado posterior e ordenando-se a notificação da Recorrente para a audiência prévia, seguindo-se os trâmites do processo nos termos legais, e ainda a dispensa do remanescente da taxa de justiça, pois só assim se fará a costumada justiça!”

Não consta terem sido produzidas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, em separado, com efeito devolutivo.

Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

Previamente, importa tomar posição quanto a dois aparentes pedidos recursivos que a apelante mistura nas suas alegações e conclusões mas que nada têm a ver com a decisão recorrida e, manifestamente, não nos compete apreciar, por extravasarem o possível objecto do recurso.

O primeiro, diz respeito à falta de notificação do despacho de marcação da audiência prévia datado de 18-06-2020 que a apelante diz não lhe ter sido feita mas dever sê-lo, tal como foi no dia imediato à autora e réus, ainda que não lhe tenha sido admitida a contestação (apresentada em 25-06-2020).

Por isso, diz ela, “impõe-se que o Tribunal a quo notifique a recorrente” para tal diligência (marcada para o pretérito dia 10 de Setembro).

Ora, sem que o problema tenha sido colocado naquela instância e o respectivo tribunal tenha quanto a ele proferido qualquer decisão com que porventura a chamada não se conforme e pretenda ver reapreciada nesta, tal matéria jamais pode constituir objecto do recurso, uma vez que, como é geralmente sabido e, aliás, é pacífico na Doutrina e na Jurisprudência que vastamente tratam da questão mais vezes do que seria normal esperar em face da postura das partes, este tribunal superior tem a função de reponderar e eventualmente modificar decisões proferidas no inferior.

Não lhe compete acolher e despachar requerimentos por tal via e modo nem substituir-se-lhe, nem a matéria é de conhecimento oficioso. Perspectivar e defender o contrário, seria tentar inverter o sistema de recursos.

A título meramente exemplificativo, pode conferir-se o esclarecedor Acórdão da Relação de Coimbra, de 22-10-2013 [1]:

“No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento; o que significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre questões novas, ou seja, sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida e sobre pedidos que nela não foram formulados.”

Bem assim, notando-se a sua concisão e assertividade, o do STJ, de 07-07-2016 [2]:

“Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.”

O segundo, refere-se ao pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça fundado na circunstância de o valor da causa ser de 500.000€.

Ora, a sê-lo, tal pedido deve ser dirigido, na oportunidade legal e processualmente adequada, ao respectivo juiz do processo, como decorre do nº 7, do artº 6º, do RCP, não tendo qualquer fundamento a alegação de que cabe ao tribunal ad quem, ou seja, a esta Relação, pronunciar-se.

É o que decorre da lei e se mostra lógico e razoável, pois não faria qualquer sentido apreciar-se agora e nesta instância uma parcela dos autos e consequentemente os pressupostos da eventual dispensa que só a final, em função da conduta processual das partes globalmente apreciada – na 1ª instância e em recursos como este – em ordem a aferir-se se merecem ou não o benefício.

Por estas e aquelas razões, nenhuma das referidas questões aqui será objecto de qualquer pronúncia.

Posto isto, resta, aí sim, para apreciar e decidir a questão de saber se a contagem do prazo para contestar deve ser feita considerando o processo não urgente como, na perspectiva da apelante, decorre da nota de citação recebida da secretaria judicial e em função, portanto, do artº 7º, nº 1, da Lei 4-A/2020, de 6 de Abril, ou se, independentemente do conteúdo daquela, deve ele ser tratado, como efectivamente é, como processo de natureza urgente e, nos termos do nº 7 do mesmo artigo contar-se o prazo continuamente e sem qualquer suspensão ou interrupção.

III. OS FACTOS E O DIREITO

Resulta da própria decisão recorrida e não foi impugnado pela recorrente que são os seguintes os factos relevantes nela considerados provados:

-A presente acção constitui apenso de processo de insolvência.
-A recorrente foi nele citada em 28-04-2020.
-Apresentou contestação em 25-06-2020.

Resulta ainda assente com base nos elementos destes autos, que:

-Trata-se de “acção de processo comum”.
-A citação foi efectuada por carta registada com AR, constando da respectiva nota elaborada e com ela remetida pela Secretaria que autora era a “Massa Insolvente” de uma sociedade, que era de 30 dias o prazo para oferecer o seu articulado e que tal “prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais”, acrescendo-lhe uma dilação de 5 dias”.
-Nessa nota não foi aposta qualquer indicação de que se tratava de processo com natureza urgente.
-Em ambas as notas de citação anteriores para contestarem, dirigidas às outras rés “S. S., Ldª” e “M. V. – Lelilões, Ldª”, constava que se tratava de processo de “Resolução em Benefício da Massa Insolvente (CIRE)”, figurando como autora a “Massa Insolvente” da referida sociedade, que o prazo para contestar era de 30 dias, acrescendo a dilação de 5 dias, e que “o prazo é contínuo, não se suspendendo durante as férias judiciais (nº 1 do artº 9º do CIRE).

Ora, sendo pacífico nos autos que a presente acção constitui um apenso de processo de insolvência [3], é inquestionável que ela tem carácter urgente, como todos os seus demais apensos, incidentes e recursos, nos termos do artº 9º, nº 1, do CIRE.

Como tal, correndo o prazo, de acordo com a regra estabelecida no nº 1, do artº 138º, CPC, continuamente, contas feitas pelo calendário e considerando o prazo legal (30 dias) e o acréscimo de dilação (5 dias), bem como a data em que foi feita a citação (28-04-2020), conclui-se que o último dia para o acto em causa poder ter sido praticado era 02-06-2020 (ou 05-06-2020, com multa, nos termos do artº 139º).

O mesmo, normalmente, sucederia – note-se – em caso de processo não urgente, uma vez que, após a citação e até à data em que foi apresentado o articulado, não intercorreu qualquer período de férias judiciais gerador de suspensão da contagem.

Foi o que se entendeu na decisão recorrida para, afinal, julgar de todo extemporânea e, consequentemente, rejeitar a apresentação da contestação feita em 25-06-2020 com o fundamento de (por referência ao artº 9º, do CIRE) “se tratar de um processo de insolvência, que à data da citação não beneficiava de qualquer interrupção na contagem do prazo”, como, de facto, não beneficiava.

Na verdade, apesar de, no período em causa, o país ter vivido em “estado de emergência” devido à situação pandémica internacional que nos assola e, nesse contexto, o poder legislativo ter editado vastíssimo pacote legislativo que, procurando responder a tal situação de constrangimento, introduziu algumas modificações de carácter excepcional e temporário no regime legal aplicável, o certo é que, no caso de processos que, como este, têm natureza urgente, e particularmente naquele lapso de tempo, o prazo persistiu como contínuo, correndo, pois, sem suspensão ou interrupção.

Com efeito, vigorou, naquele entretanto, o artº 7º, da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, que só viria a ser revogado pelo artº 10º, da Lei nº 16/2020, de 29 de Maio, entrada em vigor no dia 03 de Junho imediato (o 5º após a sua publicação).

A redacção de tal norma a considerar, porém, não é a original (de acordo com a qual e numa das polémicas interpretações possíveis face ao teor literal conjugado dos nºs 1, 5 e 8, nos processos urgentes os prazos teriam ficado suspensos, sem mais) mas sim a introduzida, no referido artigo, pela Lei nº 4-A/2020, de 6 de Abril, que se manteve em vigor até ele ser revogado.

De acordo com ela, estabelecia o nº 1, que “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de actos processuais […] ficam suspensos até à cessação da situação excepcional […]”.

Prevendo-se, no nº 5, a prática de certos actos a que a regra do nº 1 “não obsta” e acrescentando-se, no nº 6, a menção de casos específicos em que certos prazos e actos “Ficam também suspensos”, o nº 7, claramente afastando os processos urgentes do âmbito geral e comum daquele nº 1 relativo a “todos” os prazos, dispôs que aqueles – os processos urgentes – “continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, actos ou diligências”, apenas salvaguardando , nas suas três alíneas seguintes, condições respeitantes à realização de diligencias presenciais.

A esta luz, embora sem tal concretizar nos seus fundamentos, também o despacho recorrido tem razão para afirmar que o presente processo “não beneficiava de qualquer interrupção na contagem do prazo”, pois que, no fundo, quanto a ele, e como urgente, repôs-se em vigor claramente o regime previsto no nº 1, do arttº 138º, CPC.

E que assim era – ou seja, que o prazo corria continuamente – concorda a apelante.

O que, no entanto, ela defende e pretende é que, apesar do exposto, no caso concreto e “de acordo com a citação recebida” – cujo teor não consta, pelo menos expressamente, ter sido ponderado no despacho recorrido –, a sua contestação “foi apresentada dentro do prazo constante da citação enviada pela secretaria judicial”, rectius, dentro do prazo por si contado segundo as indicações dadas na nota de citação, pois que esta, como é evidente, não aponta qualquer prazo.

Com efeito, salienta ela, no referido documento, está escrito que “O prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais”.

Por isso, alega também, “assumiu e tramitou o processo como sendo comum”, já que nenhuma referência dali consta à sua natureza urgente e, portanto, que tal prazo não se suspendesse nas férias judiciais.

A recorrente “Assumiu e tramitou o processo como comum”, bem entendido, não porque realmente houvesse, entretanto, qualquer período de férias que importasse ter em conta e implicasse a suspensão da contagem do prazo, pois que, como é bom de ver, tal hipótese não ocorria, mas antes com a óbvia finalidade de, mediante tal raciocínio, abrir caminho à aplicação do aludido nº 1, do artº 7º, da Lei nº 4-A/2020, segundo o qual “todos os prazos” – embora ressalvados os de processos urgentes – ficaram suspensos, devido à situação pandémica.

Sendo, pois, certo que a Secretaria, ao contrário do que devia ter feito e até fizera com outras citações anteriormente efectuadas aos réus primitivos no mesmo processo [4], não lhe comunicou que a contagem do prazo não se suspendia “nas férias” – nem por qualquer outro motivo – mas apenas que era “contínuo” e “suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais”, justificar-se-á que, no caso, a apelante tenha ignorado a advertência para a referida contagem “contínua”, raciocinado que o processo não era urgente e que, por isso, a pretexto do aludido erro burocrático, beneficie do regime comum de suspensão de “todos os prazos” previsto no citado nº 1, do artº 7º, embora ele esteja, por ser urgente, subtraído desse regime por força do nº 7, segundo o qual “os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, actos ou diligências”?

Questionando de outra maneira: presumindo-se os sujeitos que corporizam (personificam) o entendimento e vontade da pessoa colectiva recorrente como pessoas não juristas, declaratários médios, de boa-fé, confiantes, poderá dizer-se que foi o erro perpetrado pela secretaria que a consciencializou de que o prazo para contestar ficou suspenso, que a induziu a que, apesar de na citação constar que ele era “contínuo” e de não ocorrer qualquer período de férias causador da sua suspensão, o processo não era urgente e, por isso, lhe devia ser aplicado o regime comum de suspensão previsto para os não urgentes previsto no referido nº 1, do artº 7º, da lei temporária?

Constituiu, pois, tal erro um motivo justamente gerador de confiança na suspensão da contagem do prazo por efeito da aplicação de tal norma e, tendo sido norteada por tal expectativa indevidamente adquirida por si e incorrectamente induzida pelo teor da citação, foi por causa dele que não apresentou a contestação até 02 de Junho e só acabou por a entregar no dia 25 desse mês?

Não cremos que assim seja e que possa ter-se como “indiscutível que foi a recorrente expressamente induzida em erro quanto ao prazo para apresentação da contestação”.

Nem que tal erro (o seu erro, afinal) é “integralmente, imputado à secretaria do Tribunal”.

Um cidadão comum, mesmo desconhecendo a Lei de Organização do Sistema Judicial [5] e não sendo obrigado a saber ao certo se porventura entre 28 de Abril e 2 de Junho estariam nela previstas férias judiciais, presumiria, com a cautela exigível às pessoas de médio zelo e empenho na defesa dos seus interesses e exercício do seus direitos, que, então, elas não ocorreriam e agiria sem contar, portanto, com tal causa hipotética de suspensão do prazo.

Tanto mais que lhe foi expressamente comunicado que (em princípio) este era “contínuo”.

Presumindo-se ignorante da distinção legal, para efeitos de procedimento e de actuação em juízo, entre processos urgentes e não urgentes, sobretudo do diferente regime de contagem dos prazos para neles praticar actos a que seja chamado mediante citação, não se convenceria, ante a advertência para a “continuidade” (expressão simples e clara segundo a linguagem comum) e apenas com base na possível suspensão em caso de “férias judiciais” que, pelo contrário, o processo era “não urgente” e, por isso, seria bafejado com o regime de suspensão excepcionalmente introduzido na lei no contexto de pandemia.

A dedução de que o processo não era urgente apenas com base na sugestiva referência à suspensão nas férias pressupõe conhecimentos com que não é suposto as pessoas comuns estarem normalmente apetrechadas. [6]

E a convicção ou tese de que, por isso, embora não havendo férias, era aplicável (e a citanda dele beneficiaria) o regime excepcional previsto para todos os processos no nº 1, do atº 7º, da referida Lei, e não do contemplado no seu nº 7 apenas para os urgentes, pressupõe, além de conhecimentos, uma capacidade e labor ao nível intelectual e racional fora do alcance do cidadão comum e, por isso mesmo, causalmente não atribuível ao teor errado da citação e ao funcionário da secretaria que a emitiu mas a quem – não à recorrente, como ela própria sustenta –, por ser detentor das necessárias premissas, arquitectou, em função da aparente lógica jurídica, o raciocínio conducente à conclusão de que o prazo ficaria suspenso por efeito da lei pandémica, abstraindo e não assumindo, contudo, como sabia ou devia saber, que tratando-se de processo proposto pela Massa Insolvente, apenso a processo de insolvência, este era urgente, a citação continha erro e que, apesar desse erro, a mesma lei previa para tal a continuidade e não a suspensão.

Em vez, portanto, de a prática tardia do acto ter uma pretensa origem directa e causal na alegada crença gerada pela secretaria na pessoa da citanda e de aquela ter sido alimentada pela confiança na correcção da informação errada por esta prestada, afigura-se-nos que o seu alegado convencimento resulta, isso sim, de falha diversa derivada da ponderação incorrecta de que, não havendo férias a descontar, sempre o prazo (fosse o processo urgente ou não) era continuo, procurando a argumentação ora tecida com tal pretexto encobrir esta realidade e aproveitar-se do regime de suspensão instituído pelo nº 1, do artº 7º, da Lei nº 4-A/2020.

Por isso, não se nos apresenta como legítima e atendível a sua afirmada expectativa ou confiança nem que esta deva ser jurisdicionalmente protegida por a decisão recorrida a ter lesado.

Não podemos desconhecer que, mesmo que a citanda – ela própria –, em face da citação, concluísse que, por nela se não mencionar o artº 9º, do CIRE, nem que o processo era urgente, não tinha esta natureza, sempre ela foi explicitamente informada e devia ter “assumido” que, como ali advertida claramente, o prazo era contínuo (só se suspendendo em férias, então fora de perspectiva).

Se entendeu como correcta aquela menção e assumiu (suspensão em férias) por que não entendeu também assim esta (prazo contínuo) e haveria de pressupor e de raciocinar que, pelo contrário, ele estava suspenso?

Tal não deriva do lapso na nota.

Não se colocando no horizonte a hipótese de “férias judiciais”, certamente não foi porque a Lei 4-A/2020 dispôs para o comum dos processos que os prazos ficavam “todos” suspensos, não se acreditando que a crença de quem representa a sociedade apelante se tenha também baseado, ou para ela tenha concorrido, a redacção original dos nºs 1 e 5 da Lei 1-A/2020.

Com efeito, nas alegações, cita-se e transcreve-se incorrectamente essa redacção, referindo-se e repetindo-se que ela se manteve inalterada.

Contudo, embora seja certo que, essa sim, mandava aplicar a tais processos o “regime das férias judiciais” (porventura mais conveniente à tese da apelante na medida em que mais próxima da alusão às mesmas na nota de citação e, em sua perspectiva, porventura mais convincente da alegada origem do seu erro), a verdade é que, na redacção nova em vigor à data da citação, essa referência desapareceu e deu lugar a outra mais clara.

Não foi a falha da Secretaria, portanto, que esteve na origem do prejuízo da recorrente (rejeição do seu articulado) e, por isso, não se justifica, com base no nº 6, do artº 157º, reconhecer-se-lhe o correspondente benefício de o apresentar como se estivesse em prazo se não fosse o alegado erro e a causa e culpa atribuível à secretaria.

Também não é aplicável ao caso a regra dos nºs 3 e 4 do artº 191º, pois, como se viu, a irregularidade em causa não consistiu na indicação de prazo superior nem sequer na indicação de um modo de contagem de que tal resultasse, já que o prazo e o modo de contagem mencionados foram os correctos (30 dias e “contínuo”), apenas se devendo a raciocínio arquitectado indevidamente, na medida em que não foi propulsionada nem se mostra justificada pelo referido lapso da nota de citação (de que o processo não era urgente e, por isso, estava suspenso o prazo nos termos da redacção conferida ao nº 1, do artº 7º, da Lei 4-A/2020), a ideia de que ele estava suspenso, já que o erro, traduzido na referência a que tal ocorreria na hipótese de se interporem “férias judiciais”, para ser gerador de fundada e legítima confiança pressuporia que a ocorrência daquelas estava, ou poderia justamente estar, no horizonte da citanda e, sobretudo, que tal plausibilidade, na sua boa-fé, então convocava o dito regime de suspensão excepcional.

Não impressiona o argumento de que, em citações anteriores dos réus primitivos, a secretaria agiu correctamente, apondo na nota a indicação de que o prazo era contínuo e não se suspendia nas férias bem como, entre parêntesis, a referência ao artº 9º, nº 1, do CIRE.

Também nessas notas – e ao contrário do que alega a recorrente – se não contém alusão expressa a que se trata de “processo urgente”, apenas podendo e devendo deduzir isso quem tenha formação/conhecimentos jurídicos, presumindo-se não ser o caso de quem representa a recorrente (como seu administrador), corporiza a sua vontade e exterioriza as suas decisões.

Não vale argumentar com o disposto no artº 236º, do CC: um qualquer outro destinatário normal da citação naquelas mesmas circunstâncias – ou seja, uma qualquer outra pessoa tida como capaz de agir de harmonia com os padrões de cuidado e de sagacidade considerados socialmente como normais, iluminada por conhecimentos próprios das pessoas comuns, instruído com medianas aptidões adquiridas por via da experiência corrente da generalidade delas – colocado na posição de quem realmente recebe aquela nota de citação do tribunal chamando-o para contestar uma acção e lê nela a advertência de que o prazo é “contínuo” (expressão simples, clara, de sentido facilmente perceptível e assimilável por qualquer cidadão) e que o mesmo apenas se “suspende nas férias” (circunstância cuja hipótese de ocorrência só alguém dotado de instrução superior poderia equacionar), não deduziria que, por a secretaria se ter enganado, o processo tinha a natureza legal de não urgente e que, afinal, era inócua e desprezível a “continuidade” para que fora alertada por, ao invés, nesse pressuposto se lhe aplicar a suspensão da Lei 4-A/2020.

Nem a secretaria e o próprio tribunal razoavelmente contariam que, em vez de interpretar em termos correntes a comunicação e reagir diligentemente em função dela – ou seja, contar o prazo seguido –, a recorrente iria cogitar e retirar dela um outro sentido mais rebuscado, necessariamente carente de maior labor intelectual e posse de especiais conhecimentos, e que confiaria neste para temerariamente relaxar e reagir em conformidade, protelando a apresentação do seu articulado para o 59º dia posterior ao da citação.

Não se vê, por outro lado, nem a recorrente indica qual a norma jurídica aplicada ou interpretada que enferma da inconstitucionalidade brandida.

A garantia de acesso ao direito e aos tribunais consagrada no artº 20º, da CRP, como tem sido dito repetidamente, não inibe o legislador de estabelecer na legislação ordinária as regras adjectivas disciplinadoras do respectivo procedimento, equilibrando através delas justamente a tutela efectiva e a proibição de indefesa com as necessidade de racionalização dos meios, da certeza e da segurança jurídicas imponentes de preclusões e extinções, designadamente pelo decurso dos prazos estabelecidos.

Como se disse, não nos parece de imputar ao lapso da citação a frustração da expectativa pretensamente com base nela formada pela citanda de que o prazo estava suspenso e, assim, não se vê como resulta ofendido o princípio da confiança do artº 2º.

Considerando-se, por fim, que a jurisprudência citada [7] não versa sobre casos análogos ao aqui examinado mas a outros em que de facto, simplesmente, a secretaria indicou, por erro seu, prazo superior ao legal, e nos quais, ao contrário deste, era realmente defensável a aplicação da regra do artº 191º, CPC, entende-se não terem os fundamentos esgrimidos no apelo merecimento que justifique acolhê-lo, devendo confirmar-se a decisão recorrida.

IV. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela recorrente – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
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Notifique.
Guimarães, 24 de Setembro de 2020

Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:

Relator: José Fernando Cardoso Amaral

Adjuntos: Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Eduardo José Oliveira Azevedo


1. Processo nº 221/12.3TBTMR-A.C1.
2. Processo nº 156/12.0TTCSC.L1.S1.
3. Embora ela tenha sido proposta pela Massa e não pelos impugnantes da resolução nos termos do artº 125º, do CIRE.
4. A apelante foi chamada ao mesmo por, em incidente requerido e defrido, ter sido admitida a sua intervenção como parte principal.
5. Artº 28º, da Lei 62/2013, de 26 de Agosto.
6. Não os pressupostos nos seus mandatários forenses, como a própria apelante reconhece ao citar a tal propósito texto em tal sentido do Acórdão de 09-12-2009, processo 274/06.3TBCTX-B.E1, não desta Relação como erradamente refere mas da de Évora.
7. Acórdãos do STJ, de 30-03-2017, processo 6617/07.5TBCSC.L1.S2, e de 30-11-2017, processo nº 88/16.2PASTS-A.S1, e da Relação de Évora já atrás identificado.