Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3256/18.9T8VNF.B. G1
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ATA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
LIMITES DO TÍTULO
PENALIDADES A CONDÓMINOS
HONORÁRIOS DE ADVOGADO E DESPESAS JUDICIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- A ata da assembleia de condóminos na parte em que se aplica sanções a estes não vale como titulo executivo.

- Os honorários e as despesas judiciais não constituem despesas de conservação e fruição das partes comuns nem despesas com serviços de interesse comum para o condomínio.
Decisão Texto Integral:
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I. RELATÓRIO

O condomínio do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua … em Braga intentou acção executiva contra A. P. e outros com os sinais os autos, reclamando para além do mais as penalidade deliberadas: na assembleia de 11 de Julho de 2015 (acta nº 5) no montante de €4080,95; na assembleia de 29 de Novembro de 2017 (acta 7) no montante de €600,00 por fracção, o que perfaz €3000,00, no pagamento dos juros à taxa legal desde a data de vencimento de cada quotização ou despesas, no valor total de €896,56 e ainda no pagamento dos honorários do mandatário da exequente incluindo os já pagos no montante de €425,00, acrescidos do respectivo IVA.

Conclusos os autos foi proferido o seguinte despacho:

Nos termos do artigo 726º, nº1, do Código de Processo Civil, na execução para
pagamento de quantia certa, que siga a forma ordinária (cf. artigo 550º, nº1, do mesmo diploma legal), o processo é concluso ao juiz para despacho liminar.

O nº2, subsequente, na sua alínea a), estabelece que o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: a). Seja manifesta a falta ou insuficiência do título.

Por sua vez, o nº3, do referido normativo, estatui que é admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados.

O artigo 734º, nº1, do Código de Processo Civil, preceitua que o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.

Por fim, à execução sumária aplicam-se subsidiariamente as disposições do processo ordinário (cf. artigo 551º, nº3, do mesmo diploma legal).

No caso vertente, o título executivo oferecido à execução radica numa/várias acta(s) de condomínio.

Estabelece o artigo 6º, nº1, alínea d), do Decreto-Lei nº268/94, de 15 de Outubro, que a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.

Por força de disposição legal especial, as actas de condomínio são títulos executivos desde que nelas conste: [i] a deliberação das contribuições devidas ao
condomínio; [ii] as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns; e/ou [iii] o pagamento de serviços de interesse comum devidos ao condomínio e que não devam ser suportadas por este (cfr. artigo 703º, nº1, alínea d), este do Código de Processo Civil).

Conforme se esclarece no Acórdão da Relação de Guimarães, de 14 de Fevereiro de 2013 (acessível em www.dgsi.pt/jtrg, Processo nº1415/12.7TBFLG.G1, relatora MARIA LUÍSA RAMOS), (…) Como se deduz do normativo citado, artº 6º- nº 1 do DL nº 268/94, de 25 de Outubro, e do próprio preâmbulo do diploma legal em referência, com o DL nº 268/94, de 25 de Outubro, procuraram-se soluções de maior eficácia no regime de propriedade horizontal e que facilitassem as relações entre os condóminos e terceiros, e um dos instrumentos de que o legislador se socorreu para atingir essa eficácia foi precisamente a de atribuir força executiva às actas das reuniões das assembleias de condóminos, nos termos e sob requisitos indicados na disposição legal citada (…).

Os requisitos de exequibilidade da acta da assembleia de condóminos são, pois, os que se encontram expressamente indicados no citado artigo 6º, nº1, designadamente, a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio; a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respectivo; podendo a referência ao montante em dívida ser referente ao valor global, e, mesmo referente a anos anteriores, havendo que resultar a especificação da documentação anexa (vide o Acórdão da Relação de Lisboa, de 02 de Março de 2010, acessível em www.dgsi.pt/jtrl, Processo nº1663/05.6TBMTA-A.L1-7, relatora MARIA AMÉLIA RIBEIRO: A Acta da Assembleia de Comproprietários que foi utilizada como título executivo mas que não contenha a aprovação das despesas relativas a cada condómino, desde que incorpore os documentos que contêm a indicação dos valores aprovados em assembleia anterior referentes a essas mesmas despesas, pode constituir título executivo válido, à luz do disposto no art.º 46.º CPC.),

No caso dos autos, o exequente “Condomínio da Rua …, Braga”, no artigo 6º, do requerimento executivo, alega que: “Por força do deliberado nessas assembleias os executados incorrem também nas penalidades deliberadas: na assembleia de 11 de Julho de 2015 (acta nº 5) no montante de €4080,95; na assembleia de 29 de Novembro de 2017 (acta 7) no montante de €600,00 por fracção, o que perfaz €3000,00, no pagamento dos juros à taxa legal desde a data de vencimento de cada quotização ou despesas, no valor total de €896,56 e ainda no pagamento dos honorários do mandatário da exequente incluindo os já pagos no montante de €425,00, acrescidos do respectivo IVA.”.

Salvaguardando o devido respeito por entendimento distinto, o valor pedido a
título de penalidades não cabe dentro dos limites do título executivo.

Conforme decidiu a Relação de Guimarães, em Acórdão de 08 de Janeiro de 2013 (acessível em www.dgsi.pt/jtrg, Processo nº8630/08.6TBBRG-A.G1, relatora PAULA BARRETO), que (…) A acta da reunião da assembleia de condóminos não constitui título executivo, ao abrigo do art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, relativamente a deliberações sobre: a) penalizações por atrasos no pagamento de comparticipações e despesas de contencioso e custas judiciais; e b) aprovação do relatório de contas que, em mera operação contabilística, apura o montante em dívida, já vencida, pelos condóminos – sublinhado e destacado nossos.

Também a Relação de Coimbra, em Acórdão de 04 de Junho de 2013 (acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº607/12.3TBFIG-A.C1, relator ARLINDO OLIVEIRA) considerou que: constitui título executivo bastante a acta da assembleia de condóminos que reproduza a respectiva deliberação onde se procedeu à liquidação dos montantes em dívida por cada condómino, podendo a mesma configurar a descrição dos factos, tal como previsto no artigo 810.º, n.º 1, al. e), do CPC e, desse modo, passível de contraditório ou oposição por parte do devedor. A acta da assembleia de condóminos não pode constituir título executivo no que concerne a penalizações, tendo o condomínio de recorrer a acção declarativa de condenação com vista a que lhe seja reconhecido o direito – sublinhado e destacado nossos.

Salvaguardando ainda o devido respeito por entendimento distinto, o valor pedido a título de honorários não cabe dentro dos limites do título executivo.

Conforme decidiu a Relação de Coimbra, em Acórdão datado de 07 de Fevereiro de 2017 (acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº454/15.0T8CVL, relator EMÍDIO FRANCISCO SANTOS): (…) Os honorários e as despesas judiciais não constituem despesas de conservação e fruição das partes comuns nem despesas com serviços de interesse comum para o condomínio (…) Entendendo o tribunal que o pagamento coercivo das penalidades e dos honorários e taxa de contencioso não cabe dentro dos limites do título executivo, deve indeferir liminar e parcialmente a execução nessa parte, apesar de haver decisões jurisprudenciais e opiniões na doutrina no sentido de que a acta da reunião da assembleia de condóminos é título para obter o pagamento coercivo das penalidades e dos honorários – sublinhado e destacado nosso.

No referido aresto explica-se que (…). Como resulta do já exposto, os serviços de interesse comum a que se refere o 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 298/94 são os serviços de interesse comum a que se refere o n.º 1 do artigo 1424.º do Código Civil. E para estes efeitos, serviços de interesse comum são serviços postos à disposição de todos os condóminos, que eles poderão usar ou não usar, como acontece, por exemplo, com os serviços relacionados com equipamentos comuns, tais ascensores, as caldeiras de aquecimento, jardins colectivos, piscinas, antenas colectivas, os serviços de segurança e vigilância do imóvel.

Não é o que se passa com o serviço do advogado, consistente no patrocínio da execução instaurada para cobrança coerciva das quotas, não está à disposição de cada um dos condóminos. Embora se reconheça que a cobrança das contribuições é do interesse do condomínio, o serviço prestado pelo advogado não é um serviço que qualquer um dos condóminos possa usar ou não usar. Os executados não são beneficiários dos serviços prestados pelo advogado. Contra a inclusão dos serviços prestados por advogado num caso como o dos presentes na previsão do n.º 1 do artigo 6.º do CPC depõe ainda o seguinte. Na acção executiva que é tida em vista pelo n.º 1 do artigo 6.º, o proprietário/condómino é executado por ter deixado de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte nas contribuições devidas ao condomínio, ou nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, ou ainda no pagamento de serviços de interesse comum. Não é o que se passa com a presente acção executiva, na parte em que visa o pagamento dos honorários e da taxa do contencioso.

Acresce que, atento o disposto no artigo 533º, nº2, alínea d), do Código de Processo Civil, as referidas despesas com honorários de advogado integram custas de
parte que devem ser pagas pela parte vencida, após reclamação a apresentar após a
decisão final.

Não podem, também, por tal motivo integrar o título executivo sob pena de duplicação de pagamentos.

Em face do exposto, ao abrigo do preceituado nos artigos 726º, nº2, alínea a) nº3 e 734º, ex. vi do artigo 551º, nº3, todos do Código de Processo Civil, indefere-se liminar e parcialmente a execução na parte destinada a cobrar aos executados montantes referentes a penalidades e a honorários de mandatário.
*
Custas a cargo do exequente, na proporção do respectivo decaimento.
*
Notifique, comunique ao(à) Sr.(a) AE e demais diligências necessárias.

Descontente com esta decisão apresenta o exequente recurso cujas alegações termina com as seguintes conclusões:

1-As actas das assembleias de condóminos que tiverem a que tiverem deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o/s proprietário/s que deixar/em de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte
2 - As assembleias de condóminos podem fixar penas pecuniárias aos condóminos pela inobservância de regras do Código Civil, do Regulamento de Condomínio ou disposições da assembleia de condóminos.
3 - As penas pecuniárias só são suportadas pelos condóminos faltosos e não pelo condomínio.
4 - A deliberação de obrigação de pagamento de honorários de advogado por parte de condómino relapso, conforme deliberado em assembleia de condóminos não impugnada dentro dos prazos legais do n° 4 do art° 1433° do Cód. Civil, corresponde a uma aceitação prévia da obrigação de aceitação de pagamento de honorários da parte contrária.
5 - Na letra do art° 1 do Dec. Lei 268/94 de 15 de Outubro, a expressão "serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio", inclui não só as obrigações decorrentes dos artigos 1424°, 1426°, 1427°, 1429, n° 2, mas também o seguro obrigatório e as penalidades previstas no art° 1434° n° 1 (todos do Cód. Civil), e os honorários de advogado do condomínio, quando assim deliberado sem impugnação, e cujo montante por já ter sido pago seja certo, liquido e exigível.
6 - A coerência do sistema impõe e o princípio da economia processual impõe que a acta seja título executivo também quanto a penalidades deliberadas e honorários deliberados e cuja quantia, por já paga, seja certa e líquida.
7 - A douta decisão recorrida fez errada aplicação do disposto no artigo 1434°, n° 1 do Cód. Civil, e do n° 1 do art° 6° do Dec. Lei 268/94, de 15 de Outubro.

NESTES TERMOS,
Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e por via disso ser a douta decisão de indeferimento liminar parcial ser revogada e substituída por outro onde seja liminarmente deferida a execução quanto aos montantes peticionados a título de penalidades e honorários já pagos ao signatário.

Assim se fazendo Justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

Questões a conhecer:

- Se o recorrente dispõe de titulo executivo para pagamento das penalidades;
- Se o recorrente dispõe de titulo executivo para pagamento dos honorários do advogado e despesas.

II.FUNDAMENTAÇÃO

OS Factos:

A factualidade relevante é a que consta do relatório supra exarado.

O Direito:

Apreciando

O título executivo dado à execução:

O título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização coactiva da correspondente pretensão através de uma acção executiva; esse título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de um terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação (Cf. artºs. 817º e 818º do CC).

Em conformidade com o estatuído no artigo 10º, nº 5, do Código de Processo Civil – já aplicável ao caso dos autos (correspondente ao anterior artigo 45º, nº 1) -, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.

É ao nível destes limites que se suscita a discussão em apreço no recurso.

No artº 703º nº1 do CPC, sob a epígrafe “Espécies de títulos executivos” consta que à execução apenas podem servir de base, entre os ali enumerados taxativamente, os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva (alínea d).

Um desses documentos é a acta da reunião da assembleia de condóminos, previsto no artº 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de outubro, no qual se estipula que a acta de reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.

Está, pois, em causa um documento a que, por disposição especial, é atribuída força executiva, nos termos previstos na al. d) do nº1 do elenco taxativo de títulos executivos constante do art. 703º do CPC.

Como se refere no Preâmbulo do citado DL, visou-se, por um lado, tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal, e, por outro, facilitar o decorrer das relações com terceiros (por interesses relativos ao condomínio).


No que toca às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, estatui-se no nº1 do art. 1424º do CC que as mesmas são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções, dispondo-se, por outro lado, no nº2 do mesmo artº, que “Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação”.

Existe título executivo para as penalizações solicitadas?

A questão em debate neste recurso não é pacífica, constituindo um tema de profunda divergência jurisprudencial, como se ilustra com a breve síntese que se segue:

Pronunciam-se a favor da tese defendida pelo recorrente, os seguintes acórdãos (todos acessíveis no site da DGSI): desta Relação – de 2.03.2017, processo n.º 2154/16.5T8VCT-A.G1; e de 22.10.2015, processo n.º 1538/12.2TBBRG-A.G1; da Relação do Porto - de 17.05.2016, processo n.º 2059/14.4TBGDM-A.P1, de 24.09.2013, processo n.º 7378/11.9YYPRT-A.P1, de 24.02.2015, processo n.º 6265/13.0YYPRT-A.P1; da Relação de Lisboa - de 9.97.2007, processo n.º 9276/2007-7; de 20.0.2014, processo n.º 8801/09.8TBCSC-A.L1-2, processo nº 286/18.4 T8SNT.L1.7 ( com voto de vencido).

Contra a tese defendida pelo recorrente (e a favor da que obteve acolhimento na sentença recorrida), registam-se os seguintes arestos: desta Relação - de 8.01.2013, processo n.º 8630/08.6TBBRG-A. G1; –da Relação do Porto - de 16.12.2015, processo n.º 2812/13.6TBVNG-B. P1; e da Relação de Coimbra – de 4.06.2013, processo n.º 607/12.3TBFIG-A.C1; e de 7.02.2017, processo n.º 454/15.0T8CVL.C1 e da Relação de Lisboa processo nº 1094/13.4 YYLSB.L1.6 de 01.03.2019.

Acompanha-se, sobre esta questão, o Ac. da R.P. de 07.05.2018, Proc. n.º 9990/17.3T8PRT-B. P­1 (Carlos Querido), in www.dgsi.pt:

«Sublinhámos as palavras “apenas” e “disposição especial”, para enfatizar o princípio da excecionalidade das normas que preveem títulos executivos avulsos em razão do seu caráter restritivo de direitos patrimoniais e mesmo processuais do devedor, como refere Rui Pinto na obra citada [Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017 (A Execução de Dívidas de Condomínio), pág. 196].
Face à apontada característica de excecionalidade, as normas que preveem títulos executivos extrajudiciais têm um âmbito taxativo, não admitindo interpretação analógica, apesar de permitirem interpretação extensiva, atento o disposto no artigo 11.º do Código Civil.


Definida a natureza excecional da norma, passamos à integração concreta da sua previsão.

Decorre da sua interpretação gramatical, que o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 atribui força executiva à ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado a obrigação de cumprimento pelos condóminos das seguintes prestações: i) contribuições devidas ao condomínio; ii) quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns; iii) pagamento de serviços de interesse comum.

E poderemos integrar no conceito de “contribuições devidas ao condomínio” as sanções pecuniárias?

Haverá que tomar em consideração a epígrafe do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10: «Dívidas por encargos de condomínio».

O artigo 1424.º do Código Civil define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum”.

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela [4], nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns incluem-se todas as que sejam indispensáveis para manter essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam.

Sendo inegável a conclusão de que, uma vez fixada e deliberada em ata, a penalização pecuniária em que incorre o condómino se traduz numa “contribuição devida ao condomínio”, haverá, no entanto, que concluir, atenta a sua natureza excecional, que o título executivo a que se refere o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 [sob a epígrafe «Dívidas por encargos de condomínio»] não abrange no seu âmbito tal penalização, na medida em que esta não corresponde a um “encargo de condomínio” de acordo com a definição consagrada no artigo 1424.º do Código Civil.

Os “encargos de condomínio” a que se referem o artigo 1424.º do Código Civil e o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 apenas respeitam à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como aos “serviços de interesse comum”, traduzindo-se na contribuição proporcional de cada condómino para tais despesas.

(…), a contribuição referente a uma penalização deliberada pela assembleia de condóminos nada tem a ver com a previsão legal do artigo 1424.º do Código Civil, não se integrando na previsão do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, encontrando-se prevista, no n.º 1 do artigo 1434.º do Código Civil, que permite a fixação de «penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador».

Fazendo apelo às regras de interpretação previstas no artigo 9.º do Código Civil, constituem elementos da interpretação jurídica: a análise da letra e a determinação do espírito da lei, sendo esta efetuada através dos elementos racional, sistemático, histórico e conjuntural.

O Código Civil incorpora no conceito de “pensamento legislativo” (art.º 9.º/1 do CC) um elemento interpretativo de particular relevância – racional ou ratio legis - o qual se traduz na razão de ser, no fim objetivo, prático, que a lei se propõe atingir; a ratio legis revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina.

E o objetivo visado pelo legislador ao atribuir à ata de deliberação do condomínio força executiva, através de «disposição especial» [art.º 703.º, n.º 1, d) do CPC], terá sido o de garantir a imediata exequibilidade das “Dívidas por encargos de condomínio”, como se inscreve na epígrafe do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, abrangendo o título apenas as “contribuições devidas ao condomínio” referentes a tais encargos.

Pensamos, salvo o devido respeito, que conclusão diversa não encontra suporte legitimador no parâmetro de excecionalidade expressamente previsto para os títulos executivos avulsos.

Com efeito, se considerarmos que o conceito de “contribuições devidas ao condomínio” para efeitos de integração da previsão do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, abrange tudo o que for devido – qualquer contribuição, desde que deliberada pela respetiva assembleia – deparamo-nos com uma “norma aberta” em que a assembleia de condóminos assume uma estranha soberania: tudo o que delibera que seja devido ao condomínio passa a ser de imediato exequível sem recurso à ação declarativa.

Em conclusão, a integração da previsão legal do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, no que concerne às “contribuições devidas ao condomínio” deverá ser feita com referência ao artigo 1424.º do Código Civil, que define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum».

Na doutrina refere Abrantes Geraldes, (1) «é claro que tal exequibilidade está delimitada pelas obrigações expressamente referidas na lei».

Mas que obrigações serão essas? São aquelas a que se refere o art. 1424.º, do C.C., cujo n.º 1 estatui que «salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções».

Da conjugação de ambos os citados preceitos resulta que a ata da assembleia de condóminos não constitui título quanto a todos e quaisquer créditos de que o condomínio seja titular, mas apenas no que respeita àqueles a que se reporta o art. 1424º, nº 1 do CC, a saber os que tenham que ver com o pagamento de despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.

Para Rui Pinto, (2) a ata da assembleia de condóminos «não constitui título executivo de quaisquer outras obrigações pecuniárias de condomínio, como o pagamento de penas pecuniárias fixadas pela assembleia do condomínio, nos termos do art.º 1434.º do CC», pois «as penalidades não são nem “contribuições”, nem “despesas”, mas obrigações sucedâneas por incumprimento».

Existe título executivo para pagamento dos honorários do mandatário da exequente incluindo os já pagos no montante de €425,00, acrescidos do respectivo IVA?

Propendemos a considerar, conforme o decidido no acórdão da Relação do Porto datado de 18.02.2019 e proferido no processo nº 25136/15.0T8PRT-A. P1 que nos termos conjugados dos artigos 703.º, nº 1 al. d) do CP Civil, e 6. ° do DL 268/94, de 25 de Outubro:

A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título estabelecido na sua quota-parte”.

O Decreto-Lei n°268/94, de 25 de Outubro, confessadamente, visa “procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal”.

Mas será que foi objectivo do legislador incluir nas “contribuições devidas ao condomínio” e ao aludir a “a pagamento de serviços de interesse comum”, consentir que nas actas/título executivo, se incluam as despesas judiciais e honorários com mandatários judiciais?

Quando o condomínio celebra um contrato de mandato forense com um advogado, apenas, entre tais contraentes se estabelece um vínculo contratual, sem dúvida no interesse do colectivo dos condóminos - o condomínio - mas, realidade totalmente diversa, é pretender que as despesas com o mandatário sejam, sem mais, serviços de interesse comum, na acepção que nos parece ter sido a querida do legislador - que foi relacionar tais despesas com as inerentes ao funcionamento intrínseco do condomínio, salvaguardando a operacionalidade e a rapidez de cobrança de dívidas do condomínio que, exclusivamente, se relacionam de maneira directa e imediata, com as obrigações dos condóminos, em relação às partes comuns.

E para estes efeitos, serviços de interesse comum são serviços postos à disposição de todos os condóminos, que eles poderão usar ou não usar, como acontece, por exemplo, com os serviços relacionados com equipamentos comuns, tais ascensores, as caldeiras de aquecimento, jardins colectivos, piscinas, antenas colectivas, os serviços de segurança e vigilância do imóvel.

Não é o que se passa com o serviço do advogado, consistente no patrocínio da execução instaurada para cobrança coerciva das quotas, não está à disposição de cada um dos condóminos.

Embora se reconheça que a cobrança das contribuições é do interesse do condomínio, o serviço prestado pelo advogado não é um serviço que qualquer um dos condóminos possa usar ou não usar. Os executados não são beneficiários dos serviços prestados pelo advogado.

Portanto, não obstante como supra já se referiu se entenda, tal como defende Sandra Passinhas - Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, pág. 310- , que deve ser amplo o campo de aplicação da expressão “contribuições devidas ao condomínio”, incluindo nele as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício, as despesas com as inovações, as contribuições para o fundo comum de reserva, o pagamento do prémio do seguro contra o risco de incêndio, as despesas com a reconstrução do edifício e as penas pecuniárias fixadas nos termos do artigo 1434.º, não pode ele ser tão abrangente que englobe que nas actas/título executivo, se incluam as despesas judiciais e honorários com mandatários.

Repare-se que não acção executiva que é tida em vista pelo n.º 1 do artigo 6.º do já citado D. Lei nº 268/94, de 25 de Outubro, o proprietário/condómino é executado por ter deixado de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte nas contribuições devidas ao condomínio, ou nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, ou ainda no pagamento de serviços de interesse comum.


Todavia, isso não é o que se passa com a presente acção executiva, na parte em que visa o pagamento dos honorários e da taxa do contencioso.

E contra isso não se argumente que da acta n.º 27 resulta que na página 4, 2.º parágrafo da mesma, está prevista a acção judicial contra condóminos em mora, e que as despesas relativas à interposição da respectiva acção serão imputadas ao devedor.

Com efeito, para tal desiderato não basta uma deliberação é também necessária previsão legal que a acomode, conferindo-lhe a força executiva respectiva o que, como já se referiu, não é o caso.

Aliás, diga-se, que fazer dotar as despesas com mandatários judiciais de força executiva, de maneira tão genérica e não limitada a montante certo (na verdade, a acta alude apenas a todas as despesas judiciais e extrajudiciais e honorários a advogado), seria abrir a porta ao arbítrio, e procedimento lesivo da boa-fé e do princípio da confiança, não se excluindo a possibilidade de conluios, entre a administração do condomínio, ou do administrador, e quem fosse contratado como mandatário.

Sumariando e concluindo:

- A acta da assembleia de condóminos na parte em que se aplica sanções a estes não vale como titulo executivo.
- Os honorários as despesas judiciais não constituem despesas de conservação e fruição das partes comuns nem despesas com serviços de interesse comum para o condomínio.

III. DECISÃO

Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, ao qual negam provimento e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo do recorrente.
Notifique
Guimarães, 30 de Maio de 2019
(processado em computador e revisto pela relatora antes de assinado)

O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos

Maria Purificação Carvalho (relatora)
Maria dos Anjos Melo Nogueira (1ªadjunta)
José Cravo (2º adjunto)

1 - in Títulos Executivos, in Revista Themis, IV. /4 (2003), pp. 35-66 (esp. p. 66)
2 - A Execução de Dívidas do Condomínio, in Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017, p. 192,