Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
76/24.5T8FAF.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: ARROLAMENTO
DIVÓRCIO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DO REQUERENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O pedido formulado pelo requerente/autor na petição inicial (art. 552º, nº 1, e) do CPC) deve, em regra, ser feito na conclusão. Contudo, tal não obsta a que possa também ser expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos pretendidos.
II- Como condição da procedência da providência solicitada-arrolamento como preliminar de ação de divórcio- não tinha o requerente que identificar exatamente, de forma individualizada e pormenorizada, os bens móveis existentes na casa de morada de família.
III- Consistindo o arrolamento na descrição, avaliação e depósito dos bens e tendo por finalidade evitar o extravio ou a dissipação, salvaguardar a sua conservação, deve o juiz ordenar as providências se adquirir a convicção de que, sem o arrolamento, o interesse do requerente corre risco sério – artº 405º, nº2, do CPCivil, pelo que, sendo essa a vontade do legislador, ao julgador devem estar arredadas as interpretações normativas que possam fazer frustrar tal fim.
IV- Na senda da preservação da coisa que se visa arrolar, o legislador basta-se com a possibilidade de ocultação, pelo que, alegando-se a ocultação de bens do casal formado pela requerente e requerido, através da transferência do montante respetivo para a conta de terceiro, filho de ambos-requerente e requerida-, impõe-se o arrolamento, mesmo da conta indicada, apesar de não titulada por nenhum dos cônjuges, desde que verificados todos os restantes pressupostos da providência cautelar.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
*
I- Relatório:
*
Em 22-01-2024, foi decidido, por despacho liminar, o seguinte: “ julgo verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, na modalidade de ininteligibilidade do pedido, e, em consequência, absolvo a R. da instância.”
*
Inconformado, veio o requerente/autor recorrer deste despacho de indeferimento liminar e a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

“I – O Réu veio demandar ao Tribunal este procedimento cautelar de arrolamento como preliminar da ação de divórcio que vai intentar contra sua ainda mulher, aqui requerida.
II – O procedimento de arrolamento, como qualquer procedimento cautelar, pela própria natureza das coisas, é um processo simples e urgente, sendo que, no caso, dada aquela natureza do presente arrolamento é ainda maior tal simplicidade procedimental como tem sido entendido pacificamente pelos Tribunais.
III – O requerente invocou a sua vontade de se divorciar, assim como os factos que a fundamentam, esclareceu os bens a arrolar, bem como a natureza deste incidente e invocou até factos (que provou documentalmente) justificativos do receio de extravio.
IV – O presente arrolamento tem por objeto a mera descrição de um valor em dinheiro – 95 500 Euros – transferido da conta do requerente com a sua ainda mulher, aqui requerida, para a conta do filho do casal, verba essa pertença de requerente e requerida, tal como invocado (e alguns bem móveis).
V – Não obstante esta factualidade, o Tribunal indeferiu liminarmente o arrolamento pretendido, invocando sem mais a ineptidão da petição inicial por “ininteligibilidade”.
VI – Ao contrário do que entende o requerente, não se verifica tal vicio, quer em sede formal, quer em sede substantiva.
VII – De facto, formalmente, o requerente elencou os factos que fundamentam o seu pedido, requereu o arrolamento e indicou os bens a arrolar.
VIII – E no petitório invoca o arrolamento pretendido.
IX – Por outro lado, quanto à questão substantiva, é inequívoco que o arrolamento se pode realizar em bens “detidos” pela requerida e/ou terceiros.
X – É o que resulta das especificas normas legais que regulamentam este tipo de procedimento.
XI – Acresce que, ao arrolamento e ao arresto são aplicáveis as disposições respeitantes à penhora, sendo inequívoco que a Lei permite (e prevê) a penhora de bens ainda que em nome e na posse de terceiros.
XII – Aliás a Lei prevê escapatória para a hipótese de se penhorar, arrolar ou arrestar bens que não sejam dos requeridos e/ou executados -     o mecanismo de reação a esta hipótese é a dedução de embargos de terceiro.
XIII – Ressalvado o devido respeito e melhor opinião a petição inicial não é inepta, nem ininteligível.
Sem prescindir
XIV – Em todo o caso, ainda que o Tribunal por excesso de zelo entendesse que a petição inicial necessitava de correção ou melhoramento, deveria – estava “obrigado” - deitar mão do poder/ dever previsto nos artigos 6, 7 e 690, nº 2, al. b) e nºs 3 e 4, todos do CPC.
Tudo visto
XVI – Na petição inicial o requerente identifica as partes, descreve os factos para o fundamento, identifica os bens a arrolar e pede a providência
XVII – Pelo que a petição inicial é inteligível e cumpre os requisitos legais.
XVIII - Violou, assim, por erro de interpretação a decisão recorrida, além do mais, os artigos 6, 7 377, 403, 405, 406, 409, 690, 703 e segts, em particular 735 e segts., todos do CPC..”
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão essencial que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber:
- se a ré não devia ter sido absolvida da instância devido à exceção da ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade do pedido.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos a atender com relevo jurídico-processual constam do relatório elaborado.
*
IV. Fundamentação de direito.

No essencial, o despacho de indeferimento recorrido entende que a petição inicial é inepta, por ser ininteligível o pedido, porquanto o pedido não surge no final da petição inicial, mas misturado com a causa de pedir, pelo que não se considerou que indicou os bens em concreto a arrolar, tal como ocorre no arresto.
Por outro lado, entendeu-se que “ parece pretender-se o arrolamento de uma conta bancária de um terceiro (filho do casal, cfr. artigo 28º da p.i.); o arrolamento é dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens (artigo 403º, nº2, do CPC), o que, no caso, é a ação de divórcio; e como é bom de ver, esse terceiro não será parte nessa ação principal (ação de divórcio), sendo ininteligível o pedido.
O requerente/autor entende que como identifica no requerimento inicial que bens pretende ver arrolados – artigos 27, 28 e 29 da petição inicial e refere o modo como se deve proceder ao arrolamento – artigos 33, 34 e 35 da petição inicial, tal é bastante e suficiente para que se entenda que o pedido formulado “ seja determinado pelo Tribunal o dito arrolamento” não é um pedido vago ou genérico, e quando muito e se se entendesse ser insuficiente deveria ter sido colmatada tal falha com um despacho de aperfeiçoamento.
Vejamos se lhe assiste razão.
Dispõe o art. 186º nº 2 do C.P.C.: “ Diz-se inepta a petição:
“a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”
Em obediência ao princípio do dispositivo, na petição inicial o autor deve, além do mais, expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação e formular o pedido (art. 5º nº 1 e 552º nº 1 d) e e) do C.P.C.).
O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor.
A causa de pedir, segundo a adotada teoria da substanciação, traduz-se no facto jurídico material, concreto, em que se baseia a pretensão deduzida em juízo (art. 581º nº 4 do C.P.C.).
A falta de causa de pedir consiste na omissão de factos essenciais (apenas estes) que servem de fundamento ao efeito jurídico pretendido.
A petição inepta por falta de causa de pedir ou pedido, que é um vício formal, distingue-se da petição deficiente, que é uma questão de mérito ou substancial que conduz à inviabilidade ou improcedência.
A este propósito, entendemos que continua atual a lição de Alberto dos Reis, in Comentário (…), vol. 2º, 364-365 e 372: “Petição inepta é uma coisa, petição incorrecta é outra. Ou melhor, nem toda a incorrecção, nem toda a imperfeição do requerimento inicial conduz à ineptidão. O autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter? A petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta.
(…) Importa, porém, não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente. (…) Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga.”
Nos termos do art. 186º nº 3 do C.P.C. a ineptidão por falta ou ininteligibilidade do pedido e causa de pedir consubstancia nulidade sanável quando o réu contesta arguindo a ineptidão com tal fundamento, mas verifica-se que, ouvido o autor, aquele interpretou convenientemente a petição pelo que a referida exceção é julgada improcedente.
Como se lê na anotação a este artigo feita pelo Prof. Teixeira de Sousa ( no seu blogue IPPC) “ Atendendo ao princípio da sanabilidade dos vícios processuais (art. 6º, n. 1), impõe-se restringir as situações de ineptidão da p.i. e alargar as hipóteses de deficiência desta petição (em conclusão, RP 24/1/2022 (380/18)). Isto implica que é a ineptidão da p.i. que tem de se demarcar, pela negativa, perante a deficiência dessa petição (e não o inverso), pelo que tudo o que possa ser reconduzido a um vício de deficiência deve ficar de fora do âmbito de aplicação do artigo.”
Por isso, este professor entende que “ no passado, a opção era entre a petição inepta e a petição deficiente que originava a improcedência da acção (AR Com II (1945), 372); agora, a opção é entre a petição inepta e a petição deficiente susceptível de sanação (art, 590.o, n.o 2, al. b), e 4).”.
Vejamos ainda: a petição é inepta quando falte ou seja ininteligível o pedido (n. 2, al. a); tb art. 552º, n. 1, al. e)).
Ora, seguindo a lição daquele professor, o pedido falta quando na p.i. não seja formulado nenhum pedido (RL 4/2/2020 (13977/17)). O mesmo sucede quando não seja formulado um pedido imposto pela lei. P. ex.: na execução para prestação de facto, pode ser necessário requerer a fixação de prazo para o cumprimento da obrigação exequenda (art. 874.o, n.o 1); a falta deste pedido torna o requerimento executivo inepto.
Já a falta de pedido não se verifica quando a parte formula, corretamente, um pedido genérico (art. 556º, n.o 1)…
…O pedido é ininteligível quando, numa perspetiva jurídica, não se consegue perceber o efeito jurídico pretendido pela parte. (b) O pedido ininteligível não deve ser confundido com o pedido confuso, obscuro ou ambíguo (dif. GPS I (2022), n.o 10): estas situações originam um pedido deficiente, mas não um pedido ininteligível. O dever de esclarecimento do tribunal (art. 6º, nº 2) justifica que se faça uma interpretação extensiva do disposto no art. 590º, n. 2, al. b), e 4, e se aplique ao pedido deficiente o convite ao aperfeiçoamento estatuído neste preceito.
Ainda: do pedido ininteligível também há que distinguir: (i) o pedido que se encontra, na opinião do tribunal, erradamente qualificado; nesta hipótese, cabe ao tribunal qualificar adequadamente o pedido (art. 5.o, n.o 3); (ii) o pedido juridicamente impossível (p. ex., RG 17/12/2020 (1484/20)); este pedido deve ser julgado improcedente.”.

Volvendo ao caso sub judicio: logo no rosto do requerimento inicial temos identificado o procedimento cautelar de arrolamento como preliminar da ação de divórcio, o que é permitido nos termos do art. 409º do CPC: “ qualquer dos cônjuges possa requerer o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro”. Dispõe o nº 3 do mesmo artigo que não é aplicável a tais arrolamentos o disposto no nº 1 do art. 403; deste modo, o justo receio de extravio ou dissipação dos bens não tem que ser alegado ou provado, não constituindo requisito deste tipo de arrolamento.
Agora considerando a estrutura da petição inicial (intróito/narração/conclusão) tem-se discutido se só é processualmente válido o pedido feito na conclusão.
Segundo determinado entendimento, o pedido há de ser expressamente deduzido na conclusão, não bastando que apareça acidentalmente referido na narração (cf., por ex., ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, pág.234).
Outra opinião é no sentido de que o pedido pode estar formulado no articulado, desde que se revele com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos pretendidos (cf., por ex., Ac RC de 27/1/87, BMJ 363, pág.612, de 3/2/93, BMJ 424, pág.748, de 20/3/07, e de 10-09-2013, ambos em www dgsi.pt).
Para nós é inequívoco que como o pedido deve ser o corolário lógico dos fundamentos (causa de pedir) e terá que ser feito com precisão, de modo a que não haja dúvidas sobre o efeito jurídico pretendido, sob pena de ineptidão (art.186 nº2 a) e b) do CPC), faz todo o sentido que seja formulado na conclusão.
Sem embargo, tal não obsta a que se acolha a segunda orientação, naqueles casos em que o pedido tenha sido deduzido na narração com mais pormenor.
As razões avançadas para esta última posição são as seguintes: “ Em primeiro lugar, porque a petição configura uma declaração de vontade tendente a obter um determinado efeito jurídico, devendo ser interpretada segundo o critério estabelecido nos arts.236 nº1 e 238 nº1 do CC (cf., por ex., Ac do STJ de 21/4/05, em www dgsi.pt). Depois porque se não releva a ineptidão por falta ou ininteligibilidade do pedido no caso de o réu haver interpretado convenientemente a petição inicial (art.193 nº3 do CPC, atual 186,nº3), por maioria de razão, ou por aplicação analógica, deve admitir-se um pedido feito no corpo do articulado, maxime se foi corretamente interpretado pelo demandado.”( in citado AC RC de 10-09-2013).
A respeito da identificação dos bens ou documentos a arrolar, na doutrina o Prof. Marco Gonçalves no seu livro “ Providências Cautelares” ( p. 262), responde diretamente à questão afirmando que “ na petição inicial o requerente não tem o ónus de identificar, de forma individualizada e pormenorizada, os bens ou documentos que pretende arrolar.”
Claro que, alerta aquele autor, ser o desejável essa identificação, sempre que seja possível, mas pode suceder que não esteja o requerente em condições para identificar esses bens ou documentos. Aliás, pode ocorrer que o requerente desconheça a existência de bens ou dos documentos que pretende arrolar, tal como sucede, por exemplo no caso apontado naquele manual “ de pedido de arrolamento de bens que integram o património hereditário de alguém que faleceu ou de saldos de depósitos de que o requerido seja titular. Nesses casos, a identificação e concretização dos bens ou documentos objeto de arrolamento apenas terá lugar aquando da execução dessa providência.”
Ora, cremos que o caso vertente se insere neste circunstancialismo.
Com efeito, considerando-se que a petição inicial é um todo e como tal tendo de ser entendida e interpretada, então o juiz não pode deixar de conhecer de um pedido de arrolamento na conclusão e que, não constando embora concretamente das conclusões da petição inicial, está no entanto claramente formulado no articulado, onde se revela com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos correspondentes ( vide neste sentido Ac. do S.T.J. de 24-1-95, in Col./STJ, I, pág. 39 e Acórdão da Relação de Coimbra de 3-2-93, in Bol. nº 424º-748, e AC RC de 20-03-2007, in dgsi).
Ora, como vimos, é neste condicionalismo que se inscreve o caso em apreço, bastando atentar no teor daqueles artigos 27, 28 e 29 da petição inicial e que identificam concretamente os bens a arrolar e artigos 33, 34 e 35 da petição inicial que referem o modo como se deve proceder ao arrolamento. Tal é bastante e suficiente para que se entenda que o pedido formulado “ seja determinado pelo Tribunal o dito arrolamento” não é um pedido vago ou genérico ( vide neste sentido também AC RL de 16-03-2017(proc. 185/15) e em sentido contrário AC RP de 27-09-2016 ( proc. 2745/15), ambos in dgsi e citados por Marco Gonçalves, nota 837, p. 262, da ob. cit.).
Assim sendo, e tendo em atenção que, face à certidão de casamento constante dos autos, provado está, assim, o casamento entre as partes e regime de bens ( comunhão de adquiridos), pelo que será séria a probabilidade de os bens que venham a ser arrolados e existentes na casa de morada de família sejam bens comuns, genericamente, estando, assim, demonstrada, deste modo, a probabilidade séria da existência do direito invocado quanto aos bens móveis arrolados da casa de morada de família.
Em face do exposto, não seria obstáculo ao arrolamento a indicação daqueles bens móveis sem pormenorizar e concretizar os mesmos.
*
E o que dizer do dinheiro/quantia transferida pela requerida para a conta bancária do filho de ambos?
Também aqui a decisão recorrida entendeu que seria ininteligível o pedido porquanto “esse terceiro não será parte nessa ação principal (ação de divórcio)”.
Salvo o devido respeito, igualmente não concordamos com tal entendimento.
Ora, aderindo aos argumentos do Acordão deste TRG de 24-09-2015, proc.3175/15.0T8GMR-A.G1, dgsi e com os quais concordamos, e seguindo de perto o mesmo raciocínio, diremos que com o arrolamento pretendeu o legislador evitar o extravio ou a dissipação de bens, e alegando-se já na p.i, que esse dinheiro foi extraviado para uma conta bancária do filho da requerida e sendo vontade do legislador que o juiz ordene as providências se adquirir a convicção de que, sem o arrolamento, o interesse do requerente corre risco sério – artº 405º, nº2, do Código de Processo Civil, ao julgador devem estar arredadas as interpretações normativas que possam fazer frustrar tal fim.
Com efeito, sendo o direito acautelado o direito à justa partilha do património comum, e tendo o arrolamento por finalidade inventariar o património do casal, deve o juiz ordenar o arrolamento dos bens do casal, mesmo que transferidos para uma conta pertencente apenas ao filho da requerida e requerente, pois que se presume “jure et de jure o “justo receio de extravio ou de dissipação de bens” (art. 403 do CPC).
Em verdade, no caso sub judicio, dos documentos juntos pelo requerente, verifica-se que da conta bancária donde consta o nome da requerida ( e que o requerente alega ser conta solidária de ambos), na “Banco 1...”, com o nº...00, a quantia de 95 5000 Euros, foi transferida, em 02.10.2023, para a conta bancária do filho de ambos, AA, também da “Banco 1...”, com o nº ...00 –
Analisando todos estes elementos e tendo presente o disposto no art. 1725 do C. Civil, e os documentos juntos (-Assento de Casamento de requerente e requerido, sem convenção antenupcial e certidão de nascimento do filho e extrato bancário)- tanto basta para que esteja suficientemente documentada a alegada ocultação de bens do casal formado pelo requerente e requerida, através da transferência do montante respetivo para a conta de terceiro, filho de ambos.
Por isso, não seria obstáculo ao arrolamento a indicação daquela conta bancária, apesar de não titulada por nenhum dos cônjuges.
*
V- Decisão:

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, devendo ser admitido o procedimento cautelar requerido, sem audição da parte contrária e em consequência, deverão ser apreciados os restantes requisitos do procedimento cautelar de arrolamento.
DN.
Custas da apelação pela parte vencida a final (cfr. disposições combinadas dos artºs 663º n.º 2, 607º n.º 6, 527º n.º 1 e 2, 529º n.º 4 e 533º n.º 1 e 2 todos do CPC).
Guimarães, 29 de fevereiro de 2024

Relatora:  Anizabel Sousa Pereira
Adjuntos: Fernanda Proença Fernandes e
José Manuel Flores