Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
448/17.1T8MNC.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: HONORÁRIOS ADVOGADO
CRÉDITOS POR SERVIÇOS PRESTADOS NO EXERCÍCIO DE PROFISSÕES LIBERAIS
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
JUROS DE MORA SOBRE O MONTANTE DO IMPOSTO VALOR ACRESCENTADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO DA AUTORA
IMPROCEDENTE O RECURSO DA RÉ
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – No art. 317º, al. c) do Código Civil estão em causa créditos por serviços prestados no exercício de profissões liberais (como seja o caso do pagamento de honorários a advogado, contanto que não esteja em causa um vínculo de natureza laboral).

II – Constituindo uma mera presunção de pagamento pelo decurso do prazo, a prescrição presuntiva não poderá aproveitar a quem tenha uma atuação em juízo que logicamente a exclua, designadamente quando o devedor discute a existência, o montante, o vencimento ou outras características dos honorários reclamados, como seja o número de horas despendidas no estudo da causa e preparação da petição inicial (art. 314º do CC).

III – Os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento dos honorários também incidem sobre o montante relativo ao imposto valor acrescentado.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

X & Associados – Sociedade de Advogados, S.P., RL, instaurou, no Juízo de Competência Genérica de Y do Tribunal Judicial da Comarca de Viana de Castelo, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Maria e H. D., pedindo a condenação solidária destes no pagamento da quantia de € 5.125,00, acrescida de IVA à tabela em vigor e juros de mora vincendos desde a data da factura, até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, e em síntese, alegou que, no exercício da sua actividade, prestou serviços à 1ª ré, tendo esta outorgado uma procuração forense a favor do sócio da autora para que a representasse na execução dos procedimentos legais destinados a obter a condenação do Município de Y a praticar um acto de deferimento do projecto de construção apresentado pela mesma ou, em alternativa, a obter a expropriação do prédio em questão.

Mais alegou que, pese embora a questão em causa respeitasse à 1ª ré, o 2º réu, seu irmão, sempre assumiu um papel muito importante para a prestação do serviço, tendo alegado que possuía um interesse pessoal na questão, além de que era o próprio quem tratava dos assuntos da irmã.

Os serviços jurídicos iniciaram-se em 25.10.2006 e cessaram em Novembro de 2015; os réus pagaram o valor de € 500,00 no início do processo e, em 16.05.2016, foi remetida a nota de honorários aos réus, que foi devolvida pelo facto de os mesmos não terem procedido ao seu levantamento nos correios.
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Regularmente citados, contestaram os Réus (cfr. fls. 75 a 80), invocando a exceção de ilegitimidade passiva do réu H. D. uma vez que este agiu como mero núncio da sua irmã Maria, devido ao facto desta residir habitualmente em França; mais invocaram a exceção de prescrição presuntiva, alegando para o efeito que no início do contrato a sua irmã pagou à autora, em numerário, a quantia de € 800,00 a título de provisão para honorários e de € 500,00 a título de provisão para despesas; que a acção em causa terminou por transacção judicial, tendo a ré, a final, entregue à autora o valor de € 1.250,00 em numerário, para liquidação das contas; que o sócio da autora nunca lhe passou qualquer recibo e exigiu sempre que os pagamentos fossem efectuados em numerário; e que a presente acção apenas foi interposta, porque a sociedade comercial “K – Imobiliária, Lda.”, da qual o réu é sócio, revogou uma procuração forense à autora (tratando-se de uma perseguição pessoal ao réu).
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No exercício do contraditório, veio a autora responder às excepções arguidas pelos réus, alegando, em síntese, que o réu H. D. informou o advogado P. V., sócio da autora, que tinha um interesse pessoal no assunto, não podendo confundir-se a legitimidade processual com a legitimidade substantiva (cfr. fls. 90 a 92).

Alegou, ainda, que a autora apenas recebeu a quantia de € 500,00, acrescida de IVA, a título de provisão para honorários, não tendo os réus pago qualquer outro quantia, até porque tal não lhes foi solicitado pela autora, que apenas apresentou a conta final em Maio de 2016. Por outro lado, os réus praticaram actos em juízo, incompatíveis com a presunção de cumprimento que invocam (concretamente a alegação de que nada devem, de que pagaram tudo e que, ainda assim, os honorários peticionados são excessivos).
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Foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a exceção de ilegitimidade passiva; foi fixado o valor da causa, o objecto do processo e os temas da prova, bem como admitidos os meios de prova (cfr. fls. 99 e 100).
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Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 117 a 119 e 124 a 127).
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Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença (cfr. fls. 128 a 139), nos termos da qual julgou a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:

a) Condenar a Ré, Maria, no pagamento à autora, X & Associados – Sociedade de Advogados, S.P., RL, da quantia de € 2.740,00, acrescida de IVA à taxa em vigor e de juros moratórios vencidos e vincendos à taxa legal em vigor, desde 13.05.2016, até efectivo e integral pagamento;
b) Absolver o réu, H. D., do pedido;
c) Absolver a ré, Maria, das restantes quantias peticionadas.
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Inconformada, a Ré Maria interpôs recurso dessa sentença (cfr. fls. 140 a 148) e formulou, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1º. Salvo melhor juízo, e com o devido respeito, entende a Recorrente que o tribunal a quo andou mal quando considerou que, no caso dos autos, a Ré praticou em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
2º. O tribunal, erroneamente, concluiu que na contestação a Ré/Recorrente invocara já ter pago os honorários devidos à Autora, embora, ao mesmo tempo, tivesse impugnado o montante peticionado, alegando serem excessivos os honorários em causa.
3º. Tal conclusão carece de qualquer fundamento e, por certo, só se concretizou no espirito da Meritíssima Juiz a quo devido a uma interpretação errada dos factos articulados pela Recorrente na contestação.
4º. A ora Recorrente, em sede de Contestação, diante das horas supostamente despendidas pelo sócio da Autora no estudo da causa e elaboração da petição inicial (33 horas!), limitou-se a considerá-las excessivas, num exercício meramente abstracto.
5º. Não tendo a Ré/Recorrente praticado em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento, ao invocar em seu benefício a prescrição presuntiva prevista pela alínea c) do artigo 317.º do Código Civil, logrou a inversão do ónus da prova, sem prejuízo de a Autora/Recorrida ilidir a presunção em causa por acto confessório tácito ou expresso, judicial ou extrajudicial do devedor, provando o não cumprimento (art.º 344.º, n.º 1 do Código Civil).
6º. A Recorrente não confessou a divida, nem expressa nem implicitamente.
7º. Muito menos a Recorrente praticou em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento, sendo certo que o facto de ter considerado, em abstracto, excessivas as horas falsamente despendidas com o estudo e elaboração, pela Recorrida, da petição inicial que impulsionou a acção 1040/07.4BEBRG, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga - Unidade Orgânica 1, não pode de modo algum ser integrado na previsão do artigo 314.º do Código Civil, considerando-se que tal alegação configura um acto praticado em juízo que é incompatível com a presunção de cumprimento.
8º. Não houve, pois, confissão tácita da dívida por parte da Recorrente, o que, a somar- se à falta de demais elemento probatórios em benefício da teses da Recorrida, deveria levar o tribunal a quo a concluir pela improcedência total do pedido, sendo dele a Ré absolutamente absolvida.
9º. A decisão recorrida violou, assim, o disposto pelos artigos 314.º e 317.º do Código Civil.
10º. Tendo feito um raciocínio lógico-subsuntivo erróneo daquelas disposições legais aos factos apurados em juízo.
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Consequentemente, em conformidade com as conclusões expostas e o douto suprimento de V.as Ex.as, deve conceder-se provimento à presente Apelação e, nessa sequência, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por uma outra que, verificando, in casu, o preenchimento cumulativo dos requisitos ínsitos na previsão da alínea d) do artigo 317.º do Código Civil, absolva do pedido a Recorrente, na medida em que a Autora não logrou provar a sua confissão, expressa ou tácita, com custas e demais encargos processuais a expensas da Recorrida.
Como é de inteira e sã JUSTIÇA.»
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Também a autora X & Associados – Sociedade de Advogados, S.P., RL, interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 150 a 166), rematando as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. A sentença a quo deu por provado que o advogado (organizado na sociedade autora) despendeu 12 horas em contactos, deslocações e diligências no âmbito do processo identificado com o nº 1040/07.4BEBRG, que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (doravante, o processo administrativo) - Ponto 20 dos Factos Provados;
2. E deu por não provado o número de horas que a autora alegou ter despendido com o estudo do caso, preparação e redacção da petição inicial [ponto c) dos Factos não Provados], rejeitando também o carácter complexo da causa [ponto d) dos Factos não Provados].

RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

3. A sentença deu como provado que a condução do processo foi da exclusiva responsabilidade do sócio da autora, Dr. P. V., que com exclusão de qualquer outro, elaborou a petição inicial e o requerimento de desistência da instância, atendeu a todas as reuniões e esteve presente na diligência instrutória do dia 25.02.2007, no âmbito do processo nº 1040/07.4BEBRG, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (ponto 19 dos Factos provados);
4. E que a estratégia processual por si montada conduziu à solução preconizada por si e pelo cliente (pontos 10, 11, 21 e 22 dos Factos Provados);
5. Mas refere que nenhuma prova foi produzida a respeito do número de horas despendidas no estudo do caso e redacção da petição inicial.
6. Ora, tendo o Dr. P. V. realizado o estudo do caso e redigido a petição inicial, os únicos meios de prova abstractamente configuráveis para demonstrar tais factos seriam (i) a apreciação (em abstracto) da complexidade do processo, (ii) a análise da própria petição inicial elaborada no âmbito daquele processo administrativo, e junta aos presentes autos por requerimento da autora de 28 de Junho de 2018, (iii) as declarações prestadas pelo advogado que conduziu o processo administrativo em causa.
i) Da complexidade abstracta do processo:
7. A sentença a quo afirma que ”a jurisdição administrativa é uma jurisdição muito específica, que corre termos em tribunais distintos dos tribunais comuns e exige especialização dos Ilustres Causídicos.”.
8. Para afastar dessa qualificação genérica o processo administrativo dos autos, a sentença a quo teria de, fundamentadamente, classificar o patrocínio sub judice como tendo sido simples, e não complexo. Mas não o faz, nem podia, por não ser esse o caso.
ii) Da petição inicial
9. Compulsada a petição inicial apresentada no processo administrativo, junta aos presentes autos pela autora em 28 de Junho de 2018 (Ref.ª citius 29570626), verifica-se que a mesma analisa, cita e transcreve parcialmente 16 documentos, alguns deles contendo correspondência e documentação extraída de procedimentos administrativos, designadamente processo de licenciamento, que inclui projecto de arquitectura, respectivas memórias descritivas, requerimento, ofícios e despachos emitidos nesse âmbito pelo Município de Y, diversos requerimentos e ofícios adicionais, memória justificativa, mas ainda decreto de 1910, decreto de 1914, escritura pública de 1918, bem como plantas do local – cfr. p.i. do processo administrativo, i.a., art.ºs 1.º, 6.º, 7.º, 14.º, 17.º, 19.º, 21.º, 24.º, 26.º, 31.º, 34.º, 64.º e 65.º.
- A referida peça processual diz respeito a acto administrativo proferido/ a proferir nos termos do disposto em diplomas de direito do urbanismo, tendo sido invocado para o efeito, entre outros, o DL n.º 380/99, de 22.09 (REGIME JURÍDICO DOS INSTRUMENTOS DE GESTÃO TERRITORIAL), o DL 555/99, de 16.12 (REGIME JURÍDICO DA URBANIZAÇÃO E EDIFICAÇÃO), e o CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS - cfr. p.i. do processo administrativo, i.a., art.ºs 46.º, 49.º e 50º.
10. E, entre o demais, aborda a figura jurídica da expropriação, por confronto com a invocada figura da “reserva de expropriação” – cfr. art.º 62.º da p.i. do processo administrativo.
11. A mesma petição inicial do processo administrativo transcreve, analisa e interpreta o Diário do Governo n.º 136, de 23.06.1910, o Diário de Governo n.º 216, I série (que publica o Decreto 1057, de 18.11), o Plano de Pormenor de Salvaguarda e Reabilitação do Centro Histórico de Y, e o respectivo Plano Director Municipal aplicável à data, cotejando tais instrumentos de gestão territorial para defender a aplicação de um em detrimento daqueloutro – cfr. p.i. do processo administrativo, i.a., art.ºs 21.º a 26.º, 32.º, 33.º, 38.º, 40.º, 41º e 46.º.
12. A petição apresentada no processo administrativo é uma peça processual com elevado grau de complexidade, que obrigou a analisar um acervo de documentação muito extenso, e que exigiu a consulta e estudo de diversa legislação e regulamentação jurídico-urbanística pouco comum, e ainda instrumentos jurídicos publicados no início do século passado.
13. A mesma implicou, na fase de estudo do caso, o reconhecimento do terreno e da pretensão da cliente, a análise dos instrumentos de gestão territorial (PDM e Plano de Pormenor) aplicáveis/aplicados, os decretos de classificação do local confinante (muralha de Y), e a busca da melhor solução jurídica para o caso à luz do direito urbanístico/administrativo.
14. Por outro lado, a acção de condenação à prática de acto devido era, como é, uma acção especial, e um recurso não muito utilizado no dia-a-dia de um advogado.
15. Tal estudo sempre demoraria, como demorou, um número de horas na ordem das 18 peticionadas.
16. Após, esse estudo prévio teve de ser esquematizado em termos de, em poucas palavras, sintetizar a solução preconizada, no confronto das várias disposições regulamentares e legais aplicáveis, e tendo em consideração a vasta documentação disponível, tendo demorado pouco mais de cerca de 1,5h por cada página, assim perfazendo, no total, 15 horas de trabalho.
iii) Declarações de parte do Dr. P. V.
17. As declarações de parte prestadas pelo Dr. P. V. em 19- 11-2018, com início pelas 14:22:08 e fim pelas 15:14:52, gravadas no ficheiro designado “20181119142206_1458262_2871859” confirmam plenamente a análise realizada quanto ao teor e complexidade da p.i., e sua repercussão no tempo de estudo e elaboração da mesma.
18. O mandatário P. V. afirmou claramente que o processo lhe foi trazido por um colega pelo prestígio que tinha no âmbito do trabalho em direito administrativo, dizendo-lhe que se tratava de “um assunto bastante complexo com a Câmara Municipal de Y” (minutos 1:30 a 3:05 do ficheiro).
19. Afirmou ainda que a questão lhe tinha sido colocada pelo réu (núncio da cliente ré) do seguinte modo: “eu tenho esta casa parada, não a consigo reconstruir, embargaram-me a obra, entretanto tinha metido um processo, um licenciamento, e esse licenciamento tinha sido indeferido”; portanto um acto administrativo praticado pelo Município que o tinha indeferido”, acrescentando que não conseguia fazer nada porque “desde 2002 ou 2003 que havia um plano de pormenor de salvaguarda das muralhas aqui de Y e no fundo o espaço da casa já estava afecto a um determinado fim público que um dia seria Dado destino – e portanto estava ali uma espécie de um beco sem saída” (minutos 6:20 a 08:05 do ficheiro)
20. O referido causídico afirmou que se tratava de uma questão bastante difícil (minutos 6:20 a 08:05 do ficheiro).
21. Afirmou ainda que, após o estudo pormenorizado da questão chegou a uma estratégia, que consistia em: “impugnar o indeferimento do licenciamento com um pedido de condenação do Município à prática do acto devido”, obrigando “a Câmara a licenciar a reconstrução”, pugnando pela aplicação do PDM, e não do Plano de Salvaguarda, nos termos do previsto no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (minutos 08:23 a 10:31);
22. Tendo como fito “colocar a Câmara na situação de pensar o seguinte”: “se perder esta acção, este senhor vai construir lá o que quer. Ora, (…) eu Câmara quero guardar isto para fim público, e eventualmente até demolir”. (…) ”Ora a Câmara não vai querer isto.” (minutos 08:23 a 10:31 do ficheiro)
23 .Em conclusão, confirmou que no estudo e análise da questão gastara 18 horas, e na elaboração da petição inicial, 15 horas. (minutos 12:20 a 13:15 do ficheiro)
24. As declarações acima parcialmente transcritas correspondem e corroboram exactamente o teor da petição inicial do processo administrativo e não podem deixar de servir para confirmar e integrar a análise que supra se realizou em (ii).
25. Por tudo, deverá ser revogada a sentença a quo na parte em que dá por não provados os factos identificados com as letras c) e d), e dar-se por provado que:
c) A autora despendeu 18 horas no estudo e análise jurídica da questão e 15 horas na elaboração da petição inicial, despendendo um total de 45 horas de serviços;
d) O processo conduzido pela autora no exercício do mandato forense foi complexo;

MATÉRIA DE DIREITO

Sem prescindir,

26. Recorrendo a critérios de equidade, a sentença a quo fixou que no estudo do caso, preparação e redacção da p.i. do processo administrativo foi despendido pelo Dr. P. V. (organizado na sociedade autora) um total de 15 horas.
27. Por equidade, fixou também o valor-hora de honorários a cobrar pelos serviços prestados pela autora (por intermédio do advogado P. V.) em €120,00, e não em €125,00, conforme declara ser praxe neste tipo de processos.

Quanto ao número de horas despendido:

28. Caso se considere que a prova produzida não deve dar origem a uma alteração à matéria de facto assente, ainda assim deverá ser revogada a sentença na parte em que fixa as horas despendidas pelo Dr. P. V. no estudo e análise jurídica da questão e elaboração da petição inicial do processo administrativo.
29. A análise à petição inicial do processo administrativo (já realizada, e para a qual se remete) é reveladora da elevada exigência, grau de criatividade intelectual e complexidade que envolveu o estudo do caso.
30. E o facto de o processo ter terminado por desistência da instância não significa que a fase de estudo, preparação e redacção da petição inicial tenha demorado mais ou menos tempo, confirmando, isso sim, o sucesso da estratégia montada pelo causídico.
31. Com recurso a critérios de equidade, e tendo em conta o grau de complexidade do objecto da petição inicial junta aos autos pela autora por requerimento de 28 de Junho de 2018, deve concluir-se igualmente que a “autora despendeu 18 horas no estudo e análise jurídica da questão e 15 horas na elaboração da petição inicial”, o que, a acrescer às 12 horas despendidas nos termos do ponto 20 dos factos provados, corresponde a um dispêndio “total de 45 horas de serviços prestados.”
32. Ao não o fazer, a sentença a quo violou o disposto no art.º 607.º, n.º 4 do CPC e art.º 566.º do CC.

Em todo o caso,

Quanto ao valor-hora

33. A sentença a quo reconhece que “a praxe da Comarca de Braga é de fixar o valor-hora de €125,00 para este tipo de processo”.
34. Contudo, justifica o afastamento dessa praxe com a circunstância de “que o processo terminou passado pouco tempo de ter sido interposto, por simples desistência da instância”, fixando, sem mais justificação, o valor-hora em €120,00.
35. Tal fundamentação é insuficiente e errada.
36. A circunstância de o processo ter sido declarado extinto antes de ter havido julgamento não desvaloriza o trabalho do advogado.
37. Pelo contrário: a própria sentença reconhece que o facto de aquele processo administrativo ter cessado por desistência da instância resulta precisamente do sucesso da estratégia montada pelo mandatário sócio da autora, a qual abriu caminho à solução do litígio – cfr. pontos 10, 11, 21 e 22 dos Factos Provados e respectiva motivação.
38. O sucesso do serviço prestado pelo advogado não desvaloriza o preço unitário mesmo, ao contrário do que a sentença a quo preconiza.
39. Uma tal interpretação ofende os mais básicos princípios de justiça, mas ainda o disposto no n.º 3 do art.º 105 do EOA (e do n.º 3 do art.º 100.º do EOA aplicável à data dos factos), que a sentença igualmente viola.
40. O serviço prestado teve elevado grau de complexidade e criatividade intelectual – vide segmento dedicado à alteração da matéria de facto -, foi bem sucedido – como decorre do disposto nos pontos 10, 11 e 21 e 22 dos factos provados -, pelo que nenhum motivo existe para que o valor-hora aplicado seja inferior ao valor unitário em uso na Comarca de Braga, onde o mandatário sócio da autora exerce, e onde o processo correu termos.
41. Por tudo, deve a sentença ser revogada, também nessa parte, fixando-se em €125,00 o valor-hora dos honorários devidos pelo serviço prestado pela autora à ré no processo administrativo em análise.

Por fim,

Dos juros de mora

42. “Os juros de mora que decorrem do atraso pelo pagamento do preço (mora debitoris) incidirão igualmente sobre o montante relativo ao imposto em dívida, que se encontra liquidado e constante das facturas” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30- 06-2011 (Relator: Álvaro Rodrigues), disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c9709cd f0aeacec2802578c4003817af?OpenDocument.
43. Tendo sido dado por provado que a autora emitiu factura em 27.06.2016, com valor de €5.125,00, e liquidou IVA à taxa de 23%, no total de €6.303,75 (ponto 26 dos factos provados), devem os juros ser contabilizados sobre o montante total da dívida, incluindo o IVA liquidado (entregue ao Estado ou não).

TERMOS EM QUE deverá a sentença a quo ser revogada e substituída por outra que:

A) Julgue provados os seguintes factos:

- A autora (na pessoa do seu sócio, P. V.) despendeu 18 horas no estudo e análise jurídica da questão e 15 horas na elaboração da petição inicial, despendendo um total de 45 horas de serviços;
- O processo conduzido pela autora (na pessoa do seu sócio) no exercício do mandato forense foi complexo;
Sem prescindir, e caso assim não se entenda,

B) Por equidade, fixe que:

A autora despendeu 18 horas no estudo e análise jurídica da questão e
15 horas na elaboração da petição inicial, o que, a acrescer às 12 horas despendidas nos termos do ponto 20 dos factos provados, corresponde a um dispêndio total de 45 horas de serviços prestados;
C) Fixe em €125,00 o valor-hora dos honorários devidos pelo serviço prestado pela autora à ré no processo administrativo em análise;
D) Dê por assente que o juro de mora se aplica à totalidade do montante de capital e respectivo IVA;

Em consequência,

E) Deverá a ré/recorrida ser condenada no pagamento à autora/recorrente da quantia de €5.125,00, acrescida de IVA à taxa de 23%, no total de €6.303,75, acrescido de juros de mora contabilizados sobre o montante total do capital e IVA desde 13.05.2016 até efectivo e integral pagamento».
*
Contra-alegou a autora ao recurso interposto pela Ré, pugnando pela sua improcedência (cfr. fls. 168 a 173).
*
Os recursos foram admitidos como de apelação, a subirem imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 168 a 175).
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

1.ª – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (recurso interposto pela autora);
2ª – Da verificação da exceção da prescrição presuntiva (recurso deduzido pela Ré Maria ); e, em caso de improcedência desta questão,
3ª – Da fixação do dispêndio do número de horas dos serviços prestados (recurso da autora).
4ª – Do valor hora dos honorários (recurso da autora).
5º – Da aplicação dos juros de mora ao valor do IVA de fatura já emitida (recurso da autora).
*
III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto

A. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos (que se transcrevem):

1. A Autora é uma sociedade que tem por objecto o exercício em comum da profissão de advogado, com o fim de repartição de resultados entre os sócios;
2. No exercício da sua actividade, a Autora, na pessoa do seu sócio P. V., foi contactada pelo segundo Réu para prestar assistência jurídica e patrocínio judiciário num litígio relacionado com um imóvel da propriedade da primeira Ré, sua irmã;
3. A primeira ré outorgou, em 25.10.2006, uma procuração forense a favor do referido sócio da autora, tendo-lhe concedido “…poderes forenses gerais, incluindo os de substabelecer, e ainda os especiais, para em seu nome, consultar o(s) processo(s) administrativo(s) existente(s) na Câmara Municipal de Y relativo(s) ao imóvel de sua propriedade sito no …, Y, podendo requerer todos os documentos que entenda por necessários.”;
4. O mandato forense em questão destinou-se a habilitar o sócio da autora a representar a primeira ré na execução dos procedimentos legais destinados a obter a condenação do Município de Y a praticar um acto de deferimento do projecto de construção apresentado pela mesma;
5. À data de execução do mandato forense em apreço a autora denominava-se ... – ... – Sociedade de Advogados;
6. Posteriormente, a denominação da A. foi alterada para ... – ... & Associados – Sociedade de Advogados, R.L.;
7. E actualmente a autora possui a denominação de ... – X & Associados – Sociedade de Advogados, SP, R.L.;
8. Os serviços de assistência jurídica e patrocínio judiciário foram prestados no âmbito do processo nº 1040/07.4BEBRG, que correu termos na Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga;
9. Os serviços jurídicos tiveram o seu início em 25.10.2006 e cessaram em 27.01.2009;
10. A estratégia montada passava pela interposição de uma acção administrativa de condenação do Município de Y a praticar um acto administrativo que deferisse o projecto de construção apresentada pela primeira ré;
11. Sendo que a colocação do Município nesta situação poderia abrir, como abriu, a via para uma expropriação;
12. Foi realizada a audiência instrutória, tendo-se procedido à suspensão da instância por dois períodos de 60 dias para se tentar obter um acordo entre as partes;
13. O processo mencionado em 8) terminou por sentença proferida em 10.12.2008, de homologação da desistência da instância por parte da aí autora, ora ré, transitada em julgado a 27.01.2009;
14. Seguiu-se posteriormente o processo expropriativo, que foi acompanhado por um Advogado de Y;
15. Os serviços prestados à primeira ré decorreram de contacto encetado pelo segundo réu, que já havia anteriormente recorrido aos serviços da autora (mais concretamente do seu sócio P. V.);
16. O Réu não fora, não era e nem viria a ser o proprietário, arrendatário ou usufrutuário do imóvel que a Câmara Municipal de Y acabaria por expropriar, pelo que nenhum interesse pessoal e directo (ou mesmo colateral) lhe suscitava a procedência ou a improcedência da acção que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga - processo n.º 1040/07.4 BEBRG;
17. O Réu, que conhecia o ilustre Advogado P. V. de outras lides, apenas indicou os seus serviços à Ré Maria, sua irmã;
18. Depois, sempre a rogo da sua irmã, que reside habitualmente em França, foi transportando documentos, dinheiro para o pagamento dos serviços prestados pelo sócio da Autora, estando presente em reuniões, acompanhando o processo e facultando sempre as informações relevantes para o exercício do mandato forense pela autora;
19. Desde a constituição do mandato forense até à sua conclusão, a condução do processo foi da exclusiva responsabilidade do sócio da autora, Dr. P. V., que com exclusão de qualquer outro, elaborou a petição inicial e o requerimento de desistência da instância, atendeu a todas as reuniões e esteve presente na diligência instrutória do dia 25.02.2007, no âmbito do processo nº 1040/07.4BEBRG, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga;
20. Com efeito, no exercício do seu mandato, foram despendidas:

- duas deslocações a Y 7 horas (3 horas numa deslocação e 4 horas noutra deslocação);
- 3 horas numa deslocação ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga para realização de uma diligência de audiência conciliatória;
- 2 horas em contactos com o mandatário da parte contrária para comprovação da decisão da Câmara Municipal de Y;
21. A autora, na pessoa do Advogado P. V., desenvolveu contactos com o mandatário do Município de Y para se encontrar uma solução negociada do pleito;
22. Tendo tais contactos conduzido à tomada de deliberação de expropriação do imóvel propriedade da primeira ré, por parte do Município;
23. No início do processo a autora recebeu da primeira ré, a título de provisão para honorários, a quantia de € 500,00 (+ IVA);
24. No dia 13.05.2016, a autora enviou uma missiva a ambos os réus, com o seguinte teor:
“Assunto: Honorários proc. nº 1040/07.4BEBRG – TAF Braga
Exmos. Senhores,
Tendo-me sido prestada pelo Sr. H. D., em Novembro do ano transacto, a informação que a expropriação que o prédio em causa no processo supra identificado estava concluída – o que constituía a finalização da estratégia montada para resolução do problema em questão -, venho por este meio apresentar a minha nota de honorários para acompanhamento e tratamento do assunto que me foi confiado:
- Duas deslocações a Y 7 horas (3 horas numa deslocação e 4 horas noutra deslocação);
- Estudo e análise jurídica da questão: 18 horas;
- Elaboração da petição inicial: 15 horas;
- Deslocação ao TAF de Braga no dia 26.02.2008 (audiência conciliatória): 3 horas;
- Contactos com o mandatário da parte contrária, para comprovação da decisão da CMY de expropriação do prédio: 2 horas.
Totalizo, assim, um total de 45 horas de trabalho; dada a especialidade da área jurídica em questão, elevada complexidade da questão e praxe da comarca em termos de honorários, fixarei um valor/hora de € 125,00, o que perfaz um total de € 5.625,00.
A este valor deverá acrescer um montante que contemple o sucesso da causa, a aferir pela quantia recebida na expropriação, que o Sr. H. D. ainda não me facultou, pelo que agradeço que me forneçam este dado para eu depois poder fixar esta componente de honorários.
Tinha recebido no início do processo a quantia de € 500,00 a título de provisão para honorários, pelo que descontando este valor, a pagar neste momento são € 5.125,00, acrescidos de IVA à taxa legal. (…)”;
25. A missiva descrita em 24) foi devolvida pelos réus em 27.05.2016 por não terem procedido ao seu levantamento;
26. Posteriormente à devolução da missiva descrita em 24), foi emitida em 27.06.2016 a factura com o valor de € 5.125,00, acrescido de IVA à taxa de 23%, no total de € 6.303,75;
27. A presente demanda só ocorre após a sociedade “K - Imobiliária, Lda.”, da qual o Réu é sócio maioritário, ter revogado a procuração ao sócio da Autora no âmbito do processo n.º 450/11.7BEBRG, que correu termos n Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
*
B. E deu como não provados os seguintes factos:

a) Que não obstante o problema que originou a constituição do mandato forense respeitar formalmente à primeira ré, o segundo réu tenha assumido um papel muito importante para a prestação do serviço, tendo alegado que possuía um interesse pessoal na questão;
b) Que os serviços jurídicos prestados pela autora à primeira ré tenham cessado em Novembro de 2015;
c) Que a autora tenha despendido 18 horas no estudo e análise jurídica da questão e 15 horas na elaboração da petição inicial, despendendo um total de 45 horas de serviços prestados ao longo de nove anos;
d) Que o processo conduzido pela autora no exercício do mandato forense tenha sido longo e complexo;
e) Que tenha sido o segundo réu quem informou o Advogado P. V. da entrega do processo de expropriação a outro advogado e tenha acordado que com a conclusão da expropriação, a autora liquidaria os honorários devidos (que teriam de ter em conta o resultado na expropriação);
f) Que o processo de expropriação tenha ficado concluído em Novembro de 2015, segundo informação prestada pelo segundo réu ao Advogado P. V.;
g) Que com a conclusão da estratégia montada para resolução do problema dos réus (expropriação finda e indemnização paga), a autora tenha apresentado a sua nota de honorários, datada de 13.05.2016;
h) Que a ré, na data da outorga da procuração forense, tenha pago em numerário, ao sócio da Autora, a título de provisão para honorários, a quantia de 800,00 euros (oitocentos euros), a acrescer ao valor descrito em 23);
i) Que o processo n.º 1040/07.4 BEBRG, tenha vindo a terminar na sequência de transacção judicial que as partes lograram alcançar;
j) Que no mês seguinte ao do alcance da redita transacção, a Ré, já através do Réu, tenha entregue ao sócio da Autora a quantia 1250,00 euros para liquidação de todos os valores com honorários e demais despesas, ficando definido entre as partes que as contas se encontravam saldadas;
k) Que o sócio da Autora sempre tenha preferido receber o valor dos honorários em numerário, justificando que, desse modo, não precisaria de emitir a factura correspondente, o que implicaria o acréscimo do IVA no valor final.
*
V. Fundamentação de direito

1 – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

1.1. Em sede de recurso, a apelante/autora impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que a recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, bem como o sentido em que deve ser decidida a matéria de facto impugnada, incluindo, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e exata localização, pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640º.
Assim, no caso sub júdice, o presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que, tendo sido gravada a prova produzida em audiência, dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
*
1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros(1):

- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
- a demonstração da realidade de factos a que tende a prova (art. 341º do Cód. Civil) não é uma operação lógica, visando uma certeza absoluta. “A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto” (2). O mesmo é dizer que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança” (3).
*
1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que a recorrente pretende a alteração das respostas negativas para positivas das alíneas c) e d) dos factos não provados da decisão recorrida.

Os referidos pontos fácticos objeto de impugnação têm o seguinte teor:

«c) Que a autora tenha despendido 18 horas no estudo e análise jurídica da questão e 15 horas na elaboração da petição inicial, despendendo um total de 45 horas de serviços prestados ao longo de nove anos;
d) Que o processo conduzido pela autora no exercício do mandato forense tenha sido longo e complexo».

Pretende a recorrente que este Tribunal dê como provado que:

«c) A autora despendeu 18 horas no estudo e análise jurídica da questão e 15 horas na elaboração da petição inicial, despendendo um total de 45 horas de serviços;
d) O processo conduzido pela autora no exercício do mandato forense foi complexo».
*
1.4. Iniciaremos a nossa análise por este último ponto, para desde logo dizer que tal pretensão impugnatória está destinada ao insucesso, visto aquele ponto comportar matéria conclusiva.

Dispõe a esse respeito o art 607.º, n.º 4, do CPC que, na fundamentação da sentença, o juiz tomará «em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».

No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o art. 646.º, n.º 4, previa, ainda, que têm-se «por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes».

Muito embora esta norma tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação (de facto) da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria suscetível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos (4).

Com efeito, conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, os juízos conclusivos ou de valor não retratam ocorrências da vida real, quer internas, quer externas, mas sim o efeito e consequência dessas mesmas ocorrências, conclusões essas que cabe ao julgador extrair na prolação da sentença, dos factos dados como provados. Trata-se de matéria que não se cinge ao elencar do facto, mas tem em si, explicita ou implicitamente, considerações valorativas sobre esse facto, ou seja, apreciações que ultrapassam a objetividade do facto e trazem consigo a subjetividade da análise valorativa de uma determinada ocorrência da vida real. Dito de outro modo, só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova (5).

O que significa que, quando tal não tenha sido observado pelo tribunal “a quo” e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, considerando-as provadas ou não provadas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita (6).

Feitas estes considerandos teóricos torna-se evidente que a pretendida resposta de o “processo conduzido pela autora no exercício do mandato forense” ter sido “complexo» encerra inequivocamente matéria de índole conclusiva e/ou subjetiva, pelo que o mesmo nunca poderia ter sido dado como provado.

Essa alegação comporta um juízo de valor de natureza conclusivo, pelo que se conclui pela inviabilidade da inserção desse ponto na matéria de facto provada. Saber se o processo judicial conduzido pela autora revestiu natureza complexa será (quando muito) conclusão a extrair na sentença dos factos materiais, concretos e precisos alegados e provados, sendo que para tanto se exigia que a autora tivesse alegado a pertinente matéria fáctica com base na qual fosse lícito extrair aquela conclusão. Mas esse juízo conclusivo apenas poderia ser formulado na sentença a jusante, aquando da apreciação crítica da matéria de facto provada, e não nesta fase da enunciação dos fundamentos de facto, pelo que o mesmo sempre seria de excluir do elenco factual a considerar.

Uma última (e breve) palavra para dizer que, contrariamente ao propugnado pela recorrente, a sentença recorrida não qualifica a atuação (em abstrato) no âmbito da jurisdição administrativa como um trabalho complexo; diz, sim, a propósito da fixação do valor-hora dos honorários, “que a jurisdição administrativa é uma jurisdição muito específica, que corre termos em tribunais distintos dos tribunais comuns e exige especialização dos Ilustres Causídicos”.

Complexo e específico não são sinónimos (7), nem traduzem – no que ao caso releva – a mesma realidade processual.
Nesta conformidade, improcede este ponto da impugnação da decisão da matéria de facto.
*
1.5. Apreciando, agora, o outro ponto fáctico impugnado.

No fundo, pretende a recorrente/autora que se dê como provado que o sócio da autora despendeu 18 horas no estudo e análise jurídica da questão jurídica atinente à execução dos procedimentos legais destinados a obter a condenação do Município de Y a praticar um acto de deferimento do projeto de construção apresentado pela co-Ré Maria, assim como 15 horas na elaboração da petição inicial apresentada no âmbito do processo n.º 1040/07.4BEBRG, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

A esse respeito, na sentença recorrida, com vista a alicerçar a resposta de não provado à referida facticidade, foi aduzida a seguinte fundamentação:

«Relativamente aos restantes factos não provados, tal resultou da ausência de prova acerca dos mesmos, ou de prova de factos contrários, conforme supra exposto.
Cabe, por último referir, que não resultou provado que o sócio da autora tenha despendido 18 horas no estudo e análise jurídica da questão e 15 horas na elaboração da petição inicial. Isto porque, em primeiro lugar, nenhuma prova foi produzida a respeito. E, por outro lado, é consabido para quem trabalha na área do Direito, que uma petição inicial é um articulado relativamente simples. Não é um parecer jurídico, não é uma sentença, nem um acórdão, nem um artigo doutrinário.
Veja-se a este respeito o disposto no art. 552º, nº 1 do CPC, de acordo com o qual, para além da identificação das partes, tribunal, forma de processo e domicílio do mandatário, deve o autor expor os factos essenciais (sendo que hoje em dia, com o NCPC, já nem sequer devem ser alegados factos instrumentais) que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção.
Nessa medida, se atendermos ao facto de, quando um advogado inicia uma causa, começa por estudá-la, cremos que, quando vai elaborar a petição inicial, encontrando-se o estudo já efectuado, limita-se a redigir o articulado de forma clara e escorreita, sem necessitar de quinze horas para o efeito.
Por lado, intitulando-se o sócio da autora (tal como se intitulou em audiência de julgamento), num especialista em direito administrativo, é crível que tenha demorado dezoito horas a estudar a questão (de impugnação de um acto administrativo)?
Dezoito horas, acrescidas de quinze horas para elaboração de uma petição inicial, equivalem a mais de quatro dias inteiros de trabalho!
Desde já, adiantamos que a resposta é negativa. Não nos convenceu a tese da autora».

Insurge-se a recorrente contra esta fundamentação, invocando em seu abono, como “únicos meios de prova abstractamente configuráveis para demonstrar” tal facticidade, (i) a apreciação (em abstrato) da complexidade do processo, (ii) a análise da própria petição inicial elaborada no âmbito daquele processo administrativo e junta aos presentes autos por requerimento da autora de 28 de Junho de 2018 e (iii) as declarações de parte prestadas pelo advogado que conduziu o processo administrativo em causa.

Relativamente ao primeiro item, remete-se para o que anteriormente ficou dito quanto à destrinça entre o que deve entender-se por processo complexo em contraposição a processo específico e/ou especializado, de nada adiantando (em termos valorativos e positivos) para a alteração da resposta dada.

O facto de versar sobre matéria específica ou especializada (como sem dúvida sucede com a jurisdição administrativa) não implica necessariamente um maior dispêndio de tempo nos serviços forenses prestados, posto que pode tratar-se da prática de um acto processual simples ou que não requeira aturado estudo, além de que sendo o profissional um especialista na matéria – como o Dr. P. V. se intitulou em sede de declarações de parte – é plausível que, em condições normais, não careça de despender tantas horas no estudo do caso e elaboração do articulado inicial quanto um outro advogado que usualmente não lide com tais matérias específicas.

Ademais, malgrado a circunstanciação e apreciação exaustiva agora feita em sede de apelação, constata-se que na petição inicial a autora não alegou, sequer, factos que, uma vez provados, seriam suscetíveis de corporizar a alegada complexidade do processo administrativo ao abrigo do qual foi exercido o mandato forense cujos honorários são peticionados nesta ação.

No que concerne à análise da petição inicial elaborada pelo Dr. P. V., sócio da recorrente, apresentada no processo administrativo n.º 1040/07.4BEBRG (8), que correu termos na Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, e cujo patrocínio está na base dos honorários peticionados no presente processo, a mesma diz respeito a uma “acção administrativa especial de condenação á prática de acto devido”.

A referida peça processual, constituída por 79 artigos, faz menção e transcreve parcialmente 16 documentos, alguns deles contendo correspondência e documentação extraída de procedimentos administrativos, designadamente, processo de licenciamento, diversos requerimentos e ofícios adicionais, decreto de 1910, decreto de 1914, escritura pública de 1918, bem como plantas do local (cfr. art.ºs 1.º, 6.º, 7.º, 14.º, 15º, 17.º, 19.º, 21.º, 24.º, 26.º, 31.º, 34.º, 64.º e 65.º da p.i).

A mesma petição inicial analisa e interpreta o Diário do Governo n.º 136, de 23.06.1910, o Diário de Governo n.º 216, I série (que publica o Decreto 1057, de 18.11), o Regulamento do Plano de Pormenor de Salvaguarda e Reabilitação do Centro Histórico de Y, e o respetivo Plano Director Municipal aplicável à data (cfr. arts. 21.º a 26.º, 38.º, 40.º, 41º e 46.º da p.i.).

A este meio de prova (documental) nos pronunciaremos mais adiante.

Temos, por fim, as declarações de parte de P. V., advogado e sócio da recorrente/autora, que, como ficou provado – e não impugnado –, foi exclusivamente responsável pela condução do processo n.º 1040/07.4BEBRG, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, desde a constituição do mandato forense até à sua conclusão, o qual elaborou a petição inicial e o requerimento de desistência da instância, efetuou o atendimento de todas as reuniões e esteve presente na diligência instrutória aí realizada no dia 25.02.2007 (cfr. ponto 19 dos factos provados).

Antes, porém, de nos debruçarmos sobre a valoração desse concreto meio de prova erigido como relevante pela recorrente com vista à procedência da impugnação da matéria de facto, importa deixar assinaladas duas breves notas, uma de cariz conceptual ou teórica e outra de natureza metodológica:

1º - Urge salientar que as declarações de parte, tal como os depoimentos testemunhais, são de livre apreciação, exceto na parte em que consistam em confissão (art. 466º, n.º 3, do CPC). Daí que o tribunal não tem que acreditar, necessariamente, em tudo ou nada do que o declarante refere na sua prestação probatória. Esta releva na medida em que convencer, sendo o convencimento tanto maior quanto mais justificado estiver e se aproximar da prova credível fornecida por outros meios, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica da vida. Pode uma parte das declarações convencer e outra parte não convencer. O tribunal não pode olvidar que o declarante tem interesse direto na sorte da ação (9).

Como tem sido aduzido na jurisprudência (10) no tocante às particularidades que devem nortear a valoração desse especifico meio de prova previsto no artigo 466º do CPC, “[a]s declarações de parte […] – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos”.

Mas, tal como se sintetiza no Ac. da RL de 26/04/2017 (relator Luís Filipe Pires de Sousa) (11), in www.dgsi.pt., “i) no que excede a confissão, as declarações de parte integram um testemunho de parte”; (ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente”.

Daí que, “em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação”.

2º - Com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, optámos por proceder à audição integral da gravação das declarações de parte prestadas pelo Dr. P. V. na sessão da audiência de julgamento de 19/11/2018 (com início pelas 14:22:08 e fim pelas 15:14:52), não nos tendo restringido aos trechos parcelares assinalados pela apelante.

Dito isto, importa dizer que da audição das aludidas declarações de parte do sócio da autora resulta explícito o modo como o mesmo foi abordado e aceitou assumir o patrocínio forense que deu azo aos honorários peticionados nesta acção, bem como a estratégia processual e substantiva delineada com vista a defender os interesses da mandante, assim como os diversos atos processuais praticados, circunstancialismo esse que se mostra suficientemente retratado nos pontos 2, 3, 4, 9, 10, 11, 12, 13, 19, 20, 21 e 22 dos factos provados.

Todavia, já relativamente à concreta questão fáctica em apreço – do tempo despendido quer no estudo e análise da questão jurídica em causa, quer na elaboração da petição inicial apresentada no processo administrativo n.º 1040/07.4BEBRG, que correu termos no TAF de Braga –, as suas declarações revelaram-se parcas e pouco precisas, chegando o declarante a reconhecer não se recordar do número de horas que tais serviços forenses lhe demandaram.

Embora referindo que demorou mais tempo a estudar o assunto do que a escrevê-lo, o que disse não ser comum, certo é que o declarante não foi explícito e preciso na resposta dada

Naturalmente que depois de confrontado com o documento n.º 2 (cfr. fls. 9 v.º e 10), que consubstancia a nota de honorários remetida aos RR. a reclamar o seu pagamento, viria a confirmar o seu teor, até porque reconheceu ser da sua autoria a aludida missiva,

Ressalta, no entanto, o facto de, não obstante saber de antemão que iria prestar declarações de parte em audiência de julgamento por ter sido a autora quem requereu tal meio de prova, no âmbito de um processo que tem por objeto a reclamação de honorários como contrapartida dos serviços forenses por si prestados, o declarante não ter, em rigor, logrado particularizar justificadamente o tempo que tais serviços lhe demandaram.

O teor das demais declarações por si prestadas, podendo eventualmente relevar para efeitos da demonstração das deslocações efetivadas e do tempo que lhes está associado, nenhuma repercussão (positiva) tem quanto à concreta matéria impugnada.

Acresce que, tendo reconhecido que rejeitou de imediato patrocinar o réu H. D. no processo de expropriação que se iria seguir ao termo daquela acção administrativa (ocorrida em 2009) por não se sentir suficientemente habilitado no âmbito daquela matéria, e sendo certo que esse processo de expropriação veio a ser patrocinado por um advogado de Y, que não fazia parte do escritório da recorrente/autora e com quem o declarante não chegou a manter qualquer contato, não se nos afigurou plausível, nem credível, o teor das suas declarações quando pretendeu transmitir a ideia de que continuou a acompanhar o processo de expropriação, posto que, na pendência daquele processo –segundo o por si relatado em juízo –, se limitava, uma ou duas vezes por ano, a telefonar ao Réu H. D. para saber do andamento do processo. Com o devido respeito, e ainda que não se questionem tais alegados contatos (pontuais ou esporádicos), certo é que os mesmos não são de modo algum aptos a traduzir qualquer acompanhamento pelo declarante do processo expropriativo.

Acresce que se mostra contrário às regras da experiência comum e da normalidade da vida a alegação de que, logo que o processo de expropriação findou, o co-réu H. D. tomou a iniciativa de o contatar telefonicamente dando-lhe conta desse facto e mais lhe dizendo expressamente que agora já podiam fazer o encerramento das contas (por o mandato já estar em condições de cessar (12)), sendo que a partir daí deixou de atender todas as tentativas de contato tendentes à cobrança dos honorários.

Serve isto para concluir que se nos afigura o próprio declarante, nas declarações prestadas, não logrou despojar-se do interesse direto que tem no resultado da lide, sendo que, na parte que ora releva, tais declarações de parte não possuem a aptidão creditória que a recorrente lhe pretende atribuir com vista à demonstração da matéria de facto em causa.

Repristinando, porém, o que anteriormente se explicitou a propósito da apreciação da petição inicial apresentada no referido processo administrativo n.º 1040/07.4BEBRG, redigida pelo advogado sócio da autora, quer por referência à sua extensão, mas sobretudo, ao seu teor, fundamentos de facto e de direito nela explicitados, enunciação da prova documental, assuntos tratados, é de admitir que a sua preparação, estudo e elaboração obrigou o advogado subscritor a analisar com detalhe um acervo constituído por 16 documentos, bem como exigiu – como defende a recorrente – a consulta e estudo de diversa legislação e regulamentação jurídico-urbanística, e ainda instrumentos jurídicos publicados no início do século passado.

Cremos, porém, que os elementos probatórios disponíveis nos autos não nos permitem concluir que o trabalho desenvolvido, quer na fase de estudo do caso, quer quanto à preparação e redação da p.i., demoraria, como demorou, um número de horas tão elevado (18 + 15) quanto o reclamado pela recorrente.

À mingua de outros elementos probatórios credíveis, e sabendo-se de antemão das dificuldades inerentes à fixação do tempo despendido na prestação de tais serviços – dificuldades essas a que a recorrente não obviou em termos probatórios que sobre si impendia, pois nem sequer arrolou como testemunha advogado também especialista na área administrativa que corroborasse a complexidade no estudo e preparação da matéria em causa e atestasse, em termos estimativos ou médios, o período de tempo que lhe estava associado –, por referência à prova documental produzida e às regras de experiência comum (permitidas pelo art. 607º, n.º 4 do CPC), afigura-se-nos plausível que o trabalho patenteado, quer no estudo, quer na preparação da peça processual junta aos autos, terá demandado, pelo menos, 15 horas.

Assim, em face da prova produzida é de concluir que a resposta à al. c) dos factos não provados não poderá manter-se, pelo que, em sua substituição, dá-se como provado (valendo como ponto 28 dos factos provados) que:

28 - No estudo e análise jurídica da questão, bem como na elaboração da petição inicial, a autora despendeu, pelo menos, 15 horas.

Concomitantemente, elimina-se do rol dos factos não provados a al. c).
*
Em suma, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto nos termos supra explicitados (13).
*
2 – Reapreciação da decisão de mérito.

2.1. – Da verificação dos pressupostos da prescrição presuntiva (art. 317º, al. c), do Cód. Civil) [recurso interposto pela Ré Maria].
Como é sabido, o pagamento é a forma normal de cumprimento das obrigações que envolvam uma prestação pecuniária e, por conseguinte, de extinção das mesmas (art. 762º do Cód. Civil).
Apenas podem prescrever as obrigações não extintas e, por isso, as que, sendo pecuniárias, o devedor não tenha realizado a sua prestação, pagando o que tiver acordado com a parte contrária.
Deste modo, podemos concluir que o pagamento é um acto jurídico de todo incompatível com a prescrição da respectiva obrigação.
Todavia, se assim é quanto à prescrição extintiva ou liberatória – pois que, completado o prazo de prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao direito prescrito (art. 304º do CC), bastando ao devedor alegar e provar que já decorreu o prazo da prescrição, não precisando alegar que nunca deveu ou já pagou –, o mesmo já não se pode dizer no que concerne à prescrição presuntiva.
De facto, a prescrição presuntiva é autonomizável da extintiva quanto aos respetivos fundamentos, efeitos e prazos.
Do fundamento apontado às prescrições presuntivas – qual seja, a presunção de cumprimento ou de pagamento pelo decurso do prazo (art. 312º do CC), considerados os contornos das obrigações em causa – decorre a sua finalidade específica: a tutela da posição do devedor, obstando ao cumprimento duplicado da obrigação, por se entender não ser, nestes casos, usual exigir recibo da quitação ou guardá-lo durante muito tempo (14).
Enquanto através da prescrição ordinária se reage contra a inércia ou a negligência injustificada do credor que não exerce o direito em período razoável, pelo que, uma vez esgotado o prazo, não pode exigir que o devedor cumpra aquilo a que se obrigara, ainda que confesse estar em dívida, na prescrição presuntiva promove-se o tráfico jurídico, não se visando coarctar em absoluto ao credor a prova do seu crédito, malgrado esta se limite à confissão expressa ou tácita do devedor (15).

A razão de ser deste regime especial desenhado para este tipo de prescrições de curto prazo assenta em considerações de ordem prática, colhidos da experiência comum e conexionadas com o tipo de relações contratuais (seus sujeitos e objecto) que estão em causa (16).

Como refere Manuel de Andrade (17), a lei “estabeleceu curtos prazos para a prescrição de créditos do merceeiro, do hoteleiro, do advogado, do procurador, etc., etc., porque se trata de créditos que o credor adquire pelo exercício da sua profissão, da qual vive. Ao fim de um prazo relativamente curto o credor, em regra, exige o seu crédito, pois precisa do seu montante para viver. Por outro lado, o devedor, em regra, paga as suas dívidas dentro de prazo curto, porque são dívidas que ele contraiu para prover às suas necessidades mais urgentes. Mesmo quando o devedor é pessoa de más contas, prefere não pagar outras dívidas e ir pagando estas, até porque de outra maneira, acabaria por não ter quem o servisse. Finalmente, o devedor em regra não cobra recibo destas dívidas, quando paga e se exige recibo não o conserva muito tempo”.

A prescrição presuntiva, como resulta do art. 312º do CC, funda-se na presunção de cumprimento.

Decorrido o prazo legal, presume, pois, a lei que o pagamento está efectuado, dispensando, assim, o devedor, da prova deste, prova que poderia ser-lhe difícil, dada a ausência de quitação (18).

Tratando-se de uma particular categoria de prescrição breve, determina a presunção de pagamento ou cumprimento e não a extinção da prestação debitória (19).

A presunção de pagamento por banda do devedor faz deslocar o ónus da prova do não pagamento para o credor. Ou seja, existindo a presunção de pagamento a favor do devedor pelo decurso do prazo, competirá ao credor ilidir essa presunção mediante prova em contrário, demonstrando que aquele não pagou, embora nos termos restritivos e limitados indicados nos arts. 313º e 314º do CC.

Na verdade, visando as prescrições presuntivas conferir protecção ao devedor que paga uma dívida e dela não exige ou não guarda quitação, “não poderia admitir-se que o credor contrariasse a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova. Exige-se, por isso, que os meios de prova do não pagamento provenham do devedor” (20).

Tais meios de prova específicos consistem na confissão judicial do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão ou na confissão extrajudicial, só relevando esta quando for realizada por escrito (art. 313º, n.ºs 1 e 2 do CC).

A confissão judicial poderá, porém, ser tácita, nos termos indicados no art. 314º do CC, ou seja, é de considerar “confessada a dívida, se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento”.

Significa isto que se o devedor assumir em tribunal uma posição que seja, em si mesma, contrária à presunção de cumprimento, estará a confessar a existência da dívida.

Como salienta Sousa Ribeiro (21), “[c]onstituindo uma mera presunção de pagamento, ela não poderá aproveitar a quem tenha uma actuação em juízo que logicamente o exclua. Quando alega a prescrição e, simultaneamente, pratica um acto inconciliável com o seu pressuposto fundante, o devedor está a contradizer-se a si próprio, pois, ao mesmo tempo que pretende ver reconhecida a extinção do vínculo, com base num presumível cumprimento, não deixa de admitir que ele ainda não se efectuou”.

Essa incompatibilidade lógica da posição do devedor com a presunção de cumprimento dá-se, por exemplo, quando aquele discute a existência, o montante, a remissão da sua fixação para o tribunal, o vencimento ou outras características da dívida; quando (o devedor) invoca a compensação de créditos (22) ou outra forma de extinção da obrigação diferente do cumprimento; quando invoca a gratuitidade dos serviços prestados; a contestação da solidariedade da dívida, reivindicando o benefício da divisão (23), quando invoca a invalidade do contrato donde emerge a dívida (24); quando não impugna a alegação de falta de pagamento, feita pelo credor (25) (art. 574º, n.º 2, do CPC).

A solução enunciada no citado art. 314º do CC introduz um desvio à regra de livre apreciação do julgador quanto à determinação para efeitos probatórios da conduta assumida pela parte no tribunal, firmada no art. 357º, n.º 2 do CC, o que se compreende em face da natureza do juízo em que assenta a prescrição presuntiva.

Os prazos (curtos) das prescrições presuntivas estão definidos nos arts. 316º (seis meses) e 317º (dois anos) do CC, interessando-nos para o presente caso o disposto no art. 317º, al. c), pois foi nesta disposição que a Ré integrou o caso vertente, concluindo já ter decorrido o prazo de prescrição (de dois anos).
Estabelece este dispositivo que “prescrevem no prazo de dois anos os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais pelo reembolso das despesas correspondentes”.

Estão em causa créditos por serviços prestados no exercício de profissões liberais (como seja o caso do pagamento de honorários a advogado, contanto que não esteja em causa um vínculo de natureza laboral (26)), bem como os créditos derivados do reembolso das despesas correspondentes.

No caso, resulta dos factos provados que:

- A Autora é uma sociedade que tem por objeto o exercício em comum da profissão de advogado, com o fim de repartição de resultados entre os sócios;
- No exercício da sua atividade, a Autora, na pessoa do seu sócio P. V., foi contactada pelo 2º Réu para prestar assistência jurídica e patrocínio judiciário num litígio relacionado com um imóvel da propriedade da 1ª Ré, sua irmã;
- A 1ª ré outorgou, em 25.10.2006, uma procuração forense a favor do referido sócio da autora, sendo que o mandato forense em questão destinou-se a habilitá-lo a representar a 1ª ré na execução dos procedimentos legais destinados a obter a condenação do Município de Y a praticar um acto de deferimento do projeto de construção apresentado pela mesma;
- Os serviços de assistência jurídica e patrocínio judiciário foram prestados no âmbito do processo nº 1040/07.4BEBRG, que correu termos na Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga;
- Os serviços jurídicos tiveram o seu início em 25.10.2006 e cessaram em 27.01.2009;
- A A. peticiona, nesta acção, o pagamento dos honorários pelos serviços prestados na referida ação, a qual foi instaurada em 20 de outubro de 2017.

Pois bem, estando em causa uma relação jurídica firmada entre um advogado e um particular, sendo o tipo de serviços referente ao exercício de uma profissão liberal, mercê dos serviços jurídicos prestados pelo sócio da autora que patrocinou a 1ª R. numa ação judicial, dúvidas não subsistem estarmos perante um crédito resultante dos serviços prestados no exercício de profissão liberal, pelo que, em princípio dir-se-ia ser-lhe aplicável o regime da prescrição presuntiva estabelecido na citada al. c) do art. 317º do CC.

Sucede que, no caso, apesar de ter invocado a prescrição, a qual – enfatiza-se – assenta numa presunção de cumprimento, a verdade é que a 1ª Ré nega que tenha a obrigação de pagar à autora os montantes reclamados por esta na petição inicial a título de honorários, deste modo, negando o crédito invocado pela autora/credora, posto que considerou excessivo o número de horas alegadamente despendido pelo sócio da autora no estudo da causa e elaboração da petição inicial (diz que “não poderia implicar as 33 horas descritas na nota de honorários”), o que, por si só, representa uma posição incompatível com a referida presunção de cumprimento (27).

Na verdade, ao tentar fazer valer a presunção de pagamento e, simultaneamente, ao negar a obrigação de pagamento do valor reclamado a título de honorários, a Ré pratica acto que contraria aquela presunção de pagamento, visto não se poder presumir o cumprimento de uma obrigação que alegadamente não existe. O mesmo é dizer que a Ré praticou em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento, na medida em que impugnou o valor dos honorários peticionados, não aceitando o número de horas despendidas no estudo e preparação da petição inicial, dada a hipervalorização de que diz enfermar a nota de honorários, mais rejeitando o alegado acordo de pagamento aludido no art. 26º da p.i. (cfr. arts. 22º, 23º, 24º, 29º e 30º da contestação).
Tal atitude processual é, como vimos já, incompatível com a presunção de cumprimento, o que por si só motiva a improcedência da exceção de prescrição presuntiva.
A sentença recorrida, nessa parte, merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões da apelante Maria .
*
2.2. – Da fixação do número de horas despendidas com os serviços prestados (recurso da autora).

A questão suscitada pela recorrente mostra-se prejudicada, porquanto tinha como pressuposto a inalteração da matéria de facto provada. Nessa pressuposição, e por apelo a critérios de equidade, entendia aquela que o cômputo geral do trabalho despendido deveria ser quantificado em 33 horas, às quais acresceriam as 12 horas dadas por provadas, num total de 45 horas de serviços prestados.

Pois bem, tendo procedido parcialmente a impugnação da matéria de facto – passando a ter-se como provado que, no estudo e análise jurídica da questão, bem como na elaboração da petição inicial, a autora despendeu, pelo menos, 15 horas (28) –, inexiste qualquer fundamento válido para, neste âmbito, recorrer à equidade (arts. 4º e 566º, n.º 3 do Código Civil) com vista à fixação do efetivo dispêndio daquelas horas de trabalho pelo advogado sócio da autora.
*
2.3. – Do valor hora dos honorários (recurso da autora).

A sentença impugnada reconheceu que “a praxe da Comarca de Braga é de fixar o valor-hora de € 125,00 para este tipo de processo”.

Contudo, justificou o afastamento dessa praxe com a circunstância de “que o processo terminou passado pouco tempo de ter sido interposto, por simples desistência da instância”, e de que “[n]ão houve grande trabalho intelectual desenvolvido, à excepção da elaboração da petição inicial”, pelo que, sob a alegação de tal se afigurar “justo e adequado” ao caso concreto, decidiu fixar o valor-hora em € 120,00.

Tal como qualificado na sentença recorrida, não subsistem dúvidas de que estamos perante um contrato de mandato oneroso celebrado entre o sócio da autora e a 1ª ré.

Com efeito, o art. 1157.º do Código Civil define o mandato como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.”

Desta noção legal resulta, desde logo, que o mandato tem sempre por objeto a prática de um ou mais actos jurídicos e, em segundo lugar, que o acto ou actos jurídicos devem ser praticados por conta do mandante.

Por sua vez, o art. 1158.º do mesmo Código dispõe:

«1. O mandato presume-se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão; neste caso, presume-se oneroso.
2. Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade».

Sob a epígrafe “Honorários”, estabelece o art. 105º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9/09:

«1 - Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efetivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa.
2 - Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respetiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.
3 - Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais».

Embora o citado n.º 3 do art. 105º do EOA não estabeleça qualquer critério legal de fixação do montante dos honorários a advogado, na falta de ajuste ou de tarifas profissionais, nele se consagrando apenas “critérios ou parâmetros referenciais de carácter deontológico/estatutário a serem observados pelos advogados na fixação dos respetivos honorários”, certo é que, apesar de assumirem natureza meramente indicativa, tais elementos não poderão deixar de ser tidos em consideração pelo julgador, no justo cálculo do montante de honorários (29).

Como se refere no citado acórdão, «não obstante não existir uma hierarquia entre estes elementos de ponderação, há que aceitar que, perante as circunstâncias concretas de cada caso, uns possam assumir maior relevância que outros, sendo certo que, segundo a nossa jurisprudência, o tempo gasto pelo advogado e a dificuldade do assunto, normalmente, são os elementos mais decisivos, já que reflectem a complexidade da causa e o esforço despendido pelo advogado para solucionar o problema, devendo ser relegado para um plano secundário o resultado conseguido» (30).

No caso concreto, e à semelhança do propugnado pela recorrente, entendemos que a circunstância de o processo ter sido declarado extinto por desistência da instância antes de ter havido julgamento não pode, nem deve, servir para desvalorizar o valor-hora do trabalho do advogado, até porque se mostra comprovado que a estratégia delineada passava pela interposição de uma acção administrativa de condenação do Município de Y a praticar um acto administrativo que deferisse o projeto de construção apresentada pela primeira ré, sendo que a colocação do Município nesta situação poderia abrir, como abriu, a via para uma expropriação (cfr. pontos 10 e 11 da matéria de facto provada)

Considerando, pois, a especificidade da matéria tratada, o tempo efetivamente despendido no estudo e análise jurídica da questão, bem como na elaboração da petição inicial, e o facto da estratégia subjacente à instauração do processo administrativo ter sido bem sucedida, afigura-se-nos pecar por defeito (e, por isso, ser injustificada) a fixação do valor-hora dos serviços num montante inferior ao valor unitário em uso na Comarca de Braga, sendo nesta comarca que o mandatário sócio da autora exerce a sua atividade profissional e onde correu termos o processo judicial donde emergem os peticionados honorários.

Por conseguinte, nessa parte impõe-se a revogação da sentença recorrida, fixando-se em €125,00 o valor-hora dos honorários devidos pelos serviços prestados pela recorrente (por intermédio do seu sócio) à recorrida no processo administrativo em análise.

Consequentemente, o valor total devido a título de honorários cifra-se em € 3.375,00 [= 125€ x 27h], acrescido de IVA.
*
2.4. – Da aplicação dos juros de mora ao valor do IVA de fatura já emitida.

Conforme decorre do art 804º do CC, os juros de mora destinam-se a reparar os danos causados ao credor pelo devedor pelo retardamento da prestação que era devida e em relação ao momento em que o seu cumprimento era devido.

Tratando-se de prestação de serviços sujeitos a IVA, o valor do imposto, face ao art. 7°, n° 1 e al. b) do CIVA, integra-se no preço no momento em que se presta o serviço. Sendo o IVA um imposto sobre o consumo que, em última análise, incide sobre o consumidor final, a entidade que presta o serviço passa a ser credora de quem dele beneficia – sobre quem realmente recai a obrigação de pagamento do IVA – pelo valor do IVA a cuja entrega deve proceder nos termos legais.

Os juros de mora que decorrem do atraso pelo pagamento dos honorários ou serviços prestados incidirão igualmente sobre o montante relativo ao imposto em dívida, que se encontra liquidado e constante das faturas (31).

No citado Ac. do STJ de 30/06/2011 afirma-se: ”Se o contribuinte passivo tiver entregue o IVA nos prazos legais, à sua própria custa (sem o ter recebido do adquirente), obviamente que o adquirente terá que o ressarcir pelo retardamento havido, da sua parte, no cumprimento de tal prestação debitória, já que não cabe ao prestador do serviço o pagamento de tal imposto à sua custa.

[…]
O incumprimento das obrigações fiscais que impendem sobre o prestador de serviços ou sobre o transmitente dos bens constitui infração tributária deste, a que é alheio o adquirente dos referidos bens ou serviços, não aproveitando a este a eventual omissão daquele. Assim sendo, é bem de ver que os juros de mora que decorrem do atraso pelo pagamento do preço (mora debitoris) incidirão igualmente sobre o montante relativo ao imposto em dívida, que se encontra liquidado e constante das faturas”.

O prestador de serviços limita-se a proceder à cobrança do imposto; não é devido pelo exercício da sua atividade e, por isso, não pode deduzir, ao abrigo do art. 19º a 21º do CIVA, um imposto que não suportou.

Ora, tendo sido dado como provado que, em 27.06.2016, a autora emitiu a fatura com o valor de € 5.125,00, acrescido de IVA à taxa de 23%, no total de € 6.303,75, é de concluir que os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento dos honorários também incidem sobre o montante relativo ao imposto.

Considerando, porém, a data da emissão da fatura (27.06.2016), os juros de mora, na parte em análise, serão apenas devidos a contar dessa data (e não da apresentação da nota de honorários – 13/05/2016).

Assim, procedem, também nesta parte, as conclusões de recurso.
*
2.5. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.

Como o recurso interposto pela ré foi julgado totalmente improcedente, as custas desse recurso são integralmente da sua responsabilidade.

Considerando que o recurso interposto pela autora foi julgado parcialmente procedente, as custas, quer da ação quer desse recurso, serão a cargo da Autora e da Ré, na proporção do respetivo decaimento (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I – No art. 317º, al. c) do Código Civil estão em causa créditos por serviços prestados no exercício de profissões liberais (como seja o caso do pagamento de honorários a advogado, contanto que não esteja em causa um vínculo de natureza laboral).
II – Constituindo uma mera presunção de pagamento pelo decurso do prazo, a prescrição presuntiva não poderá aproveitar a quem tenha uma atuação em juízo que logicamente a exclua, designadamente quando o devedor discute a existência, o montante, o vencimento ou outras características dos honorários reclamados, como seja o número de horas despendidas no estudo da causa e preparação da petição inicial (art. 314º do CC).
III – Os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento dos honorários também incidem sobre o montante relativo ao imposto valor acrescentado.
*
VI. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:

- Julgar improcedente o recurso interposto pela Ré Maria.
- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Autora e, em consequência, revogando a sentença recorrida, decidem condenar a Ré, Maria, a pagar à Autora, X & Associados – Sociedade de Advogados, S.P., RL, a quantia de 3.375,00 (três mil, trezentos e setenta e cinco euros), acrescida de IVA à taxa em vigor, e de juros moratórios (sobre o montante do capital e respetivo IVA), vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde 13.05.2016 (sobre o capital) e de 27.06.2016 (sobre o IVA), até efetivo e integral pagamento.
- Quanto ao mais, manter a sentença recorrida.
Custas do recurso interposto pela Ré Maria a cargo desta.
Custas (da ação e do recurso interposto pela autora) a cargo da Autora e da Ré Maria, na proporção do respetivo decaimento (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Guimarães, 27 de junho de 2019

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)


1. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, obra citada, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
2. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pp. 435/436; no mesmo sentido, Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra Editora, 1993, pp. 191/192
3. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução Ao Processo Civil. Conceito E Princípios Fundamentais À Luz Do Novo Código, 4ª ed., Gestlegal, Coimbra, 2017, p. 202.
4. Cfr., neste sentido, Acs. do STJ de 28/09/2017, proc. n.º 659/12.6TVLSB.L1.S1 (relatora Fernanda Isabel Pereira) e proc. n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1 (relatora Fernanda Isabel Pereira), Acs. da RP 24/10/2016 (relator Oliveira Abreu) e de 18/09/2017 (relator Manuel Domingos Fernandes) e Ac. da RE de 3/11/2016 (relatora Maria da Graça Araújo), todos acessíveis in www.dgsi.pt.; no sentido de que às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados”, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2001, Coimbra Editora, pp. 605 e 606.
5. Cfr., Acs. do STJ de 28/09/2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira), de 29/04/2015 (relator Fernandes da Silva), de 14/01/2015 (relator Fernandes da Silva), de 14/01/2015 (relator Pinto Hespanhol); na doutrina, Tiago Caiado Milheiro, In Nulidades da Decisão Da Matéria de Facto, www.julgar.pt., e Antunes Varela, “Juízos de valor da lei substantiva, o apuramento dos factos na ação e o recurso de revista”, CJ, Ano XX, tomo IV, pp. 7 a 14.
6. Cfr., Ac. RP de 23/04/2018 (relator Jerónimo Freitas), in www.dgsi.pt..
7. Entende-se por complexo o que é complicado, intrincado difícil, ao passo que o termo específico está associado a uma ideia que releva particularização, individualização, que é exclusivo, intrínseco (cfr. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, I vol., A-F, Verbo, pp. 889 e 1531).
8. Junta aos presentes autos por requerimento de 28/06/2018 (cfr. Ref.ª/citius 29570626).
9. Cfr. Ac. da RP de 29/06/2017 (relator Filipe Caroço), in www.dgsi.pt. A respeito do meio de prova em análise, previsto no artigo 466º do CPC, dizem-nos Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2014 - 2ª ed., 2014, Almedina, p. 395, que “não existe qualquer fundamento epistemológico para não se reconhecer nas declarações favoráveis ao depoente um meio válido de formação da convicção e racional do julgador, isto, é, uma fonte válida de convencimento racional do juiz. Questão diferente é a da suficiência das declarações favoráveis ao depoente para a formação desta convicção. A experiência sugere que a fiabilidade das declarações em benefício próprio é reduzida. Por esta razão, compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente. Já integrado num acervo probatório mais vasto, poderá mesmo ser decisivo na prova desse facto, pois proporciona um material probatório necessário à prova do facto.
10. Cfr., a título exemplificativo, Acs. da RP de 15/09/2014 (relator António José Ascensão Ramos), 17/12/2014 (relator Pedro Martins), 20/11/2014 (relator Pedro Martins), de 23.03.2015 (relator José Eusébio Almeida), de 2014/12/17 (relator M. Pinto dos Santos) e Ac. da RE de 17/01/2019 (relator Manuel Bargado), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
11. Cfr., no mesmo sentido, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, 2017, Almedina, pp.362/366.
12. Em conformidade com o alegado no articulado de resposta às exceções, sobretudo nos arts. 22 e 23 (cfr. fls. 90 a 92).
13. Por se tratar de uma ampliação muito limitada, dispensamo-nos de transcrever de novo toda a factualidade provada e não provada, devendo considerar-se aqueles pontos objeto de alteração incluídos nos factos provados e não provados nos termos explicitados.
14. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., 1987, Coimbra Editora, pp. 281/282, e Rita Canas Silva, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume I, 2017, Almedina, p. 383.
15. Cfr. Ac. da RC de 15/11/2016 (relator Manuel Capelo), in www.dgsi.pt., que cita diversa jurisprudência e doutrina.
16. Cfr. Ac. do STJ de 8.05.2013 (relator Moreira Alves), in www.dgsi.pt.
17. Cfr. Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1987, Almedina, p. 452.
18. Cfr. Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ n.º 106, p. 45.
19. Cfr. Calvão da Silva, A prescrição presuntiva e a armadilha do ónus da prova, in RLJ, ano 138º, n.º 3956, p. 267.
20. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, p. 282 e Vaz Serra, estudo citado, p. 55.
21. Cfr. Prescrições presuntivas: sua compatibilidade com a não impugnação dos factos articulados pelo autor, na Revista de Direito e Economia, Ano V, nº 2, p. 393.
22. Como se decidiu no Ac. do STJ de 8.05.2013 (relator Moreira Alves), in www.dgsi.pt., tendo a ré invocado a prescrição do art. 317.º, al. b), do CC, mas vindo depois alegar que o crédito se extinguiu por compensação, está a confessar claramente que não pagou o preço dos serviços prestados pela autora. Em sentido idêntico, ver também Ac. da RL de 8/11/2012 (relatora Maria de Deus Correia), in www.dgsi.pt. e Ac. RG de 20/09/2007, CJ, 2007, T. IV, p. 287.
23. Cfr. Sousa Ribeiro, obra citada, p. 397 e ss.
24. Cfr. Calvão da Silva, obra citada, p. 268.
25. Cfr. Ac. do STJ de 19/05/2010 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.
26. Quantos aos créditos de natureza laboral rege o n.º 1 do art. 337º do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12-02, nos termos do qual “o crédito (…) de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
27. Cfr., em sentido similar, no âmbito de uma ação de honorários por serviços prestados por advogado, Acórdão desta Relação de 10/04/2014 (relatora Ana Cristina Duarte), in www.dgsi.pt.
28. Que, no fundo, corresponde ao cômputo do número de horas fixado equitativamente pela Mmª Juíza “a quo”, na sentença impugnada.
29. Cfr. Ac. da RG de 22/03/2011 (relatora Rosa Tching), in www.dgsi.pt.
30. Cfr., em sentido similar, o Ac. desta Relação de 29/09/2014 (relator Espinheira Baltar), in www.dgsi.pt, onde se decidiu que “para o cálculo dos honorários de advogado deve prevalecer o trabalho despendido com a questão. E neste deverá atender-se, essencialmente, à complexidade da questão, e à necessidade do seu acompanhamento, ao trabalho intelectual desenvolvido no estudo de preparação e de intervenção ao longo do processo. Os outros pontos enunciados no artigo 100º [leia-se, presentemente, 105º] do Estatuto da Ordem dos Advogados deverão ser apreciados de forma secundária, face ao trabalho e complexidade da causa”.
31. Cfr., neste sentido, entre outros, os Acs. da RP de 4/06/2009 (relator Freitas Vieira) e de 3/04/2017 (relatora Ana Paula Amorim) e o Ac. do STJ de 30/06/2011 (relator Álvaro Rodrigues), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.