Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3644/19.3T8GMR.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL DE RECONHECIMENTO
CONTRATO DE TRABALHO
REQUISITOS LEGAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Nulidades arguidas: a sentença não tem de descrever discriminadamente os factos não provados alegados na contestação, mas apenas de motivar a sua falta de prova, caso se referiram a factos essenciais ou relevantes à causa. Só a absoluta ausência de fundamentação da matéria de facto gera nulidade da sentença, a qual se distingue da mera discordância de mérito sobre o julgamento de facto. A prolação de sentença em caso de pendência de incidente de suspeição não integra fundamento de nulidade da sentença, não constando do elenco de causas deste vício, sendo antes fundamento de nulidade processual, conquanto arguida no processo a que respeita a suspeição.

II - A celebração de contrato de trabalho que cobre apenas parte do tempo de duração da relação contratual não impede a instauração da acção especial para reconhecimento de existência de contrato de trabalho, não ocorrendo “impossibilidade da lide” por falta de objecto. A sentença deve reconhecer a existência da relação laboral e também fixar a data de início dos seus efeitos (186º-O/8, CPT), sendo “meio processual adequado” a tal. Existe “interesse em agir” na instância que é oficiosa, agindo o autor Ministério Público na prossecução de um fim público de combate à precaridade laboral e às falsas prestações de serviços, o que transcende o interesse particular daquele trabalhador em concreto.

III- É de reconhecer a existência de contrato de trabalho caso de verifiquem quatro dos indícios de laboralidade elencados na presunção legal juris tantum do artigo 12º do CT, que a ré não afastou e quando, ao invés, tais indícios são sedimentados pela prova de significativa inserção na organização da ré e submissão a regulamentos internos extremamente pormenorizados em obrigações, incluindo a necessidade de comunicar/justificar faltas/permutas a aulas e outras actividades.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

AUTOR/RECORRIDO- Ministério Público
RÉ/RECORRENTE- “Associação Empresarial de ..., .... e ...”.

PEDIDO - O autor Ministério Público, através de acção especial prevista nos artigos 186º-H e seg. do CPT, pede a condenação da ré a reconhecer como sendo de trabalho o contrato celebrado a 12-09-2016 com o trabalhador P. C..
CAUSA DE PEDIR - Alega, em suma, que, apesar de sucessivos contratos intitulados como de prestação de serviços, P. C., trabalhou, subordinadamente, como docente na escola da ré (Escola Profissional ...), desde 12 de Setembro de 2016 em diante e assim se manteve até terem celebrado, em 31/5/2019 e com efeitos a partir de 1/1/2019, um contrato de trabalho.
CONTESTAÇÃO – a ré pediu a absolvição da instância, invocando a impossibilidade originária da lide, a falta de interesse em agir por parte do autor, o uso inadequado desta forma de processo, a ilegitimidade do autor e a nulidade dos actos praticados pelo autor e, finalmente, a absolvição de todos os pedidos, reiterando a existência anterior de meros contratos de prestação de serviços.
O trabalhador em causa não apresentou articulado, nem constituiu mandatário.
Em resposta às excepções e nulidade invocadas, o autor concluiu pela sua improcedência.
Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença onde, como questões prévias, foram declaradas improcedentes as arguidas excepções.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo:
“Pelo exposto, julgo a presente acção provada e procedente nos termos sobreditos e, em consequência:
Condeno a ré, “Associação Empresarial de ..., .... e ...”, a reconhecer a existência de contrato de trabalho com início a 12 de Setembro de 2016 em diante, relativamente ao trabalhador P. C..
Custas a cargo da ré, tendo a acção o valor de € 30.000,01.”


A RÉ RECORREU. IMPUGNA A DECISÃO DE FACTO E DIREITO. REQUER A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA. LEVANTA AS SEGUINTES QUESTÕES (SÍNTESE/CONDENSAÇÃO):

a) Nulidade por omissão de pronúncia decorrente de falta de apreciação de grande parte da factualidade vertida na contestação - 615º/1/ al. d) C.P.C.;
b) Nulidade de decisão por esta ter sido proferida, não obstante estar pendente incidente de suspeição da Meritíssima Juiz - 125º, 615º/1/ al. d), do C.P.C., 20º/4 e 203.º da CRP;
c) Nulidade da decisão por falta de fundamentação da motivação dos factos considerados provados e não provados, devendo ser ordenada a baixa do processo à primeira instância. A senhora juiz terá utilizada uma técnica de fundamentação genérica não conexionando a prova com cada facto;
d) Impugnação da matéria de facto dada como provada sob os pontos 5, 6, 7, 8, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17 e 18, que devem ser não provados ou ter outra redacção. Salienta que não foram valorados os depoimentos das testemunhas arroladas pela recorrente, incluindo o próprio trabalhador. Diz que os inspectores da ACT não presenciaram directamente os factos e que o auto não tem valor probatório absoluto. O essencial desta impugnação centra-se em ter sido dado como provado que o trabalhador era docente (e não formador/externo), que recebia ordens e actuava sob a direcção da ré, que os contratos foram intitulados apenas pela ré como sendo de prestação de serviços, que os contratos se interrompiam em Agosto em vez de se extinguirem, que o horário fosse unilateralmente fixado pela ré, que o trabalhador utilizasse todo o equipamento/instrumentos da ré mencionada nos factos provados, que o trabalhador tivesse login próprio, que o trabalhador estivesse sujeito à aplicação de um regulamento interno, que tivesse de comunicar/justificar faltas/permutas, que estivesse sujeito a sanções disciplinares.
e) Impugnação de matéria não provada e que entende que deve ser provada e que nas conclusões identifica apenas como sendo as alíneas A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, remetendo quanto ao seu teor para as alegações. A prova resultará sobretudo dos depoimentos das três testemunhas que arrolou.
f) A impossibilidade originária da lide e validade da acção: o trabalhador e a ré já celebraram um contrato de trabalho em 31-5-2019 com efeitos a 1-01-19, pelo que inexiste o objecto da acção que é precisamente a declaração da existência do contrato de trabalho.
g) Uso de meio processual inadequado, porque o contrato de trabalho já foi celebrado e está exclusivamente em causa a sua antiguidade, o que deverá ser aferir por ação comum e pela parte interessada que é o trabalhador. O Ministério Público não poderá substituir-se ao trabalhador numa relação de natureza privada para ver reconhecida a antiguidade laboral, não tendo legitimidade para tal, sendo tal entendimento violador do direito de autonomia privada, de personalidade e direito ao trabalho.
h) Falta de interesse em agir ou de interesse público insuficiente - o MP não terá razão válida para se substituir ao trabalhador no pedido de reconhecimento da sua antiguidade em acção especial, por violação do principio da igualdade relativamente ao trabalhador “comum “ – art. 13º CRP. Porque seria conferir uma protecção jurídica/processual maior e mais favorável a situação em que não existe conflito entre as partes (sendo a acção impulsionada pela ACT e judicialmente intentada pelo Ministério Público), em confrontação com a protecção conferida na situação em que tal conflito existe e em que o trabalhador requer que seja reconhecida a antiguidade do contrato de trabalho através do uso do processo comum.
i) Direito- Essencialmente defende que os contrato celebrados entre P. C. e a ré são verdeiros contratos de prestação de serviço e não de trabalho.

CONTRA-ALEGAÇÕES DO AUTOR MINISTÉRIO PÚBLICO: propugna pela manutenção da decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1):

i) Nulidade por omissão de pronúncia decorrente de falta de apreciação de grande parte da factualidade vertida na contestação - 615º/1/ al. d) C.P.C.;
ii) Nulidade de decisão por esta ter sido proferida, não obstante estar pendente incidente de suspeição da Meritíssima Juiz - 125º, 615º/1/ al. d), do C.P.C., 20º/4 e 203.º da CRP;
iii) Nulidade da decisão por falta de fundamentação da motivação dos factos considerados provados e não provados;
iv) Impugnação da matéria de facto provada e não provada;
v) Excepções: a impossibilidade originária da lide (já está reconhecido o contrato de trabalho que é objecto da acção); o uso de meio processual inadequado (porque está exclusivamente em causa a antiguidade do contrato de trabalho, a aferir por ação comum); falta de interesse em agir ou de interesse público insuficiente (o MP não terá razão válida para se substituir ao trabalhador no pedido de reconhecimento de antiguidade em acção especial).
vi) Verificação da existência de contrato de trabalho/prestação de serviços.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO
A- FACTOS

Factos provados:

1 - A ré (Associação Empresarial de ..., .... e ...), MPC …, NISS …, com sede na Rua …, …, exerce como atividade principal organizações económicas e patronais, à qual corresponde o CAE — ….
2 - No desenvolvimento dessa sua atividade é proprietária da Escola Profissional ..., titular da autorização prévia de funcionamento no 140, emitida em 9 de maio de 2000, pelo Ministério da Educação/Direção Regional da Educação Norte.
3 Os locais de trabalho onde se desenvolve esta atividade são geridos pela ré e situam-se na Praça …., na Rua ..., … e no Pavilhão Gimnodesportivo, na Travessa ..., …, ….
4 - A ré tem como Presidente da Direção, J. C., NIF …, residente na Travessa de …, ….
5 – O trabalhador P. C. foi admitido ao serviço da ré, por contrato datado de 12 de Setembro de 2016, como docente/formador relativamente às disciplinas/turmas, nomeadamente de Eletricidade e Eletrónica e de Sistemas Digitais, para o ano letivo 2016/2017, com o período de vigência até 31 de Julho de 2017 e intitulado pela ré como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” nos termos constantes de fls. 18 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6 – Para o ano letivo de 2017/2018, a ré e este trabalhador assinaram dois novos contratos, datados de 8 de Setembro de 2017 que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo”, através dos quais o trabalhador se comprometeu a prestar as funções de docente/formador relativamente às disciplinas/turmas, nomeadamente de Aplicações Informáticas de Escritório, de Instalação e Manutenção de Computadores, de Armazém, de Eletricidade e Eletrónica, de Sistemas Digitais, de Organização Industrial e de Redes de Comunicação, com período de vigência até 31 de Julho de 2018 – nos termos constantes de fls. 19-20 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7 - Para o ano letivo de 2018/2019, a ré e este trabalhador assinaram dois novos contratos datados de 6 de setembro de 2018 que a ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo”, através dos quais o trabalhador se comprometeu as prestar as funções de docente/formador relativamente às disciplinas/turmas, nomeadamente de Redes de Comunicação, de Sistemas Digitais, de Eletricidade e Eletrónica, de Aplicações Informáticas de Escritório, de Instalação e Manutenção de Computadores e de Armazém, com período de vigência até 31 de Julho de 2019 – nos termos constantes de fls. 21-22 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8 – O mês de Agosto de cada ano corresponde a um dos períodos de interrupção das actividades escolares e lectivas, conforme Regulamento Interno da Escola Profissional ... 2017 — 2020, aprovado pela Ré: na Secção VI (Calendário Escolar), do Capítulo III (Direitos e Deveres da Comunidade Escolar), define (no arto 1280, no 1) que "o ano escolar é o período compreendido entre o dia 1 de Setembro de cada ano e o dia 31 de Agosto seguinte” e estabelecendo de seguida (os nos 2, 3 e 5, do mesmo arto)que: o calendário escolar anual é definido por despacho do Ministério da Educação; que se organiza em 3 períodos letivos, ocorrendo a avaliação sumativa no final de cada um deles e que o mês de agosto é reservado para as férias de verão- alterada em conformidade com o ponto II-D.
9 E conforme o mesmo Regulamento (arto 129º)) cuja epígrafe é "Períodos de interrupção letiva”) estabelece: o ano escolar é organizado de modo que sejam cumpridas, no mínimo, 3 interrupções das atividades escolares, coincidentes com o Natal, Carnaval e a Páscoa; e uma quarta, por um período nunca inferior a 22 dias úteis seguidos, a ocorrer, em cada ano escolar, entre I de agosto e 1 de setembro.
10 – O trabalhador desenvolveu ao longo de todos esses anos lectivos tal atividade de docente/formador nas instalações da ré e/ou por si geridas, referidas no item 3, nomeadamente, nas instalações sitas na Praça ... e na Rua ..., actividade que desenvolvia sujeita às diretrizes/orientações internas organizativas plasmadas nos contratos celebrados (em especial clª 1ª), no regulamento interno ((em especial 104º e 196º a 210º) e na caderneta informativa do docente/formador ((em especial ponto 5.3 e 5.5), doc.s 2, 6 e 7 juntos com a participação da ACT, que se reproduzem - alterada em conformidade com o ponto II-D.
11 - O trabalhador dava as aulas que estavam previamente estabelecidas pela ré, de acordo com horário por esta previamente definido para o trabalhador e restantes colegas docentes, para cada um dos anos lectivos e no seu início, de acordo com as turmas e as disciplinas que o trabalhador ministrava e que a ré afixava nas instalações.
12 Para além disso, o trabalhador comparecia às reuniões de trabalho e de organização da ré para que era convocado pela ré, participava como orientador, apreciava o desempenho escolar dos alunos e notava-os.
13 - Para o desempenho das suas funções o trabalhador sempre utilizou – para além do seu computador pessoal - instrumentos e equipamentos pertencentes à ré, nomeadamente: mobiliário nos locais de trabalho (mesa, cadeira e quadro interactivo e branco), computador, videoprojector, fotocópias, colunas, canetas, osciloscópio, gerador de funções, fontes de alimentação reguláveis, equipamentos de medida (multímetro) e todos os componentes electrónicos necessários à implementação de circuitos no âmbito do curso TEAC. E trabalhava, ainda, com os softwares específicos para o exercício das suas funções: nomeadamente, os programas informáticos(e-schooling) onde escrevia os sumários, a presenças dos alunos e registo de ocorrências e a plataforma (moodle) para interagir com os alunos, nomeadamente entrega de trabalhos e testes e fornecimento de material.
14 - O trabalhador registava as aulas dadas com os respectivos sumários e as presenças dos respectivos alunos através de uma plataforma informática existente na ré, na qual entrava por meio de “login” no programa/plataforma “e-schooling”- alterada em conformidade com o ponto II-D.
15 - O trabalhador estava obrigado, de acordo com o respectivo Regulamento Interno (art. 208º), a comunicar e justificar, em impresso próprio dirigido ao diretor da ré, as faltas referentes às aulas e reuniões, assim como em caso de permutas entre si e outros docentes.
16 - O trabalhador estava sujeito a avaliação de desempenho, e aos demais deveres elencados no Regulamento, designadamente os previstos nos arts. 104º (ex. dever de pontualidade e assiduidade no cumprimento dos horários, de estar presente em todas as actividades para que seja convocado, de apresentação atempada de toda a documentação exigida, nomeadamente planificações, avaliações, planos de recuperação, proposta e relatório de visitas de estudo e actividades, colaboração com orientadores/directores de turma ou de curso, de ser o primeiro a entrar e o último a sair da sala de aulas, de desligar o telemóvel durante as aulas, de solicitar autorização, sempre que julgue necessário, da ocorrência de aulas fora da escola, assim como aulas extra à planificação, de participar no seu próprio processo de avaliação, fazendo a sua auto-avaliação com relatório crítico de desempenho) e 196º a 208º ( em especial obrigatoriedade de presença em todas as reuniões previstas/convocadas devendo a não participação ser justificada, dever de sumariar e assinar o livro de ponto e de registo de aula na plataforma informática, deveres a observar em caso de falta/substituição, incluindo comunicação em impresso próprio, dever de justificar faltas e de submeter a autorização da ré as permutas que devem ser entendidas como extraordinárias), sob pena de poder sofrer sanções pela ré em caso de incumprimento dos deveres - alterada em conformidade com o ponto II-D.
17 O trabalhador trabalhou na ré como docente, pelo menos, 607 horas de tempo de serviço em 2016/2017.
18 – Como contrapartida do trabalho que prestava sob as diretrizes/orientações internas da ré e dos seus corpos diretivos, o trabalhador recebia da ré o valor de € 12,50/hora, acrescido de IVA e cujo cálculo das horas de docência era feito em função das aulas registadas no e-schooling e cujo pagamento era efectuado após o trabalhador emitir o respectivo recibo verde - alterada em conformidade com o ponto II-D.
19 – Foram emitidos pelo trabalhador relativamente à ré facturas-recibos constantes de fls. 171 verso-179 verso e relativamente a outras entidades o trabalhador emitiu facturas - recibos constantes de fls. 197 verso-199 verso dos autos e todas aqui dadas por reproduzidas.
20 – No final de cada um desses anos lectivos (até à celebração do contrato de trabalho a seguir mencionado), a ré não garantia ao trabalhador a sua contratação para o ano lectivo seguinte, alegando depender da aprovação dos cursos e da respectiva inscrição de alunos.
21 - Após a instauração do processo pela Autoridade para as Condições no Trabalho a ré comunicou à Segurança Social a admissão deste trabalhador (P. C.), a 31 de Maio de 2019 como trabalhador por conta de outrem (a ré) mediante contrato de trabalho sem termo, mas apenas com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2019.
22 - O trabalhador está inscrito na Segurança Social, como trabalhador independente, desde Janeiro de 2019 até final de Maio de 2019 e tendo declarado remunerações como como tal durante esse período, e como trabalhador por conta de outrem para “A. L., Ldª” desde Janeiro de 2016 até meados de Setembro de 2016 e por conta da ré desde Janeiro de 2019 em diante, nos termos constantes de fls. 186-187 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
23 – Este trabalhador apresentou declaração de rendimentos relativamente aos anos de 2016, 2017 e 2018 nos termos constantes de fls. 189 a 193 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
24 – O Conselho Intermunicipal de Educação da CIM do Ave reunido em 23/2/2016, aprovou a proposta intermunicipal de cursos profissionais, incluindo da Escola da ré, nos termos e para os efeitos constantes de fls. 150 verso-160 verso aqui dadas por reproduzidas.
25 – Nos anos de 2017 e 2019, a propósito das autorizações de funcionamento dos cursos na Escola da ré houve as comunicações constantes de fls. 161-170 verso aqui dadas por reproduzidas.

B) Nulidades

Nulidade por omissão de pronúncia

Alega a ré que o tribunal a quo não apreciou grande parte da factualidade narrada pela recorrente na sua contestação, não resolvendo assim todas as questões submetidas à sua apreciação, invocando o artigo 615º/1/ al. d), CPC.

Segundo o artigo 615º/ 1, CPC, é nula a sentença quando:

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

Quanto a esta alínea d):

As “questões” a que o normativo se refere não são os argumentos das partes, mas os pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções, conforme tem sido decidido uniformemente pela jurisprudência (2) e acolhido pela doutrina. Não há assim que confundir o significado de “questões” com as razões, a retórica ou os motivos invocados pelas partes para alicerçarem a sua pretensão (3). Também não se trata de escrutinar e dissecar os, por regra, inúmeros argumentos, aventados pelas partes, sem prejuízo de dedicar mais atenção aos que entenda terem consistência.
De resto, o juiz não está sujeito à alegação das partes no que se refere à indagação, interpretação e aplicação do direito – 5º/3, CPC
Há também que ter presente que, desde a reforma do código de processo civil (2003), a sentença contém tanto a decisão da matéria de direito como de facto, pelo que poderão ocorrer vícios da decisão da matéria de facto que caibam no âmbito das nulidades e não na previsão dos fundamentos de recurso do artigo 640ºCPC, ponderação e triagem a fazer caso a caso.
Considerando o exposto, no caso concreto, a ocorrer vício, o respectivo fundamento da nulidade não seria a omissão de pronúncia sobre “questões”, mas sim a falta de fundamentação da matéria de facto que suporta a decisão, prevista no artigo 615º/1/b,1ª parte, CPC.
Esta falta de especificação reporta-se à ausência parcial de descriminação na sentença de determinada matéria factual, ou seja, “falta de resposta” sobre factos que a ré alegou na contestação e que entende serem pertinentes.

Analisando:

Na sentença, após a rubrica “factos provados”, consta:

“Factos não provados: Não se provaram os demais factos alegados pelas partes nos articulados, nomeadamente, as demais horas de docência concretamente prestadas pelo trabalhador a favor da ré, os alegados montantes e respectivas datas de alegados pagamentos pela ré e por alegada transferência bancária para conta do trabalhador, que tivesse sido o trabalhador a recusar a celebração de contrato de trabalho durante esses mesmos anos lectivos, que os cursos da ré e respectivas horas não sejam sempre os mesmos e que a ré sempre dependesse da concessão de financiamento de determinadas instituições, que a ré nunca tivesse marcado qualquer falta ao trabalhador, que a ré nunca tivesse sancionado este trabalhador e que só após muita insistência da ré o trabalhador acabou por celebrar o contrato de trabalho. Para além disso não foram atendidos os factos meramente conclusivos e os que estejam em contradição e/ou prejudicados pela factualidade acima dada como assente.”

Optou-se pela não enunciação exaustivamente de todos os factos não provados, o que se compreende atenta a extensão do articulado da ré, mas pelo uso de uma expressão genérica que abrange, por exclusão, todos os outros que são assim não provados. De resto, note-se que os únicos factos que têm de ser discriminadamente descritos são os factos provados principais – 607/3º, CPC-, e quanto aos não provados apenas tem de se motivar a falta de prova sem necessidade de discriminação (4).
Ainda assim, o tribunal a quo mencionou expressamente alguns dos factos não provados. Acresce que muitos dos denominados “factos” apontados são conclusivos (vg 72, 81, 125, 126, 133, 150, 184, 233…)) ou estão em nítida oposição com a outra factualidade provada, para além de que a resposta deve incidir sobre os factos essenciais à causa (5º CPC). Assim não ocorre ausência de resposta sobre a matéria de facto.
Questão diferente será a de saber se alguns destes factos devem ser factos provados, o que não cabe em sede de nulidade, mas sim de impugnação da matéria de facto.
Improcede assim a arguição.

Nulidade da sentença por falta de motivação da decisão de facto:

Em suma, alega a recorrida que a juiz a quo não explicou nem justificou a sua motivação para julgar certos factos como provados e não provados e que, quando justifica, utiliza uma técnica não pormenorizada, mas “de bloco”.

Segundo o artigo 615º/ 1, CPC, é nula a sentença quando:

…b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Esta norma relaciona-se com outra, a saber, o artigo 607º/3/4, CPC, o qual determina que na sentença, por um lado, se discriminem os factos provados que suportam a decisão tomada e, por outro lado, que se declarem os factos provados e não provados e se motive esta decisão.
O ora está em causa na presente arguição é uma alegada falta de motivação da factualidade provada e não provada.
Na sentença deve-se justificar se a resposta factual resulta de lei em caso de força probatória vinculada (admissão por acordo, confissão ou documento com força probatória especial- 607º/4/5, 2ª parte, CPC), ou se resulta de livre apreciação judicial segundo a prudente convicção do julgador (incluiu-se análise de depoimentos de testemunhas, de documentos sem força probatória específica, perícias, inspeções, ilações, máximas e regras de experiência, etc - 607º/4/5, 1ª parte, CPC).
A exigência de fundamentação comporta a análise valorativa e conjugada de toda esta prova e a revelação dos aspectos que foram decisivos. Tem de se perceber o raciocínio seguido pelo juiz para chegar aquele resultado probatório com enfâse nos factos essenciais ao julgamento da causa de pedir e das excepções. Não basta indicar os meios de prova, tem de haver valoração crítica e a exteriorização do percurso lógico interior seguido pelo julgador sobre os factos essenciais.
Esta exposição tem dupla função, destinando-se a convencer o destinatário do bem fundado da decisão probatória reforçando a objectividade do julgador e, por outro lado, permite o seu escrutínio pelas partes e tribunal superior, em caso de recurso.
Contudo, só a absoluta ausência de fundamentação de facto gera nulidade e justifica a devolução à primeira instância para que esta fundamente a decisão – 666º/2/d, CPC. A simples deficiência ou uma fundamentação mais pobre apenas afecta a autoridade da sentença, fragilizando-a em caso de recurso.
O mesmo tratamento de irrelevância merece a falta de fundamentação de um facto, provado ou não provado, quando aquele facto não se mostra em concreto essencial à decisão (5).
São exemplos típicos de nulidade a falta de descriminação dos factos provados, ou o uso de uma fórmula justificativa completamente abstracta que nada permite apreender.
Posto isto, no caso concreto, nos autos estava em causa a existência de índices de subordinação jurídica capazes de demonstrar ou não a existência de um contrato de trabalho, em concreto o desenvolvimento da actividade de lecionação inserida na organização e sob a autoridade da ré, em local a esta pertencente, com observância de horário de trabalho, necessidade de justificação de faltas, uso de equipamento da ré, mediante pagamento de retribuição, etc…
Lida a motivação da sentença, para a qual remetemos, constatamos que na mesma se encontra a linha de raciocínio essencial que foi seguida, estando exposta a motivação em que se baseia a prova.
Assim, indicou-se os meios de prova: acordo de partes nos articulados, documentos (contratos de “prestação de serviço”, regulamento interno, caderneta informativa do docente, documentos de justificação das faltas/permuta, declaração de tempo de serviço, mapa de horário de trabalho…) e depoimentos de testemunhas.
Salientou-se os documentos mais valorados, como os constantes na participação da ACT, documentos anexos, que foram corroborados pelos inspetores da ACT, ouvidos em audiência F. A. e A. F., tecendo-se considerações justificativas sobre o modo como depuseram e porque motivo merecerem credibilidade.
Dedicou-se especial enfoque ao auto de declarações do trabalhador e questionário, declarações que se entendeu que, na altura, foram livremente prestadas pelo trabalhador P. C. e, no essencial, por este confirmadas em audiência de julgamento, caracterizando também o modo como desenvolveu a actividade prestada.
Explicou-se a valoração dada ao depoimento das testemunhas J. L. e N. M., director geral e directora pedagógica da ré, no que se refere à confirmação de orientações/indicações genéricas dadas ao trabalhador e uso de equipamento/material da ré. Especificou-se os segmentos dos depoimentos que não mereceram credibilidade e porquê, designadamente quanto aos aspectos da fixação de horário de trabalho, da pretensa não aplicação de regulamento interno e da pretensa desnecessidade de justificação de faltas, apelando-se, por exemplo, à prova documental para rebater tais depoimentos.
Apreciou-se com alguma minúcia critica o conteúdo dos contratos “de prestação de serviços”, o regulamento interno e a caderneta informativo do docente, para deles extrair fundamento para descredibilizar parte destes dois depoimentos.

Designadamente no seguinte segmento:

“E, aliás, o conteúdo desses anteriores contratos de prestação de serviços constantes dos autos (a fls. 18-22), por si só, desmentia a denominação dada aos mesmos, assim como o teor quer do regulamento interno da ré quer da caderneta informativa do docente/formador (a fls. 27-89), sendo de salientar as regras e os deveres para o docente e para o orientador em todos eles consignados são idênticos e em todos eles constam detalhadamente, tais como a obrigação de preparação de cada ano lectivo, a obrigação de cumprir o plano de curso, a obrigação de avaliação dos alunos no final de cada um dos 3 períodos lectivos de cada ano lectivo, da comparência nas reuniões marcadas pela ré, a obrigação de comunicação e justificação de faltas e permutas…”

A parte final foi dedicada a afastar os indícios contrários elencados pela ré para afastar a laboralidade, que assim não foram considerados provados.
Em suma, na acepção supra explicada, a sentença contém a motivação da convicção do tribunal, exterioriza o raciocínio lógico seguido, sem a assinalada nulidade.
Questão diferente é a de saber se a matéria foi correctamente julgada como provada e não provada, o que respeita a outra sede que é a impugnação de matéria de facto.
Improcede assim a arguição.

Nulidade de decisão por suspeição da Meritíssima Juiz:

Alega a recorrente que se verifica nulidade da sentença por excesso de pronúncia, porquanto, estando pendente incidente de suspeição da juiz a quo, a instância deveria ter sido suspensa e a sentença final não poderia ter sido proferida – 125º CPC. Isto porque foi apresentado, em 12-09-2019, no âmbito doutro processo- nº 3642/19.7T8GMR, Juiz 2do Juízo de Trabalho de Guimarães – Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães-, o dito incidente de suspeição, pedindo-se “a sua extensão” aos presentes autos, acrescendo, segundo a recorrida, que o mandatário e a juiz a quo são os mesmos, bem como as partes.
As causas de nulidade da sentença encontram-se elencados na lei de uma forma taxativa e respeitam a vícios da estrutura e dos limites da própria sentença. Compreendem a falta de assinatura do juiz, a falta de fundamentação da decisão de facto e/ou de direito, a oposição entre a fundamentação e a decisão, a ambiguidade/obscuridade que torna ininteligível a decisão, a omissão de pronúncia sobre questões que devessem ter apreciadas ou o inverso excesso de pronúncia sobre questões e, finalmente, a condenação em objecto diverso ou quantidade superior do pedido- 615º CPC.
Sem necessidade de extensa fundamentação, há que concluir, portanto, que o prosseguimento dos autos e a prolação de sentença em caso de pendência de incidente de suspeição não integra fundamento de nulidade da sentença, não constando do elenco de causas deste vício.
Uma coisa é a nulidade da sentença, outra a nulidade do processo. A motivação ora apresentada abstractamente integraria causa de nulidade do processo, derivada da prática de um acto que a lei não admite. Conquanto arguida tempestivamente e no processo a que respeita, a saber o nº 3642/19.7T8GMR, do qual o incidente de suspeição constitui um apenso – 122º1, 195º/1, e 215º CPC. Diga-se que, ainda que respeitasse aos presentes autos, a sua arguição seria extemporânea porque se encontra transposto o prazo de 10 dias de que dispõe para o efeito, terminado em 6-01-20, atenta a data do despacho que indeferiu o pedido de suspensão da instância (notificado a 23-12-19)- 199º/1, CPC.

Assim, improcede a arguição.

C)- EXCEPÇÕES

(i) A impossibilidade originária da lide;
(ii) Uso de meio processual inadequado;
(iii) Falta de interesse em agir ou de interesse público insuficiente.

Sinteticamente, todas estas excepções se centram à volta do facto de ter sido celebrado contrato de trabalho, em 31-5-2019 e com efeitos a 31-1-2019, entre o trabalhador P. C. e a ré, ou seja, antes da propositura da acção.
Segundo a ré/recorrente, a impossibilidade originária da lide derivaria precisamente da circunstância de, tendo sido celebrado contrato de trabalho entre o trabalhador em causa e a ré, a acção não ter objecto.
O uso de meio processual inadequado derivaria do facto de estar exclusivamente em causa a antiguidade do contrato de trabalho, o que deveria ser aferido por ação comum.
A falta de interesse em agir ou de interesse público insuficiente derivaria de o MP não terá razão válida para se substituir ao trabalhador porquanto está unicamente em causa o reconhecimento de antiguidade laboral em acção especial e, a defender-se o contrário, haveria violação do principio da igualdade relativamente ao trabalhador “comum “.

Vejamos:

A impossibilidade da lide é uma excepção dilatória ou processual nominada que obsta que se conheça de mérito e origina a extinção da instância – 277º/e), CPC.
A mesma ocorre quando ”a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimentos dos sujeitos ou do objecto do processo…a solução do litigio deixa de interessar…por impossibilidade de atingir o resultado visado…” (6) (negrito nosso). Se o evento dela causador se der antes da pendência da acção a impossibilidade é originária, se ocorrer após a sua instauração é superveniente. Costuma dar-se o exemplo, no primeiro caso, da acção de divórcio em que ocorre a morte de cônjuges (quanto aos efeitos pessoais) e, do segundo caso, do perecimento de coisa infungível em acção de reivindicacção.
Ora, olhando para o caso facilmente se conclui que a totalidade da tutela/ objecto que se pretendia obter não foi atingida ou é impossível de atingir, seja do ponto de vista físico ou legal.
O objecto da acção era o reconhecimento da existência de contrato de trabalho entre a ré e o trabalhador P. C. com efeitos a 12-09-16. Na petição inicial já se consignou que a ré celebrou contrato de trabalho com o trabalhador em causa, o que fez em 31-05-2019, mas somente com efeitos a partir de 1-01-2019.
Os presentes autos respeitam à acção especial regulada nos artigos 186º-K e ss, criada em 2013, de natureza oficiosa e cujo escopo principal é o combate à precaridade social e laboral, aos denominados falsos “recibos verdes” e falsas prestações de serviço, que encapotem verdadeiras relações contratuais de natureza laboral, subjazendo-lhe um interesse de ordem pública que se repercute e informa o seu regime.
Assim, o autor da acção, a parte activa com legitimidade para a intentar e apresentar a petição inicial, é o Ministério Público e não o trabalhador, que pode inclusive nem chegar a intervir como parte, como alias aconteceu nos autos – nº 1, art. 186º-L, CPT.
Mais, a sua propositura tem por base uma participação da autoridade para as condições do trabalho (ACT) subsequente a um procedimento contra-ordenacional quando, no exercício da sua actividade fiscalizadora, aquela entidade constate a existência de características de contrato de trabalho numa actividade e quando, não obstante a notificação, o empregador não tenha regularizado a situação mediante a apresentação de contrato de trabalho reportado à data do inicio da relação laboral – 15º-A/1/2/3, Lei 107/2009, de 14-09.
O que leva a que, o Ministério Público, após a remessa da participação e elementos de prova, num curto prazo de 20 dias proponha a acção, o que bem evidencia a intenção legislativa de desmotivação deste tipo de realidades e de rápida resolução da situação.
Finalmente, importa referir que o procedimento contraordenacional se suspende até ao trânsito em julgado da decisão desta acção - 15º/A/4, Lei 107/2009, de 14-09.
Assim sendo, volvendo à questão da excepção de “impossibilidade da lide”, é cristalino que o objecto ou resultado do processo “não se tornou impossível”, não se extinguiu, não foi atingido, ao invés, continua em parte por decidir e a ter plena utilidade. Porque uma parte da relação não foi reconhecida pela ré como tendo natureza laboral (de 12-09-16 a 31-12-2108) e na acção a sentença deve reconhecer a existência de um contrato de trabalho e fixar a data de início da relação laboral – 186º-D/8, CPT.
Acresce que o processo contraordenacional está suspenso a aguardar o resultado da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, tendo, esta acção, também efeitos de outra ordem pública e contraordenacional que não se encontram solucionados com a celebração de um contrato de trabalho que cobre apenas parcialmente a relação contratual.
Terá a acção de prosseguir e ser o tribunal a decidir se a relação laboral deve abranger todo ou parte do período que está em causa, relembrando-se que a acção, embora tutele também aquela relação particular, tem uma função e um alcance mais vasto que entronca no seu carácter de natureza pública e imperativa, não disponível pelo trabalhador.

Improcede a arguição

Uso de meio processual inadequado, segundo a ré porque o contrato de trabalho já foi celebrado e está exclusivamente em causa a sua antiguidade, o que deveria ser aferido por ação comum e pela parte interessada que é o trabalhador, estando em auto também a autonomia privada e direitos particulares do trabalhador.
Quanto à “legitimidade”, remetemos para o supra dito quanto ao facto desta acção ter subjacente razões de ordem pública, não disponível pelo trabalhador, e de o autor nesta acção ser o Ministério Público que apresenta a petição inicial com vista ao reconhecimento do contrato de trabalho, sendo que a sentença deve não só reconhecer – ou não – a existência de um contrato de trabalho e também fixar a data de início da relação laboral – 186ºK-L-O/8, CPT.
Quanto ao alegado uso indevido deste meio processual recordamos que o “pedido de reconhecimento de antiguidade laboral” está contido dentro da tutela conferida neste tipo de acção.
Sempre se dirá que, caso ocorresse um “engano” na escolha da acção, então haveria erro na forma de processo.
Na verdade, fora deste campo (de erro na forma do processo) o ” uso do meio mais adequado”, entenda-se a espécie de acção correcta, não parece ter no nosso direito acolhimento (7). O que decorre, por exemplo, do tratamento dado aos casos em que a parte recorre desnecessariamente à acção de condenação apesar de dispor de título executivo ou do pedido de condenação, no futuro, de obrigação vincenda não contestada, acções que são admissíveis, originando apenas o recair das custas sobre o autor – 535 e 610 CPC .

Improcede assim a excepção.

Falta de interesse em agir ou de interesse público insuficiente:

Diz a ré que o Ministério Público não terá razão válida para se substituir ao trabalhador no pedido de reconhecimento de antiguidade em acção especial, por violação do principio da igualdade relativamente ao trabalhador “comum.
O interesse em agir ou interesse processual é entendido como uma excepção dilatória inominada que impede que se conheça do mérito da causa e origina a absolvição da instância - 278º/1/e), CPC. Traduz-se na necessidade ou utilidade de recorrer aos tribunais para solucionar um conflito existente ou tutelar um interesse material que, em face de algum tipo de incerteza, careça de intervenção judicial. Se não há violação do direito de alguém, se este não é contestado, ou se não há dúvida a dissolver e direito a reconhecer, então não há interesse sério para vir a juízo. Não sendo compreensível o recurso a tribunal e sua sobrecarga inútil (8), sendo o seu conhecimento oficioso.
Ora, nesta acepção, o Ministério Público, autor nesta acção de natureza oficiosa - e não o trabalhador, que no caso nem interveio (9) -, tem pleno interesse em agir, porquanto a solução completa do litigio continua a interessar e ainda não foi atingida por outro meio pelas razões já assinaladas e ligadas ao facto de o contrato de trabalho abranger apenas parte do período temporal objecto de litigio.
Diga-se, ainda, que inexiste a pretensa desigualdade e violação do princípio constitucional da igualdade (13º CRP) entre o trabalhador que recorre à acção comum para ver reconhecido o contrato de trabalho e esta acção especial de reconhecimento do contrato de trabalho.
As acções são distintas e visam propósitos diferente. A primeira persegue um intuito exclusivamente particular daquele trabalhador, e a segunda um propósito de natureza pública. Já se assinalou que o que está em causa nesta acção é um interesse social e colectivo de combate ao emprego precário e laboralidade dissimulada. Em que, reconhecidamente, o empregador, sujeito mais forte na relação, muitas vezes dita um modelo contratual que acarreta para ele menores obrigações legais, designadamente o pagamento de subsídios de férias e de natal e o cumprimento de obrigações perante a segurança social ou a subscrição de seguro.
Sendo em representação do Estado, titular deste interesse público, que o Ministério Público age oficiosamente e não em nome de um interesse particular ou em patrocínio de um único trabalhador (10). O próprio legislador reconhece que à partida existe uma desigualdade na relação contratual entre empregador e o trabalhador a “recibos verdes”, geradora de uma diminuição na liberdade psicológica, a que o trabalhador, que desencadeia uma acção comum, já não estará sujeito, liberto dessa limitação. Por isso consagrou este figurino processual que não se confunde com a acção comum destinada a propósitos “privados”. As variáveis não são iguais, portanto a solução terá de ser diferente. O principio constitucional da igualdade está assim respeitado, na vertente em que exige tratamento diferente para situações desiguais.

Improcede a excepção.

D) - RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

Regras genéricas sobre a modificabilidade da decisão de facto:
O tribunal superior deve modificar a decisão sobre a matéria de facto caso os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente – art. 662º, CPC. A utilização do verbo “impor” confere um especial grau de exigência imposto à segunda instância que deve, assim, ser cautelosa na modificação da decisão de facto, em especial porque lhe falta a imediação.
Recorde-se também que o tribunal da relação é uma instância de recurso que conhece em moldes mais restritos sobre a matéria de facto, a qual já foi sujeita a um primeiro crivo. A reapreciação de prova não equivale a novo julgamento, devendo a modificação, com referência à matéria impugnada, circunscrever-se aos casos de segura desarmonia entre a prova disponível e a decisão tomada. Ou seja, o julgador do tribunal superior tem de estar bem seguro de que a prova foi mal apreciada e, só nessa circunstância, a deve modificar (11).
Por sua vez, o tribunal a quo, sendo livre na apreciação da prova e subsequente fixação da matéria de facto, a efectuar segundo a sua prudente convicção (12), tem o dever de explicar na fundamentação da matéria de facto qual o fio condutor lógico de raciocínio crítico que ditou aquela materialidade fáctica. Alcançando-se por essa via as razões de ciência, de lógica e as regras de experiência de vida que lhe estiveram subjacentes.
Contudo, ao contrário do que refere a recorrida, não tem de explicar as razões facto a facto em vez de “bloco a bloco de temas”, afigurando-se que a recorrida se refere antes aos deveres a observar pelas próprias partes em caso de recurso – 640º/1/b CPC. Na verdade, a intensidade da fundamentação varia de acordo com a prova feita. Prova evidente e cristalina requer menor fundamentação. Prova duvidosa e complexa requer maior empenho.

No caso concreto:

A ré entende que foram mal incorretamente julgados como provados os pontos nº 5,6, 7, 8, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17e 18.

Os pontos 5, 6 e 7 têm a seguinte redacção:
5 O trabalhador P. C. foi admitido ao serviço da ré, por contrato datado de 12 de Setembro de 2016, como docente/formador relativamente às disciplinas/turmas, nomeadamente de Eletricidade e Eletrónica e de Sistemas Digitais, para o ano letivo 2016/2017, com o período de vigência até 31 de Julho de 2017eintitulado pela ré como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” nos termos constantes de fls. 18 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6 Para o ano letivo de 2017/2018, a ré e este trabalhador assinaram dois novos contratos, datados de 8 de Setembro de 2017 que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo”, através dos quais o trabalhador se comprometeu a prestar as funções de docente/formador relativamente às disciplinas/turmas, nomeadamente de Aplicações Informáticas de Escritório, de Instalação e Manutenção de Computadores, de Armazém, de Eletricidade e Eletrónica, de Sistemas Digitais, de Organização Industrial e de Redes de Comunicação, com período de vigência até 31 de Julho de 2018 – nos termos constantes de fls. 19-20 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7 - Para o ano letivo de 2018/2019, a ré e este trabalhador assinaram dois novos contratos datados de 6 de setembro de 2018 que a ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo”, através dos quais o trabalhador se comprometeu as prestar as funções de docente/formador relativamente às disciplinas/turmas, nomeadamente de Redes de Comunicação, de Sistemas Digitais, de Eletricidade e Eletrónica, de Aplicações Informáticas de Escritório, de Instalação e Manutenção de Computadores e de Armazém, com período de vigência até 31 de Julho de 2019 – nos termos constantes de fls. 21-22 cujo teor aqui se dá por reproduzido.”
As partes a negrito são aquelas cuja redacção a ré contesta.
Diz a ré que devem ser não provados os segmentos em que se refere que os contratos foram intitulados apenas pela recorrente como sendo de prestação de serviços, defendendo que os mesmos foram intitulados por ambas as partes enquanto tal.
Da prova sobre esta matéria resulta que o autor não se pronunciou quanto à elaboração dos contratos, sua minuta, negociação, condições, ou sequer se foi previamente ouvido sobre os seus termos, sendo o essencial do seu depoimento direcionado para as condições em que foi prestando trabalho para a ré.
Contudo, a testemunha, J. L., director geral, da ré, assumiu que os contratos de “prestações de serviços” eram da autoria da própria ré que os tinha minutado há anos, na sua expressão “o contrato de prestação de serviços é chapa… todos iguais desde a abertura da escola”…”, mais dizendo que “o contrato é sempre o mesmo” O mesmo terá assim sido aplicado, pelo menos, a 13 docentes/formadores em “regime de prestação de serviço”, sendo apenas 3 os trabalhadores considerados pela ré como “ efectivos”.

Assim, improcede a alegação.

Os pontos 5 (novamente transcrito quanto a outra parte impugnada) e 17 têm a seguinte redacção:

“5 O trabalhador P. C. foi admitido ao serviço da , por contrato datado de 12 de Setembro de 2016, como docente/formador relativamente às disciplinas/turmas, nomeadamente de Eletricidade e Eletrónica e de Sistemas Digitais, para o ano letivo 2016/2017, com o período de vigência até 31 de Julho de 2017 e intitulado pela como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” nos termos constantes de fls. 18 e cujo teor aqui se por reproduzido.
17 O trabalhador trabalhou na como docente, pelo menos, 607 horas de tempo de serviço em 2016/2017.”

As partes a negrito são aquelas cuja redacção a ré contesta.

Diz a ré que deve eliminar-se a referência à palavra “docente” referente às funções contratadas e/ou exercidas, ficando a constar “Formador Externo”. O que resultará dos próprios contratos de prestação de serviços e dos recibos verdes, para além do trabalhador não reunir as condições legais para ser docente.
Ora, se dos contratos de “prestação de serviços” consta que o trabalhador foi admitido como formador externo para certas disciplinas, consta também que o foi, entre o mais, para lecionar os conteúdos programáticos da respectiva disciplina (clª 1ª, al. c).
Também do documento nº 5 junto com a participação da ACT, intitulado “Declaração de serviço”, emitida pela própria ré, declara-se que no ano lectivo de 2016/17, o autor” exerceu as funções de docente no Ensino Básico/Secundário…”.
Igualmente no documento nº 4 junto com a dita participação consta um documento emitido pela ré intitulado “Horário Base do professor, Docente 152, P. C., ano lectivo 2018-19”.
Assim é correcto afirmar-se que o trabalhador foi contratado para exercer, como exerceu, as funções essenciais de docente/formador, conforme depoimentos do próprio trabalhador e de todas as demais testemunhas, não havendo dúvidas que o autor tinha por função principal leccinar disciplinas e exercer as funções associadas. De resto, a introdução da palavra “externo” inculca um juízo conclusivo que deve ser evitado face ao tema a decidir (excepto na parte referente ao “título” dado no contrato que já consta como provado noutra alínea).
Improcede a alegação.

O ponto 8 tem a seguinte redacção:

8 Cada um desses contratos interrompeu-se no mês de Agosto do ano lectivo correspondente, conforme neles se referia e consta do Regulamento Interno da Escola Profissional ... 2017 — 2020, aprovado pela Ré: na Secção VI (Calendário Escolar), do Capítulo III (Direitos e Deveres da Comunidade Escolar), define (no arto 1280, no 1) que "o ano escolar é o período compreendido entre o dia 1 de Setembro de cada ano e o dia 31 de Agosto seguinte” e estabelecendo de seguida (os nos 2, 3 e 5, do mesmo arto)que: o calendário escolar anual é definido por despacho do Ministério da Educação; que se organiza em 3 períodos letivos, ocorrendo a avaliação sumativa no final de cada um deles e que o mês de agosto é reservado para as férias de verão.
As partes a negrito são aquelas cuja redacção a ré contesta.
Diz a ré que deve ser não provado que “Cada um desses contratos interrompeu-se no mês de Agosto do ano lectivo correspondente”, porque os contratos cessavam após o alcance do resultado inerente à sua contratação, sendo posteriormente, com intervalo, celebrados novos contratos. Deve atender-se à data do início de cada um dos contratos que foram sendo celebrados e aos depoimentos do trabalhador e das duas testemunhas N. M. e J. L..
Concorda-se que a redacção deve ser aperfeiçoada porque, face ao tema principal a decidir, a mesma encerra um juízo algo conclusivo.

A redacção que temos por correcta será a seguinte que inserimos já no lugar próprio:

8- “ O mês de Agosto de cada ano corresponde a um dos períodos de interrupção das actividades escolares e lectivas, conforme Regulamento Interno da Escola Profissional ... 2017 — 2020, aprovado pela Ré: na Secção VI (Calendário Escolar), do Capítulo III (Direitos e Deveres da Comunidade Escolar), define (no arto 1280, no 1) que "o ano escolar é o período compreendido entre o dia 1 de Setembro de cada ano e o dia 31 de Agosto seguinte” e estabelecendo de seguida (os nos 2, 3 e 5, do mesmo arto)que: o calendário escolar anual é definido por despacho do Ministério da Educação; que se organiza em 3 períodos letivos, ocorrendo a avaliação sumativa no final de cada um deles e que o mês de agosto é reservado para as férias de verão.

Os pontos 10e18 tem a seguinte redacção:

10 - O trabalhador desenvolveu sob as ordens e fiscalização da ré, ao longo de todos esses anos lectivos, tal atividade de docente/formador nas instalações da ré e/ou por si geridas, referidas no item 3, nomeadamente, nas instalações sitas na Praça ... e na Rua ....
18 Como contrapartida do trabalho que prestava sob as ordens e fiscalização da ré e dos seus corpos diretivos, o trabalhador recebia da ré o valor de € 12,50/hora, acrescido de IVA e cujo cálculo das horas de docência era feito em função das aulas registadas no e-schooling e cujo pagamento era efectuado após o trabalhador emitir o respectivo recibo verde.
Diz a ré que deve ser não provada a parte referente a “sob as ordens e fiscalização da ré”, porque não existe prova da existência de ordens e fiscalização, ao invés resulta o contrário, designadamente das declarações do trabalhador em causa e das demais duas testemunhas citadas.
Concordamos que as expressões devem ser modificadas, mas não pelo motivo que a ré invoca.
O facto é que as expressões em causa são essencialmente conclusivas, se tivermos em conta que o cerne do tema a decidir é precisamente saber se estamos perante um contrato de trabalho ou de prestação de serviços, pelo que deverão ser substituídas/concretizadas por outras com maior aproximação fáctica, de acordo com a prova, e que caibam naquela alegação.

A prova documental é aqui essencial. Assim:

Do contrato denominado “de prestações de serviços”, clª primeira, consta que compete ao trabalhador:

a) Fazer cumprir as normas emanadas pelos órgãos de direcção da escola, corresponsabilizando-se com estes pelo bom funcionamento e imagem interna/externa da escola e da respectiva entidade proprietária;
b) Colaborar com a direcção técnico-pedagógica da escola na elaboração de programas e orientações metadológicas, sempre que para tal for solicitado;
c) Leccionar os conteúdos programáticos da (s) respectiva (s) disciplina, segundo os programas e orientações metodológicas aprovados;
d) Assegurar a implementação do sistema de estrutura modelar;
e) Proceder a registo sumário das actividades lectivas e não lectivas, assim como a de todo o processo de acompanhamento e assiduidade do aluno;
f) Reunir sempre que necessário com o conselho de turma, Orientador Educativo de Turma/Director de Turma e com o Director de Curso;
g) Propor a aquisição de bibliografia, material e equipamento didáctico indispensável oi conveniente para a lecionação da disciplina respectiva;
f) Assegurar o acompanhamento dos projectos pessoais (PAP) a elaborar pelos alunos do 3º ano, corresponsabilizando-se com os Orientadores dos Projectos;
i) Desenvolver o seu trabalho nesta Escola de acordo com o horário atribuído pela Direcção, o qual poderá ser alterado pela Entidade Proprietária, sempre que necessário;
j) Disponibilizar-se, na medida das suas possibilidades, para substituir outro docente que tenha anunciado a sua intenção de faltar, leccionando a sua própria disciplina;
k) Comunicar ao Orientador Educativo de Turma/Director de Turma qualquer problema do foro disciplinar, ou outro que seja do seu conhecimento, relativamente a qualquer aluno. Deverá faze-lo por escrito, sempre que se trate de assunto disciplinar;
l) Propor aos Directores de Curso, alterações aos conteúdos e metodologias de cada disciplina;
m) Justificar, junto da primeira outorgante, todas as faltas referentes às aulas e reuniões, utilizando para tal o impresso próprio para o efeito disponível nos serviços administrativos.

As partes a negrito são da nossa responsabilidade e exprimem a opção pessoal sobre algumas das partes mais relevantes na matéria.

A obrigação constante na alínea a) “Fazer cumprir as normas emanadas pelos órgãos de direcção da escola…” remete-nos para o Regulamento Interno (documento nº 6 junto com a participação da ACT) onde consta na sua introdução:

“O presente Regulamento Interno tem como principal objectivo: Definir a regulação da organização e funcionamento da Escola, nomeadamente, no estabelecimento de regras e normas que marcam a convivência entre os diferentes actores da acção educativa e estabelecem a estrutura organizacional da comunidade escolar.
A Direcção Geral da Escola, em 6 de novembro de 2017, promulga as disposições contidas neste documento e reafirma que compete a todos os Colaboradores, a todos os níveis, o cumprimento das determinações que dele constam. (negrito da nossa autoria).

O regulamento é uma peça extensa para a qual remetemos. Salientando-se que, do seu próprio conteúdo, resulta que é inequivocamente aplicado aos docentes/formadores, ainda que formalmente vinculados por contratos denominados de prestação de serviço. Disso é comprovativo, por exemplo a clª 190º onde se refere que a atribuição a um docente/formador de um cargo de orientador educativo de turma é formalizada através de assinatura de anexo ao contrato de prestação de serviços, também anual, que vincula o docente à Escola. E ainda da clª 209º, onde, ao se estipular sanções para o incumprimento dos deveres regulamentares, se alude à possibilidade de rescisão do contrato de prestação de serviços (sic). Diga-se que da sua globalidade resulta que o mesmo se dirige também aos docentes/formadores, peças pivôs na comunidade escolar e na organização da ré.
Ademais, o regulamento tem um anexo que é o organigrama onde está previsto precisamente o corpo docente, na “árvore” Direcção Técnico-Pedagógica. A ré tinha 13 docentes/formadores em “contrato de prestação de serviços” e apenas 3 docentes com vinculo efectivo, pelo que, também por aqui, faria pouco sentido que tal documento regulativo, incluindo das actividades lectivas, não se destinasse ao universo maior de docentes/formadores.
Igualmente consta nos autos junto com a participação da ACT a Caderneta Informativa do Docente Formador (doc. Nº 7), com um ponto nº 5 totalmente dedicado aos normativos dirigidos ao docente/formador. Destacamos o ponto 5.3 referente aos deveres do docente, incluindo o dever de assiduidade e pontualidade no cumprimento dos horários (al a), de conhecimento dos regulamento (al. d), da necessidade de estar presente em todas as reuniões, provas e exames para que seja convocado (al. e), de não entrar na aula 10m depois no caso do inicio do 1º bloco da manha/tarde e após 5m nos restantes casos (al. k), do dever de colaboração com várias entidades (al.s f, h e i, com directores de turma, orientadores, directores de curso…), de cuidar do equipamento e materiais ( al. r) , da disponibilidade para uma actuação permanente extra fora da sala de aulas (al. v), só para citar alguns exemplos. Veja-se ainda o ponto 5.5 quanto a regras a observar em caso de falta/ substituições e justificação a fazer em 48h, associado ao documento nº 8 junto com a participação da ACT, destinado a justificar faltas.
Em suma, logo da conjugação de toda a documentação emitida pela própria ré resulta que o trabalhador estava sujeito a regras e normas organizativas internas plasmadas no contrato, no regulamento e caderneta informativa do docente.
O trabalhador confirmou que sabia do regulamento que estava acessível no site da escola e era mencionado em reuniões, embora pouca atenção lhe tenha prestado segundo disse, o que de resto acontece actualmente, pese embora tenha agora formalmente já um vínculo laboral. No mais, confirmou que prestou as declarações constantes no auto da ACT de forma livre, embora reconheça que talvez a palavra ordens seja excessiva e talvez tenha sido mal interpretada, entendendo-as antes como orientações/indicações, tal como de resto acontece actualmente ao abrigo de um contrato de trabalho. Referiu-se a normas organizativas “burocráticas” (vg fazer planificações, entregar documentação...) e ainda as genéricas provindas da direcção pedagógica. Sobressaiu do seu depoimento que a diferença entre “antes e depois”, leia-se quando tinha contrato de prestação e agora que tem contrato de trabalho, é que agora passa mais tempo na escola porque tem horário completo. A forma do seu exercício é similar.
J. L., director geral da ré, pese embora pretendesse veicular a ideia de que o regulamento interno não era aplicável ao trabalhador, tal não mereceu credibilidade face ao supra exposto, designadamente sobre a prova documental. Pretendeu esta testemunha transmitir que tudo o que estava escrito nos “contratos de prestação de serviço” “não contava para nada”, dizendo que “estão mal feitos”, quando também afirmou que são da autoria da ré, estão feitos há anos, sendo a “chapa” habitual. Sempre acabou por reconhecer que o autor “tinha orientações genéricas”, que existiam orientações, por exemplo sobre como se deveria avaliar, a nível de burocracia, em termos de organização, e que no inicio do ano era distribuído um documento com essas orientações (caderneta docente). Reconheceu que os docentes eram sujeitos a avaliação de desempenho, “são avaliados pelos formandos e depois por nós”, embora diga que tal acontece por serem entidade certificada e devido a requisitos legais.
A directora pedagógica, N. M., confirmou, nesta parte, que o trabalhador recebia instruções/orientações “essencialmente para a parte pedagógica, a nível de avaliação, acompanhamento de alunos, da certificação, da progressão…”. Mais reconheceu que entregava a “caderneta informativa do docente” ao trabalhador em causa (doc. 7 da participação), pese embora pretendesse que o Regulamento Interno não lhe era aplicável, o que foi desvalorizado pelas razões supra enunciadas, mormente face ao teor da documentação que confirma o contrário. De resto, questionada sobre as ordens que agora daria de novo ao trabalhador (já no âmbito do contrato de trabalho) é expressivo que se tenha limitado a dizer “Sim, se for necessário, ainda não tive de o fazer….”, sem concretizar o dito, o que confirma a ideia que este nível nada mudou.
Os inspectores da ACT, F. A. e A. F., que se deslocaram à empresa, e falaram com elementos da ré e com o trabalhador, confirmaram o conteúdo do auto junto com a participação e do questionário junto em audiência de julgamento, sendo traçado um quadro em que o trabalhador estava inserido na estrutura organizativa da ré, e sujeito a orientações, regulamento interno e caderneta de docente, podendo fazer outras actividades para além do estrito horário lectivo.

Do exposto resulta que a redacção deverá ser a seguinte, o que se determina, ficando a constar em lugar próprio:

10 - O trabalhador desenvolveu ao longo de todos esses anos lectivos tal atividade de docente/formador nas instalações da ré e/ou por si geridas, referidas no item 3, nomeadamente, nas instalações sitas na Praça ... e na Rua ..., actividade que desenvolvia sujeita às diretrizes/orientações internas organizativas plasmadas nos contratos celebrados (em especial clª 1ª), no regulamento interno ((em especial 104º e 196º a 210º) e na caderneta informativa do docente/formador ((em especial ponto 5.3 e 5.5), doc.s 2, 6 e 7 juntos com a participação da ACT, que se reproduzem.
18 Como contrapartida do trabalho que prestava sob as diretrizes/orientações internas da ré e dos seus corpos diretivos, o trabalhador recebia da ré o valor de € 12,50/hora, acrescido de IVA e cujo cálculo das horas de docência era feito em função das aulas registadas no e-schooling e cujo pagamento era efectuado após o trabalhador emitir o respectivo recibo verde.

O ponto 11 tem a seguinte redação:

11 - O trabalhador dava as aulas que estavam previamente estabelecidas pela ré, de acordo com horário por esta previamente definido para o trabalhador e restantes colegas docentes, para cada um dos anos lectivos e no seu início, de acordo com as turmas e as disciplinas que o trabalhador ministrava e que a ré afixava nas instalações.
Diz a ré que deve ser não provada a parte sublinhada a negrito
Alega que ficou provado que o horário era elaborado tendo por base as disponibilidades manifestadas pelo próprio formador, conforme resulta desde logo do depoimento do trabalhador e das duas outras testemunhas que vem sendo referidas.
Do depoimento do trabalhador em causa resulta que este era apenas auscultado sobre a sua disponibilidade, mas que o horário lectivo era feito pela ré. Dos depoimentos de N. M. e J. L. resulta que os horários eram elaborados pela direcção pedagógica, ouvindo-se -apenas- os formadores sobre as suas disponibilidades.
Da clausula 1ª, al. i) do “ contrato de prestação de serviços” acima transcrita resulta que o horário era atribuído pela direcção e que esta o poderia alterar sempre que necessário. No Regulamento Interno, artigo 104º/4, al. b, consta que o docente deve ser assíduo e pontual no cumprimento dos horários. O mesmo consta na Caderneta Informativa do Docente, no ponto 5º/3 Deveres dos Professores”, alínea a).
O depoimento dos inspectores vai no mesmo sentido de ser a ré a definir os horários, constando da participação junta um exemplo de um horário para o ano lectivo 2018-19 com o timbre da ré e da autoria da direcção pedagógica, doc. nº 4.
Assim, improcede a alegação

O ponto 13 tem a seguinte redação:

13- Para o desempenho das suas funções o trabalhador sempre utilizou – para além do seu computador pessoal - instrumentos e equipamentos pertencentes à ré, nomeadamente: mobiliário nos locais de trabalho (mesa, cadeira e quadro interactivo e branco), computador, videoprojector, fotocópias, colunas, canetas, osciloscópio, gerador de funções, fontes de alimentação reguláveis, equipamentos de medida (multímetro) e todos os componentes electrónicos necessários à implementação de circuitos no âmbito do curso TEAC. E trabalhava, ainda, com os softwares específicos para o exercício das suas funções: nomeadamente, os programas informáticos(e-schooling) onde escrevia os sumários, a presenças dos alunos e registo de ocorrências e a plataforma (moodle) para interagir com os alunos, nomeadamente entrega de trabalhos e testes e fornecimento de material.
Diz a ré que apenas se provou que o autor, além do seu computador pessoal, só utilizava o material de laboratório, mesas e cadeiras. Que não existe, nem se percebe onde se baseia o tribunal para elencar aquele rol de material.
Ora, no auto de declaração, documento 3 junto com a participação, consta o rol do material e equipamento utilizado, o qual foi elaborado pelos inspectores da ACT com base nas declarações do trabalhador, e que este confirmou em audiência de julgamento, ressalvando que usava de seu apenas o computador. De resto, quer o director geral, quer a directora pedagógica, em audiência de julgamento confirmaram que o trabalhador tinha à sua disposição e utilizava os equipamentos e material da escola, designadamente o existente no laboratório.

Improcede a alegação.

O ponto 14 tem a seguinte redacção:

14 - O trabalhador registava as aulas dadas com os respectivos sumários e as presenças dos respectivos alunos através de uma plataforma informática existente na ré, na qual entrava através do seu “login” no programa/plataforma “e-schooling”.
Diz a ré que deve ser não provada a parte em que considera que a trabalhador “entrava através do seu “login” no programa/plataforma “e-schooling”. O autor não tinha nenhum acesso personalizado, utilizava o acesso geral dos formadores externos. Nenhuma prova foi feita no sentido provado.
Concorda-se que não foi feita prova sobre esta particularidade de que tinha login próprio.

Do exposto resulta que a redacção deverá ser a seguinte, o que se determina, ficando a constar em lugar próprio:

14 - O trabalhador registava as aulas dadas com os respectivos sumários e as presenças dos respectivos alunos através de uma plataforma informática existente na ré, na qual entrava por meio de “login” no programa/plataforma “e-schooling”.

Os pontos 15 e 16 têm a seguinte redacção:

15 - O trabalhador estava obrigado, de acordo com o respectivo Regulamento Interno (art. 208º), a comunicar e justificar, em impresso próprio dirigido ao diretor da ré, as faltas referentes às aulas e reuniões, assim como em caso de permutas entre si e outros docentes.
16 - A ré, segundo decorre do respetivo do Regulamento Interno (nos seus artos 209 e 210), tinha poder disciplinar sobre o trabalhador e restantes colegas docentes, estando o trabalhador sujeito a avaliação de desempenho para além dos demais deveres elencados nesse mesmo Regulamento (arts. 104º e 196º a 208º), sob pena de poder sofrer sanções pela ré em caso de incumprimento dos deveres.
Diz a ré que estes pontos devem ser totalmente não provados. O trabalhador não tinha conhecimento do regulamento interno, não estava sujeito a poder disciplinar, nem era obrigado a justificar faltas podendo fazer-se substituir ou permutar sem necessitar de autorização, conforme resulta do seu depoimento e das demais duas testemunhas citadas.
Convocamos o supra dito e para o qual remetemos, quanto ao facto de se entender que o regulamento era totalmente aplicável ao trabalhador em causa, o que resulta do teor do próprio documento. Designadamente da nota introdutória ao regulamento e, ainda, por exemplo, dos artigos 104º (direitos e deveres do corpo docente), 190º/1/2 (onde se alude expressamente aos contratos de prestação de serviços celebrados pelos docentes), 196º (reuniões onde os docentes/formadores têm de estar presentes), 208º (título de “Faltas, substituições e justificação, onde se prevê a necessidade de o docente comunicar a falta em impresso próprio e de, se possível, apresentar proposta de substituição por um dos colegas, onde se menciona o carácter excepcional e a necessidade destas permutas serem autorizadas, bem como a necessidade de justificar as faltas em impresso próprio). A aplicabilidade do regulamento interno resulta também da clª 1º, al. a), dos contratos denominados de prestação de serviços e também do demais supra referido quanto à prova testemunhal e regras da experiência comum de que não é curial que um tal regulamento não se aplica aos docentes/formadores “prestadores de serviço” que constituem a esmagadora maioria do universo de docentes da ré (13, sendo 3 os efectivos).
Mais, a necessidade de comunicar e justificar faltas a todas as aulas e reuniões resulta logo dos próprios contratos firmados, em concreto das suas alíneas m) da clª 1ª que acima já ficou transcrita. Acrescem os documentos constituídos pelas minutas existentes para o efeito, documento 8 junto com a participação da ACT.
Como se tal não fosse suficiente, estas mesmas obrigações de assiduidade, pontualidade, de estar presente em todas as reuniões, provas e exames para que seja convocado, de não chegar atrasado 10m para os 1ºs blocos e de 5m nos restantes, de justificar as faltas e permutas, constam também da Caderneta Informativa do Docente, documento nº 7, em concreto no ponto 5 (Normativos para o docente/formador), pontos 5/3 (deveres dos docentes), 5/5 (faltas e justificação em 48h, sob pena de ser marcada falta e, se a falta for previsível, a prévia comunicação apresentando o motivo e preenchendo a permuta).
Os emails juntos com a contestação em nada colidem com o referido, antes o confirma. Em concreto, o email de 27-03-17, em que o trabalhador pede a colegas para permutar com ele na manhã seguinte, e outro de 19-09-16 dirigido á directora pedagógica da ré, informado que necessitava de dois dias, coincidente com o inicio da prestação de trabalho na ré, em que o trabalhador saiu da antiga empresa para a qual trabalhava e necessitou de dois dias para fazer transição, conforme explicou a testemunha N. M..
Improcede a impugnação do ponto 15.

Quanto à questão do poder disciplinar – ponto 16:

Na verdade, no regulamento interno alude-se á aplicação de sanções, mas, de acordo com o ali estipulado, é incorrecto apelidar-se de poder disciplinar.

Do exposto resulta que a redacção deverá ser a seguinte, o que se determina, ficando a constar em lugar próprio:

16 - O trabalhador estava sujeito a avaliação de desempenho, e aos demais deveres elencados no Regulamento, designadamente os previstos nos arts. 104º (ex. dever de pontualidade e assiduidade no cumprimento dos horários, de estar presente em todas as actividades para que seja convocado, de apresentação atempada de toda a documentação exigida, nomeadamente planificações, avaliações, planos de recuperação, proposta e relatório de visitas de estudo e actividades, colaboração com orientadores/directores de turma ou de curso, de ser o primeiro a entrar e o último a sair da sala de aulas, de desligar o telemóvel durante as aulas, de solicitar autorização, sempre que julgue necessário, da ocorrência de aulas fora da escola, assim como aulas extra à planificação, de participar no seu próprio processo de avaliação, fazendo a sua auto-avaliação com relatório crítico de desempenho) e 196º a 208º ( em especial obrigatoriedade de presença em todas as reuniões previstas/convocadas devendo a não participação ser justificada, dever de sumariar e assinar o livro de ponto e de registo de aula na plataforma informática, deveres a observar em caso de falta/substituição, incluindo comunicação em impresso próprio, dever de justificar faltas e de submeter a autorização da ré as permutas que devem ser entendidas como extraordinárias), sob pena de poder sofrer sanções pela ré em caso de incumprimento dos deveres.

Factos não provados:

A ré pretende que sejam provados determinados factos que nas conclusões identifica apenas como os factos “A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, mencionados supra”, conforme consta na conclusão CXLIV. A expressão “supra” refere-se às alegações.
Ora, em primeiro lugar, da leitura de todo o recurso resulta que a ré não especifica, nem nas conclusões, nem tão pouco nas alegações, quais são as fontes desta matéria. Ou seja, não cumpre o ónus primário e essencial de especificação dos pontos de facto com referência aos articulados para se comparar o facto alegado com o facto que se pretende dar como provado – 640º, 1, a), CPC.
Da leitura do recurso não se alcança sequer se esta matéria foi oportunamente articulada, porque o recorrente não fez a necessária “ponte” entre o que oportunamente terá sido alegado (discriminando os artigos do articulado em causa) e os pontos de facto ora propostos. Acresce que a matéria ora proposta nem sequer encontra evidente correspondência na matéria não provada pela senhora juiz a quo.
Acresce que, em segundo lugar, acaba por, nas conclusões, verdadeiramente não discriminar os pontos de facto que estão em causa, utilizando uma técnica de remissão para a motivação das alegações não admissível, porque inepta, não permitindo a apreensão do seu objecto por via da simples leitura das conclusões, conforme o exige a lei.
Se tivermos presente que o recurso tem 745 artigos, acrescidos de 325 pontos de conclusões, sendo a prolixidade o traço dominante, então ainda mais evidente se torna o incumprimento deste ónus.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto está sujeita à observância de diversas regras. A lógica subjacente aos recursos é a de que estes não são uma repetição global dos julgamentos, mas apenas uma reapreciação destinada a corrigir eventuais erros de facto ou de direito. A finalidade do recurso é, assim, mais reduzida, por se destinar a julgar a própria decisão recorrida. O recurso não pode assim ser genérico ou impreciso, afunilando-se a reavaliação aos concretos pontos de factos que estejam controvertidos e que, por isso, devem ser objecto de clara concretização e definição (13).
Costumam ser elencados três deveres essenciais que impendem sobre o recorrente quando impugne a decisão sobre a matéria de facto, que se reportam à necessidade de: (i) especificação dos pontos de facto que estarão mal julgados, (ii) especificação da chamada resposta alternativa proposta pelo recorrente sobre tais factos, (iii) especificação dos concretos meios probatórios que impõem decisão diferente – art. 640º/1, al.s a/b/c), do CPC.
O primeiro dever que ora mais releva ao caso, respeita precisamente à obrigação de o recorrente especificar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. O que deve ser feito quer nas alegações, quer nas conclusões, dado que são estas que delimitam o objecto do recurso e que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal (14). Sem eles não há recurso, digamos assim (15) – art. 640º/1, al. a), conjugado com os art.s 639º/1 e 635º, CPC
A identificação dos factos postos em causa devem ser feita por referência ao articulado, ou aos temas de prova quando tenham sido enunciados no despacho saneador, por confronto com a decisão recorrida (16), ou eventualmente por referência à discriminação feita na sentença, para assim o tribunal comparar o facto alegado com o facto pretendido. Este é o patamar mínimo do ónus da especificação respeitantes aos concretos pontos de facto que se pretendem ver reapreciados. Se o recorrente não cumpre este dever não está delimitado o objecto do processo (17). Deve, pois, o recorrente indicar claramente o que foi alegado/”quesitado” e o que supostamente foi mal respondido, visando-se estimular um uso escorreito do recurso e o evitar de práticas impugnativas dilatórias e confusas. O recuso não serve para alegação desoportuna e extemporânea.
Este dever essencial que integra o ónus primário de especificação, quando incumprido, leva à rejeição imediata do recurso, sem possibilidade de convite de aperfeiçoamento. Por integrar o núcleo duro do ónus de delimitação e de fundamentação do objecto e por se considerar a possibilidade de aperfeiçoamento geradora de atrasos processuais e de potenciais abusos (18).
A exigência de forma não deve ser vã, deve procurar o escrutínio com critérios de proporcionalidade e razoabilidade. Ora, a verdade é que o recorrente, não obstante a prolixidade, acabou por não especificar minimamente o que é essencial, não localizando o segmento factual com referência à sua fonte em nenhuma parte de todo o recurso, nem sequer nas alegações. Ademais as conclusões nesta parte são um vazio de mera indicação de alíneas sem conteúdo.

Mas:
Ainda que não se considerasse este vício de forma, sempre a impugnação seria de improceder.
A sugerida alínea A (dependência económica) contém matéria meramente conclusiva. De todo o modo, da declaração de rendimentos apresentada pelo trabalhador referente a 2017 resulta que a quase totalidade do rendimento declarado provém de pagamentos efectuados pela ré (9.313,66€, NIF da ré …). No ano de 2018 somente declarou rendimentos recebidos pela ré (14.071,92€). Improcede a alegação.
Quanto às sugeridas alíneas B a F (dependência de oferta formativa e dependência financeira) invoca a ré o depoimento da testemunha J. L., director geral da ré e documentos juntos com a contestação.

Na sentença fez-se constar a este propósito:

Contrariamente ao demais depoimento em audiência da testemunha J. L. (director geral da ré) que não mereceu credibilidade na restante parte por ter sido manifestamente parcial, comprometido, não espontâneo e incoerente, à luz das regras de experiência comum e verosimilhança e da apreciação crítica e conjugada com todos os sobreditos elementos probatórios – nomeadamente ao referir (que durante esses mais de 2 anos lectivos) que aquele trabalhador sempre fora mero prestador de serviços, que a ré não lhe podia dar contrato de trabalho por ser imprevisível os cursos para o ano lectivo seguinte, que o regulamento interno não lhe era aplicável, só por mera deontologia teria de avisar se faltasse, que havia equipamento, instrumentos e muito burocracia só por mera exigência de certificação da escola da ré, que os horários só eram elaborados em função da disponibilidade de cada trabalhador e que a ré só celebrou o contrato de trabalho porque foi obrigada pela ACT).
Quando é certo que a contratação deste trabalhador por tempo indeterminado em 31/5/2019, apesar de ter sido retroagida a período anterior ou com efeitos desde 1/1/2019, incongruentemente, nem sequer coincidiu com o início do respectivo ano lectivo (2018-2019), deixando de fora o período de Setembro até Dezembro de 2018 e quando tal contratação correspondia já à realidade dos factos existentes nesse mesmo trimestre e até desde data mais anterior e consecutivamente, desde os 2 anos lectivos anteriores (desde 2016-2017 e 2017-2018 e até então).
E, aliás, o conteúdo desses anteriores contratos de prestação de serviços constantes dos autos (a fls. 18-22), por si só, desmentia a denominação dada aos mesmos, assim como o teor quer do regulamento interno da ré quer da caderneta informativa do docente/formador (a fls. 27-89), sendo de salientar as regras e os deveres para o docente e para o orientador em todos eles consignados são idênticos e em todos eles constam detalhadamente……
Sendo que tão pouco os documentos juntos pela ré (a fls. 150 verso a 179 verso) foram de molde a desvirtuar a realidade dos sobreditos factos assentes com base nos sobreditos elementos probatórios, desde logo, porque a alegada dependência da oferta formativa e da inscrição de alunos para cada ano lectivo e/ou do alegado financiamento - tão pouco demonstrados pela ré ao longo de todos e cada um desses mais de 2 anos lectivos -, por si só, não seriam de molde a descaracterizar a prestação do trabalhador em apreço, nem justificaram sequer contratação a termo e/ou a tempo parcial em qualquer desses anos lectivos anteriores. Para além disso, o alegado histórico de turmas desde 2000 a 2018 não tem qualquer comprovação documental pela ré das aludidas disciplinas em termos das respectivas turmas e carga horária em todos e cada um desses anos. Por outro lado, o facto de poder haver ajustes ao horário base fixado pela ré para cada ano lectivo não retira o poder determinativo da ré a esse propósito, nomeadamente para fazer face às respectivas necessidades da ré e sua estrutura organizativa, na qual tinha de atentar a este docente e aos seus demais docentes, quer dessas turmas quer das demais turmas e aos alunos, necessidades que se impunham às do trabalhador e não sendo a vontade deste a impor-se, prévia ou posteriormente, àquelas necessidades da ré.

Concorda-se com a fundamentação. A audição do depoimento desta testemunha e os documentos mencionados na contestação não são de molde a comprovar o alegado quanto à oferta formativa e dependência de financiamento e que tal interferisse com a contratação do autor.
Quanto às sugeridas alíneas G a L (fixação de horários, ausências, falta de controlo de assiduidade, justificações de faltas…), as mesmas não têm qualquer eco na prova, pelas razões sobejamente supra explanadas a propósito desta matéria, em termos que se lhe opõem por completo e para as quais se remete.
A sugerida alínea M (não submissão do trabalhador ao regulamento…) improcede de igual modo, remetendo-se para o supra referido quanto à sua completa e indiscutível aplicabilidade ao trabalhador.
A alínea N é uma redundância, dado que os termos do contrato já foram absorvidos pela matéria provada.
As sugeridas alíneas O, R, T contêm matéria meramente conclusiva.
A alínea S que respeita à subscrição de contrato de trabalho com efeitos a 1-01-2019, já consta como provada, sendo um dado indiscutível.
As alíneas P e Q (respeitantes a obrigações legais de a ré disponibilizar equipamento ou obrigações legais de obter homologação sobre locais de actividade) não nos parecem conter matéria fáctica, sendo apenas quadros normativos legais que podem unicamente interferir com a interpretação e aplicação do direito aos factos.

Improcede totalmente a arguição sobre a matéria não provada.

E – ENQUADRAMENTO JURÍDICO/DIREITO

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes (19), e decididas as excepções processuais e as questões de facto, a única questão de direito a analisar é a de saber se estamos perante um contrato de trabalho ou de prestações de serviços.
Tendo sido julgada improcedente a maior parte do recurso sobre a matéria de facto, grande parte da argumentação da ré perdeu autoridade, mormente na questão da fixação de horários e, sobretudo, na alegada não submissão do trabalhador ao regulamento interno e a orientações internas e, bem assim, necessidade de comunicar/justificar faltas/permutas. Ficou apenas parcialmente alterada a matéria de facto em aspectos que não interferem com a solução da primeira instância.
Na sentença recorrida considerou-se que se verificam 4 indícios de laboralidade que fazem funcionar a presunção legal, e que a ré não a infirmou, ao invés, a prova sedimenta a convicção sobre a existência de um contrato de trabalho

Afirmando, entre o mais:

“Pois, não só se verificam, no caso em apreço, os indícios previstos nas als. a), b), c) e d) do nº 1 do art. 12º do C.T. , que fazem operar a presunção da caracterização laboral pretendida pelo autor = por ser realizada a actividade do trabalhador em concretos locais pertencentes ou geridos pela ré e determinados por esta ao trabalhador; com utilização de equipamentos e instrumentos de trabalho também pertencentes à ré, salvo no tocante ao computador pessoal do trabalhador; mediante o horário fixado pela ré de acordo com as disciplinas ministradas pelo trabalhador e as respectivas turmas e, para além disso, estar obrigado a comparecer nas reuniões de trabalho e de organização da ré, participar como orientador e cumprir as respectivas tarefas inerentes a todas essas funções, segundo as indicações da ré, do regulamento interno desta e do calendário escolar nacional; e como contrapartida dessa prestação haver uma quantia unitária certa à hora de € 12,50 e cujo pagamento pela ré a favor do trabalhador redundava em montante de certa forma certo porque em função do número de horas discriminado nos respectivos contratos em conjugação, pelo menos, com o número de aulas que fossem registadas pelo trabalhador no livro de ponto da plataforma digital da ré.”

Concordamos com a apreciação feita.

É sabido que contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar a outra certo resultado do seu trabalho, intelectual ou manual, com ou sem retribuição – 1154º do CC. E que contrato de trabalho é aquele em que uma pessoa singular se obriga, a troco de retribuição, a prestar a sua actividade a outrem, no âmbito de organização e sob a autoridade desta – art. 11º CT.
O objecto do contrato de trabalho é, em primeiro lugar, uma actividade. O objecto do trabalho autónomo é, ao invés, o resultado dessa actividade, sendo o prestador livre na organização e escolha dos meios para o atingir.
O traço característico do contrato de trabalho é a subordinação jurídica que é uma relação de dependência da conduta do trabalhador face do empregador, o qual pode, assim, conformar ou delimitar a execução do contrato. Está, contudo, definitivamente ultrapassada a ideia da subordinação associada à emissão de ordens claras, directas e sistemáticas, dada a crescente autonomia técnica dos trabalhadores e actuais formas de organização e de interacção laboral. O traço decisivo é o chamado elemento organizatório, opção aliás espelhada na lei que utiliza a expressão “no âmbito de organização” – art. 11º do CT.
Donde, o fulcro da subordinação consistirá no facto de o prestador não trabalhar segundo a sua própria organização, mas sim inserido numa ciclo produtivo de trabalho alheio e em proveito de outrem, estando adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário (20).
A doutrina e jurisprudência ao longo do tempo utilizaram o método indiciário para inferir a existência de contrato de trabalho, elencando indicadores de laboralidade, tais como a realização da actividade em local de trabalho determinado pelo beneficiário, a observância de horário de trabalho, a emissão de indicações/ordens, a periodicidade de pagamento de uma retribuição certa, o fornecimento de instrumentos de trabalho, etc….
Na actual versão do código de trabalho aplicável aos autos, a existência de contrato de trabalho presume-se quando se verifique algumas das cinco características elencadas por lei, tendo-se acolhido alguns dos tradicionais indicadores de laboralidade, que têm a utilidade de facilitar ao autor a prova da existência de relação laboral – 12º CT.
Ao autor bastará provar a verificação de, pelo menos, duas das previsões legais para beneficiar da presunção do contrato de trabalho, sem necessidade de maior prova de subordinação jurídica. Tratando-se de uma presunção juris tantum, portanto ilidível, competirá ao réu beneficiário da actividade, por força da inversão do ónus de prova, afastar essa presunção fazendo prova de contra indícios que levem à descaracterização da relação presumidamente laboral– 350º CC.
Fazem parte desses indícios, segundo o artigo 12º CT que: “a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;

Local e instrumentos de trabalho:

Ora, no caso concreto verifica-se que o trabalhador durante cerca de 3 anos lectivos desempenhou a actividade de docência/formação em instalações pertencentes à ré (escolas) e, com excepção do computador pessoal, usando, no mais, todo o material que aquela fornecia, desde equipamento mobiliário nos locais de trabalho (mesa, cadeira e quadro interactivo e branco), até outros equipamento como computador, videoprojector, fotocópias, colunas, canetas, osciloscópio, gerador de funções, fontes de alimentação reguláveis, equipamentos de medida (multímetro) e todos os componentes electrónicos necessários à implementação de circuitos no âmbito do curso TEAC, softwares específicos para o exercício das suas funções, nomeadamente, os programas informáticos(e-schooling).

Em especial quanto ao horário de trabalho:

Este é um aspecto que no caso assume assinalável relevância. O trabalhador observava um horário de trabalho, no sentido de que tinha de exercer a actividade durante um certo período temporal definido pela ré, não sendo livre de a prestar quando e como entendesse, estando sujeito a uma série de obrigações. Mais, tinha de manter disponibilidade para outras actividades.
O trabalhador tinha de comunicar e justificar as faltas, bem como eventuais permutas que realizasse com outros colegas, o que evidencia inserção e submissão à organização ditada pela ré. Esta obrigação de comunicação/justificação de ausência estendia-a, não só às aulas a dar, mas a reuniões extra-horário e actividades.

O que resulta à saciedade da clausula 1ª do contrato, onde consta que compete ao trabalhador:

a) Fazer cumprir as normas emanadas pelos órgãos de direcção da escola, ….
f) Reunir sempre que necessário com o conselho de turma, Orientador Educativo de Turma/Director de Turma e com o Director de Curso;
i) Desenvolver o seu trabalho nesta Escola de acordo com o horário atribuído pela Direcção, o qual poderá ser alterado pela Entidade Proprietária, sempre que necessário;
j) Disponibilizar-se, na medida das suas possibilidades, para substituir outro docente que tenha anunciado a sua intenção de faltar, leccionando a sua própria disciplina;
m) Justificar, junto da primeira outorgante, todas as faltas referentes às aulas e reuniões, utilizando para tal o impresso próprio para o efeito disponível nos serviços administrativos.
A vinculação horário está igualmente bem patente na Caderneta Informativa do Docente Formador (doc. nº 7 junto com a participação da ACT), no ponto 5.3 referente aos deveres do docente, onde se refere o dever de assiduidade e pontualidade no cumprimento dos horários (al. d), da necessidade de estar presente em todas as reuniões, provas e exames para que seja convocado (al. e), de não entrar na aula 10m depois no caso do inicio do 1º bloco da manha/tarde e após 5m nos restantes casos (al. k), do dever de colaboração com várias entidades (al.s f, h e i, com directores de turma, orientadores, directores de curso…), de disponibilidade para uma actuação permanente extra fora da sala de aulas (al. v). Veja-se ainda o ponto 5.5 quanto a regras a observar em caso de falta/ substituições e justificação a fazer em 48h, associado ao documento nº 8 junto com a participação da ACT, destinado a justificar faltas.
Finalmente, no Regulamento Interno, artigo 104º/4, al. b, consta que o docente deve ser assíduo e pontual no cumprimento dos horários.
Trata-se de uma regulamentação detalhada e exaustiva do dever de cumprir horário e de presença em outras actividades para além das aulas, e de justificar faltas/permutas. Incompatível com uma noção de auto-organização temporal, e muito diferente de alguns exemplos jurisprudenciais em que a fixação de “horários” pela entidade receptora da atividade, só por si e desacompanhada de outros indícios, não seria susceptível de indiciar vinculação laboral por corresponder a uma mera necessidade de coincidir professores e alunos. Aqui a atribuição de horário, associado ao circunstancialismo referido, indicia hetero-organização.

Pagamento, com determinada periodicidade, de contrapartida certa:

Resultou provado (pontos 18, 19 e 23) que o trabalhador recebia da ré o valor de € 12,50/hora, acrescido de IVA e cujo cálculo das horas de docência era feito em função das aulas registadas no e-schooling e cujo pagamento era efectuado após o trabalhador emitir o respectivo recibo verde.
Conforme clª terceira do contrato o pagamento era mensal e subsequente à prestação das horas de docência, após o trabalhador apresentar o dito recibo até ao dia 5.
Da análise dos documentos de declarações de rendimentos e recibos verdes, resulta aliás que os valores recebidos da ré representaram o grosso dos rendimentos do trabalhador, mormente nos anos de 2017 e 2018 (o contrato iniciou-se em meados de setembro/16). Assim, em 2017 (categoria B) foram declarados 9.315€ provindo da ré (NIF da ré …) acrescidos de 1.365€ e 1.440€ de outras duas entidades. Em 2018 (categoria B), declarou o total de 14.071,92€, unicamente provindos da ré (vd pontos 19 e 23), sem mais rendimentos de trabalho. A dependência económica não sendo um requisito necessário à prova de laboralidade, pode, contudo, servir como mais um indício a ser ponderado, em conjunto com outros.
Regressando à presunção, está cumprido o requisito de periodicidade (mensal, conforme vinculação contratual) criando legitima expectativa de ganho no trabalhador. Acresce que a mesma é certa, porque esta expressão significa apenas que é calculada em função do tempo de actividade (e não do resultado), sendo irrelevante que varie em função dos dias/número de horas lecionadas – 261º/2, CT

Conclusão:

A presunção legal da existência de contrato de trabalho basta-se com a verificação de, pelo menos, dois dos indicadores legais supra mencionados (21). Mas, no caso, verificam-se inclusive quatro dos indícios de laboralidade, a saber a prestação de actividade em local determinado pela ré, o uso de instrumentos/equipamentos fornecidos pela ré, a observância de horas de inicio e de termo conforme por esta determinado e o pagamento periódico de uma quantia certa.
Acresce que a ré não afastou esta presunção júris tantum. Ao invés a matéria apurada, no seu conjunto, sedimenta o entendimento de que estamos perante uma prestação de actividade de docência com grande inserção na organização da ré. Com necessidade de comunicar/justificar faltas/permutas não só às aulas, mas a reuniões, a necessidade de estar disponível para outras actividades para que fosse convocado, de se sujeitar ao regulamento interno e à caderneta do docente, normas internas extremamente pormenorizadas, bem como a outras directrizes e orientações organizativa e pedagógicas.
Não se observa, portanto, a prestação de actividade de modo autónomo e auto regulado, próprio das prestações de serviço.
Uma palavra final para afastar a tese da ré de que, em último recurso, deveria ser declarada a existência de vários contratos de trabalho a termo, a qual não tem qualquer cabimento. Provada a existência de uma relação laboral com início em 12-09-2016, há simplesmente que o reconhecer e fixar a data de início. O que a ré pretende é uma impossibilidade jurídica, desde logo porque o contrato a termo obedece a forma escrita e deve conter várias menções, entre elas o motivo justificativo, formalidades essenciais –ad substantiam- e sem as quais o contrato se considera nulo (141º, 147ª CT).
Caberia à ré ter proposto e celebrado com o trabalhador um contrato de trabalho a termo, caso na altura entendesse que ocorria uma necessidade de trabalho limitada no tempo e subsumível aos casos de admissibilidade legal de contratação a termo.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87º do CPT e 663º do CP., acorda-se em:

a) Alterar a matéria de facto nos termos supra exarados;
b) No mais, indeferir as nulidades e excepções arguidas, e confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente
Notifique.
7-05-2020

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C

I – Nulidades arguidas: a sentença não tem de descrever discriminadamente os factos não provados alegados na contestação, mas apenas de motivar a sua falta de prova, caso se referiram a factos essenciais ou relevantes à causa. Só a absoluta ausência de fundamentação da matéria de facto gera nulidade da sentença, a qual se distingue da mera discordância de mérito sobre o julgamento de facto. A prolação de sentença em caso de pendência de incidente de suspeição não integra fundamento de nulidade da sentença, não constando do elenco de causas deste vício, sendo antes fundamento de nulidade processual, conquanto arguida no processo a que respeita a suspeição.
II - A celebração de contrato de trabalho que cobre apenas parte do tempo de duração da relação contratual não impede a instauração da acção especial para reconhecimento de existência de contrato de trabalho, não ocorrendo “impossibilidade da lide” por falta de objecto. A sentença deve reconhecer a existência da relação laboral e também fixar a data de início dos seus efeitos (186º-O/8, CPT), sendo “meio processual adequado” a tal. Existe “interesse em agir” na instância que é oficiosa, agindo o autor Ministério Público na prossecução de um fim público de combate à precaridade laboral e às falsas prestações de serviços, o que transcende o interesse particular daquele trabalhador em concreto.
III- É de reconhecer a existência de contrato de trabalho caso de verifiquem quatro dos indícios de laboralidade elencados na presunção legal juris tantum do artigo 12º do CT, que a ré não afastou e quando, ao invés, tais indícios são sedimentados pela prova de significativa inserção na organização da ré e submissão a regulamentos internos extremamente pormenorizados em obrigações, incluindo a necessidade de comunicar/justificar faltas/permutas a aulas e outras actividades.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)


1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
2. Por exemplo, vd STJ de 13-01-2005, 12-05-2005 e 6-11-2019, www.dgsi.pt.
3. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p 437.
4. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2, 4ª ed., p. 707.
5. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2, 4ª ed., p. 708 e 736.
6. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Vol. I, 4º ed., p.561.
7. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo civil Anotado, Vol. 2, 4ª ed. p. 583-4.
8. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, 4ª ed., p. 441/3, 583.
9. Nem sequer se colocando, assim, sequer a questão de saber, se intervindo, tem estatuto de parte principal ou de assistente.
10. RG dois acórdãos de 12-03-2015, processos nºs 416/14.5T8VNF.G1 e 659/14.2TTGMR.G1
11. Referindo-se às limitações da 2ª instância quanto a factores coligidos pela psicologia judiciária e no sentido de evitar alterações quando não seja possível concluir com segurança pela existência de erro, vd António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Código de Processo Civil, 5ª ed., p.s 292, 299, 300.
12. Salvo se a lei exigir formalidade especial- 607º CPC.
13. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., p. 162/3.
14. Ac. STJ, 11/09/2019, revista 42/18.0T8SRQ.L1.S1, in www.dgsi.pt.
15. António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., 165 e ss.
16. Art.s 410º, 552º/1/d, 571º, 573º, 583, 587º, 588º, 596º, 1, CPC. No caso não formam elaborados temas de prova, pelo que há que recorrer aos articulados.
17. Ac.s STJ 12-05-2016, revista 324/10.9TTALM.L1.S1, 31-05-2016, revista 1184/10.5TTMTS.P1.S1, 7-07-2016, revista 220/13.8TTBCL.G1.S1, todos quanto a este dever essencial de identificação dos pontos de facto.
18. Neste sentido Ac.s STJ, 3-10-2019, revista nº 77/06.5TBGVA.C2.S2; de 29-10-2015, revista 233/09.4TBVNC.G1.S1; de 11-07-2019, revista 121/06.6TBOBR.P1.S1.
19. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
20. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 19º ed., p. 148.
21. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 19ª ed., p. 165; Fernanda Campos, “Contrato de trabalho e presunção de laboralidae”, Código do trabalho, revisão de 2009, p. 90.