Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
134/12.9IDBRG-L.G1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: COMPETÊNCIA POR CONEXÃO DE PROCESSOS
REQUISITOS LEGAIS
CESSAÇÃO DA CONEXÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I) No caso de pluralidade de ações criminosas pelo mesmo agente, mostra-se essencial existir um nexo de contemporaneidade entre os crimes e, um nexo de causalidade entre os crimes praticados, ou um nexo de continuação ou de ocultação criminosa entre os mesmos crimes – Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, pág. 96.
II) No caso dos autos verifica-se existir uma pluralidade de eventuais acções criminosas praticadas pelo arguido, mas não resulta existir qualquer nexo efectivo de contemporaneidade e de causalidade entre as acções criminosas objecto dos presentes autos e as que constituem o objecto do Processo nº 404/14.1T9BRG, para além da coincidência de um dos arguidos, o ora recorrente, ser comum.
III) Os co-arguidos são diversos, os tipos de crime são diversos e, não existe qualquer causalidade ou contemporaneidade entre os mesmos.
IV) Assim, não se verifica qualquer dos requisitos legais exigidos para a conexão de ambos os processos, nos termos do disposto no artigo 24º, do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE GUIMARÃES:



I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo Comum Colectivo que, com o nº 134/12.9IDBRG, correm termos na Comarca de Braga, Guimarães – Instância Central – 2ª Secção Criminal, Juiz 2, recorre o arguido Joaquim P., casado, empresário, nascido a …, filho de Manuel C. e de Rosa M., natural de … (Vila Nova), concelho de Guimarães e, residente na Rua …, Guimarães, do despacho judicial proferido em 14 de Março de 2016, que fez cessar a conexão do Processo nº 404/14.1T9BRG, relativamente aos presentes autos.

Da respectiva motivação o recorrente Joaquim P. retira as seguintes (transcritas) conclusões:

1. O Arguido Recorrente não se conforma com o despacho constante dos presentes autos, que ordenou o desentranhamento do apenso J processo nº 404/14.1T9BRG.
2. Considerando que o mesmo padece do vício de errada interpretação dos artigos 25º, 29º e 30º do Código do Processo Penal;
2.1. Aos presentes autos veio a ser apensado o processo 134/12.9IDBRG-J (Proc. Comum Tribunal Singular – Anterior processo n.º 404/14.1T9BRG.) Arguidos: Joaquim P. e Q., Lda;
2.2. O Tribunal a quo veio ordenar desentranhamento do referido apenso J considerando que não se verificam in casu “a unidade de agentes, ou seja, que exista a identidade de arguidos num e noutro processo”;
2.3. Ao escolher uma interpretação, restrita e meramente literal de tais preceitos legais - ao exigir uma identidade absoluta de arguidos - interpretou erradamente os artigos 25º, 29º e 30º do Código do Processo Penal;
2.4 A situação de conexão prevista no artigo 25º do C. P. Penal acresce às situações preconizadas no artigo 24º do mesmo código, não sendo delas, dependente.
2.5. O Joaquim P. encontra-se como arguido, em todos os referidos processos, porque interveio, sempre, como gerente das mencionadas sociedades e por isso, viu revertidos para si os processos de execução fiscal e assumiu as consequências criminais do facto de tais sociedade não terem procedido, em tempo, ao pagamento dos impostos devidos;
2.6.Verifica-se uma ligação umbilical entre o arguido Joaquim P. e as diversas sociedade co-arguidas, L. e Q., pois – em última análise – as acções violadoras cometidas pelas pessoas colectivas nasceram, apenas e só, do poder do arguido Joaquim P. em vincular as mesmas, através das funções de gerente que exercia.
2.7.Ao decidir pela apensação destes processos, através da adequação ao caso concreto das regras gerais de competência material, funcional ou territorial possibilitando uma única apreciação do Tribunal, uma única decisão e a aplicação duma única pena, permitirá:
- Clara economia e maior celeridade processual;
- Uma decisão proferida com integral percepção, por parte do julgador, do contexto em que foram praticados os actos e das características e personalidade do arguido - pessoa singular;
- Uma decisão uniforme e não contraditória para crimes idênticos;
- A aplicação duma pena em cúmulo jurídico.
3. Não se verifica qualquer perigo de negação da função punitiva do Estado, antes pelo contrário, a celeridade de aplicação da pena e a uniformidade de julgamento, apresentarão à opinião pública em geral, uma imagem mais positiva da justiça.
4. Requer o arguido a revogação do despacho em crise e a sua substituição por outro que determine a assunção de competência do Tribunal a quo para o julgamento e a consequente manutenção da apensação do processo nº 404/14.1T9BRG.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., requer se dignem admitir o presente recurso, julgando-o totalmente provado com todas as consequências legais.
Assim decidindo, farão V. Exas. Justiça.


Na resposta ao recurso, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, concluindo por seu turno (transcrição):
Nesta conformidade, julgando o recurso improcedente, será feita Justiça.

Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto, conforme melhor resulta de fls. 28 e 29, dos autos.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não apresentou resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
O despacho de 14-03-2016, ora recorrido encontra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição):
Nos presentes autos foi deduzida acusação contra a sociedade “L…, Lda.” e Joaquim P., imputando aos mesmos a prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105° do RGIT.
Constata-se, ainda, que foi remetido para apensação aos presentes autos o Processo n° 404/14.1T9BRG (Ap. J) — onde foi deduzida acusação contra Joaquim P. e a sociedade “Q…, Lda.”.
Ora, como defendem M. Simas Santos e M. Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, Volume 1, p. 199, em anotação ao art. 25° do Código de Processo Penal “havendo unidade de agentes, conexionar-se-ão todos os processos relativos a crimes cuja competência seja de tribunais sediados na mesma comarca, sem quaisquer restrições”.
Assim, para que se possa defender a situação de conexão do aludido artigo, é necessário, além do mais, que se verifique unidade de agentes, i. é, que se verifique identidade de arguidos num e noutro(s) processos, o que não sucede in casu.
Pelo exposto:
Considerando não existir conexão entre os presentes autos e o processo n° 404/14.1T9BRG (Ap. J), não admito a apensação do mesmo ao presente processo, e em consequência considero este presente processo incompetente para a realização de julgamento no aludido processo.
Notifique.


II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
Assim, vistas as conclusões do recurso interposto, verificamos que as questões suscitadas são as seguintes:
- Impugnação do despacho recorrido, que fez cessar conexão do Processo nº 404/14.1T9BRG, relativamente aos presentes autos, por violação do disposto nos artigos 25º, 29º e, 30º, do Código de Processo Penal.

2 - Apreciando e decidindo:

Apreciando, a regra é que a cada crime corresponde um processo para o qual é competente o tribunal predeterminado em função das regras sobre competência material, funcional e territorial, respondendo a exigências precisas de determinação prévia do tribunal competente, para prevenir a manipulação avulsa ou arbitrária de competência em contrário do respeito pelo princípio do juiz natural.
O princípio, no entanto, e respeitando ainda exigências mínimas, pode sofrer adequações, previstas na lei e formadas segundo critérios objectivos, organizando-se um só processo para uma pluralidade de crimes, e assim afastando a competência primária relativamente a alguns dos crimes, desde que entre os vários crimes se verifique uma ligação que torne conveniente para melhor realização da justiça que todos os crimes sejam apreciados conjuntamente.
A ligação entre os crimes “que determina excepções à regra de que a cada crime corresponde um processo e às regras de competência material, funcional e territorial, definidas em função de um só crime, chama a lei conexão, e consequentemente a denominada competência por conexão”, tal representa um desvio às regras normais de competência em razão da organização de um único processo para uma pluralidade de crimes ou de apensação de vários processos que hão-de ser julgados conjuntamente (cf., Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal I”, 6.ª Edição, p. 207-208).
No mesmo sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, entre outros, no acórdão nº 21/2012, datado de 12/01/2012: “A regra geral é a de que a cada crime corresponde um processo, para o qual é competente determinado tribunal, em resultado da aplicação das regras de competência material, funcional e territorial. Contudo, tendo em vista objectivos de harmonia, unidade e coerência de processamento, celeridade e economia processual, bem como para prevenir a contradição de julgados, em certas situações previstas nos artigos 24º e 25º do Código de Processo Penal, a lei admite alterações a esta regra, permitindo a organização de um único processo para uma pluralidade de crimes, exigindo-se, no entanto, que entre eles exista uma ligação (conexão) que torne conveniente para a melhor realização da justiça que todos sejam apreciados conjuntamente”.
Portanto, a competência por conexão tem a sua razão de ser, essencialmente, na melhor realização da justiça, na conveniência da justiça e na celeridade e economia processuais, evitando a multiplicação de actos e diligências semelhantes.
Deve existir entre os crimes que hão-de ser julgados conjuntamente uma tal ligação, que se presume que o esclarecimento de todos será mais fácil ou completo quando processados conjuntamente, evitando-se contradições de julgados e realizando-se consequentemente melhor justiça, é o que resulta das regras sobre conexão dos artigos 24º e seguintes, do Código de Processo Penal.
A conexão de processos está, nesta inserção sistemática, correlacionada com a competência do tribunal, dependendo da existência vários crimes com uma concreta ligação – subjectiva (o mesmo agente) ou objectiva (vários crimes) - a justificar a unificação de julgamento por um só tribunal.
Refere a alínea b), do nº 1, do artigo 24º, do Código de Processo Penal “o mesmo agente tiver cometido vários crimes, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou ocultar os outros”.
Assim, em caso de pluralidade de acções criminosas pelo mesmo agente, mostra-se essencial existir um nexo de contemporaneidade entre os crimes e, um nexo de causalidade entre os crimes praticados, ou um nexo de continuação ou de ocultação criminosa entre os mesmos crimes – Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, pág. 96.
Na situação dos presentes autos verifica-se existir uma pluralidade de eventuais acções criminosas praticadas pelo arguido/recorrente Joaquim P., mas não resulta existir qualquer nexo efectivo de contemporaneidade e de causalidade entre as acções criminosas objecto dos presentes autos e as que constituem o objecto do Processo nº 404/14.1T9BRG, para além da coincidência de um dos arguidos, o ora recorrente, ser comum.
Os co-arguidos são diversos, o tipo de crimes são diversos e, não existe qualquer causalidade ou contemporaneidade entre os mesmos.
Assim, não se verifica qualquer dos requisitos legais exigidos para a conexão de ambos os processos, nos termos do disposto no artigo 24º, do Código de Processo Penal.
Por outro lado, como bem salienta o Exmo. Sr. Procurador-Geral adjunto, no seu douto parecer.
No presente “é imputado ao arguido/recorrente de crimes de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105°, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).
Por sua vez no processo n° 404/14.1T9BRG é imputado ao arguido/recorrente um crime de abuso de confiança à Segurança Social, previsto e punido pelo artigo 107° do RGIT.
Dispõe o artigo 46° do RGIT que: «Para efeitos do presente diploma, as regras relativas à competência por conexão previstas no Código de Processo Penal valem exclusivamente para os processos por crimes tributários da mesma natureza».
Configura, pois, o artigo 46° do RGIT um regime especial em relação ao regime geral previsto no Código de Processo Penal para a conexão de processos.
Ora, no Acórdão da RP de 24-01-2007 proc. 0615426 (in www.dgsi.pt). a que aderimos, foi decidido: «Para efeitos do artigo 46° do RGIT 01, os crimes de abuso de confiança fiscal e abuso de confiança contra a segurança social não são da mesma natureza».
Na doutrina expressa-se igual entendimento, com efeito, em anotação ao Regime Geral das Infracções Tributárias (2001), Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, dizem que os crimes tributários devem distinguir-se, segundo a sua natureza, dos crimes tributários comuns (artigos 87° a 90°), crimes aduaneiros (artigos 91° a 101°), crimes fiscais (artigos 102° a 104°) e crimes contra a segurança social (artigos 105° e 106°).
Assim, estando o arguido acusado por crimes tributários de diferente natureza, não se verifica, face ao disposto no artigo 46° do RGIT, os pressupostos da declarada competência por conexão, e consequentemente a lei não permite a apensação dos processos”.
Assim, por tudo o exposto e, por não ser legalmente admissível, nos termos do disposto no artigo 24º, do Código de Processo Penal e, nos termos do disposto no artigo 46º, do Regime Geral das Infracções Tributárias, a apensação do Processo n° 404/14.1T9BRG, aos presentes autos, decidimos pela manutenção do despacho ora recorrido, que fez cessar a determinada conexão entre os mesmos processos.
Nos termos sobreditos, improcede na sua globalidade o recurso interposto pelo arguido Joaquim P., mantendo-se por isso, na íntegra o despacho recorrido.

Em vista do decaimento total no recurso interposto pelo arguido Joaquim P., ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e, 514º, nº 1, do Código de Processo Penal e, artigo 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação do mesmo recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.


III – DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

- Julgam totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido Joaquim P. e, em consequência, e, em consequência, mantêm na sua integralidade o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente que se fixam em 4 UC (quatro unidades de conta), sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto.

Guimarães, 21-11-2016

(Fernando Paiva Gomes M. Pina)
(Nazaré de Jesus L. M. Saraiva)