Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
546/04.1TTBRG.4.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DA INCAPACIDADE
PRAZO DE CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Não é inconstitucional o n.º 2 do art. 25º da LAT por violação ao disposto no art.ºs 13.º e 59.º n.º 1 al. f) da CRP, quando interpretado no sentido de consagrar um prazo preclusivo de 10 anos, contado da fixação originária da incapacidade, para a revisão da pensão devida por acidente de trabalho, desde que o grau de incapacidade fixado originariamente não tenha sido alterado, nem o sinistrado por determinação do tribunal tenha sido submetido a novas intervenções cirúrgicas ou na novos tratamentos.

II – Se ao acidente de trabalho é aplicável o regime estabelecido na Lei n.º 100/97 de 13/09 (LAT), é de considerar extinto o direito do sinistrado a requerer exame de revisão da sua incapacidade caso não tenha sido ilidida a presunção de estabilização das lesões e se tiver decorrido um período de dez anos entre a data da fixação da incapacidade e a data do pedido de revisão.

III- É inaplicável a Lei 98/2009, de 04/09 (NLAT) aos acidentes de trabalho ocorridos em data anterior à sua entrada em vigor e o juízo de não inconstitucionalidade do art.º 25º, nº 2 da LAT, preponderantemente sufragado pelo Tribunal Constitucional.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

APELANTE: F. P.
APELADA: X PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga – Juiz 1

Nos presentes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado F. P. e responsável X PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., veio o sinistrado patrocionado por advogado constituído, em 3/08/2018, deduzir incidente de revisão da pensão, alegando em resumo que as sequelas resultantes do acidente de trabalho participado nos autos no âmbito do qual lhe foi atribuída a IPP de 62,38%, desde 26 de Abril de 2005, agravaram-se, sendo actualmente portador de uma IPP de pelo menos 90%, requer por isso a realização de perícia médica e formula os respectivos quesitos.

Foi solicitado ao Gabinete Médico-Legal e Forense do Minho-Lima a realização de exame médico na pessoa do sinistrado, tendo os autos prosseguido a sua tramitação.

Em 24/10/2018, o juiz a quo proferiu decisão considerando caducado o direito do sinistrado a requerer a revisão da incapacidade, nos termos do artigo 25.º n.º 2 da Lei n.º 100/97.

(…)

Inconformado com esta decisão dela veio o sinistrado interpor recurso formulando as seguintes conclusões:

I. A douta decisão ora recorrida ao determinar a caducidade do direito do Recorrente de requerer a revisão de incapacidade através de requerimento apresentado nos autos em 03 de Agosto de 2018, além de profundamente injusta, encontra- se sustentada numa interpretação e aplicação errada do direito pelo Tribunal a quo.
II. No caso concreto, não se verificou a ocorrência de qualquer caducidade do direito do Recorrente, sendo o requerimento de revisão de incapacidade por si apresentado nos autos tempestivo.
III. É efectivamente verdade que o sinistro que vitimou o Recorrente ocorreu no dia 13 de Maio de 2013, sendo que á data de tal facto encontrava-se em vigor a Lei 100/97 de 13 de Setembro a qual determinava no seu artigo 25º que: “ 1 – Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem á reparação, ou de intervenção clinica ou aplicação de próteses ou ortoses, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada. 2 – A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores á data de fixação da pensão, uma em cada semestre, nos dois primeiros anos e uma vez por ano, nos anos imediatos.”
IV. Em 01 de Janeiro de 2010, entrou em vigor a Lei 98/2009 de 04 de Setembro, a qual veio regulamentar, entre outros, o regime de reparação de acidentes de trabalho, passando a permitir, através do seu artigo 70º a revisão a todo o tempo, com o limite de ser requerida uma vez em cada ano civil.
V. Segundo a tese perfilhada pelo Tribunal a quo, independentemente da entrada em vigor da Lei 98/2009 que derrogou o condicionalismo do limite temporal de 10 anos para pedir a revisão de incapacidade, o Recorrente, porque o acidente de trabalho de que foi vitima ocorreu em 13 de Maio de 2013, deve permanecer obrigado e condicionado ao limite temporal de dez anos plasmado no artigo 25ºda Lei 100/97.
VI. A adopção desse entendimento implica que um qualquer sinistrado, enquanto vítima de um acidente de trabalho, tenha tratamento e direitos distintos consoante o mesmo tenha ocorrido antes ou após o dia 01/01/2010, data da entrada em vigora da Lei 98/2009, o que é além de profundamente injusto manifestamente inconstitucional.
VII. Venerandos Desembargadores, parece-nos que esta situação, geradora de desigualdade de tratamento para casos semelhantes, em que a única distinção é a data da ocorrência do sinistro, consubstancia uma clara violação de direitos fundamentais, não sendo certamente essa a pretensão nem do legislador nem de um Estado de Direito Democrático.
VIII. Perante o estabelecido no artigo 70º da Lei 98/2009, a interpretação que tem sido efectuada do disposto no artigo 25º da Lei 100/97 deve ser considerada inconstitucional por violadora do principio da igualdade e do direito á assistência dos trabalhadores e justa reparação quando vitimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, consagrados no disposto nos artigo 13º e 59º, nº 1 alinea f), ambos da Constituição da República Portuguesa.
IX. Se o legislador da Lei 98/2009 de 04 de Setembro não impôs qualquer limite para a formulação do pedido de revisão das prestações devidas em consequência de acidente de trabalho é porque “abandonou” a presunção de que o decurso de 10 anos, contados da data da fixação da pensão, e sem que o sinistrado requeira a revisão, é tempo mais do que suficiente para se considerar a consolidação das lesões decorrentes do acidente de trabalho.
X. Se se perfilhar a tese defendida pelo Tribunal a quo, o Recorrente está, assim, a ser prejudicado e coartado no seu direito de exigir a reparação do dano junto da Recorrida, pura e simplesmente, porque o sinistro de que foi vitima acorreu antes da entrada em vigor da Lei 98/2009, o que é inadmissível.
XI. O princípio da não retroatividade da lei não pode, de todo, justificar esta diferença de tratamento para situações idênticas no que concerne ao modo de exercício do direito de revisão das prestações por claramente violadora do princípio de igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo 13º da Constituição da Republica Portuguesa.
XII. Esta diferença de tratamento acabaria, igualmente, por ofender o direito da justa reparação consagrado no artigo 59º nº 1 alínea f) da C.R.P. uma vez que o único elemento que separa os sinistrados, relativamente aos acidentes ocorridos antes ou depois de 01/01/2010, é apenas e tão só a data do acidente, o que se nos afigura, insuficiente, tendo em conta os interesses em causa.
XIII. O legislador, desrespeitando a proibição do arbítrio, criou um tratamento desigual para situações iguais e sincrónicas que não é materialmente fundado, o que acarreta o juízo de inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 25º, nº2 da Lei 100/97, inconstitucionalidade essa que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
XIV. O Recorrente perfilha, assim, o entendimento de que, em face do disposto na Lei 98/2009 de 04 de Setembro (artigo 70º) – relativamente ao modo de exercício do direito de pedir a revisão das prestações – é inconstitucional o disposto no artigo 25º nº2 da Lei 100/97, por violação dos princípios da igualdade e da justa reparação, direitos esses constitucionalmente consagrados, pelo que lhe deve ser possibilitada a apresentação do requerimento para revisão de incapacidade formulado nos autos, sem sujeição a qualquer limitação temporal.
XV. No caso concreto, não obstante já terem decorrido 13 anos após a data da fixação da pensão, ter-se-á que concluir que o pedido formulado pelo Recorrente não é intempestivo, não se verificando a excepção da caducidade decidida pelo Tribunal a quo.
XVI. No caso concreto, atenta a gravidade das lesões sofridas pelo Recorrente por via do acidente de trabalho que sofreu, o mesmo recorre sucessivamente á Recorrida que lhe tem prestado tratamentos médicos ao longo de todos estes anos.
XVII. Sempre que o Recorrente sofre uma recaída ou vê agravadas as dores provenientes das lesões de que padece, contacta os serviços da Recorrida que o reencaminha para a devida assistência médica, tendo a Recorrida, a titulo meramente exemplificativo, adoptado esse comportamento quer no ano de 2008, prescrevendo ao Recorrente exame radiológico no Hospital de … quer no ano de 2009, quando o Recorrente foi sujeito a intervenção cirúrgica, quer no ano de 201 quando após queixas apresentadas pelo Recorrente no sentido de sentir um agravamento das lesões por si sofridas em virtude do acidente de trabalho que sofreu, a própria Recorrida agendou áquele diversas consultas e realização de exames, os quais foram realizados e ministrados por médicos ao serviço da Recorrida.
XVIII. A Recorrida reconhece e aceita, pois tal é denotador da sua actuação ao longo do tempo, que a mesma está obrigada a prestar e assegurar a prestação dos devidos e necessários tratamentos médicos ao Recorrente, o que aliás tem feito.
XIX. Este comportamento da Recorrida prova que a mesma admite e aceita que a situação clinica do Recorrente não se consolidou, ficando assim afastada a “presunção” de estabilização da situação clinica daquele, plasmada no nº 2 do artigo 25º da Lei 100/97.
XX. Ainda que se considerasse que o Recorrente estaria obrigado a solicitar o pedido de revisão no prazo de 10 anos apás a fixação da pensão, o que não se admite de todo, deve a norma consagrada no artigo 25º nº 2 da Lei 100/97, interpretada no sentido de consignar um prazo preclusivo de 10 anos, contados da fixação original da pensão e o termo desse prazo de dez anos, apesar de mantida a incapacidade, a entidade responsável se encontre obrigada a prestar tratamentos médicos, ser declarada inconstitucional por violação do artigo 59º, nº1 alinea f) da Constituição, pelo que também por este motivo, ter-se-á que concluir pela admissibilidade do pedido de revisão requerido pelo sinistrado nos presentes autos.
XXI. No caso concreto estamos perante uma situação em que ao Recorrente foi atribuída uma I.P.P. DE 62,38%, com IPATH, o que denota a gravidade das sequelas por si sofridas, as quais possuem caracter evolutivo e como tal susceptiveis de variações futuras, sendo de todo impossível sequer “presumir” a possibilidade de consolidação da situação clinica daquele, motivo pelo qual nunca poderia o mesmo estar sujeito á limitação temporal plasmada no nº2 do artigo 25º da Lei 100/97.
XXII. A Recorrida sabe e não pode ignorar que as lesões do Recorrente NÃO são susceptíveis de melhoria, muito pelo contrário, que sofrem um agravamento com o decurso do tempo.
XXIII. Por ter consciência de tal facto é que a Recorrida foi provendo e promovendo as consultas e a realização de exames médicos ao Recorrente, ao longo de todos estes anos.
XXIV. O Recorrente não apresentou anteriormente, junto do Tribunal, qualquer outro pedido de revisão de incapacidade, não porque não tivesse sentido em todos estes anos um agravamento das lesões e sequelas que padece, mas tão só, porque quando o mesmo se queixava dessa alteração da sua situação clinica junto da Recorrida, a mesma diligenciava pela prestação da assistência médica àquele.
XXV. Essa prestação da assistência médica ao Recorrente, nomeadamente a prestada nos anos de 2009 e 2017, permite ilidir qualquer presunção de estabilização da situação clinica do Recorrente, na qualidade de sinistrado.
XXVI. Atento tudo o exposto, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que admita o pedido de revisão de incapacidade apresentado pelo Recorrente em 03 de Agosto de 2018, fazendo-se assim inteira justiça!!!
XXVII. Ao não decidir nesse sentido, a decisão recorrida viola, entre outros, o disposto nos artigos 25º da Lei 100/97 de 13 de Setembro de 13 de Setembro, 284º do Código de Trabalho, 297º nº 2 do Código Civil, 70º da Lei 98/2009 de 04 de Setembro e 13º e 59 nº 1 alínea f) da Constituição da Republica Portuguesa.”

Termina peticionando a revogação da sentença recorrida, com a consequente admissão do requerimento de revisão de incapacidade, por tempestivo.

A Apelada/Recorrida não apresentou contra-alegação ao recurso.

Admitido o recurso na espécie própria e com adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância, mantido o recurso, determinou-se o cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87º do CPT., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Notificado tal parecer às partes para responderem, nada vieram dizer.

Cumprido o disposto na 1ª parte do n.º 2 do artigo 657.º do CPC foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento anterior de outras e não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

- Da inconstitucionalidade da limitação temporal prevista no art.º 25.º n.º 2 da Lei n.º 100/97, de 13/09, por violação dos arts. 13.º e 59.º n.º 1 al. f) da CRP.
- Da aplicabilidade ao pedido de revisão do disposto no artigo 70.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos são os constantes do relatório que antecede a que acrescem os seguintes:

1- O acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado ocorreu no dia 13-05-2003;
2- Por decisão transitada em julgado, proferida em 26/04/2005, foi fixada ao sinistrado uma IPP de 62,38%, com IPATH;
3- Em 03/08/2018 o sinistrado requereu a revisão da sua incapacidade para o trabalho;
4- Desde a data em que foi fixada a pensão e o pedido de revisão agora formulado, não ocorreu qualquer outro pedido de revisão, nem foi imposta judicialmente à seguradora a obrigação de proporcionar ao sinistrado a realização de intervenções cirúrgicas ou outros tratamentos médicos.

IV – DA APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Da inconstitucionalidade da limitação temporal prevista no art.º 25.º n.º 2 da Lei n.º 100/97, de 13/09, por violação dos arts. 13.º e 59.º n.º 1 al. f) da CRP

Antes de mais impõe-se deixar consignado que atenta a data em que ocorreu o acidente (13-05-2003) a Lei aplicável para efeitos de reparação do acidente de trabalho, nele se incluindo o pedido de revisão da incapacidade é a Lei n.º 100/97, de 13/09 (doravante LAT) e respectivo regulamento, DL n.º 143/99, de 30/04, que estavam em vigor à data do acidente e que por força do disposto no art.º 187.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4/09 (doravante NLAT) continuam a ser aplicáveis a todos os acidentes ocorridos entre 1/01/2000 e 31/12/2009.

Decorre do disposto no n.º 2 do artigo 25.º da LAT que “ a revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.”

Disposição equivalente resultava também da anterior Lei dos Acidentes de Trabalho, designadamente da Base XXII da Lei n.º 2127, de 03/08/1965.

Assim, só com a NLAT veio a ser eliminada a limitação temporal para o pedido de revisão da incapacidade, resultando do seu artigo 70.º n.º 1 que a revisão das prestações pode ocorrer sempre que se verifique modificação na capacidade de trabalho ou ganho, por recaída, recidiva, agravamento ou melhorias da lesão ou doença que deu origem à reparação, tendo apenas como único limite o facto de só poder ser requerida uma vez por ano, tal como resulta do n.º 3 do citado normativo.
Contudo e tal como acima já referimos a NLAT prevê expressamente que a sua aplicabilidade se restringe aos acidentes ocorridos a partir de 01/01/2010.

Assim sendo e como bem refere o ilustre Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer “… não poderá fazer-se reviver à luz da Lei n.º 98/2009, um direito que, pelo decurso do tempo, já se encontrava extinto, nos termos da Lei que anteriormente lhe era aplicável”.

Considerando que a data da fixação da pensão, para efeitos de pedido de revisão, corresponde à data do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial, no caso, teremos de concluir que os 10 anos para formular o pedido de revisão (sem que nunca tivesse sido reconhecido judicialmente qualquer agravamento ou tivesse sido determinada judicialmente a prestação de tratamentos às lesões do acidente, nos 10 anos posteriores à fixação inicial da incapacidade), já há muito haviam decorrido, quando o sinistrado, em Agosto de 2018, formulou tal pedido, sendo por isso de declarar a caducidade do direito de requer a revisão da incapacidade.

Esta foi também a conclusão que o tribunal a quo chegou depois de forma precisa e exaustiva ter feito uma análise de toda a problemática, que envolve a questão atinente ao prazo para requerer o exame de revisão, no que respeita aos acidentes ocorridos antes da entrada em vigor da NLAT e que tem sido objecto de diferentes posições quer assumidas pelos tribunais superiores, quer assumidas pelo tribunal Constitucional, que nos dispensamos de referir, sob pena de nos repetirmos.

No entanto, no que respeita à violação do princípio da igualdade, em face ao regime actualmente vigente, teremos de dizer que em conformidade com o que tem sido defendido pelo Tribunal Constitucional, não vislumbramos tal violação, pois a mera sucessão de leis no tempo em matéria de direitos de reparação de acidentes de trabalho, não afecta só por si o princípio da igualdade, visto que este não opera diacronicamente. Caso assim não se entendesse tal constituiria um sério obstáculo à liberdade de conformação do legislador moderno e actualista.

O TC pronunciou-se sobre o assunto em diversos acórdãos, designadamente no acórdão n.º 398/11 de 22/9/2011, DR, 2ª série, nº 199 de 17/10/2011, no qual se escreveu o seguinte:

“É necessário começar por dizer que a mera sucessão de leis no tempo, em matéria de direitos familiares, não afeta, só por si, o princípio da igualdade.

Apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que realidades substancialmente iguais passem a ter soluções diferentes, isso não significa que essa divergência seja incompatível com a Constituição, visto que ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime legal. Visando as alterações legislativas conferir um tratamento diferente a determinada matéria, a criação de situações de desigualdade, resultantes da aplicação do quadro legal revogado e do novo regime, é inerente à liberdade do legislador do Estado de Direito alterar as leis em vigor, no cumprimento do seu mandato democrático.”

Daí que, conforme tem referido o Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade não opere diacronicamente (v. g. acórdãos n.º 34/86, em ATC, 7.º vol., pág. 42, n.º 43/88, em ATC, 11.º vol., pág. 565, n.º 309/93, em ATC, 24.º vol., pág. 185, n.º 188/09, no Diário da República, 2.ª série, de 18-5-09, e n.º 3/2010, no Diário da República, I.ª Série, de 2-2-2010).”

E mais à frente ainda se defende o seguinte:

“Ora, como ensinam J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 399, da 4.ª Edição revista, da Coimbra Editora), no apuramento das violações ao princípio da igualdade, na vertente da proibição do arbítrio, importa ter presente que:

«(...) a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da “discricionariedade legislativa” são violados, isto é, quando, a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma “infracção” do princípio do arbítrio.»”

A propósito do princípio da igualdade na sucessão de leis no tempo, ainda que apreciando a Lei n.º 2127 de 3/08/1965, se pronunciou o Acórdão n.º 136/2014, Diário da República n.º 54/2014, Série II de 2014-03-18, ai se consignado o seguinte:

Esta opção de diferenciação do regime legal aplicável na revisão da pensão por acidentes de trabalho consoante estes tenham ocorrido antes ou depois de 1 de janeiro de 2010 poderia colocar a questão de constitucionalidade atinente à aplicação do princípio da igualdade na sucessão de regimes jurídicos. Na apreciação dessa questão, o Tribunal Constitucional tem reiterado o entendimento de que o princípio da igualdade não opera diacronicamente, pelo que não será em regra aplicável a fenómenos de sucessão de leis no tempo (vide entre outros, os Acórdãos n.os 43/88, 309/93, 99/2004,188/2009, 3/2010, 260/2010 e 398/2011, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, tal como os restantes Acórdãos do Tribunal Constitucional citados de ora em diante; vide ainda, a Decisão Sumária n.º 265/2013, disponível no mesmo sítio, que não julgou inconstitucional o n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, na interpretação de que o direito à revisão da pensão com fundamento em agravamento das lesões caduca se tiverem passado dez anos, contados da última revisão, não obstante o disposto na Lei n.º 98/2009).”

Acrescentando mais à frente o seguinte:

“…existe, porém, fundamento razoável para a diferenciação do campo de aplicações dos dois regimes vigentes, em função da data de ocorrência do acidente de trabalho. Existem razões de segurança jurídica a acautelar.

Sendo dedutível do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), o princípio geral da segurança jurídica não deixa de ser reconhecido como um «princípio essencial na Constituição material do Estado de Direito» (JORGE REIS NOVAIS, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, p. 261.), tendo o indivíduo «o direito de poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas mesmas normas» (J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 1998, p. 250).

O Tribunal Constitucional, no Acórdão do n.º 574/98, referiu a este propósito que:

“a proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica na atuação do Estado obriga este, para que a vida em comunidade decorra com normalidade e sem sobressaltos, à garantia de um mínimo de certeza e de segurança do direito das pessoas e das expectativas que lhes são juridicamente criadas, pelo que uma alteração legislativa que modifique de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva aqueles mínimos de certeza e segurança que devem ser respeitados não pode deixar de contender com tal princípio constitucional.

O cidadão deve poder prever que as intervenções legislativas do Estado se façam segundo uma certa lógica racional e por forma a que ele se possa preparar para adequar a sua futura atuação a tais intervenções e de tal modo que uma tal atuação possa ser reconhecida na ordem jurídica e tenha os efeitos e consequências que são previsíveis face à decorrência lógica da modificação realizada”.

21. Ora, a solução propugnada pela decisão recorrida conduziria necessariamente à possibilidade de fazer renascer situações passadas e definitivamente consolidadas na ordem jurídica, colocando em causa o referido princípio da segurança jurídica. De facto, admitir esse “renascimento” apenas porque o legislador, na sua liberdade de conformação, decidiu legislar de forma diferente para o futuro, é algo que afeta intoleravelmente a segurança das relações jurídicas.

Como bem observa o Ministério Público nas alegações produzidas, também as expetativas do responsável pelo pagamento da pensão merecem tutela.
(…)

Assim, a ponderação entre o princípio da igualdade e o princípio da segurança jurídica, em situação de confronto entre si resultante da alteração de regimes jurídicos, deve ser feita pelas normas instrumentais de conflitos, nomeadamente as normas transitórias. É neste âmbito que, visando precisamente garantir a segurança nas relações jurídicas entre sinistrado e entidade responsável pelo pagamento da pensão, a norma constante do artigo 187.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, veio estabelecer que o novo regime de revisão das pensões só vigora para os acidentes ocorridos após a publicação da lei que eliminou o limite de prazo para o efeito.”

Esta tem também sido a posição adoptada pelo STJ, designadamente no acórdão (referido no douto parecer do Ministério Público que consta dos autos), de 22/05/2013, proferido no proc. n.º 201/1995.2L1.S1 (relator Conselheiro Gonçalves Rocha) ainda referente à Lei n.º 2127, de 3/08/1965, mas com plena aplicabilidade ao caso dos autos e do qual consta o seguinte sumário:

“I - O princípio da igualdade, como parâmetro de apreciação da legitimidade constitucional do direito infraconstitucional, impõe que situações materialmente semelhantes sejam objecto de tratamento semelhante e que situações substancialmente diferentes tenham, por sua vez, tratamento diferenciado.
II - À luz do regime jurídico previsto na Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, o sinistrado podia requerer a revisão da incapacidade no prazo de 10 anos contados da data da última fixação dessa incapacidade, que constitui, segundo a normalidade das coisas, um prazo suficientemente dilatado para permitir considerar como consolidada a situação clínica do sinistrado.
III - A aplicação do novo regime da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (que não prevê qualquer limitação temporal para requerer a revisão da incapacidade, e que só é aplicável aos acidentes ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2010) ao acidente dos autos – ocorrido no domínio de vigência da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965 – ofenderia, gravemente, a certeza e segurança do direito consolidado da seguradora, decorrente do artigo 2.º, da Constituição da República Portuguesa, sendo inaceitável que esta se veja confrontada com o ressurgimento desse direito, quando ele estava juridicamente extinto, à luz da lei que lhe é aplicável.
IV - Assim, tratando-se dum acidente de trabalho sofrido na vigência da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, é de considerar extinto o direito do sinistrado a requerer exame de revisão da sua incapacidade quando tenham passado mais de dez anos desde a data da última fixação da incapacidade e o requerimento de realização desse exame de revisão.”

Por fim, cabe-nos ainda referir o que se escreveu a propósito do n.º 2 do art. 25º da LAT na recente decisão sumária de 27/11/2018, proferida pelo Tribunal Constitucional no proc. n.º 633/18 da 3ª secção (relator Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro)

Analisada a norma à luz do princípio da igualdade, no mesmo sentido se afirmou no Acórdão n.º 694/2014 que

“Nos casos em que nos dez anos posteriores à data da fixação da pensão não houve agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado de que tenha resultado a actualização da pensão, considerou-se que não há violação do princípio da igualdade, por comparação com os sinistrados que, tendo requerido e obtido uma primeira revisão da pensão dentro desse período de tempo, ficam depois habilitados a requerer sucessivas actualizações dessa pensão, mesmo que para além desse prazo (cfr. Acórdãos nºs 155/03, 612/08, 341/2009 e 219/12)”

Não restam dúvidas que atenta a factualidade apurada durante o período de 10 anos após a fixação da pensão não foi requerida pelo recorrente a revisão da pensão, nem foi judicialmente determinada a obrigação de proporcionar ao sinistrado tratamento cirúrgicos ou médicos, razão pela qual, é de aplicar a lei em vigor à data do acidente.

No que respeita à inconstitucionalidade do art.º 25 n.º 2 da LAT, por violação do art.º 59.º, n.º al. f) da CRP, enquanto consagra um prazo preclusivo de 10 anos contados da fixação originária da pensão defendida pelo recorrente, diremos que tendo a pensão sido fixada pela originariamente em Abril de 2005 e tendo sido a revisão requerida, pela primeira vez em Agosto de 2018, não existindo entre uma data e outra qualquer registo de ter sido alterada a incapacidade inicialmente fixada, nem tendo sido imposta judicialmente à recorrida a obrigação de proporcionar ao sinistrado a realização de intervenções cirúrgicas ou outros tratamentos médicos, na senda do que tem vindo a ser decidido pelo tribunal constitucional, não padece de qualquer inconstitucionalidade a norma em apreço, designadamente a resultante da violação do art. 59.º n.º 1 al. f) da CRP.

Na verdade, não se verificando qualquer circunstância que indicie que as lesões não estabilizaram no decurso do prazo de 10 anos, não é inconstitucional o prazo preclusivo que resulta do n.º 2 do art.º 25.º da LAT, pois nessas situações não existe qualquer razão para deixar de presumir a estabilização das lesões.

Tal como se escreve na citada decisão sumária do Tribunal Constitucional “Esta conclusão resultou de uma ponderação, por um lado, dos poderes conferidos ao legislador para conformar os termos em que pode ser exercido o direito à justa reparação por acidentes de trabalho e doenças profissionais; e por outro, das razões de segurança jurídica que podem justificar a previsão legal de um prazo preclusivo como este em análise.”

Em suma não é inconstitucional o n.º 2 do art. 25º da LAT por violação ao disposto no art.ºs 13.º e 59.º n.º 1 al. f) da CRP, quando interpretado no sentido de consagrar um prazo preclusivo de 10 anos, contado da fixação originária da incapacidade, para a revisão da pensão devida por acidente de trabalho, desde que o grau de incapacidade fixado originariamente não tenha sido alterado, nem o sinistrado por determinação do tribunal tenha sido submetido a novas intervenções cirúrgicas ou a novos tratamentos.

- Da aplicabilidade ao pedido de revisão do disposto no artigo 70.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09.

Clama o Recorrente pela aplicação ao pedido de revisão por si formulado do disposto no artigo 70.º da NLAT.

Ora, tal como acima referimos, atenta a inaplicabilidade ao caso dos autos da NLAT – Lei n.º 98/2009, de 04/09, uma vez que esta lei apenas se aplica aos acidentes de trabalho ocorridos em data posterior à da sua entrada em vigor, ou seja só aos acidentes ocorridos a partir de 1/01/2010, conjugado com o juízo de constitucionalidade do art.º 25,º n.º2 da LAT, que tem sido defendido pelo tribunal Constitucional, não vislumbramos qualquer razão para aplicar o artigo 70.º da NLAT a um acidente ocorrido em data muito anterior a 1/01/2010.

Nem se diga que a presunção da estabilização da situação clínica daquele está afastada pelo facto do sinistrado ter recorrido várias vezes aos serviços clínicos da seguradora, tendo-lhe sido prestados tratamentos médicos, pois o facto de a Seguradora lhe prestar assistência clínica como aliás decorre das suas obrigações para com o sinistrado, não permite de forma alguma concluir que tal situação é decorrente do agravamento das lesões.

Por outro lado, o facto de se estar perante uma situação em que a gravidade das sequelas é evidente, atento o grau de incapacidade de que ficou portador, esse facto só por si também não é elucidativo nem permite concluir que tais sequelas têm carácter evolutivo e que são susceptíveis de variações futuras.

Em suma, como acima referimos a presunção da estabilização das lesões não se mostra ilidida, nem a decisão recorrida viola qualquer disposição legal ou constitucional, pelo que mais não restava ao tribunal a quo do que declarar extinto o direito do sinistrado requerer a revisão da sua incapacidade.

Neste sentido foi decidido recentemente por este Tribunal no Ac.de 24/01/2019 proferido no Proc. n.º 147/04.4TTBCL.2.G1 e tem sido também decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, designadamente nos Acórdãos de 24/09/2018, proferidos nos Procs. n.º 765/03.8TTVNG.2.P1 e n.º 1321/04.9TTMTS.1.P1 e de 11/10/2018, proferido no Proc. n.º 1445/14.4T80AZ.2.P1.

V – DECISÃO:

Pelo exposto e nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Código de Processo Civil, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique.
Guimarães, 7 de Fevereiro de 2019

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins