Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | LÍGIA VENADE | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR NECESSIDADE DE TUTELA JURÍDICA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/08/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I Se a ação a propor for de simples apreciação – visando discutir a vigência do contrato de cessão de exploração de um estabelecimento por força da falta de fundamento de resolução-, e assim será se a cedente que operou o direto potestativo de resolução extrajudicial do contrato nada fez para o reaver, não pode ser pedido em sede cautelar que se decida da vigência provisória do contrato e que as requeridas se abstenham de atos que dificultem ou impeçam a exploração do estabelecimento, muito menos argumentando-se a possibilidade da cedente poder vir a intentar providência que possa ser deferida sem contraditório tendo em vista a restituição do mesmo estabelecimento. II Mantendo-se a requerente a explorar o estabelecimento não obstante ter-lhe sido comunicada a intenção de reaver o mesmo por parte da cedente, falta á requerente “necessidade de tutela jurídica”. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I RELATÓRIO. D. J. – Combustíveis, Lda., pessoa colectiva nº …….., com sede na Av.ª da …, Braga, veio instaurar este procedimento cautelar comum contra X – Combustíveis, Lda., pessoa colectiva nº ………, Y – Gestão e Comércio de Produtos Petrolíferos, Lda., pessoa colectiva nº ………, e W Energias, S.A., pessoa colectiva nº ………, todas com sede no Edifício …, torre .., …, em …, pedindo que: a) seja declarado que, provisoriamente e até à apreciação do pedido a formular na ação principal, o contrato de cessão de exploração celebrado entre a requerente e a requerida X ainda se mantém em vigor, devendo a requerente suportar os custos com o aumento de renda resultantes do contrato de arrendamento celebrado pela requerida Y e os proprietários do imóvel; b) seja ordenado às requeridas, que, até à apreciação do pedido a formular na acção principal, se abstenham de praticar quaisquer actos que se destinem a impedir ou dificultar a requerente de explorar o estabelecimento comercial correspondente ao posto de abastecimento sito em Ponte dos ..., ..., freguesia de ..., concelho e distrito de Braga, erigido no prédio descrito na conservatória do registo predial ... sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ... da mesma freguesia, objecto do contrato de cessão de exploração comercial celebrado em 01-10-2014. Alega em resumo que o celebrou em 1/10/2014 com a 1ª requerida contrato de cessão da exploração de dois estabelecimentos/postos de combustível pelo prazo de 20 anos, e que quanto a um deles, sendo o imóvel de uma herança, o prazo/execução do contrato ficaria dependente da validade/eficácia do contrato de arrendamento que a 1ª requerida tem com a herança. Realizou-se a primeira renovação deste, sendo a segunda por 5 anos e até 26/8/2020, sendo as suas prorrogações de 5 anos, no caso de não ser denunciado no seu termo. As requeridas são sociedades com idêntico objeto e em relação de domínio, sendo a W “dominante”. Sucede que, apesar de ser-lhe dito pelos herdeiros do prédio que o contrato se manteria, pretendendo um aumento da renda que a requerente assumiu, e tendo-lhe sido comunicada pela 1ª requerida que os donos do prédio se opõem à renovação do contrato, é-lhe dado conta que o mesmo foi denunciado. Entende que a denúncia não é válida, invoca a falta de poderes de quem a levou a efeito, e que por isso o contrato de cessão renovou-se até 26/8/2025. Chama ainda a aplicação do artº. 8º da Lei nº. 1-A/2020 de 19/3 que suspende os efeitos da denúncia até 30/9/2020. Mais diz que entretanto o legal representante da 1ª requerida, agindo nessa qualidade, acaba por celebrar na qualidade de legal representante da Y novo contrato de arrendamento visando explorar diretamente o estabelecimento; se a senhoria soubesse que deixaria de ser a requerente a explorar o estabelecimento não teria celebrado o contrato de arrendamento naqueles termos. Sustenta nesses factos o abuso de direito. Mais diz que se ficar sem o posto ou estiver nessa iminência face à comunicação que já lhe foi feita pela 1ª requerida de que tem de o deixar, não pode exercer a atividade e está em causa a sua solvabilidade e o posto de 8 trabalhadores. * Foi proferido despacho a deferir a dispensa prévia de contraditório.* Foram produzidas as provas apresentadas pela requerente. * Foi proferida decisão que julgou improcedente este procedimento cautelar e indeferiu as providências solicitadas pela requerente D. J. – Combustíveis, Lda. Mais determinou que a requerente suportará as custas do procedimento. O valor da causa foi fixado em € 30.000,01. *** Inconformada, veio a requerente interpor recurso apresentando alegações com as seguintes -CONCLUSÕES- I. O Tribunal entendeu que as providências requeridas eram adequadas para o interesse a proteger, contudo, julgou-as improcedentes porque entendeu que um dos requisitos: fundado receio – não se encontrava preenchido. II. Isto porque, continuava a Recorrente com a exploração do posto, para lá do dia constante nas missivas das Recorridas, declarando apenas sair por ordem do tribunal. III. Na verdade, o receio do requerente da providência deve ser apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça, e a necessidade de serem adotadas antecipadamente medidas tendentes a evitar o prejuízo. IV. Quanto à seriedade e atualidade da ameaça, a mesma resulta evidente da factualidade assente nos pontos 32 e 37, donde resulta que a Requerida X notificou a requerente para entregar o prédio onde está instalado o posto de abastecimento. V. Quanto à necessidade de serem adotadas medidas, entende-se o douto raciocínio do Tribunal a quo, contudo, na prática, no dia a dia da requerente, o decretamento da providência mostra-se pertinente, necessário e essencial, para evitar o prejuízo, i.e., a entrega do posto. VI. Na nossa modesta opinião, dar entrada da providência depois de entregar o posto, não fará grande sentido ou produzirá os efeitos pretendidos. VII. Assim, sempre tem a Recorrente necessidade de recorrer ao decretamento da providência, por forma a obter uma segurança, ainda que provisória, de que poderá continuar a laborar até transito em jugado da ação principal a que estes autos serão apensos. VIII. Só assim, poderá ainda que consciente da provisoriedade da providência, contratar serviços, adquirir materiais para venda, etc. IX. Na pratica, sem o decretamento da mesma, corre o risco de ser “despejada” sem direito a contraditório prévio… X. Sendo certo que a Recorrente não entregou o posto de abastecimento, não é menos verdade que o decretamento da providência se mostra essencial para que a mesma possa continuar numa laboração continua e sem percalços, até que se resolva, definitivamente, o pleito. Pede que se dê integral provimento ao presente recurso e revogada a sentença recorrida, julgando procedente o processo cautelar e deferindo as providências requeridos, seguindo o mesmo os seus termos até final. *** Após os vistos legais, cumpre decidir.*** II QUESTÕES A DECIDIR.Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos. Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se: -estão os não verificados os pressupostos para o decretamento das providências requeridas, designadamente o “fundado receio”, devendo o procedimento ser procedente. *** III MATÉRIA A CONSIDERAR.A matéria a considerar é a que foi dada como sumariamente provada pela 1ª instância e que não foi impugnada neste recurso. Assim temos: Factos Provados. 1. Em 01-10-2014, requerente e requerida X celebram um acordo que denominaram de “Contrato de Cessão de Exploração”, através do qual a requerida X declarou ceder à requerente, mediante retribuição, a exploração de dois postos de abastecimento de combustíveis, pelo prazo de 20 anos a contar da data da assinatura do contrato. 2. Através desse acordo, a requerida X cedeu à requerente a exploração dos seguintes postos de abastecimento: a) Estabelecimento comercial sito em Ponte dos ..., ..., freguesia de ..., concelho e distrito de Braga, erigido no prédio descrito na conservatória do registo predial ... sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ... da mesma freguesia; b) Estabelecimento comercial sito em Avenida …, nº …, freguesia de …, concelho e distrito de Braga, erigido no prédio descrito na conservatória do registo predial ... sob o n.º … e inscrito na matriz sob o artigo … da mesma freguesia; 3. O prédio em que está implantado o estabelecimento referido em 2. - a) integrava à data a herança aberta por óbito de J. F., tendo sido objecto do contrato de arrendamento celebrado em 23-04-2012 com a requerida X, contrato esse cujo teor consta de fls. 24 e 25 dos autos, aqui se dando o mesmo por reproduzido. 4. Na cláusula primeira contrato de cessão de exploração a que se alude em 1. ficou estipulado o seguinte; “A PRIMEIRA CONTRATANTE cede à SEGUNDA a exploração dos POSTOS DE ABASTECIMENTO, pelo período de 20 (VINTE) anos, com o seu início na presente data, sem prejuízo de, no que concerne ao posto identificado em a) do considerando A) supra, estar o prazo/execução do presente contrato dependente da validade/execução do contrato de arrendamento que subjaz”. 5. Como contrapartida pela cessão de exploração do estabelecimento sito em Ponte dos ..., identificado em 2. - a), comprometeu-se a requerente a pagar à requerida X os seguintes valores: a) Quantia mensal de € 1.000,00 (mil euros) acrescida de IVA à taxa legal em vigor, a qual seria actualizada anualmente; b) Uma quantia variável em função do número de litros de combustível vendidos anualmente, designadamente: i. Sempre que em cada ano civil o volume de facturação seja superior a 2.500.000 litros, a requerente pagará à requerida X a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros); ii. Sempre que em cada ano civil o volume de facturação seja superior a 1.000.000 litros, a requerente pagará à requerida X a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros). 6. O contrato de arrendamento referido em 3. foi celebrado em 23-04-2012, pelo prazo de 3 anos e 2 meses, com início em 01-05-2012 e termo em 26-08-2015, sendo as suas prorrogações de 5 anos, no caso de não ser denunciado no seu termo. 7. O valor da renda acordada foi de € 850,00/mês, actualizado anualmente através do índice de preços do consumidor publicado pelo INE, referente ao ano em questão. 8. Mais ficou convencionado que caso o alvará n.º 2811/P - cuja validade terminava em 26-08-2015 - fosse renovado, o contrato de arrendamento se renovava automaticamente na primeira renovação, não podendo o senhorio impedir a primeira renovação. 9. O contrato de arrendamento renovou-se na primeira renovação, passando o seu termo para 26-08-2020. 10. A requerida X é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica com regularidade e intuito lucrativo ao “comércio, importação e exportação de combustíveis, peças e acessórios para veículos automóveis; prestação de serviços de oficina e estação de serviço”. 11. A requerida Y, é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica com regularidade e intuito lucrativo à “gestão e comércio a retalho de postos de combustível, manutenção e reparação de veículos automóveis, comércio a retalho de produtos alimentares, bebidas, tabaco em lojas de conveniência. Comércio a retalho de jornais, revistas e artigos de papelaria, em estabelecimentos especializados”. 12. A requerida W, é uma sociedade comercial anónima, que se dedica com regularidade e intuito lucrativo ao “comércio por grosso e a retalho de produtos e soluções de energia, nomeadamente, combustíveis líquidos para veículos automóveis, geração de energia e aquecimento industrial, agrícola e doméstico, e outras soluções de energia para mobilidade, incluindo mobilidade eléctrica; comércio de produtos derivados, lubrificantes e artigos de conveniência; gestão e apoio à gestão e ao desenvolvimento de postos de venda de combustíveis e actividades comerciais conexas; prestação de serviços de consultoria, assistência técnica, apoio a projectos e outras actividades complementares ao retalho petrolífero e energético; exploração de estabelecimentos comerciais, ou a sua locação a terceiros; compra e venda de imóveis para revenda. 13. A sede das requeridas situa-se no mesmo local: Edifício …, …. 14. Os dois gerentes da requeridas X e Y e os dois membros conselho de administração da requerida W são os mesmos: J. B. e J. M.. 15. A requerida W, é detentora de 99,98% do capital social da requerida Y e 98,15% do capital social da requerida X. 16. As quotas das requeridas (X e Y) pertencem em mais de 99% e 98% à requerida W ENERGIAS, S.A. e são geridas/administradas pelas mesmas pessoas. 17. É a requerida W que detém a maioria das participações sociais no capital das requeridas X e Y, quem tem a possibilidade de designação da totalidade dos membros da administração, dispondo de mais de 90% dos votos. 18. É a requerida W, através do seu sócio – A. F., que detém 90,89% do capital social - e através dos seus identificados administradores, que domina as requeridas X e Y, decidindo o seu futuro e políticas. 19. Por carta datada de 07-04-2020, a requerida X comunicou à requerente que “na semana passada” recebeu uma carta da “cabeça de casal, L. F., a opor-se à renovação do contrato de arrendamento do terreno sito na Ponte dos ..., lugar de ..., ..., no qual manifestaram a intenção de renegociar o mesmo. Mais comunicamos que entramos em contacto com a senhora a manifestar a nossa intenção de aceitar entrar em negociação do contrato. Caso haja mais alguma novidade, sobre a conclusão da negociação, também lhe comunicaremos de imediato”. 20. De acordo com a respectiva caderneta predial, o imóvel objecto do contrato de arrendamento é propriedade dos seguintes titulares: - 1/8 da titularidade de L. F.; - 1/8 da titularidade de T. F.; - 1/16 da titularidade de S. P.; - 1/16 da titularidade de C. R.; - 5/24 da titularidade de J. E.; - 10/24 da titularidade da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de M. M.. 21. A falecida M. M., a filha desta L. F. e o titular J. E. garantiram ao gerente da requerida que o contrato seria renovado, desde que fosse aceite a actualização do valor da renda. 22. A requerente sempre acreditou e confiou que a requerida X iria renegociar e manter em vigor o contrato de arrendamento. 23. A requerente, enquanto interessada principal na manutenção do contrato de arrendamento, foi procurando ter conhecimento das negociações encetadas entre a requerida X e os titulares do direito de propriedade sobre o imóvel onde se situa o estabelecimento comercial em causa. 24. O legal representante da aqui requerente falou directamente com a titular L. F. e com o titular J. E., que sempre informaram o representante da requerente que não haveria qualquer problema e que era sua vontade renovar o contrato de arrendamento, desde que a renda fosse actualizada. 25. Já pelo menos desde finais de 2019, que a requerente sabia que o senhorio pretendia actualizar o valor da renda, aumento esse que a requerente sempre assegurou que suportaria, quer junto da X, quer junto dos titulares do direito de propriedade sobre o imóvel com quem sempre contactou. 26. Sempre a requerente informou o senhorio e a requerida X que aceitava suportar o acréscimo de renda pretendido pelo senhorio, por forma a manter em vigor o contrato de arrendamento, e assim também, evitar a caducidade do contrato de cessão de exploração relativamente ao posto de combustível situado no prédio dado de arrendamento. 27. Com o decesso, em finais de 2019, da referida M. M., logo o legal representante da requerente tratou de indagar junto dos titulares do direito de propriedade sobre o imóvel se a sua vontade e acordo de renovação do contrato se mantinha. 28. O que igualmente lhe foi garantido, pelos titulares do direito de direito de propriedade sobre o imóvel, designadamente pela D. L. F. e pelo J. E.. 29. Recebida a missiva a que se alude em 19., confiou a requerente que nada tinha com que se preocupar, visto a renovação do contrato estar já garantida e acertadas as condições. 30. Sempre foi transmitido à requerente pelos senhorios com quem conversou, “que tudo era para ficar como estava, com o D. J.”. 31. Em inícios de Junho de 2020, a requerente foi informada pelos titulares do direito de propriedade que já tinham tudo acertado com o Sr. J. M. (Administrador e gerente da requerida X), e que o contrato de arrendamento se mantinha por mais 3 anos, e que a renda passava para o valor de € 1.225,00/mês, quantia mensal que a requerente aceitou pagar, revendo em igual proporção à do aumento de renda a quantia fixa mensal a pagar por via do contrato de cessão de exploração outorgado com a requerida X. 32. Em início de Julho, a requerente recebe uma comunicação da requerida X a dar nota que o contrato de arrendamento para o prédio sito em Ponte dos ... terminou e que tem de entregar o estabelecimento comercial até à data de 26-08-2020, tudo ao contrário daquilo que lhe fora transmitido por todos os intervenientes. 33. Confrontadas com esta realidade, as requeridas recusaram-se a reunir e apenas dizem aguardar pela entrega do estabelecimento comercial. 34. Com data de 09-06-2020, foi celebrado entre L. F., na qualidade de cabeça-de-casal da herança indivisa de M. M., e a aqui requerida Y – Gestão e Comércio de Produtos Petrolíferos, Lda. o acordo designado de “Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais” cuja cópia consta de fls. 46, aqui se dando o respectivo teor por inteiramente reproduzido. 35. Ao que foi dito à aqui requerente, terá sido o administrador da requerida J. M. que, enquanto representante da actual arrendatária (X), propôs, já após a conclusão das negociações, que passasse a figurar no contrato como arrendatária a requerida Y. 36. Por ser indiferente aos proprietários e por até estar previsto no contrato de arrendamento essa possibilidade, o pedido foi imediatamente aceite e o contrato de arrendamento foi celebrado com a sociedade Y, representada pelas mesmas pessoas que a X, estando aqueles proprietários na convicção que tudo permaneceria como até àquela data e que a requerente continuaria a explorar o posto de abastecimento, condição sem a qual os proprietários do imóvel jamais aceitariam celebrar o contrato de arrendamento com sociedade diversa da X. 37. A requerida X insiste na intenção de retirar o posto de abastecimento à requerente, tendo no dia 30-07-2020, voltado a notificá-la para a entrega do prédio onde está instalado o Posto de Abastecimento. 38. O dito J. M., enquanto gerente e administrador das requeridas, negociou a renovação do contrato de arrendamento na qualidade de legal representante da X, mas, ao invés de subscrever o documento resultante dessas negociações, acabou por firmar o novo contrato de arrendamento já na qualidade de representante legal da sociedade Y, agindo com propósito de fazer cessar o contrato de cessão de exploração celebrado com a requerente, por forma a passar a explorar esse estabelecimento comercial directamente. 39. A dar-se a entrega do posto de combustível a que se alude em 2.- a) às requeridas, ficará a requerente privada da exploração do estabelecimento comercial que explorou nos últimos 8 anos. 40. Para além da consequente perda de rendimento, terá a requerente de dispensar 8 funcionários que estão afectos de forma exclusiva à exploração do posto de combustível em causa e a requerente não dispõe de outro posto de trabalho para os mesmos. *** IV- O MÉRITO DO RECURSO.Requerente e 1ª requerida celebraram entre si um contrato, cujos contornos definiram e que apelidaram de “Contrato de Cessão de Exploração”, através do qual a requerida X declarou ceder à requerente, mediante retribuição, a exploração de dois postos de abastecimento de combustíveis, pelo prazo de 20 anos a contar da data da assinatura do contrato (ponto 1 dos factos). E através desse acordo, a requerida X cedeu à requerente a exploração, além de outro, do seguinte posto de abastecimento: estabelecimento comercial sito em Ponte dos ..., ..., freguesia de ..., concelho e distrito de Braga, erigido no prédio descrito na conservatória do registo predial ... sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ... da mesma freguesia –ponto 2 dos factos. Mais se diz que o prédio em que está implantado o estabelecimento referido integrava à data a herança aberta por óbito de J. F., tendo sido objecto do contrato de arrendamento celebrado em 23-04-2012 com a requerida X. E acordaram requerente e 1ª requerida na cláusula primeira do contrato de cessão de exploração que “A PRIMEIRA CONTRATANTE cede à SEGUNDA a exploração dos POSTOS DE ABASTECIMENTO, pelo período de 20 (VINTE) anos, com o seu início na presente data, sem prejuízo de, no que concerne ao posto identificado em a) do considerando A) supra, estar o prazo/execução do presente contrato dependente da validade/execução do contrato de arrendamento que subjaz”. Mais estabeleceram uma contrapartida para essa exploração por parte da requerente. No caso dos autos a requerente invoca e pede o reconhecimento e declaração de que o contrato se mantem em vigor, suportando os custos do aumento da renda que resulta do novo contrato celebrado com a Y, e do direito a permanecer (explorando) o posto identificado, até decisão de ação principal em que se reconheça a vigência do mesmo contrato. O objetivo das providências cautelares há-de ser o de acautelar o efeito útil da ação –artº. 2º, nº. 2, C.P.C.. As providências cautelares têm a sua justificação no princípio do nosso sistema processual civil segundo o qual a demora de um processo não deve prejudicar a parte (-com maior desenvolvimento vide Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, pags. 81 a 91 da 2ª edição). As providências cautelares são medidas que são requeridas e decretadas, tendo em vista acautelar o efeito útil da ação, mediante a composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo ou restaurando a situação de facto necessária à eventual realização efetiva do direito. “Tais medidas visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer ação declarativa (...), que a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne uma decisão puramente platónica” -Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, pag. 23 e segs. da 2ª edição. No Código de Processo Civil existe a figura do processo cautelar comum, “comportando a regulamentação dos aspectos comuns a toda a justiça cautelar. Institui-se, por esta via, uma verdadeira ação cautelar geral para a tutela provisória de quaisquer situações não especialmente previstas e disciplinadas, comportando o decretamento das providências conservatórias ou antecipatórias adequadas a remover o “periculum in mora” concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado, que tanto pode ser um direito já efetivamente existente, como uma situação jurídica emergente de sentença constitutiva, porventura ainda não proferida” -preâmbulo do Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12/12. O procedimento cautelar comum tem por isso carácter residual, quer no plano das regras adjetivas, quer no plano das providências que nele se podem integrar -cfr. António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimento Cautelar Comum, Vol. III, pág. 56. Ao procedimento cautelar comum aplicam-se os artºs. 362º a 376º do C.P.C.. Refere o nº. 1 do artº. 362º que sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado. O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor – nº. 2 do mesmo. “Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas na secção seguinte” – nº 3 do mesmo. A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão. – nº. 1 do artº. 368º. “A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar” –nº. 2. São então requisitos (de fundo e de forma) necessários ao decretamento desta providência: 1. - Probabilidade séria da existência de um direito (aparência do direito – “fumus bonis juris”). 2. - Fundado receio de que a demora natural na solução do litígio lhe causará uma lesão grave e dificilmente reparável (ao direito que se pretende fazer valer em ação pendente ou a instaurar) –“periculum in mora”; a providência cautelar será o meio adequado a evitar o dano eminente ou o agravamento da lesão. 3. - Desde que o prejuízo resultante de um tal recurso não exceda consideravelmente o dano que, através da providência, se pretenda evitar (-não nos alongaremos nesta matéria, mas pode ver-se neste ponto antes uma causa impeditiva ou extintiva do exercício do direito). 4. - E não cabimento da possibilidade de recorrer a qualquer outro tipo de procedimento cautelar nominado. Veja-se nesta matéria e a propósito dos requisitos o Ac. da Rel. do Porto de 21/02/2018 (dgsi.pt, relatora Drª Maria de Jesus Pereira). Estes requisitos são de verificação cumulativa, podendo nas providências nominadas pode ser dispensado um ou outro destes requisitos em concreto. Refere ainda o artº. 364º (“Relação entre o procedimento cautelar e a ação principal”), que: “1 - Exceto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva (negrito nosso). 2 - Requerido antes de proposta a ação, é o procedimento apensado aos autos desta, logo que a ação seja instaurada e se a ação vier a correr noutro tribunal, para aí é remetido o apenso, ficando o juiz da ação com exclusiva competência para os termos subsequentes à remessa. 3 - Requerido no decurso da ação, deve o procedimento ser instaurado no tribunal onde esta corre e processado por apenso, a não ser que a ação esteja pendente de recurso; neste caso a apensação só se faz quando o procedimento estiver findo ou quando os autos da ação principal baixem à 1.ª instância.”. Daí decorre que as providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma ação já pendente ou a instaurar posteriormente, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva, na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente a decisão a proferir no processo principal -cfr. António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimento Cautelar Comum, Vol. III, pág. 120. Ressalvados ficam os casos da inversão do contencioso em que os efeitos podem via a tornar-se definitivos –artº. 369º d C.P.C. (…). O objeto da providência há-de, por conseguinte, ser conjugado com o objeto da causa principal, embora tal dependência não imponha perfeita identidade (mesma obra, pags. 120 e 121). A identidade entre o direito acautelado e o que se pretende fazer valer no processo definitivo impõe, pelo menos, que o facto que serve de fundamento àquele integre a causa de pedir da ação principal. Esta identidade objetiva, no entanto, não tem de ser total, sendo admissível que o objeto da ação principal seja mais amplo que o do procedimento cautelar, abrangendo mesmo outros direitos não salvaguardados pela providência cautelar não especificada. Até aqui seguimos de perto a exposição do Ac. da Rel. do Porto de 7/04/2016, disponível no site da dgsi. Assim, do artº. 364º, nº. 1, C.P.C. resulta que o procedimento cautelar é sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado. Ou seja, tem natureza instrumental relativamente à causa de que depende na medida em que, fundando-se esta em determinado direito, o procedimento cautelar visa assegurar a efetividade desse mesmo direito, é como que uma medida de apoio a este. Assenta num juízo provisório sobre tal direito, que será ou não confirmado na causa principal; quando decreta uma providência cautelar, o tribunal antecipa provisoriamente, mediante apreciação sumária, um julgamento a proferir mais tarde, acautelando ou antecipando os efeitos da providência definitiva no pressuposto de que a decisão definitiva venha a confirmar o juízo provisório. Daí que a providência cautelar esteja para a sentença a proferir no processo principal na mesma relação em que um juízo provisório sobre determinada matéria está para com o juízo definitivo sobre a mesma matéria -cfr. Ac. Rel. Lisboa de 29-03-1990, citado no Ac. da Rel. de Évora de 6/11/2008, ambos disponíveis na dgsi. Por isso, e seguindo a exposição deste Acórdão, é que o objeto do procedimento cautelar deve coincidir, pelo menos parcialmente, com o da ação, ou melhor, o desta deve incluir o daquele. Enquanto objeto da ação é o "direito acautelado" (artº. 364°, nº. 1, C.P.C.), o objeto da providência é o direito ameaçado ou violado. Através da ação principal deve procurar-se tutela para o mesmo direito que se pretendeu preservar por via cautelar. Mais do que isso, através do pedido formulado na ação principal deve o autor pretender decisão cuja efetividade fique diretamente assegurada através da providência solicitada. O que não exclui a possibilidade de a ação não versar outros direitos não salvaguardados na providência nem a de os pedidos serem diferentes, porque as finalidades prosseguidas no procedimento cautelar e na ação serem naturalmente diferentes. Tudo isto foi visto do ponto de vista da identidade objetiva. Mas deve verificar-se também uma identidade subjetiva entre as partes do procedimento cautelar e as da ação principal. O autor desta deve ser o titular ativo do direito ameaçado e requerente do procedimento e o aí réu deve ser o sujeito passivo daquele direito e requerido no procedimento (cfr. Rita Lynce de Faria, A Função Instrumental da Tutela Cautelar Não Especificada, 2003, pag. 95). Se através da ação principal se deve procurar a tutela para o mesmo direito que se pretendeu preservar por via cautelar, isso quer dizer que a tutela é sempre dirigida contra alguém que violou (ou ameaçou violar) o direito. Daí a justificação da referida identidade subjetiva passiva entre o procedimento cautelar e a ação principal. Seguimos novamente aqui a orientação do citado Acórdão da Rel. de Évora. Em suma, os princípios da instrumentalidade e dependência são também requisitos a respeitar na propositura de um qualquer procedimento cautelar. E tal pressupõe as referidas identidades objetivas e subjetivas. Não nos alongaremos na possibilidade de alguma exceção a esta regra porque não se mostra pertinente ao caso. Ora, se relativamente à probabilidade da existência do direito a lei contenta-se com a verificação de indícios razoáveis, ou a mera aparência do direito, já quanto ao “periculum in mora” (-a demora e o dano decorrente da demora) exige-se um juízo de certeza que se revele suficientemente forte; cabe ao requerente a alegação e demonstração da gravidade do dano e da sua natureza irreparável ou de difícil reparação; deve assentar em factos concretos e consistentes, valorados objetivamente, bem como a necessidade de ser acautelado por via provisória. No C.P.C. não se tutelam situações de efetiva e consumada violação, salvo nos casos em que se prevê que a violação prosseguirá de forma continuada ou repetida; prevê-se e previne-se situações suscetíveis de causar lesão grave e dificilmente reparável. Como se diz na obra de Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, 2ª edição (pags. 206 a 208), “visando a providência cautelar evitar a lesão de um direito, esta não pode ser decretada, porque injustificada, se essa lesão já se tiver consumado, salvo se essa lesão fundamentar o receio de ocorrência de outras lesões idênticas e futuras, a produção de lesões de natureza continuada ou repetida, ou o agravamento do dano”. O Tribunal recorrido entendeu dar por verificados os pressupostos nestes termos: “Não se questiona inexistência de qualquer procedimento cautelar especificado ajustável à situação dos autos. Também não se dúvida que as providências aqui solicitadas pela requerente seriam adequadas a acautelar os seus interesses, enquanto o litígio que se anuncia não venha a ser definitivamente dirimido. Acredita-se também que, a ver-se desapossada do estabelecimento de abastecimento de combustíveis aqui em causa, a requerente poderá sofrer prejuízos graves. E, por fim, face à factualidade que ficou indiciariamente apurada, admite-se como provável a existência do direito que a requerente pretende acautelar – do direito a manter-se na exploração do dito estabelecimento, paralisando a pretensão da requerida X em reavê-lo desde já, e não no termo previsto para a duração do contrato de cessão de exploração, nomeadamente através da invocação do instituto previsto no artigo 334º do Código Civil.” No caso dos autos o Tribunal recorrido entendeu que não se verificava o justo ou fundado receio, argumentando assim: “O requisito que se entende não estar demonstrado é aquele que constitui a pedra de toque em qualquer procedimento cautelar: o fundado receio. Com efeito, decorre do texto do nº 1 do artigo 362º do Código de Processo Civil, que o receio do requerente da providência deve ser fundado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça, e a necessidade de serem adoptadas antecipadamente medidas tendentes a evitar o prejuízo. (…) Na situação aqui em análise, a requerente não necessita verdadeiramente, no momento actual, deste ou de qualquer outro meio processual para acautelar o seu direito e para impedir a produção dos prejuízos que receia vir a sofrer caso se veja obrigada a abrir mão do estabelecimento comercial em questão. Assim é porque tal estabelecimento continua na sua posse e em regular funcionamento – o que foi referido pelo legal representante da requerente na audiência de julgamento, confirmando que não entregou à requerida X o posto de abastecimento de combustíveis, apesar de ter já passado a data que lhe foi “fixada” por aquela, e afirmando que só o entregará com ordem do tribunal.” –sendo porém esta uma conclusão do Tribunal que não tem tradução nos factos (-sabemos apenas que se mantém a explorar). A recorrente discorda, invocando a matéria dos pontos 32 e 37 dos factos, argumentando que não é o facto de estar na posse do estabelecimento que releva, uma vez que entendendo a 1ª requerida que não tem título para tanto, pode em qualquer momento agir no sentido do “despejo”, existindo o risco de o fazer por via judicial e sem contraditório, pelo que a requerente não pode exercer a sua atividade em segurança; esse é um dano iminente, e assumindo a requerente o pagamento derivado do aumento da renda, nenhum prejuízo resultará para a requerida do decretamento da providência. Entende por isso que o requisito que o Tribuna entendeu que falhava se verifica. Pensamos que a questão terá de ser analisada passo a passo, aferindo de forma mais pormenorizada alguns dos pressupostos no caso em apreço que se nos afigura não decorrer de forma tão líquida dos factos. A ação principal correspondente a este procedimento, fazendo o exercício que se impõe face ao alegado no requerimento inicial, será uma ação intentada contra as aqui três requeridas (-não discutiremos a questão da legitimidade passiva da ação principal por não se afigurar relevante para o caso), em que se invocará o abuso de direito tendo em vista a invalidade do termo da cessão de exploração. Esta ação terá natureza de simples apreciação, visando obter a declaração da inexistência de um direito das requeridas –o direito potestativo à resolução (ou ainda que fosse à denúncia) de um contrato por via extrajudicial. De facto, a requerente não foi desapossada do estabelecimento. A requerente não vai pedir em ação a propor o que não lhe foi retirado. Assim sendo, não pode ter natureza antecipatória ou conservatória do efeito que se visa com a ação principal um procedimento cautelar em que se pede a manutenção da exploração do estabelecimento, por falta, nesta parte, de identidade objetiva entre o fim visado na ação principal e no procedimento. Já o contrário seria viável, ou seja, a 1ª requerida, na falta de entrega do estabelecimento, intentaria ação visando a “confirmação” da resolução levada a cabo extrajudicialmente e consequente entrega do estabelecimento. E cautelarmente poderia pedir esta entrega. Seria sempre em sede de contestação/oposição que a aqui requerente (lá requerida) poderia invocar a “invalidade” da resolução, nomeadamente invocando o abuso de direito, ou outros fundamentos. A eventual ausência de contraditório e o risco associado não são fundamento suscetível de ser invocado pela requerente, fazem parte do direito à ação por parte da requerida, constitucionalmente consagrado, e regulado na lei –artº. 20º, nº. 1, da Constituição da República Portuguesa. A requerente por esta via cautelar, a obter deferimento, iria obstar não ao exercício do direito por parte da 1ª requerida –já o exerceu, já pôs fim ao contrato, já consumou o exercício do seu direito-, mas à sua “execução” ou à obtenção dos seus efeitos práticos que é efetivamente o que a requerente pretende. Ora, não nos parece ser legitima esta pretensão que apenas poderá ser exercida em sede de oposição à atuação que a requerida venha a adotar tendo em vista a restituição do estabelecimento, e tendo em conta que não pode recorrer à ação direta para o recuperar (cfr. artº. 336º do C.C.). É aqui que se entronca no fundamento do Tribunal recorrido, que tem mais a ver com o “interesse em agir” ou “necessidade de tutela jurídica” de que fala Marco Carvalho Gonçalves, na obra citada e utilizando a terminologia germânica (pag. 218), e que o Tribunal recorrido enquadrou antes no requisito do “fundado receio” que deu assim por não verificado. De facto, “nada obsta a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas da requerida, ainda não materializadas, mas que permitam, razoavelmente, supor a sua evolução para efectivas lesões”. “Pode assim bastar a prova de acções preparatórias que permitam prever a ocorrência de um evento objectivamente idóneo a prejudicar o direito” –Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, 3º edª, III, pags. 103 e 105. Não é isso porém que está em evidência neste caso. A 1ª requerida resolveu o contrato e exigiu a entrega do estabelecimento –pontos 32 e 37 dos factos-, mas, na falta de entrega voluntária por parte da requerente, só por via judicial pode lograr fazer valer esse direito. Assim, visto por outro prisma, o direito a manter-se no estabelecimento não está em perigo iminente que torne necessária uma tutela conservatória. Em suma, o interesse que a requerente pretende salvaguardar no pedido feito em sede de providência cautelar, terá de estar abarcado no resultado que perspetiva vir a obter em ação constitutiva que lhe corresponda (podendo nela fazer valer ainda outros interesses); no caso teria de estar em causa na ação a propor a restituição do estabelecimento (-caso lhe tivesse sido vedado o acesso e/ou exploração). Face a este argumento é de manter o indeferimento da providência requerida, sendo a nossa decisão confirmatória da proferida em 1ª instância. * Porque porém o âmbito do recurso e a questão suscitada a este Tribunal prende-se com a verificação dos pressupostos de decretamento da providência solicitada, este Tribunal não deve cingir-se à apreciação do que a 1ª instância julgou não verificado e em sede de recurso vem impugnado, devendo antes fazer uma análise geral da figura jurídica aplicada, já que podia julgar ainda improcedente o recurso por outro motivo que não aquele (falta de verificação de um outro pressuposto), se não tivéssemos já concluído pelo acerto da decisão recorrida.De facto, o Tribunal não está vinculado à matéria de direito alegada e aplicada situando-se no âmbito da figura jurídica e segmento decisório em causa no recurso (aqui único e consistente no indeferimento da providência), desde que cumprido o princípio do contraditório que se imponha –e aqui não se impõe uma fez que faremos apenas um acrescento ao decidido que não influi ou altera a mesma decisão (cfr. artº. 5º, nº. 3, C.P.C.). Veja-se a propósito da delimitação objetiva do recurso, a obra citada de António Santos Abrantes Geraldes, pags. 105 e 106. Quanto ao abuso de direito aqui invocado ainda se afigura útil tecer algumas considerações. A requerente não celebrou qualquer contrato com “a senhoria” do prédio onde explora o estabelecimento. Portanto as vicissitudes que possam atingir o contrato de arrendamento ou a sua denúncia não podem ser invocadas pela requerente (-caso da falta de capacidade de quem exerceu o direito). Por isso mesmo, além doutras situações, não relevam as expetativas criadas pela “senhoria” junto da requerente, conforme pontos 21 a 31 dos facos (-não resulta que a requerida a tenha criado, não se “lendo assim a missiva referida no ponto 19 dos factos que antes se destina a dar cumprimento á cláusula quinta, ponto 2.2 do contrato de cessão de exploração); mais, mesmo pela “senhoria” foi sempre feita a ressalva do aumento de renda, e podia não interessar à mesma “senhoria” que a requente se disponibilizasse a pagar –a contraparte no arrendamento a quem podia pedir o pagamento em caso de incumprimento não é a requerente. Isto posto, o contrato de arrendamento foi denunciado e para já esta denúncia tem de se considerar válida já que não foi judicialmente, que se saiba, questionada –pontos 6 e 9 dos factos. Aliás, já foi celebrado novo contrato de arrendamento com outra das requeridas -Y, que não a que se vinculou perante a requerente –ponto 33 dos factos. Com base na denúncia do arrendamento e face á cláusula primeira do contrato de cessão que faz depender a sua validade/execução da validade/manutenção do arrendamento, findo um, a 1ª requerida aciona a cláusula do outro –resolução do contrato de cessão de exploração. Quanto à qualificação desta figura veja-se o Ac. da Rel. de Lisboa de 12/10/2010 (dgsi.pt). O direito de resolução, podendo resultar da lei (artºs. 437º e 801º do C.C.- pode resultar também de convenção das partes –artº. 432º, nº. 1, do C.C. –precisamente pela convenção de cláusula resolutiva. Desde que se verifique o pressuposto que consensualmente faz nascer o direito à rescisão, goza o contraente a favor de quem o mesmo se verifica, do direito potestativo de fazer extinguir o contrato, invocando para o efeito o pressuposto que funciona como seu fundamento. Já vimos que sendo a declaração de manutenção provisória do contrato a analisar em sede de ação de simples apreciação, e não podendo esta ser fundamento de uma medida antecipatória ou conservatória, sem o desapossamento do estabelecimento não podia sustentar o segundo pedido feito e que é o que verdadeiramente pretende a requerente. Todavia e assentes estes pontos ainda se poderia ir mais longe na análise e questionar: há matéria indiciária de atuação exercida em abuso de direito da parte das requeridas –fundamento do direito que se pretende exercer no que concerne à declaração de manutenção provisória do contrato, o que teria de estar implícito ao pedido de manutenção da exploração do posto, ou seja há disso indícios razoáveis, reveladores da aparência do direito,- ao anunciar o fim da cessão com fundamento na cláusula 1ª do contrato que vincula requerente e 1ª requerida? Não cremos que essa situação esteja indiciada de forma suficientemente segura para justificar a eventual procedência do procedimento, caso não fosse o mesmo inadequado face ao que “supra” já dissemos. A existência de relação de domínio entre as requeridas (que qui não analisaremos em profundidade por não se justificar mas que nos remeteria para os artºs. 483º e segs. do Código das Sociedades Comerciais –cfr. pontos 10 a 17 dos factos) não revela por si só qualquer atuação abusiva face aos interesses da requerente, sem mais; nem mesmo o facto do novo contrato de arrendamento celebrado entre a “senhoria” e a requerida Y revela essa atuação. Começando por enquadrar a matéria, diz o artº. 334ºdo C.C.: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Há abuso de direito quando o direito, em princípio legítimo e razoável, é exercido em determinado caso de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante. De facto, não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório e ofensivo daqueles valores, conforme decorre dos termos do artigo citado. A nossa lei adota a conceção objetiva do abuso do direito pois não exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo: não é necessário que o titular do direito tenha a consciência de que, ao exercê-lo, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, aferido face aos valores éticos predominantes na sociedade e face aos juízos de valor positivamente consagrados na lei; basta que objetivamente esses limites tenham sido excedidos de forma evidente para que se considere preenchida a atuação com abuso de direito. O abuso de direito pode revestir as modalidades de “suppressio”, de “venire contra factum proprium” e de desequilíbrio. O abuso de direito na sua vertente de “venire contra factum proprium” –ficaremos por esta, uma vez que é a invocada pela recorrente-, pressupõe que aquele em quem se confiou viole com a sua conduta os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio. A proibição da conduta contraditória em face da convicção criada implica que o exercício do direito seja abusivo ou ilegítimo. Impõe que alguém exerça o seu direito em contradição com a sua conduta anterior em que a outra parte tenha confiado. Ou seja, consiste no exercício duma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente que, objetivamente interpretada no confronto da lei, da boa fé e dos bons costumes é ostensivamente violadora da boa fé ou da tutela da confiança da contraparte porque gerou a convicção na outra parte de que o direito não seria por aquele exercido e, com base nisso a contraparte programou a sua atividade. Pressupõe uma situação objetiva de confiança. Ficam ressalvados contudo os casos em que a conduta assenta numa circunstância justificativa e, designadamente, no surgimento ou na consciência de elementos que determinem o agente a mudar de atitude. A “suppressio” designa a posição do direito subjetivo ou, mais latamente, a de qualquer situação jurídica, que, não tendo sido exercida em determinadas circunstâncias e por um certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa fé. A boa fé significa que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros. Já justificamos o afastamento da figura do “venire contra factum proprium” uma vez que a requerida que é a contraparte no contrato de cessão celebrado com a requerente não criou qualquer expetativa à requerente relativamente à manutenção do arrendamento e por arrastamento da cessão. Igualmente o que vem descrito nos pontos 35, 36 e 38 dos factos –no fundo a alteração de titular do arrendamento no lugar de arrendatário, tudo feito pelo legal representante de ambas as arrendatárias (primitiva e atual) de modo a que passe a ser a requerida Y a explorar o estabelecimento, pensamos que não chega para caraterizar um comportamento clamorosamente ofensivo dos seus deveres face á requerente. No mundo dos negócios, em que a concorrência leal é também um direito, nada impede a tomada de decisão do legal representante da requerida em querer exercer aquela atividade através de uma outra empresa, em detrimento da requerente. Já se nessa atuação induziu em erro a “senhoria”, tal poderia conduzir à anulabilidade do contrato de arrendamento, se fossem alegados e provados os pressupostos do arº. 247º do C.C. (cfr. artº. 251º), invocável ao abrigo do artº. 287º do mesmo C.C. pelo enganado, ou seja a “senhoria”. Igualmente não se verifica abuso na modalidade “suppressio” na medida em que estava clausulada a possibilidade de se terminar a execução do contrato se o de arrendamento anexo fosse denunciado para o seu termo, logo a posição jurídica da requerente era suscetível de ser alterada nos termos em que foi. O abuso de direito na modalidade do “desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados” não está aqui sequer equacionada. Por isso se dirá também que dos factos não resulta suficientemente indiciada/caraterizada a aparência do direito, diferentemente daquele que foi o juízo do Tribunal “a quo”. Relativamente aos prejuízos (a lesão grave e dificilmente reparável do direito) para a requerente resultantes da restituição do espaço só teriam de ser analisados caso estivesse em causa essa manutenção, e não está. Certamente que sendo esta uma atividade da requerente, a resolução do contrato terá sempre as consequências referidas nos pontos 39 e 40 dos factos. Simplesmente tal não resulta da atuação indevida da requerente, mas do exercício do direito de resolução que, esse sim, poderá ser ilícito. Essa avaliação coloca-se em sede de ação, não sendo de assegurar cautelarmente a posição da requerente que está na detenção do estabelecimento, como já vimos. Não sendo o dano que se receia imputável às requeridas que nada fizeram para além de ter a 1ª exercido o direito de resolução extrajudicial do contrato que a vinculava à requerente, não pode a sua atuação fundamentar uma providência cautelar (vide “Providências Cautelares” de Marco Carvalho Gonçalves, pag. 209 e 210 da 2ª edição. Não cabe aqui analisar, por tudo o que já foi dito, a questão da ausência de prejuízo da 1ª requerida derivado do eventual deferimento da providência. Diremos ainda que, face à ausência de contraditório, a falta de segurança aconselha ao não decretamento de uma providência cautelar, na medida em que o juízo de mera verosimilhança deve aumentar na mesma medida em que diminuem as garantias da parte contrária (bem como na medida em que o que vem requerido tem efeitos imediatos e/ou irreversíveis). Isto sem prejuízo do eventual apelo ao artº. 374º, nº. 2, C.P.C.. Refere o autor já citado, Marco Carvalho Gonçalves, a pags. 179, que o facto da lei exigir uma prova indiciária por motivos de celeridade e urgência, não significa que o requerente possa obter o deferimento com base em prova pré-indiciária e equívoca (…). Consultaram-se ainda os Acs. da Rel. de Lisboa de 12/3/2009, de 16/7/2009 e 22/6/2017, e de Coimbra de 27/9/2011, com pontos que tocam algumas das considerações feitas (embora tratando casos distintos), todos em www.dgsi.pt. Por tudo o exposto, pelo fundamento mencionado pelo Tribunal recorrido a que acrescem outros argumentos, cabe confirmar a decisão proferida. Conclui-se assim pela improcedência do presente recurso. *** V DISPOSITIVO.Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negando provimento à apelação, manter a decisão recorrida. Custas a cargo da recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.). * Os Juízes DesembargadoresGuimarães, 8 de outubro de 2020. * Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade 1º Adjunto: Jorge dos Santos 2º Adjunto: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves (A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas) |