Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
432/13.4TBBCL.G1
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: INVENTÁRIO
BENFEITORIA
TORNAS
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I- Os donatários de um bem imóvel objeto de partilha em inventário que nele tenham feito benfeitorias, têm direito ao seu levantamento e, não sendo isso possível, direito a deduzir o respetivo valor pelo valor do benefício que trouxeram ao prédio, segundo as regras do enriquecimento sem causa.
II- O inventário é o lugar próprio para o efeito, caso em que o mapa da partilha contemplará a situação.
III- Não tendo os donatários invocado o seu direito a benfeitorias no inventário até ao trânsito em julgado da sentença homologatória do mapa da partilha, não ficam impedidos de vir a invocar e provar esse seu direito por meio adequado e em momento posterior, mas não podem obstar aos efeitos daquela sentença, enquanto título executivo, designadamente quando está em causa a cobrança coerciva do valor das tornas, maxime quando pendem já execuções e a elas se não opuseram com os fundamentos previstos no quadro dos art.ºs 813º e 814º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I.
1º M…, viúva; e
2º D… e marido, E…, todos com residência no Lugar de…, Barcelos; instauraram ação com processo comum sob a forma ordinária contra:
1º A… e marido, F…, com residência no Lugar de…, Barcelos;
2º A… e mulher, T…, atualmente com residência em … - USA; e
3º HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA aberta por óbito de J…, devidamente representada por:
a) M…, viúva;
b) A… e marido, A…; e
c) A…, solteira, maior, todos com residência à Rua… – Rio de Janeiro, Brasil, alegando essencialmente que, tendo-se procedido a inventário de maiores (proc. 406/2001) com um único bem (imóvel) a partilhar, que havia sido doado ao falecido marido da 1ª A., pai e sogro dos 2ºs AA., existindo ao tempo um outro filho, A…, tal prédio acabou por ser adjudicado na proporção de 5/6 indivisos para a primeira demandante e 1/6 indiviso para os segundos demandantes pelo valor de € 139.560,00 obtido em licitações.
Sabendo todos os RR. da existência de benfeitorias levadas a cabo pelo donatário, os AA. não reclamaram o respetivo valor.
Viram-se os AA. posteriormente obrigados a intentar uma ação (proc. nº proc. 4043/04.7TBBCL) no sentido de ser avaliado o bem doado, pois que os RR. A… e J… (ao tempo ainda vivo), apesar de saberem que o valor resultante da adjudicação não lhe cabia, reclamaram tornas, instaurando mesmo as respetivas execuções (proc.s nºs 406-A/2001 e 406-B/2001). De acordo com o mapa da partilha e subsequente sentença que o homologou, face ao dito valor, caberia de tornas a cada um dos RR. a quantia de € 22.290,83.
Suspensas, por acordo das partes, as execuções destinadas à cobrança coerciva do valor das tornas, o bem e as benfeitorias que nele haviam sido efetuadas foram avaliados naquele proc. 4043/04.7TBBCL, tendo em vistas a dedução das últimas no valor das tornas que caberiam a cada R.
Como o pedido daquela ação era no sentido de que fosse considerado o valor das benfeitorias em nunca menos de € 50.000,00, e o valor ali encontrado pela peritagem foi de € 70.866,00, os RR. foram ali condenados:
A) A reconhecerem que o prédio doado tinha antes das obras e reconstrução o valor de € 12.000,00; e
B) Que as benfeitorias levadas a cabo pelos AA. têm um valor não inferior a € 50.000,00.
Sendo o valor do prédio, integrando as benfeitorias e eirado, de € 86.614,00 há que retirar àquele valor global das benfeitorias, restando para partilhar apenas o valor de € 36.614,00 (€ 86.614,00 - € 50.000,00). E, retirando-lhe a quantia de € 12.204,00, ou seja, a terça parte correspondente à quota disponível, fica o valor de € 24.410,00 para partilhar por quatro, tantos quantos são os herdeiros. Fica, assim, a caber a cada um dos RR. apenas a quantia de € 6.102,50.
Apesar de comunicado aos RR., estes fizeram prosseguir as execuções (proc.s 406-A/2001 e 406-B/2001) na exigência da quantia de € 22.290,83, acrescida de juros, visando um enriquecimento ilegítimo.
Como se não bastasse, os 3ºs RR. ainda oneraram o prédio dos AA. com uma hipoteca judicial, divulgando a ideia de que receberam o bem e não pagaram as tornas, assim causando danos não patrimoniais aos demandantes revelados em transtornos, aflições, incómodos, aborrecimentos, ansiedade e acima de tudo o facto de passar a constar que os AA. não querem pagar aos RR., trazendo-lhes mau nome e ferindo a sua dignidade, o que deve ser reparado com a quantia de € 750,00 para cada um deles (€ 4.500,00 no total).
Por causa dos RR., os AA. suportaram ainda custos com perdas de tempo e deslocação ao tribunal, que quantificam em € 2.000,00.
Reclamam tais quantias indemnizatórias dos 1ºs e 3ºs RR., e não dos 2ºs RR., por estes não serem exequentes.

Terminam formulando o seguinte pedido, ipsis verbis:
«Ante o exposto deve a presente acção ser julgada procedente por provada e por via dela declarar-se e decidir-se sendo os RR. condenados a isso reconhecerem que, por força da partilha e adjudicação do prédio identificado sob o nº 2 (dois) desta petição, ocorrido nos autos nº 4043/04.7TBBCL do 1º Juízo Cível deste Tribunal apenas tem direito a receber de tornas a quantia de 6 102,50€, e mais nenhum outro qualquer valor, nomeadamente o quanto reclamam nos autos de execução nº406-A/2001 e 406-B/2001, também deste Tribunal.
Mais devendo ser condenados no pagamento de 750,00€ a cada um dos AA. a pagar por cada um dos RR. (1º casal) e Herança (identificada em 3) da petição inicial, e num total de 4 500,00€ a título de danos não patrimoniais e bem assim a quantia por cada um dos RR. (a pagar aos AA., agora globalmente) pelos danos patrimoniais de 2 000,00€ (1 000,00€ + 1 000,00€) quantias essas acrescidas de juros até efectivo e integral pagamento.
Como devem ainda os 1º.s e 3º.s RR. ser condenados no pagamento, seja ao Tribunal, seja ao Solicitador de execução de todos os encargos relativos aos processos de execução 406-A/2001 e 406-B/2001 aludidos nesta petição, não só por lhes haver dado causa, mas ainda por pedirem o seu prosseguimento (1ºs RR) e levarem a cabo hipoteca judicial, conhecedores dos termos da douta sentença proferida naqueles autos e por força da qual sabiam que não lhes era devido o quanto reclamam a coberto das mesmas execuções.
Sendo as demais custas deste processo igualmente pagas por todos os RR. já que os 2º.s RR., apesar de não terem requerido execução, pretendem o pagamento de 22 290,83€ e juros, tal como o reclamam os 1º.s e 3º.s RR.
Tudo com as legais consequências.»
*
Citados, os RR. contestaram a ação, impugnando parte dos factos alegados na petição inicial.
Alegam que na ação nº 4043/04.7TBBBCL foi já reconhecido, com trânsito em julgado, que as benfeitorias levadas a cabo pelo donatário J…, tinham um “valor não inferior a 50.000,00 euros”, sendo este valor definitivo. Não podem os AA. pretender agora alterar este valor para montante superior e, daí, também o valor das tornas, por ser proibido pelo efeito do caso julgado formado naquele processo.
Não se pode aceitar que, sem fundamento legal, na presente ação se fixem em € 6.102,50 as tornas de cada um dos três RR.
Sendo, como é, o valor das benfeitorias de € 50.000,00 e não qualquer outro como pretendem os demandantes, e o valor de avaliação do prédio doado, por conta da quota disponível, de € 139.560,00, as tornas de cada um dos três co-demandados são muito superiores a € 6.102,50, como os demandantes bem sabem. Daí a sua falta de razão em alterarem o valor de € 50.000,00 das benfeitorias.
Os AA. são ainda devedores de juros de mora vencidos desde o trânsito em julgado da sentença proferida no dia 3.7.2006.
Deve julgar-se procedente a exceção do caso julgado quanto ao valor das benfeitorias (€ 50.000,00).
Por outro lado, os AA. não reclamaram no inventário nº 406/2001, como deviam, as benfeitorias, cujo valor tiveram de demonstrar, e também não alegaram nas duas ações executivas instauradas contra eles (pelos 1ºs e 3ºs RR.) --- podendo e devendo fazê-lo --- um único facto que visasse demonstrar o valor de tais benfeitorias, limitando-se a deduzir um mero pedido de suspensão da instância até decisão da mencionada ação ordinária nº 4043/04.7TBBCL. Nesta, transitada em julgado, os contestantes não aceitaram o valor que os demandantes queriam pagar-lhes, de € 6.102,50 a cada um dos três.
Aos AA. não assiste ainda o direito a qualquer indemnização por dano patrimonial ou por dano não patrimonial.
Concluem assim:
«Devem as excepções aqui deduzidas ser julgadas provadas e procedentes, com todas as consequências legais e a acção ser julgada não provada e improcedente e os demandados absolvidos da instância e dos pedidos formulados.» (sic)

Replicando, os AA. negam a existência de caso julgado para efeitos da presente ação, invocando que nem as partes nem a causa de pedir nem o pedido são os mesmos.
Defendem que o valor das benfeitorias não é de € 50.000,00, mas “nunca menos de € 50.000,00”.
Concluem como na petição inicial.

As partes apresentaram os requerimentos probatórios na sequência da notificação que lhes foi efetuada nos termos do art.º 5º, nº 4 da Lei nº 41/2013, de 26 de junho.
O tribunal julgou pertinente remeter o processo para mediação, mas a tal se opuseram os AA., pelo que, dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que conheceu do mérito da causa, no seguintes termos:
«Nos presentes autos pretendem os AA. que seja fixado o valor das tornas devidas pelos AA. aos RR. na sequência da avaliação feita nos autos n.º 4043/04.7tbbcl do 1.ºJuízo, às benfeitorias efectuadas no bem imóvel partilhado em sede de tal inventário.
Ora, sucede que não é legalmente possível alterar as tornas que foram apuradas no processo de inventário, pelo que as decisões proferidas nos autos referidos pelos AA. uma vez transitadas em julgado deverão ser cumpridas nos seus precisos termos e havendo eventualmente uma situação de enriquecimento sem causa, então os titulares de tal direito deverão accionar os meios próprios para fazer tal direito.
De facto e nos moldes em que o pedido foi deduzido nestes autos é o mesmo legalmente inviável, pois tal implicaria apreciar questões que já foram decididas em sede própria.
Face ao exposto entende-se ser o pedido deduzido manifestamente improcedente – art. 590.º/1 do CPC, pelo que se absolvem os RR. do pedido (art. 595.º CPC).
Custas pelos AA.» (sic)

Inconformados, recorreram os AA. com alegações que culminaram com as seguintes CONCLUSÕES:
«1º Os recorrentes e recorridos partilharam bens, mas com omissão das benfeitorias – proc: 406/2001 – certidão junta a estes autos.
2º Assim, fixadas as tornas, a cada um dos recorridos, também caberia o pagamento (não tomado em conta) das benfeitorias.
3º Nos autos nº 4043/04.7 – certidão junta - foi decidido que o valor das mesmas benfeitorias era “nunca inferior a 50 000,00€”.
4º Porque havia que se fixar ou determinar o valor exacto, vieram os recorrentes a juízo com a presente acção.
5º Não sendo posto em causa o valor das tornas, mas sim que se tome em conta o valor das benfeitorias.
6º Logicamente que nesse valor das tornas (fixado) será tido em conta o das benfeitorias que não se acha fixado.
7º Ou seja, se nos autos nº 4043/04.7 se determinou ou sentenciou que o valor das benfeitorias era “nunca inferior a 50 000,00€”.
8º Com os presentes autos pretende-se, sim que o respectivo valor seja (não o de “nunca inferior a 50 000,00€” mas sim o que se venha a determinar, fixar e sentenciar.
9º O Sr. Juiz da causa ao cingir a questão a mero problema das tornas não fez correcta interpretação e aplicação da lei (nem mesmo dos autos).
10º Pelo que vêm os recorrentes junto deste Tribunal da Segunda Instancia no sentido de verem ordenado o prosseguimento dos autos até ao apuramento do real valor a que os recorrentes têm direito (sobre os recorridos) por causa das benfeitorias.» (sic)
Defendem, assim, a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por acórdão que determine o prosseguimento dos autos.

Não foram oferecidas contra-alegações.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões apresentadas pelos apelantes, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo de cada ato recorrido, delas retirando as devidas consequências, e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 640º, do novo Código de Processo Civil [1]).
Está para decidir se, definido em sede de inventário o valor das tornas que determinados interessados têm a pagar a outros interessados que a elas têm direito, podem, ou não, posteriormente, os interessados pagadores fazer abater no montante devido a título de tornas o valor das benfeitorias a que venha a ser reconhecido o direito depois do trânsito em julgado da sentença homologatória do mapa da partilha.
*
Os factos relevantes constam do relatório que antecede.
III.
O processo de inventário é um processo complexo e peculiar e por isso é classificado pelo legislador como um processo especial. Pode assumir uma feição marcadamente graciosa quando os interessados nele se revelam de acordo, e pode ter uma feição contenciosa quando hajam de ser debatidos interesses conflituantes, mesmo ao nível de direito substantivo, designadamente de grande relevância na identificação e determinação dos vários direitos dos interessados (herdeiros, legatários, donatários, credores) para a organização da partilha que se pretende justa.
Tal processo comunga também de disposições de natureza adjetiva e de natureza substantiva e a sua complexidade está ainda marcada pelo facto de participar das duas formas processuais, nele coexistindo a fase declarativa e a fase executiva, embora com prevalência daquela sobre esta.
Como ensina J. A. Lopes Cardoso [2], “antes de se fazer a distribuição dos bens pelos interessados há-de proceder-se à declaração do respectivo direito e as questões que lhe são inerentes consideram-se próprias do processo de declaração”.
Em princípio, todas as questões com influência na partilha devem ser decididas no inventário. Só em casos especialmente previstos na lei, normalmente relacionados com a prova, se admite que o juiz se abstenha de decidir e remeta os interessados para os meios comuns (cf. art.ºs 1348º a 1350º do Código de Processo Civil).
Deve, inclusivamente, integrar o relacionamento de bens, como dívidas, as benfeitorias que, tendo sido efetuadas por terceiros em prédio da herança, não possam ser levantadas por quem as realizou (art.º art.º 1345º, nº 5, 2ª parte, do Código de Processo Civil).
Também a figuração no inventário das benfeitorias efetuadas pelo donatário nos bens doados é indiscutível sempre que não possam ser levantadas pelo donatário quando efetuadas por ele nos bens que lhe foram doados, na certeza de que «a verba correspondente não será tratada como efectiva dívida da herança, sim como dívida ou valor dedutível ao acervo dos bens doados ao interessado respectivo». O seu valor deve mesmo ser obtido no inventário (embora não pela importância despendida na respectiva realização, mas pelo benefício que trouxeram ao prédio, segundo regras do enriquecimento sem causa)[3] . O seu valor deve ser o que tinha à data da abertura da sucessão (art.° 2109°, n°1, Código Civil), menos o valor acrescentado pelo donatário [4].
É suposto que no momento da conferência de interessados estejam resolvidas as questões até então suscitadas e que sejam suscetíveis de influir na partilha, e que estejam determinados os bens a partilhar (art.º 1352º, nº 1, do Código de Processo Civil).
À conferência de interessados compete, designadamente deliberar sobre a aprovação do passivo e forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança; sobre as reclamações deduzidas sobre o valor atribuído aos bens relacionados; assim como sobre quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha (art.º 1353º, nº s 3 e 4, do Código de Processo Civil).
Como reconhecem os AA., beneficiários do único bem doado e submetido à partilha, decorreu toda a tramitação do inventário até ao trânsito em julgado da sentença homologatória do mapa da partilha, sem que ali tivesse sido relacionado o direito às benfeitorias realizadas no bem ou tivesse sido acusada a falta de relacionamento desse direito. E não tendo sido ali reconhecido, obviamente também não foi ali tratada a questão do seu valor e, consequentemente, não foi, nem poderia ter sido [5], contemplado no mapa da partilha. O inventário nada decidiu nessa matéria (benfeitorias) e nada poderia decidir por a questão não ter sido ali levantada.
Como tal, a sentença homologatória do mapa da partilha, transitada em julgado, sendo uma autenticação da partilha efetuada [6], nada decide quanto ao direito a benfeitorias.
Já assim não acontece quanto às tornas a que os RR. têm direito, porquanto a sentença homologa definitivamente esse direito expresso no mapa, decidindo-o com trânsito em julgado, cumprindo aos AA. o respetivo pagamento, em conformidade.
As questões que sejam decididas no inventário --- seja qual for a altura ---consideram-se definitivamente resolvidas tanto em relação ao cabeça-de-casal e às pessoas citadas na qualidade de herdeiros, como em relação àqueles que intervenham na solução, salvo se for expressamente ressalvado o direito às ações competentes, entendendo-se que intervieram na solução delas as pessoas que as suscitaram ou sobre elas se pronunciaram, e ainda as que foram ouvidas, embora não tenham dado resposta.[7]
Não está em causa na decisão recorrida o direito dos demandantes a benfeitorias, mas apenas a possibilidade da presente ação declarativa prosseguir com vista à determinação do valor daquelas com vista ao reconhecimento do direito dos AA. a abater tal quantitativo nas quantias de tornas que devem pagar aos RR.
Todas as vezes que algum interessado recebe bens em valor superior ao que legitimamente lhe pertence, isto é, superior à sua quota na herança, fica obrigado ao pagamento de tornas. O interessado que recebe a mais torna ao que recebeu a menos a importância que a este compete e deve ser atribuída.
E tornas haverá sempre que alguém licite em mais bens do que tem direito, ou quando, por virtude da composição dos lotes, haja excesso da aludida quota.
A questão das tornas ficou definitivamente decidia no inventário, quer quanto à determinação dos titulares do direito, quer quanto ao seu valor e á determinação dos obrigados ao respetivo pagamento.
A sentença que julga a partilha constitui título executivo quanto às dívidas reconhecidas, para o efeito dos credores exigirem, pelos meios competentes, o pagamento que lhes é devido. De igual modo, o beneficiário de tornas pode exigir o seu pagamento ao respetivo devedor e, não sendo efetuado o depósito, o credor de tornas pode:
a) Pedir que das verbas destinadas ao devedor lhes sejam adjudicadas, pelo valor constante da informação prevista no artigo 1376.°, as que escolherem sejam necessárias para preenchimento das suas quotas, contanto que depositem imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenham de pagar; ou
b) Pedir que, transitada em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo a venda dos bens, adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas (art.º 1378º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil).
Esta venda tem sido qualificada mesmo como uma forma de execução especial enxertada no processo especial de inventário, destinada à venda, no próprio processo de inventário, dos bens adjudicados ao devedor e até onde seja necessário para pagamento do seu débito ao requerente, cujo início processual (fase executiva) tem lugar com o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha no inventário de tal incidente executivo simplificado, ainda que se deva considerar que a tramitação deste processo executivo destinado a dar realização material coativa ao crédito de tornas, deve seguir a disciplina de qualquer outra execução decorrente da sentença de partilhas que devesse ser instaurada após o trânsito em julgado dessa sentença, iniciando-se tal processo após despacho judicial a ordenar a venda do bem adjudicado, sem necessidade de qualquer prévio requerimento, em respeito pela legislação processual que vigore nessa data. [8]
Se nada requerer no inventário, nem por isso o credor de tornas fica impedido de instaurar execução comum para cobrança coerciva do seu crédito logo que transite em julgado a sentença homologatória da partilha.
Já Lopes Cardoso defendia que o então vigente Código de Processo Civil não regulava especialmente a execução das sentenças de partilhas. Mas que era óbvio que tais sentenças se incluem no art.º 46.°, al. a), pois são sentenças condenatórias e foi para abranger nesta designação as que impõem a alguém determinada responsabilidade expressa ou tacitamente, e não só as proferidas em ação de condenação, que neste preceito se substituiu a expressão «sentenças de condenação» pela que nele se contém. E fez notar ainda que os fundamentos da oposição à execução só podem ser os que se preveem no art.º 813º do mesmo código.[9]
Os próprios AA. reconhecem que os 1ºs e 3ºs RR. instauraram execuções (proc.s nº s 406-A/2001 e 406-B/2001) contra eles tendo em vista cobrar os respetivos créditos de tornas, e insurgem-se contra o facto.
Todavia, além de se esquecerem que aqueles exequentes dispõem do título executivo formado pela sentença homologatória do mapa da partilha, e que, por isso, são efetivamente devedores das tornas ali fixadas, esquecem-se também que deveria ser em cada uma dessa execuções que, por oposição, nos termos dos art.ºs 813º e 814º deveriam ter invocado qualquer fundamento que obstasse à sua prossecução. Se não o fizeram, terá sido porque a questão das benfeitorias poderia e deveria ter sido tratada no processo de inventário. Não o tendo feito naquele lugar próprio, só um facto posterior poderia conduzir à modificação da sua obrigação ou ao impedimento, em alguma medida, das execuções, nos termos da al. g) do citado art.º 814º, preceito que já então previa taxativamente as causas de oposição à execução baseada em sentença.
Quer com isto dizer-se que, não atestando os AA. procedência na oposição àquelas execuções, nem estando desobrigados de pagar as tornas fixadas no inventário, não podem obstar à força do respetivo título executivo --- o mapa da partilha homologado por sentença transitada em julgado ---, nem ao normal prosseguimento dos processos destinados ao respetivo pagamento coercivo.
Os valores fundamentais de segurança e certeza impõem que a parte não se possa eximir às consequências processuais decorrentes da decisão transitada em julgado.
Não é por isso que deixa de poder vir a ser reconhecido o direito dos AA. a benfeitorias, seja pelo valor encontrado na ação nº 4043/04.7TBBCL, seja pelo valor agora invocado ou qualquer outro cuja efetividade possa ainda, eventualmente, ser defendida. Mas como não esse o fim da presente ação, mas o de que seja reduzido o valor das tornas a pagar aos demandados, é evidente que esta não pode proceder. É que o tribunal está vinculado pelo pedido da ação (princípio do pedido): “…sendo os RR. condenados a isso reconhecerem que, …apenas tem direito a receber de tornas a quantia de …€, e mais nenhum outro qualquer valor, nomeadamente o quanto reclamam nos autos de execução nº 406-A/2001 e 406-B/2001, também deste Tribunal”.
Não podem os AA. conseguir aqui --- para mais com execuções pendentes para cobrança de tornas --- o efeito que teriam conseguido se tivessem usado de normal diligência no inventário. Assim como não será por via da presente ação declarativa que os AA. poderão travar as ditas execuções.
E se nada aponta no sentido de que 1ºs e 3ºs RR. não usaram legitimamente do processo executivo, naufragando o pedido principal desta ação, devem improceder também os pedidos de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que os AA. formularam secundariamente, dependentes que estão da procedência daquele.
Termos em que a sentença recorrida merece confirmação.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do atual Código de Processo Civil)
I- Os donatários de um bem imóvel objeto de partilha em inventário que nele tenham feito benfeitorias, têm direito ao seu levantamento e, não sendo isso possível, direito a deduzir o respetivo valor pelo valor do benefício que trouxeram ao prédio, segundo as regras do enriquecimento sem causa.
II- O inventário é o lugar próprio para o efeito, caso em que o mapa da partilha contemplará a situação.
III- Não tendo os donatários invocado o seu direito a benfeitorias no inventário até ao trânsito em julgado da sentença homologatória do mapa da partilha, não ficam impedidos de vir a invocar e provar esse seu direito por meio adequado e em momento posterior, mas não podem obstar aos efeitos daquela sentença, enquanto título executivo, designadamente quando está em causa a cobrança coerciva do valor das tornas, maxime quando pendem já execuções e a elas se não opuseram com os fundamentos previstos no quadro dos art.ºs 813º e 814º do Código de Processo Civil.
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IV.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pelos apelantes.
Guimarães, 27 de março de 2014
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida
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[1] Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho.
[2] Partilhas Judiciais, Almedina 1990, vol. I, pág. 43.
[3] J. A. Lopes Cardoso, idem, vol. II, pág. 33, citando, designadamente, alguma jurisprudência.
[4] Acórdão da Relação do Porto de 7.5.2013, proc. 3434/10.9TJVNF.P2, in www.dgsi.pt.
[5] Sê-lo-ia, obrigatoriamente, se o direito estivesse invocado e reconhecido (nesse caso também avaliado).
[6] Julgada por sentença, a partilha atribui aos respetivos interessados o direito de propriedade, em toda a sua extensão, relativamente a esses bens, e dá-lhes as garantias inerentes ao reconhecimento desse direito (Lopes Cardoso, ob. cit. Vol. II, pág. 527.
Em consequência da partilha fica reconhecida a propriedade exclusiva dos respetivos bens e cada um dos herdeiros fica exercendo, em relação a eles, os mesmos direitos que detinha o autor da herança. E esse direito exerce-se contra os demais interessados. Donde a legitimidade para executar a sentença de partilhas destinada a fazer entrar no património próprio os bens e rendimentos que o cabeça-de-casal não haja voluntariamente entregue (idem).
[7] L. Cardoso, ob. cit., pág.s 359 e 360.
[8] Cf. acórdão da Relação de Coimbra de 19.9.2006, proc. 66-G/2000.C1, in www.dgsi.pt.
[9] Ob. cit., vol. II, pág. 535.