Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2621/12.0TBBCL-B.G1
Relator: MANSO RAÍNHO
Descritores: DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
ALIMENTOS PROVISÓRIOS
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: O facto de os cônjuges terem declarado, em sede de divórcio por mútuo consentimento, prescindir de alimentos, não impede qualquer deles de, alegando a alteração das circunstâncias, exigir a fixação judicial de alimentos.
Decisão Texto Integral: Processo nº 2621/12.0TBBCL-B.G1
Apelação

Tribunal recorrido: Tribunal da Comarca de Barcelos, 2º Juízo Cível


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Acordam em conferência na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

C… intentou, pelo 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos e por apenso aos competentes autos de divórcio, procedimento cautelar de alimentos provisórios contra seu ex-cônjuge, A…, requerendo a fixação de uma pensão mensal de €500,00.
Alegou, em síntese, que foi casada com o Requerido, tendo o casamento sido dissolvido por sentença de 8 de janeiro de 2013. Sucede que a partir do mês seguinte ficou privada, aliás por razão decorrente de ação do Requerido, do rendimento que até então vinha auferindo. Necessita por isso da pretendida pensão, sendo que o Requerido está em condições de a suportar.
O tribunal entendeu, porém, que se verificava a exceção do caso julgado, obstativa do seguimento do processo. Aduziu para o efeito que nos autos de divórcio os cônjuges haviam declarado prescindir reciprocamente de alimentos, o que fora homologado por sentença transitada em julgado.
Em consequência, o tribunal absolveu o Requerido da instância.

Inconformada com o assim decidido, apela a Requerente.

Da respetiva alegação extrai as seguintes conclusões:

1. Não pode a ora Recorrente conformar-se, de maneira alguma, com a decisão do Tribunal “a quo”, que julgou verificada a exceção de caso julgado.
2. Na ação principal, em que os autos de divórcio litigioso se converteram em divórcio por mútuo consentimento, foi pelos cônjuges declarado que prescindiam mutuamente de alimentos.
3. Tal acordo foi homologado por sentença já transitada em julgado.
4. Entendendo assim o Meritíssimo Juiz que a pretensão da requerente nestes autos é oposta aquela.
5. Salvo melhor opinião entendemos, que não se verificam os pressupostos do art. 581.º do CPC.
6. Porquanto, embora se aceite que as partes sejam as mesmas, já não podemos aceitar que exista identidade de pedido, nem de causa de pedir.
7. O pedido na ação de divórcio que correu os seus termos era a dissolução do matrimónio, enquanto que na presente ação o que se pretende é o pagamento de uma pensão de alimentos.
8. Não existe correspondência entre os efeitos jurídicos pretendidos, logo não se verifica identidade do pedido.
9. Também não existe qualquer identidade da causa de pedir, porquanto, os factos com relevância jurídica, são diferentes numa ação e noutra.
10. Basta atentar nos factos alegados nos presentes autos, para se concluir que a maior parte deles são supervenientes à própria dissolução do matrimónio.
11. Importa também referir que a decisão recorrida é contrária à Jurisprudência dominante.
12. Aliás, conforme se pode constatar pelo leitura do Ac. RL de 17-11-2011, disponível in www.dgsi.pt.
13. Entendemos assim que o facto de a requerente ter prescindido da prestação de alimentos aquando do divórcio por mútuo consentimento, não pode agora impedi-la de a reclamar do ex-cônjuge.
14. Pois que, o direito a alimentos é irrenunciável (art.º 2008.º n.º 1 do Código Civil).
15. A decisão recorrida é inválida porque faz uma interpretação e aplicação erradas dos normativos legais constantes dos art.s 580.º, 581.º, 576.º, 577.º, al. i) todos do CPC.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, tendo-se sempre presentes as seguintes coordenadas:
- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;
- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

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É questão única a conhecer a de saber se se verifica a aludida exceção do caso julgado.

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Plano Fatual:

Damos aqui por reproduzidas as incidências fático-processuais acimas indicadas.

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Plano Jurídico:

Não podemos subscrever a decisão recorrida.
Justificando:
Está em causa um pedido (cautelar) de alimentos.
É certo que no contexto do divórcio os ora Requerente e Requerido declararam prescindir de alimentos.
Também se mostra, isto de acordo com o que se retira do teor da decisão recorrida, que essa declaração foi homologada (embora irrelevante para o caso, sempre diremos que uma tal declaração vale como declaração de ciência e não como acordo [declaração de vontade] homologável; o que é suposto ser homologado é o acordo efetivamente estabelecido quanto a alimentos, não o contrário desse acordo, que é precisamente a declaração de ciência dos cônjuges no sentido de que não foi necessário celebrar o acordo).
A dita homologação impede, em termos de exceção de caso julgado (é nesse figurino que vem estruturada a decisão recorrida, não no figurino de autoridade do caso julgado), que a Requerente se apresente a reclamar alimentos do ex-cônjuge?
Claro que não.
Pois que em matéria de alimentos, o que possa ter sido anteriormente decidido ou homologado pelo tribunal não impede nova reponderação, posto que ocorram razões supervenientes.
Di-lo expressamente o art. 2012º do CC. E o mesmo se infere do art. 936º nº 4 do CPC.
Trata-se aqui de uma exceção ao princípio geral da imodificabilidade das decisões judiciais, que é como quem diz, de uma exceção à força e autoridade do caso julgado.
E a circunstância de não se estar in casu perante uma alteração de alimentos anteriormente fixados, mas bem perante uma primeira fixação (o que aliás só mostra que, bem vistas as coisas, e contra o suposto na decisão recorrida, sempre faltaria a identidade de pedido e de causa de pedir necessária à verificação da exceção do caso julgado), não altera os dados da questão.
Concordantemente com tudo isto, diz-se no acórdão desta RG de 7 de maio de 2003 (Col Jur, 2003, III, p. 280), que no caso dos alimentos não pode opor-se a autoridade do caso julgado, podendo a obrigação correspetiva ser sempre alterada se as circunstâncias se modificarem supervenientemente. E no acórdão da RP de 17.11.2011 (www.dgsi.pt), aliás citado pela Apelante, afirma-se que a circunstância de o cônjuge ter prescindido da prestação de alimentos aquando do divórcio por mútuo consentimento não o impede de os reclamar no futuro.
Ora, a requerente alega factos de que decorre que a suposta necessidade é superveniente ao divórcio. Donde, mesmo que, no limite, se entenda que a atividade judicial desenvolvida nos autos de divórcio foi suscetível de produzir algum tipo de caso julgado em matéria de alimentos, nada impede (entenda-se: em termos de caso julgado) que o presente procedimento cautelar tenha o seu seguimento.
Procede pois a apelação.

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Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação, revogando o despacho recorrido e determinando o seguimento do procedimento cautelar como ao caso competir.

Regime de custas:

Sem custas de recurso.

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Sumário (art. 663º nº 7 do CPC):
O facto de os cônjuges terem declarado, em sede de divórcio por mútuo consentimento, prescindir de alimentos, não impede qualquer deles de, alegando a alteração das circunstâncias, exigir a fixação judicial de alimentos.

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Guimarães, 8 de maio de 2014
José Rainho
Carlos Guerra
José Estelita de Mendonça