Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | CONCEIÇÃO BUCHO | ||
Descritores: | DIVÓRCIO PARTILHA CASA DA MORADA DE FAMÍLIA COMPENSAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/26/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECCÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. Na fixação do regime provisório (de atribuição da casa de morada de família), antecâmara do definitivo, deve atender-se às circunstâncias relativas à atribuição da casa da morada de família previstas nos arts. 1793º, nº 1, do CC (para a casa de morada de família de propriedade comum ou só de um deles) e 1105º, nº 2, do mesmo diploma (para a casa de morada de família arrendada) com excepção das que só podem ser consideradas no âmbito dessa atribuição e resultem da sentença de divórcio. 2. E deve ser atribuída uma compensação ao outro cônjuge, pois sendo a casa um bem comum de ambos os cônjuges, não seria justo que se beneficiasse um deles (o cônjuge que fica com o direito de utilizar provisoriamente a casa de morada de família) sem compensar o outro da privação do uso e fruição de um bem que também lhe pertence. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães. Proc. n.º 101/12.2TMBRG.G1 I – AA…. instaurou a presente ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge contra BB… pedindo que seja decretado o divórcio entre autora e réu com fundamento na rutura definitiva do casamento por força do comportamento do réu para com a requerente. Na conferência a que alude o artigo 931º do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), não foi possível a conciliação das partes mas sim a conversão dos autos para divórcio por mútuo consentimento, tendo sido obtidos os acordos relativos a pensão de alimentos e à regulação do poder paternal. Os autos prosseguiram apenas quanto à atribuição da casa de morada de família e, efectuado o julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu: Por tudo quanto ficou exposto, decido: - julgar a ação procedente e, em consequência, - decretar a dissolução, por divórcio por mutuo consentimento, do casamento celebrado em 6.12.1981 entre AA e BB. - atribuir a casa de morada de família ao Réu até à partilha mediante o pagamento de uma renda que se fixa em €170 mensais à Autora. Inconformada a autora interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões: 1. Não pode a Apelante concordar com a sentença proferida no que toca à atribuição da casa de morada de família, porquanto com a mesma, o tribunal a quo não fez justiça! 2. O imóvel ora em discussão encontra-se mal identificado, visto que é referido Que o mesmo está inscrito na matriz sob o art, 496.°, quando à data da sentença o mesmo havia dado lugar ao artigo 500 que novamente deu lugar ao art. 800. 3. Não andou bem o tribunal a quo quando atribuiu o estado de casada à filha da Apelante e Apelado, pois que nada nos autos atesta esse estado civil, até porque seria de todo impossível, visto que efetivamente se encontra no estado de unidade de facto. 4. Lê-se ainda na sentença da qual se recorre, que o valor das benfeiforias é de 139.640 €) o que está em perfeita contradição com as conclusões do relatório de avaliação de Eng. Manuel. 5. Não se vislumbra fundamento para que o tribunal a quo dê como provado que o Réu tenha um encargo mensal de 300,00 € com água, luz e gás, porquanto) relativamente à alegada fatura da água, 110 valor de 80,04 €, a mesma diz respeito ao serviço prestado ao longo de 6 meses, fornecimento de água, que dividido em partes iguais perfaz a quantia de 13,34 € mensais. S. O mesmo se dirá relativamente à fatura de eletricidade que contempla um período de faturação que se localiza entre 15.12.2012 e 15.02.2013, do que resulta que o encargo mensal jamais será superior a 118,21€. 7. É deveras importante atender ao facto da fatura estar incompleta, encontrando-se omissa a faturação discriminada, o que impede obter plena certeza de que nessa data nenhuma fatura anterior se encontrava com pagamento em atraso ou simplesmente tenham ocorrido acertos na contagem. a. Deste modo, é possivel concluir que o Réu tem um encargo médio mensal com água, luz e gás de 131,55 €, muito aquém dos 300,00 tidos como provados pelo tribunal a quo. 9. O tribunal a quo, se no art. 6.° do elenco dos factos provados escreve que, j. (. • .) O Réu exerce as funções de encarregado de 1. e (. . .) com um salário base de €820, a que acrescem duodécimos do subsídio de natal e férias ( . .) li, na fundamentação pode ler-se "o Réu trabalha como encarregado de obra auferindo €820 já com os subsídios de férias e natal pagos em duodécimos {. .. )", verificando-se assim um erro crasso de apreciação. 10. Verifica-se assim que o tribunal a quo dá como assente que o Réu aufere 820,00 € de salário base acrescido dos subsidias de natal e férias, sendo que posteriormente refere que esse montante já contempla os duo décimos de ambos os subsídios, o que por si só implica concluir que 11Não aceita a Apelante o seguinte entendimento do tribunal a quo: “ (…) a autora já vive há um ano, num apartamento arrendado em nome da irmã, sendo esta que lhe paga a renda do imóvel, acabando assim por resultar que as suas condições económicas resultam superiores às do Réu. (…) ”. 12Se é um facto que uma das irmãs da Autora tem vindo a fazer face às despesas com o arrendamento do imóvel onde a Apelante reside, desse facto não pode resultar que se encontre liberta desse pagamento, porquanto mantém a obrigação de restituir as quantias pagas pela irmã, assim como assumir a posição de arrendatária. 13É inconcebível que estando uma pessoa a viver à custa da caridade alheia, que se possa entender que tem melhores condições económicas do que outra que por si só consegue fazer face às suas despesas. 14A Apelante não acolhe a posição do tribunal a quo quando afirma o seguinte “ (…) Já o Réu vive com a filha e o genro (…) pagando as despesas da casa, no que deverá ser auxiliado pelos ditos membros do agregado. (…) ”. Ora se é auxiliado pela filha e companheiro desta, os encargos mensais que apresenta deverão ser divididos pelos três, bem assim como devem ser incluídos na apreciação os vencimentos de todos os elementos, tendo a Apelante conhecimento de que a sua filha tem um rendimento anual de 6.383,00 € e o seu companheiro um rendimento anual de 5.892,00 €, €, sendo de todo conveniente, a fim de aferir os rendimentos do agregado familiar do Apelado, a junção das declarações de IRS da respetiva filha e do companheiro da mesma, o que desde já se requer. 15 Não pode a Apelante conformar-se com o entendimento consagrado na sentença, quando afirma que “ (…) temos assim por certo que a deslocação do Réu implicará que tenha que arrendar um apartamento maior onde coubessem as três pessoas que compõem atualmente o agregado familiar (…) ”. A Autora em momento algum referiu ou sequer indiciou que o seu regresso para a casa de morada de família teria como consequência “despejar” a própria filha, sobretudo porque não é de todo essa a sua vontade, pelo que não pode utilizar um argumento que não foi objeto de prova nem resulta dos autos. 16.Não pode a Apelante concordar com o entendimento do tribunal a quo no que toca à possibilidade da mesma beneficiar do auxílio da família e não cogitar essa possibilidade relativamente ao Apelado, sobretudo porque tem também uma família alargada, nomeadamente a filha e respetivo companheiro com quem vive, à data, encontrando-se ambos empregados, tal como refere o Apelado no art. 48.º do seu requerimento com a Ref.ª n.º 13173687. 17 Deste modo, não andou bem o tribunal a quo em decidir pela atribuição da casa de morada de família ao Apelado, sendo que a mesma deveria ter sido atribuída à Apelada. 18Ainda que assim não se tivesse entendido, o valor atribuído à renda teria sempre de ser superior ao atribuído, em montante nunca inferior a 300,00€ (Trezentos Euros), atento o facto de se tratar de um prédio misto, com acabamentos de qualidade média, com equipamentos de qualidade e conforto e com uma área de vinha e pomar de 1856 m2. O recorrido contra-alegou e recorreu subordinadamente apresentando as seguintes conclusões de recurso: II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -. ** A recorrente impugna a matéria de facto que consta dos n.ºs 2, 3, 6, 10 (da sentença) e ainda quanto ao n.º 1 no que respeita à identificação do prédio. Nos termos do n.º 1 do art.º 662 do CPC, a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. ** A recorrente insurge-se quanto ao facto de ter sido atribuído ao recorrido a casa de morada de família. Entende que há contradição entre os factos dados como provados e a fundamentação da sentença. Analisada a sentença não vemos que se verifique qualquer contradição no que respeita aos rendimentos do recorrido. Na fixação do regime provisório (de atribuição da casa de morada da família), deve atender-se às circunstâncias relativas à atribuição da casa da morada de família, previstas nos artigos 1793º, nº 1, do Código Civil (para a casa de morada de família de propriedade comum ou só de um deles) e 1105º, nº 2, do mesmo diploma (para a casa de morada de família arrendada) com excepção das que só podem ser consideradas no âmbito dessa atribuição e resultem da sentença de divórcio. A formulação é praticamente idêntica “…nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal” na 1ª hipótese, e “…necessidade de cada um, os interesses dos filhos e outros factores relevantes”, na 2ª situação. Como refere P. Coelho (D. Família, Vol. I, 4ª Ed., págs. 680/681) o objectivo da lei não é o de castigar o culpado ou premiar o inocente, como não é o de manter na casa de morada de família, em qualquer caso o cônjuge ou ex-cônjuge que aí tenha permanecido após a separação de facto, mas o de proteger o cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela, que mais será atingido pelo divórcio ou separação quanto à estabilidade da habitação familiar, cônjuge ou ex-cônjuge ao qual, porventura, os filhos tiverem ficado confiados. Prosseguindo, elucida que o 1º factor a considerar – a situação patrimonial dos cônjuges ou ex-cônjuges – se trata de saber quais são os rendimentos e proventos de um e outro, assim como os respectivos encargos. No que se refere aos interesses dos filhos, há que saber a qual dos cônjuges ou ex-cônjuges ficou a pertencer a guarda dos filhos menores no processo de regulação do exercício do poder paternal, e se é do interesse dos filhos viverem na casa que foi do casal com o progenitor a quem foram confiados. Haverá que atender ainda a outros factores relevantes, como a idade e o estado de saúde dos cônjuges, a localização da casa relativamente ao local de trabalho de um e de outro, ou da escola frequentada pelos filhos, acrescentamos nós, de algum deles dispor de outra casa em que possa estabelecer a sua residência (vide págs. 681/682). No mesmo sentido pode conferir-se, igualmente, A. Varela, CC Anotado, Vol. IV, 2ª Ed., nota 2. ao artigo 1793º, pág. 570/571, e Vol. II, 4ª Ed., nota 4. ao artigo 84º do antigo RAU, pág. 650/651). No caso concreto resulta da matéria de facto apurada (factos 2., 5,6, 7, a 14) que a recorrida saiu da casa de morada de família passou a habitar noutro prédio, que na mesma habita o recorrido com a filha, o companheiro desta e uma filha destes, que, como se refere na sentença recorrida, ambos gozam de uma situação económica semelhante, pelo que não se vê qualquer razão para alterar esta situação Ponderando todos os factores referidos e circunstâncias apontadas ressalta que não se deve alterar a situação de facto que se tem vindo a manter atribuindo a casa de morada de família ao recorrido até à partilha de bens e à decisão definitiva. ** Recurso subordinado Pretende o réu, aqui recorrente, que deve ser alargada a matéria de facto no sentido de serem acrescentados factos, nomeadamente, que foi a recorrente/autora quem abandonou a casa de morada de família Pretende ainda ver alterado o valor da renda que lhe foi imposta . Conforme consta dos autos, a própria recorrente/autora admite que saiu da casa de morada de família. No entanto, tal facto não tem qualquer relevância para a decisão, uma vez que não estão em causa os factos relevantes para o divórcio, mas apenas a atribuição provisória da casa de morada de família. E quanto a esta, de acordo com o disposto no citado artigo 1793º, pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal. Nos termos do n.º 2 o arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem. São questões diferentes a da atribuição provisória da casa de morada de família durante o período da pendência do processo e a relativa à atribuição da casa de morada de família depois do divórcio, regulada no art. 1793.º, caso se trate de casa própria. A questão que se coloca é se em sede de atribuição provisória da dita casa de morada de família, não se deve fixar qualquer compensação pela sua atribuição exclusiva ao cônjuge que o Tribunal, realizadas as diligências que considerou necessárias, entender dela mais carecer. Como refere o STJ “ sem embargo de haver agora que se reconhecer que, face ao trânsito em julgado da sentença, na parte que decretou o divórcio, e por efeito deste, cessaram as relações patrimoniais entre os cônjuges (art. 1688.º do CC), o certo é que, até à partilha, se mantém a chamada comunhão de mão comum ou propriedade colectiva (contitularidade de direitos reais), desaparecida que foi a razão de ser do regime específico instituído para o património comum dos ex-cônjuges, com aplicação à mesma das regras da compropriedade (art. 1404.º do CC) – Ac. do STJ de 26/04/2012, em www.dgsi.pt. Também e como se refere no Ac da Relação do Porto de 11 de Março de 2014, em www.dgsi.pt “No caso dos autos não se tratará propriamente de uma renda, mas antes de uma compensação ao outro cônjuge, pois sendo a casa um bem comum de ambos os cônjuges, não seria justo que se beneficiasse um deles (o cônjuge que fica com o direito de utilizar provisoriamente a casa de morada de família) sem compensar o outro da privação do uso e fruição de um bem que também lhe pertence”. Tendo em conta o que ficou referido, concordamos com a sentença recorrida pois sendo atribuído provisoriamente a casa ao réu, deve este pagar à autora uma compensação, pois a autora vê-se privada desse bem, concordando com o montante fixado. Improcede, deste modo, o recurso subordinado e o recurso da autora quando pretende que esse montante deve ser superior. Em síntese: na fixação desse regime provisório, antecâmara do definitivo, deve atender-se às circunstâncias relativas à atribuição da casa da morada de família, previstas nos arts. 1793º, nº 1, do CC (para a casa de morada de família de propriedade comum ou só de um deles) e 1105º, nº 2, do mesmo diploma (para a casa de morada de família arrendada) com excepção das que só podem ser consideradas no âmbito dessa atribuição e resultem da sentença de divórcio E deve ser atribuída uma compensação ao outro cônjuge, pois sendo a casa um bem comum de ambos os cônjuges, não seria justo que se beneficiasse um deles (o cônjuge que fica com o direito de utilizar provisoriamente a casa de morada de família) sem compensar o outro da privação do uso e fruição de um bem que também lhe pertence. III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar as apelações improcedentes e, em consequência, confirmam a sentença recorrida. Custas dos recursos pelos apelantes. Guimarães, 26 de Março de 2015. Conceição Bucho Maria Luísa Duarte Raquel Rego |