Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
226/11.1TCGMR.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: ASSOCIAÇÃO
INSTITUIÇÃO PRIVADA DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
ELEIÇÃO
TITULAR DE ÓRGÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/07/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - O direito de participação nos órgãos da associação existe por força da própria qualidade de associado e compreende, nomeadamente, o direito de eleger e ser eleito para os órgãos da associação, sendo, no entanto, lícito que os estatutos limitem este direito, desde que essa limitação não constitua manifesta discriminação.
2 – De acordo com o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social - artigo 57.º, n.º 4 - não é permitida a eleição de quaisquer membros por mais de 2 mandatos consecutivos para qualquer órgão da associação, salvo se a assembleia geral reconhecer expressamente que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição.
3 – Esta inconveniência na substituição há-de resultar claramente do sentido da votação efetuada na assembleia geral.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
M…, M…, J…, R…, M…, C…, R…, M…, G…, L…, A… e M… intentaram ação declarativa contra C… – Instituição Particular de Solidariedade Social pedindo que seja reconhecida e declarada a ilegalidade e invalidade da deliberação tomada na assembleia geral da ré de 26/11/2010, que permitiu que os corpos gerentes da ré se recandidatassem a um novo mandato e que seja reconhecida e declarada a ineficácia, ou, pelo menos, a nulidade de todos os actos consequentes ao referido acto inválido, nomeadamente do acto eleitoral destinado à eleição dos corpos sociais da ré, que se realizou no passado dia 8/01/2011, pelo menos na parte em que incorporou o sufrágio da lista A, bem como do subsequente acto da respetiva Tomada de Posse, com as legais consequências.
Contestou a ré, pugnando pela validade da deliberação em causa.
Dispensada a audiência preliminar, elaborou-se despacho saneador e definiu-se a matéria de facto assente e a base instrutória, com reclamação do réu, deferida.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou procedente a ação e, consequentemente, reconheceu e declarou a ilegalidade e invalidade da deliberação tomada na assembleia geral da ré de 26/11/2010, que permitiu que os corpos gerentes da ré se recandidatassem a um novo mandato e reconheceu e declarou a ineficácia de todos os actos consequentes ao referido acto inválido, nomeadamente, do acto eleitoral destinado à eleição dos corpos sociais da ré, que se realizou no dia 08/01/2011, bem como do subsequente acto da respetiva tomada de posse.
Discordando da sentença, dela interpôs recurso a ré, requerendo a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e finalizando as suas alegações, com as seguintes
Conclusões:
1.ª – A interpretação defendida na sentença recorrida sobre o normativo legal e estatutário alegadamente violado é excessiva e não conforme a realidade da instituição, incluindo a vivida na assembleia geral onde foi produzida a deliberação agora tornada inválida.
2.ª – Na assembleia em causa todos os associados ficaram a perceber que a Direção teria de obter uma especial autorização da assembleia geral para se poder recandidatar a novo mandato.
3.ª – Quando na proposta da Direção se refere que existem investimentos importantes a levar a efeito e que o sucesso da instituição depende em parte da Direção, está-se a dizer, de forma expressa, clara e sem dúvida, que é importante para os destinos da instituição que aquela Direção se recandidate.
4.ª – Não é possível discutir um assunto sem discutir o outro, ou seja, quando a assembleia geral autorizou a Direção a se recandidatar, com base nas razões por esta avançadas, sabia que era uma autorização excecional que estava a dar e sabia que era inconveniente para a instituição aquela Direção não continuar a liderar a instituição.
5.ª – O juízo formulado pelos associados é explícito, e não tácito, pois a autorização tem subjacente a inconveniência que a lei exige e que se verificaria se a Direção não se pudesse recandidatar.
6.ª – Importa ainda não esquecer que este tipo de instituição da sociedade civil é composta por cidadãos que não possuem qualquer tipo de preparação ou conhecimentos técnicos sobre questões jurídicas, não se podendo exigir aqui o rigor que se exigirá a quem os possuir.
7.ª – A minúcia e o detalhe que a sentença recorrida apontam como faltando na deliberação em questão são excessivos em face da intenção da norma e da forma como decorreu a assembleia geral.
8.ª – Os recorridos, que estiveram presentes na assembleia geral, votaram contra pois perceberam bem o que estava em causa.
9.ª – O que resulta da acta da assembleia geral em causa é que os associados sabiam que era necessária uma autorização para a Direção se recandidatar e que esta (autorização) incorporava a sua vontade e o seu interesse em que seria inconveniente pata a instituição se a recandidatura não acontecesse.
10.ª – Ao declarar a ilegalidade e a invalidade da deliberação de 26.10.2010 a sentença recorrida interpretou incorretamente o artigo 57.º n.º 4 do DL n.º 119/83, de 25.02 e o artigo 20.º, n.º 1 dos estatutos da recorrente, os quais se mostram assim violados.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que julgue válida a deliberação de 26.11.2010.

Os autores contra alegaram, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A única questão a resolver traduz-se em saber se a deliberação da assembleia geral da ré de 26 de novembro de 2010, por via da qual foi admitida a recandidatura dos membros dos seus órgãos sociais do triénio 2008/2010 a um novo mandato correspondente ao triénio 2011/2013 é inválida.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
1.- Os Autores são - todos eles - sócios da Ré C… (sócios n.ºs 705, 635, 920, 32, 464, 570, 481, 1058, 879, 875, 1064 e 487, respetivamente), com inscrição em vigor, tendo sido a primeira Autora igualmente candidata ao cargo de Presidente da Direção da Ré, encabeçando a lista “B”, no acto eleitoral destinado à eleição dos corpos sociais da Ré para o triénio 2011/2013, o qual veio a realizar-se no passado dia 08 de janeiro de 2011, pelas 16h00, na sede da Ré (al. A dos factos assentes).2.- A Ré é uma instituição particular de solidariedade social, cujo âmbito de ação abrange a freguesia de… e freguesias limítrofes do concelho de Guimarães e que, de acordo com os respetivos estatutos, tem por objeto principal:
a) criar e administrar serviços de apoio a idosos, designadamente centros de dia, centros de ocupação de tempos livres (cultura, desporto, música) e serviços de apoio domiciliário;
b) criar e administrar serviços de apoio à primeira infância, designadamente serviços de creche, de jardim de infância, centros de ocupação de tempos livres (cultura, desporto, música, informática) e serviço de cantina;
c) criar e administrar um serviço de apoio comunitário, com vista a contribuir para a eliminação de situações de pobreza a nível local, designadamente, apoio a desempregados, apoio a jovens em vias e/ou de exclusão social;
d) promover ações e campanhas de sensibilização/informação junto da população em geral;
e) promover formação profissional adequada às suas atividades e fins (al. B dos factos assentes).
3.- A Ré foi constituída em Fevereiro de 1998 e passou a beneficiar do estatuto jurídico de instituição particular de solidariedade social e de pessoa coletiva de utilidade pública a partir de 8 de Maio de 1998, data do respetivo registo (al. C dos factos assentes).
4.- Realizou-se no passado dia 08 de Janeiro de 2011, pelas 16h00, a eleição dos corpos sociais da Ré para o triénio 2011/2013 (al. D dos factos assentes).
5.- Para esse ato eleitoral foram admitidas como candidatas duas listas, a saber, a lista A, que foi encabeçada pelo sócio J…, o qual ocupava e ocupa, atualmente, o cargo de presidente da direção da Ré, e a lista B, a qual foi encabeçada pela primeira Autora, M… (al. E dos factos assentes).
6.- Os anteriores (e agora atuais) membros dos corpos gerentes da Ré, C…, IPSS, vêm exercendo, praticamente todos eles, funções durante quatro mandatos consecutivos, isto é, nos triénios 1999/2001, 2002/2004, 2005/2007 e 2008/2010, designadamente, pelo menos 8 dos 11 membros efetivos que integraram a Lista A para a eleição dos órgãos sociais da Ré, do transato dia 8 de Janeiro (todos os propostos para a Direção: J…, A…, A…, M… e R…; R…, proposto para a Assembleia Geral; e G… e A…, propostos para o Conselho Fiscal), integraram já os órgãos sociais da Ré pelo menos nos dois mandatos anteriores, consecutivos (2005/2007 e 2008/2010) e até nos anteriores a estes (al. F dos factos assentes).
7.- No transato dia 03 de Novembro de 2010 foi publicada uma convocatória na sede da Ré, por via da qual os associados foram convocados para uma assembleia geral ordinária, a realizar no dia 26 de Novembro de 2010, pelas 20h00, no Salão Polivalente do C… (al. G dos factos assentes).
8.- Desse aviso convocatório constava a seguinte ordem de trabalhos:
“1. Apreciação e votação do plano de actividade e orçamento para o ano 2011;
2. Marcação da data para eleições dos corpos sociais do C… para o triénio de 2011 a 2013;
3. Outros assuntos” (al. H dos factos assentes).
8.- Na referida assembleia geral - cuja ata consta 62 a 68, aqui se dando por integralmente reproduzido o seu teor - foi deliberada a aprovação da autorização de candidatura dos então corpos gerentes da ré ao sufrágio eleitoral para o novo mandato referente ao triénio de 2011/2013, aprovação essa obtida na sequência de uma votação de 21 votos a favor e de 17 votos contra (al. I dos factos assentes).
9.- Na assembleia geral realizada não estavam presentes ou representados todos os associados da ré no pleno gozo dos seus direitos sociais (al. J dos factos assentes).
10.- Na referida votação participaram alguns associados e membros dos anteriores e (agora atuais) corpos gerentes que integraram Lista A apresentada a sufrágio, nomeadamente, e entre outros, pelo menos o então Presidente da Assembleia Geral, R…, atual 1.º Secretário daquela, e todos os anteriores membros da Direção da Ré, todos eles candidatos aos mesmos lugares na eleição realizada em 8 de Janeiro de 2010 (al. K dos factos assentes).
11.- Por carta datada de 29 de Dezembro de 2010, constante de fls. 80, cujo teor se dá aqui por reproduzido, o mandatário da lista B, M…, arguiu junto do Presidente da Assembleia Geral do C… a “inconformidade verificada na lista A para as eleições para o C… para o triénio 2011/2013, pelo facto de, nos termos dos estatutos da ré, “os membros dos corpos gerentes só podem ser eleitos consecutivamente para dois mandatos para qualquer órgão da associação, sendo que, na referida lista A, mantêm-se elementos dos corpos gerentes. Verificando-se a possibilidade de proceder à sua substituição, considero que os Estatutos não conferem o direito à lista A de se apresentar a eleições. Aguardo que se reponha a legalidade neste processo eleitoral” (al. L dos factos assentes).
12.- O Presidente da Assembleia Geral da Ré viria a indeferir a arguição dessa ilegalidade, por decisão tomada em 30 de Dezembro de 2010, com os seguintes “fundamentos”: “Decidindo face às posições divergentes e consultando os estatutos e a própria deliberação da Assembleia dou razão ao exposto pelo mandatário da lista A não dando razão ao exposto pelo mandatário da lista B” (al. M dos factos assentes).
13.- O Presidente da Mesa divulgou aos sócios presentes que os anteriores corpos gerentes da Ré pretendiam submeter-se a sufrágio eleitoral para um novo mandato, referente ao triénio de 2011/2013 (resposta ao quesito 5.º).
14.- Submetido o pedido à votação dos sócios, viria ele a ser aprovado, tal como se alude em 8 (resposta ao quesito 6.º).
15.- No momento em que, na assembleia geral da Ré, se iniciou a discussão do terceiro ponto da ordem de trabalhos (“outros assuntos”), os associados presentes não se opuseram à inclusão nesse ponto da ordem de trabalhos da proposta a que se alude em 13 (resposta ao quesito 13.º).
16.- Tendo todos consentido na votação dessa proposta (resposta ao quesito 8.º).
17.- Na data da assembleia geral a que se alude em 8, não era pública a existência de lista concorrente à dos anteriores corpos gerentes da Ré (resposta ao quesito 12.º).
18.- Os Autores não alegaram que iriam constituir uma lista concorrente à dos anteriores corpos gerentes da Ré (resposta ao quesito 13.º).
19.- O argumento dos investimentos a realizar em 2011 foi dado a conhecer, nomeadamente, aos Autores (resposta ao quesito 16.º).
20.- No início do ano de 2011, a Segurança Social autorizou a Ré a proceder à abertura de um concurso público relativo à empreitada de ampliação do lar de idosos, do centro de dia e do serviço de apoio domiciliário, no valor de € 1.141.770,78, acrescido de IVA (resposta ao quesito 17.º).
21.- Concurso este que já foi até publicado no Diário da República, no passado dia 21 de Janeiro e cuja empreitada já está em execução (resposta ao quesito 18.º).
22.- Este concurso foi precedido de negociações com a Segurança Social, para obtenção dos apoios e, depois da sua aprovação, teve a Direção de negociar com a instituição bancária o financiamento da parte que lhe cabe (resposta ao quesito 19.º).
23.- Esta negociação foi efetuada com sucesso, mas tiveram todos os membros da Direção de garantir pessoalmente o cumprimento do financiamento, ou seja, tiveram todos de prestar o seu aval (resposta ao quesito 20.º).
24.- A referência a “investimentos importantes para 2011”, feita como justificação da proposta a que se alude em 13, dizia respeito à obra a que se alude em 20.º a 22.º (resposta ao quesito 21.º).
25.- A Ré, quando se constituíu em 1998, partiu do nada e, atualmente, tem instalações próprias, onde disponibiliza aos seus associados, nomeadamente, os seguintes serviços: creche, jardim-de-infância, ATL, lar de idosos, centro de dia e apoio domiciliário (resposta ao quesito 24.º).
26.- Tendo ao seu serviço, pelo menos, 98 funcionários e servindo cerca de 700 pessoas (resposta ao quesito 25.º).

Como vimos já, nestes autos está em discussão saber se a deliberação da assembleia geral da ré de 26/11/2010, por via da qual foi admitida a recandidatura dos membros dos seus órgãos sociais do triénio 2008/2010 a um novo mandato correspondente ao triénio 2011/2013, é inválida.
Pretendiam os autores obter a declaração de invalidade de tal deliberação, com base em três argumentos:
1.º - O facto de tal deliberação ter incidido sobre assunto que não constava da ordem de trabalhos da assembleia geral;
2.º - O facto de a deliberação em causa permitir a recandidatura dos membros dos corpos sociais da ré por mais do que dois mandatos consecutivos, sem que se verifiquem os requisitos estatutariamente exigidos para o efeito;
3.º - O facto de a deliberação em causa ter sido aprovada com votos de membros que se pretendiam recandidatar e, assim, com votos de pessoas sobre assuntos que diretamente lhes diziam respeito.
Entendeu-se, na sentença recorrida, que a deliberação em análise não padece do vício a que se refere o 3.º argumento e que, havendo abuso de direito atendível no caso, estava vedada aos autores a arguição da invalidade da deliberação com base no fundamento invocado no 1.º dos argumentos.
Contudo, a sentença recorrida declarou a ilegalidade e invalidade da deliberação em causa por considerar que a assembleia geral não reconheceu expressamente a impossibilidade ou a inconveniência de que se procedesse á substituição dos corpos gerentes, condição para que fossem admitidos estes corpos gerentes a um novo mandato. Considerou, portanto, que não estava legitimada a recandidatura da direção da ré para mais um mandato e que, como tal, a deliberação em causa, ao permitir uma recandidatura violando os limites impostos pelos estatutos, é inválida.
E é exatamente por considerar que a interpretação defendida na sentença recorrida sobre o normativo legal e estatutário alegadamente violado é excessiva e não conforme á realidade da instituição, incluindo a vivida na assembleia geral onde foi produzida a deliberação agora tornada inválida, que a ré interpõe o recurso que agora analisamos e com esse único fundamento.
Vejamos.
Uma associação é uma pessoa coletiva com personalidade e capacidade jurídicas (que lhe conferem a possibilidade de, independentemente dos seus membros, praticar actos e celebrar negócios jurídicos), configurada pela lei como uma entidade nova, criada pela vontade dos seus constituintes, mas distinta das pessoas que a integram, sendo objeto de direitos e deveres próprios que não se confundem com os dos associados – cfr. Manuel Vilar de Macedo, in “As Associações no Direito Civil”, Coimbra Editora, 2007, págs. 12 e 13.
O regime destas pessoas coletivas está consagrado no Código Civil que, no dizer do autor citado, teve a “sageza de subtrair as associações à tutela do Estado, reduzindo a intervenção deste ao estritamente necessário para garantir a ordem pública o e cumprimento da lei, assegurando, do mesmo passo, um modelo de funcionamento livre e democrático para as associações” – pág. 7 da obra citada.
No caso dos autos, estamos perante uma instituição particular de solidariedade social (IPSS), reguladas pelo DL n.º 119/83, de 25/02 (alterado pelos DLs n.º 89/85, de 01/04, n.º 402/85, de 11/10 e n.º 29/86, de 19/02), com estatuto de utilidade pública.
Para além do dever genérico de associação, os associados gozam de um conjunto de direitos perante a associação, constituindo o conteúdo necessário da qualidade de associado os direitos de participação nos órgãos da associação, de voto, de convocação e de participação na assembleia geral, de impugnação, de participação na atividade associativa, bem como o direito ao património associativo, podendo as associações configurar outro tipo de direitos nos seus Estatutos.
Relativamente ao direito de participação nos órgãos da sociedade, que é o que aqui nos interessa, deve dizer-se que este direito existe por força da própria qualidade de associado e compreende, “nomeadamente, o direito de eleger e ser eleito para os órgãos da associação” – pág. 25 da obra citada – sendo, no entanto, lícito que os estatutos limitem este direito, “desde que essa limitação não constitua manifesta discriminação”.
É da competência da assembleia geral a eleição dos titulares dos órgãos da associação, sendo esta, contudo, uma norma supletiva (cfr. artigo 170.º, n.º 1 do Código Civil), uma vez que os titulares dos corpos gerentes podem ser designados de outra forma. A prática, porém, como escreve o autor citado, a págs. 73, consagrou a eleição dos corpos gerentes de maneira quase universal e, havendo lugar à eleição, esta será necessariamente da competência da assembleia geral, que é composta pelo conjunto dos associados, aí residindo a sua soberania.
A prática seguida pela maioria das associações – conforme nos indica o autor e obra citada a fls. 86 – é a eleição por listas, não podendo uma lista apresentar-se a sufrágio em contravenção às normas legais e estatutárias que impõem regras relativas à constituição dos órgãos das associações.
É precisamente neste ponto que incide a questão que nos ocupa.
Com efeito, estabelece o artigo 57.º, n.º 4 do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social (DL n.º 119/83, de 25/02, com as alterações dos DLs n.ºs 89/85, de 01/04, 402/85, de 11/10 e 29/86 de 19/02) que “não é permitida a eleição de quaisquer membros por mais de 2 mandatos consecutivos para qualquer órgão da associação, salvo se a assembleia geral reconhecer expressamente que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição”.
Este artigo do Estatuto das IPSS encontra transposição no artigo 20.º dos Estatutos do C…, onde se pode ler: “Os membros dos corpos gerentes só podem ser eleitos consecutivamente para dois mandatos para qualquer órgão da associação, salvo se a assembleia geral reconhecer expressamente que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição”
Considerando que ficou provado que os anteriores (e agora atuais) membros dos corpos gerentes da ré vêm exercendo, praticamente todos eles, funções durante quatro mandatos consecutivos, designadamente, pelo menos 8 dos 11 membros efetivos que integraram a lista A para a eleição dos órgãos sociais da ré, integraram já os órgãos sociais da ré pelo menos nos dois mandatos anteriores, consecutivos e até nos anteriores a estes, põe-se a questão de saber se foi observada a exceção prevista naqueles normativos, para que estes membros dos corpos gerentes pudessem ser de novo eleitos.
Para responder a esta questão importa analisar o teor da acta, na parte correspondente.
Aí pode ler-se: “De seguida procedeu-se á apresentação de uma proposta onde diz que, atendendo a que o Regulamento da Direção da Instituição obriga à aprovação por parte da assembleia da candidatura para o mandato deste grupo de trabalho; que existem investimentos importantes a levar a efeito já no próximo exercício, tal como consta no Plano e Orçamento e que o sucesso da Instituição depende em grande parte desta equipa de trabalho; propõe a Direção que seja aprovada pela assembleia geral de sócios do C…, a autorização de candidatura desta mesma equipa de trabalho. Terminada esta apresentação foi posta à votação esta proposta, tendo como resultados 17 votos contra, zero abstenções e 21 votos a favor. Tendo sido aprovada por maioria relativa”
Entendeu o Sr juiz “a quo” que, de tal proposta e respetiva votação não resulta que a assembleia geral tenha reconhecido expressamente a inconveniência de proceder à substituição dos corpos gerentes.
Salvo o devido respeito por tal opinião, propendemos para o entendimento contrário.
É verdade que no texto em causa não consta a expressão “inconveniência” a que se referem os normativos supra citados.
Contudo, como é óbvio, a Direção cessante, conhecedora da limitação estatutária que dos mesmos derivava para a sua possível reeleição, pretendeu com tal proposta, dar cumprimento ao disposto naqueles artigos 57.º, n.º 4 do Estatuto das IPSS e 20.º do Estatuto da Instituição. De outra forma, não apresentaria qualquer proposta à assembleia geral e, na data aprazada para apresentação de candidaturas, apresentaria a sua própria lista.
Ao apresentar a proposta em causa á assembleia geral, claramente que pretende fazer uso da exceção contida na parte final daqueles artigos, no sentido de obter a autorização da assembleia geral para que pudesse recandidatar-se.
A assembleia geral ao votar favoravelmente a proposta da direção, autorizando-a a recandidatar-se, contra a proibição que resulta daqueles artigos, está a reconhecer expressamente (no sentido de, claramente, sem dúvida) que há inconveniência em proceder à sua substituição, uma vez que esse é o único motivo pelo qual os Estatutos permitem a recandidatura dos corpos gerentes por mais de 2 mandatos consecutivos.
Caso contrário, a assembleia teria recusado tal proposta pois consideraria que, apesar da vontade da direção cessante de se recandidatar, tal recandidatura não cumpria os requisitos previstos estatutariamente.
É claro que o texto da proposta, para além de não estar redigido num português perfeito, não é muito elucidativo. No entanto, dele resulta que a direção sabe que precisa da autorização da assembleia geral para se recandidatar e diz à assembleia que deve aprovar a sua proposta face aos investimentos importantes a levar a efeito já no próximo exercício, que constam no Plano e Orçamento, sendo que, como ficou provado, os associados estavam cientes que tais investimentos importantes se prendiam com a empreitada de ampliação do lar de idosos, do centro de dia e do serviço de apoio domiciliário, no valor de € 1.141.770,78, já autorizada pela Segurança Social e, até, já em execução, tendo o concurso público respetivo sido precedido de negociações com a Segurança Social, para obtenção dos apoios, tendo tido a Direção que negociar com a instituição bancária o financiamento da parte que lhe coube.
Foi perante este quadro que, pese embora não constasse literalmente do teor da proposta, era do conhecimento dos associados e a proposta para ele remetia ao referir expressamente os investimentos importantes em curso e constantes do Plano e Orçamento, que os associados votaram.
Ao votarem favoravelmente a proposta da Direção, possibilitando a sua recandidatura, estão a reconhecer a inconveniência de proceder à sua substituição, nos termos constantes daqueles artigos supra citados, pois, de outro modo, não permitiriam a dita recandidatura.
A inconveniência na substituição é uma expressão cujo conteúdo tem que ser preenchido observando-se o que se passou na assembleia geral, não podendo ser descartada apenas porque não ficou a constar do texto da proposta e/ou da deliberação.
No caso dos autos, a votação efetuada perante a proposta da Direção, tendo em conta os elevados valores em causa e as obras em curso, terá que ser entendida como a expressão da inconveniência na substituição da referida Direção.
Que era esse o sentimento dominante na Associação C…, veio depois a confirmar-se pelo resultado da eleição para os corpos gerentes, em que a lista proposta pela Direção cessante obteve 174 votos contra os 33 da lista oponente.
Mas não é disso que se trata nesta ação. Do que se trata é de reconhecer que os associados perceberam o que estava em causa, compreenderam que, face aos investimentos e obras em curso, seria inconveniente proceder à substituição dos corpos gerentes e, por isso, autorizaram a sua recandidatura.
Pelo que procedem as conclusões da alegação da apelante, com a consequente revogação da sentença.

Sumário:
1 - O direito de participação nos órgãos da associação existe por força da própria qualidade de associado e compreende, nomeadamente, o direito de eleger e ser eleito para os órgãos da associação, sendo, no entanto, lícito que os estatutos limitem este direito, desde que essa limitação não constitua manifesta discriminação.
2 – De acordo com o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social - artigo 57.º, n.º 4 - não é permitida a eleição de quaisquer membros por mais de 2 mandatos consecutivos para qualquer órgão da associação, salvo se a assembleia geral reconhecer expressamente que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição.
3 – Esta inconveniência na substituição há-de resultar claramente do sentido da votação efetuada na assembleia geral.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, que se substitui por outra que, considerando válida a deliberação em causa, julga improcedente a ação e absolve a ré do pedido.
Custas pelos apelados.
***
Guimarães, 7 de maio de 2013
Ana Cristina Duarte
Fernando Freitas
Purificação Carvalho