Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
12/17.5T8ALJ.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
EFEITOS DA PROCEDÊNCIA DA ACÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I. Os efeitos da procedência de acção judicial respeitante ao exercício do direito de preferência retroagem à data da alienação, “tendo a procedência da acção de preferência como resultado a substituição, com eficácia ex tunc, do adquirente pelo preferente” – Ac. STJ, de 23/11/2010, P. 2822/03.1TBGDM.P1. S1, in www.dgsi.pt

II. Em acção de preferência, e em caso de procedência da acção, as rendas prédio rústico depositadas pela arrendatária /preferente, após a alienação do imóvel a terceiro, são sua propriedade, tendo a preferente/adquirente o direito a recebê-las.

III. E, tendo vindo tais rendas de prédio rústico a ser penhoradas á ordem de processo executivo ( e, á ordem deste processo transferido o depósito ) não pode ordenar-se a devolução à preferente das rendas depositadas nos autos de Preferência, apenas em acção própria se podendo já suscitar a questão da propriedade dos valores monetários depositados, e a sua devolução á Autora/preferente, se assim for reconhecido, e, com base no instituto do enriquecimento sem causa.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

A Autora (…) intentou a vertente acção de processo comum contra (…) ., e (…), pedindo seja a acção julgada procedente provada, e, em consequência:

I – Ser declarado que:

A) A aquisição do identificado prédio por parte da A., faz retroagir os respectivos efeitos da procedência da aludida acção de preferência à data da celebração da escritura pública de compra e venda impugnada, ocorrendo a substituição, á data de 9.06.2011, da Ré “…”, pela aqui Autora.
B) A escritura de hipoteca que ambas as Rés celebraram em 9.06.2011 sobre o aludido prédio é inválida e nula, por ter sido constituída pela Ré … que não era a proprietária do identificado prédio.
C) A escritura de hipoteca que ambas as Rés celebraram em 9.06.2011 sobre o aludido prédio é ineficaz relativamente à A..
D) Deve ser cancelado o registo dessa hipoteca na Conservatória do Registo Predial competente efectuada sobre o aludido prédio, quer os subsequentes e que oneram o prédio de que é proprietária a A.
E) Que os valores depositados através de DUC pertencem á Autora, que tem direito a recebê-los com os nº (…) , nos montantes de 7.020 €, 7020 € (estes com dedução da retenção do IRS que a Autora fez dar entrada nos cofres do Estado), 9.360 € e 9.360 € e devem ser restituídos e entregues apenas à Autora.

II - Condenar-se ambas as Rés a reconhecerem quanto vem peticionado e será declarado.

III – Declarar-se que:

Condenar-se a Ré a:

a) a 1ª Ré, (…)está obrigada a pagar à A. a quantia de 14.040 €, acrescida de juros vencidos à taxa legal contados desde a data em que a recebeu ( 25.09.2015 - no valor de 764,70 € ), perfazendo 14.804,70 €, e vincendos até efectivo e integral pagamento.
b) a 1ª Ré, (…) está obrigada a libertar o montante empenhado, no montante de 9.360 €, correspondente ao valor da renda de 2016.

IV - Condenar-se a Ré (…) a:

a) pagar à A. a quantia de 14.040 €, acrescida de juros vencidos à taxa legal contados desde a data em que a recebeu (25.09.2015 - no valor de 764,70 ), perfazendo 14.804,70 €, e vincendos até efectivo e integral pagamento.
b) condenada a libertar o montante empenhado, no montante de 9.360 €, e a restituí- lo e a pagá-lo à A., correspondente ao valor da renda de 2016.

V – Condenar-se as Rés a pagarem custas e demais encargos.

Alega, em síntese, que:

Em 15 de Fevereiro de 2008, a Autora e (…) subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato de Arrendamento Rural”, no âmbito do qual o mesmo declarou dar de arrendamento à Autora o prédio rústico denominado “Quinta …”, sito na freguesia de …, concelho de …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo n° …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alijó sob o nº …, consignando-se, designadamente, o prazo de 35 anos e a renda anual de 9.360,00€;
No dia 23 de Maio de 2008, a Autora e o sobredito … subscreveram um aditamento ao escrito referenciado em 4), consignando-se o prazo de 30 anos e a renda anual de 9.360,00€.;
Em 9.6.2011, exarou-se escritura pública com a epígrafe “Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Fiança”, na qual: a Massa Insolvente de …, representada pelo administrador de insolvência …, declarou vender o prédio mencionado em 4) à sociedade …, pelo preço de 155.000,00€; a sociedade … declarou constituir hipoteca sobre o antedito prédio a favor da (..)
A Autora exerceu o direito de preferência na venda do indicado prédio do qual é arrendatária, através da instauração da acção declarativa n.º … contra a (…). e a (…)., tendo a acção sido julgada procedente por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14.01.2016, confirmado por Acórdão do STJ de 1/9/2016, declarando-se que a Autora, na qualidade de arrendatária, tem o direito de preferência na aquisição do prédio, em substituição da Ré …, sendo-lhe transmitida a propriedade de tal prédio logo que se mostre comprovado o pagamento da quantia de 155.000,00€.
A Autora fez registar a aquisição do prédio na CRP por inscrição de 16/1/2017, retroagindo os efeitos da aquisição á data da escritura pública celebrada entre as Rés reportada a 9/6/2011.
Assim, no título de compra e venda entre as Rés foi constituída hipoteca que deverá ser cancelada.

No decurso da acção declarativa n.º … a Autora efectivou o depósito condicional das rendas dos anos de 2012 a 2015 à ordem do mencionado processo, através de DUC, pertencendo-lhe tais valores em virtude do reconhecimento do direito de preferência, tendo a Autora instaurado contra a 2ª Ré “… “ a acção nº … pedindo a condenação desta Ré a reconhecer que os valores das DUC devem ser restituídos e entregues apenas à Autora.

Entretanto, a 1ª Ré(…) . arroga-se o direito a receber os indicados valores das rendas, tendo instaurado a acção executiva n.º … contra a Ré …., a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Execução do Porto, e, na qual a Srª agente de execução designada penhorou as rendas depositadas pela Autora e que são sua pertença e não da indicada 2ª Ré …, tendo, em 25.9.2015, efectivado a transferência para a conta bancária da Ré … do valor de 14.040,00€ relativo às citadas rendas, tendo a Autora ficado desapossada do valor pecuniário que os indicados DUC titulam, e, tendo a Autora deduzido embargos de terceiro na indicada acção executiva n.º … os mesmos não foram recebidos por extemporaneidade.

Tendo a Autora o direito a receber o valor das rendas depositadas por DUC e entregues por via judicial à 1ª Ré e paga em 25/9/2015 e que lhe foram entregues pela Srª Agente de Execução ilicitamente pois que tais valores pertencem à Autora.

A Autora por escritura pública de 3/11/2016 realizou com a 1ª Ré contrato de mútuo com hipoteca e nessa escritura constitui a favor dessa 1ª Ré penhor do montante de € 9360,00, correspondente ao valor da renda de 2016 e nessa escritura a 1ª Ré obrigou-se a libertar o montante empenhado se após trânsito em julgado for procedente a pretensão da Autora de não pagamento de tal valor, e, assim, deve a 1ª Ré ser condenada a libertar tal valor.

E, a assim se não entender tem a Autora o direito a tal recebimento das rendas entregues á 1ª Ré em 25/9/2015 em sede de enriquecimento sem causa, e, bem assim das demais rendas no valor de € 14040,00, e tem a Autora o direito ao recebimento dos juros desde essa data, invocando a Autora a repetição do indevido.

Citadas as Rés deduziu oposição a 1ª Ré(…) . tendo oferecido contestação, arguindo as excepções de litispendência e de caso julgado e impugnando as alegações da Autora, alegando, em síntese, que o direito de preferência reconhecido á Autora na acção declarativa n.º …. não retroage á data da escritura pública de compra e venda efectuada nos termos da lei esse direito de preferência só se efectivou com o pagamento do preço de compra respectivo, ou seja em 11/2/2016 cf. nº6, artº 31º do DL nº 249/2009 e mais alega que a Autora realizou os depósitos de renda na qualidade de arrendatária e pretendendo extinguir a sua obrigação de pagamento – artº 841º C.C, e, assim a não se entender ocorreria enriquecimento sem causa, e, mais refere que todas essas rendas estão desde 28/3/2014 penhoradas e apreendidas á ordem do Processo executivo n.º .. e, assim, desde a data da penhora tal montante ficou adstrito à satisfação do crédito da exequente, a ora contestante, e tais valores já lhe foram entregues por ordem judicial não podendo ordenar-se a devolução de tais valores á Autora, tendo a Ré causa justificativa para esse recebimento.

Quanto á hipoteca alega que a 2ª Ré era à data a legítima proprietária do prédio sendo válida e eficaz e relativamente ao penhor alega que enquanto não for proferida decisão transitada em julgado que determine que a Autora não está obrigada a efectuar o pagamento de € 9360,00 não está a contestante obrigada a libertar o penhor dessa quantia

Concluiu, propugnando a absolvição da instância ou a improcedência da acção.

A Autora ofereceu Réplica opondo-se ás excepções deduzidas e alega que a Autora e Ré chegaram a acordo quanto ao cancelamento do registo de escritura de hipoteca realizado.

Proferiu-se despacho saneador, o qual julgou improcedente as excepções de litispendência e de caso julgado, bem como o despacho que enunciou o objecto do litígio e os temas da prova .
Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença, nos termos da qual se julgou a acção improcedente, absolvendo-se as Rés do pedido.
Inconformada veio a Autora recorrer interpondo recurso de apelação.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta a apelante formula as seguintes Conclusões:

1. A sentença recorrida porque reconhece e deu como provado que considerou que a Autora tem direito à restituição dos valores depositados e descritos em 13), então teria que julgar procedente o pedido formulado na p. i. em I - E) , declarando que os valores depositados através de DUC pertencem á Autora, que tem direito a recebê-los [ com os nºs (…) nos montantes de 7.020 €, 7020 € (estes com dedução da retenção do IRS que a Autora fez dar entrada nos cofres do Estado), 9.360 € e 9.360 €. devem ser restituídos e entregues apenas à Autora.
2. A sentença recorrida ao não retirar a consequência lógica dessa fundamentação da sentença, com a procedência de tal parte do pedido, incorreu em contradição entre esse fundamento e a sua parte decisória.
3. Deste modo, ocorre contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artº 615º nº 1 – c) do CPC.
4. Os documentos juntos com o requerimento que tem a Referência nº 28000480, que a Autora apresentou em 24.01.2018, impõem que deveria ter sido decretada a inutilidade superveniente dos pedidos formulados em I- B), C) e D). da p. i., e não., como dela consta, a sua improcedência.
5. A sentença recorrida reconheceu à Autora, na qualidade de preferente cujo direito foi reconhecido por sentença, o direito a receber as rendas produzidas pelo imóvel objecto da preferência .
6. Acrescenta, ainda a recorrida sentença que a Autora teria direito à restituição dos valores depositados e descritos em 13).
7. Todavia, e como se disse, não condena a 1ª Ré a restituir-lhe tais valores, julgando improcedentes os pedidos formulados no pedido sob os nº I – E) e III) al . A).
8. Ora esta decisão viola o caso julgado e, ao mesmo tempo, viola, ainda, o disposto no artº 346º do Cod. Proc. Civil.
9. A sentença recorrida violou o caso julgado em duas decisões judiciais.
10. A primeira dessas decisões judiciais violadas consiste na violação do decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 16.11.2017, junto aos autos com o requerimento com o nº 28000480 em 24.01.2018 e dado como assente nos factos 23 da sentença, que decidiu que a Autora: « deveria instaurar acção própria para obter o a restituição dos valores monetários depositados e, se assim, for reconhecido, tendo a Autora instaurado a acção nº …, Juízo de Competência Genérico de Alijó ».
11. Assim, esse acórdão da Relação de Guimarães remeteu a questão da propriedade desses valores monetários para a presente acção.
12. A segunda dessas decisões judiciais violadas consiste na violação do decidido pela sentença datada de que julgou os embargos de terceiro que a Autora instaurou nesse processo .
13. A sentença proferida nesses autos de embargos de terceiro foi junta pela Autora através de requerimento com a referência nº 29575984 em 29.06.2018.
14. E essa sentença refere que de acordo com o disposto no nº 2 do art. 344º, do CPC, parte final, os embargos de terceiro não podem ser instaurados depois de os bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, sendo certo que as rendas em causa nessa lide já haviam sido entregues ( o seu montante) á exequente (aqui 1ª Ré) pela Srª AE, em 28-09-2015, julgando esses embargos de terceiro improcedentes, face ao disposto no citado art. 344º, nº 2, do CPC.
15. A decisão recorrida violou o disposto no artigo 346.º CPC, que dispõe que a rejeição dos embargos de terceiro (por ter decorrido o prazo de 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas) , não obsta a que o embargante proponha ação em que peça a declaração da titularidade do direito que obsta à realização ou ao âmbito da diligência, ou reivindique a coisa apreendida.
16. Na petição inicial e subsidiariamente, a Autora invocou o enriquecimento sem causa para obter a repetição do indevido; o que consta do pedido formulado a título subsidiário.
17. Nenhuma justificação a recorrida sentença deu para que não pudesse ocorrer o reconhecimento do enriquecimento sem causa da 1ª Ré, não interpretando correctamente o pedido da Autora e o instituto do enriquecimento sem causa.
18. Invoca a Autora o direito a receber o valor das rendas entregue á 1ª R. em 25.09.2015 ( por acto coercivo judicial) ., em sede de enriquecimento sem causa, não existindo causa justificativa para esse recebimento por parte da 1ª Ré dessas quantias que pertencem á Autora.
19. A Autora efectuou esse pagamento porque ainda não havia sido proferida sentença na acção de preferência e porque esse pagamento ocorria, necessariamente, a título condicional.
20. Deste modo, tem a Autora o direito a receber tal quantia da 1ª Ré nos termos do disposto no art.º 473º e sgs. do Código Civil.
21. As quantias referidas foram pagas pela A. e recebidas pela 1ª R. através do dinheiro da Autora sem qualquer causa justificativa e sem que tenha existido reconhecimento judicial, em sede de acção de preferência ou em qualquer outra de que a 1ª R. tivesse qualquer direito a embolsar e fazer sua a referida quantia de 14.040 €, que pertence à Autora.
22. A Autora sempre teria direito a receber as referidas quantias em sede de enriquecimento sem causa, a título subsidiário.
23. Deste modo, o património da 1ª R. ficou enriquecido à custa do património da A.
24. Assim, a 1ª R. obteve uma vantagem de carácter patrimonial.
25. Enquanto a A. sofreu uma diminuição do seu património, do seu activo.
26. Entre aquele enriquecimento da 1ª R. e este empobrecimento da A., há uma correlação directa.
27. Não existe qualquer norma legal que fundamente a referida deslocação patrimonial da esfera jurídica da A. para a esfera jurídica da 1ª R.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo ser revogada a sentença recorrida e proceder a acção.

Foram proferidas contra – alegações.

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “(artº 635º-nº3 e 608º-nº2 do Código de Processo Civil) - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 21/10/93, CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, tomo 3, pg.84, e, de 12/1/95, in CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano III, tomo I, pg. 19.

E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos do artº 5º do Código de Processo Civil, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.

Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões cuja verificação no caso em apreço cumpre apreciar:

A) - alegada nulidade de sentença nos termos do artº 615º-nº1-al.c) do CPC

B) - do mérito da causa:

- os valores depositados através de DUC [ com os(…) , nos montantes de 7.020 €, 7020 € (estes com dedução da retenção do IRS que a Autora fez dar entrada nos cofres do Estado), 9.360 € e 9.360 €, penhorados na acção executiva nº n.º … pertencem á Autora, que tem direito a recebê-los e lhe devem ser restituídos e entregues?
- alegada violação de caso julgado
- tem a Autora o direito a Autora o direito a receber o valor das rendas entregues á 1ª R. em 25.09.2015, por acto da Srª Agente de Execução, praticado na acção executiva nº n.º …, com base em enriquecimento sem causa ?
- os documentos juntos com o requerimento que tem a Referência nº 28000480, que a Autora apresentou em 24.01.2018, impõem que deveria ter sido decretada a inutilidade superveniente dos pedidos formulados em I- B), C) e D). da p. i., e não., como dela consta, a sua improcedência ?

FUNDAMENTAÇÂO

I) OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida)

1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de exploração agrícola.
2. A 1ª R. é uma instituição de crédito que se dedica á actividade de intermediação nas trocas de produtos financeiros e empréstimos bancários.
3. A 2ª Ré é uma sociedade comercial que se dedica a actividade imobiliária e compra e venda de propriedades.
4. Em 15 de Fevereiro de 2008, a Autora e (…) subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato de Arrendamento Rural”, no âmbito do qual o mesmo declarou dar de arrendamento à Autora o prédio rústico denominado “Quinta da …”, sito na freguesia de …, concelho de …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo n° …, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº…, consignando-se, designadamente, o prazo de 35 anos e a renda anual de 9.360,00€.
5. No dia 23 de Maio de 2008, a Autora e o sobredito (…) subscreveram um aditamento ao escrito referenciado em 4), consignando-se o prazo de 30 anos e a renda anual de 9.360,00€.
6. No âmbito do processo nº …, que correu termos no Tribunal de Comércio de V. N. Gaia, proferiu-se sentença que declarou a insolvência de ….
7. Em 9.6.2011, exarou-se escritura pública com a epígrafe “Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Fiança”., na qual:
a) A Massa Insolvente de …, representada pelo administrador de insolvência …, declarou vender o prédio mencionado em 4) à sociedade …., pelo preço de 155.000,00€;
b) A sociedade … declarou constituir hipoteca sobre o antedito prédio a favor da CAIXA de (…)
8. Pela ap. 2299 de 2011/06/09, afigura-se registada a predita hipoteca a favor da CAIXA (…).
9. Pela Ap. 2829 de 2011/06/09, afigura-se registada a sobredita aquisição do prédio a favor da sociedade (..)
10. No ano de 2011, a Autora intentou a acção de processo ordinário n.º … contra a CAIXA DE (…) e a (…) a qual corre termos no Juízo Central Cível do Tribunal da Comarca de Vila Real – …, peticionando ser declarado que:
a)A Autora é arrendatária do ajuizado prédio.
b) A Autora tem o direito de preferência na venda do aludido prédio que foi feita a favor da 2º Ré.
c) Estão as Rés obrigadas a reconhecerem este direito de preferência da Autora.
d) Deve ser declarada a transmissão e adjudicação do direito de propriedade do aludido prédio a favor e em nome da Autora, em substituição da 2ª Ré …, S.A., pelo preço de 155.000€.
11. Por Acórdão exarado pelo Tribunal da Relação em 14.01.2016, transitado em julgado, declarou-se que “(…) a Autora, na qualidade de arrendatária, tem o direito de preferência na aquisição do prédio citado em 4), em substituição da Ré …., logo que se mostre comprovado o pagamento da quantia de 155.000,00€”.
12. Pela ap. … de 2017/01/16, afigura-se registada a aquisição enunciada em 11) a favor da Autora.
13. No âmbito da acção especial de consignação de depósito instaurada sob o apenso A com referência à acção enunciada em 10), a Autora efectivou os seguintes depósitos das rendas relativas ao descrito em 4):
a) 7.020,00€, do ano de 2012;
b) 7.020,00€, do ano de 2013;
c) 9.360,00€, do ano de 2014 (depósito n.º … - 18/11/2014);
d) 9.360,00€, do ano de 2015 (depósito n.º … - 29/12/2015).
14. A CAIXA (…) . instaurou a acção executiva n.º e …., a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Execução do Porto.
15. Em 28.3.2014, a agente de execução do processo mencionado em 14) remeteu uma notificação para a Autora, consignando «Ficam pelo presente formalmente notificado que se considera penhorado o crédito que os executados abaixo identificados detêm em consequência da exploração da “Quinta da … (…) Executados: … (…)».
16. Em 18.6.2015, a sobredita agente de execução remeteu um ofício para a acção enunciada em 10), requerendo a transferência para a acção executiva citada em 14) dos valores depositados nos autos a favor da Autora.
17. Em sede da acção executiva mencionada em 14), a agente de execução lavrou auto de penhora das rendas relativas à exploração da Quinta da …. com referência aos anos de 2012 a 2015.
18. Após o indicado em 16), os montantes descritos em 13), alíneas a) e b) foram transferidos para a acção executiva referida em 14).
19. Em 25.9.2015, a agente de execução efectivou a transferência para a conta bancária da Ré … dos valores enunciados em 18).
20. Em 3.11.2016 a Autora e a Ré …. subscreveram uma escritura pública com a epígrafe “contrato de mútuo com hipoteca, penhor, promessa de hipoteca e fiança”, no âmbito da qual consignou-se, designadamente, que:

a) A Ré … declarou conceder à Autora um empréstimo no montante de cento e cinquenta e cinco mil euros, pelo prazo de cento e quarenta e quatro meses;
b) A Autora declarou constituir a favor da Ré … penhor do montante de nove mil trezentos e sessenta euros, correspondentes ao valor da renda do ano de dois mil e dezasseis, em que a sociedade MUTUÁRIA poderá vir a ser condenada a pagar à sociedade ..., no âmbito da acção de preferência que com o número …, corre termos na Comarca de …, Unidade Central - Instância Central;
c) A Ré … declarou obrigar-se a libertar o montante empenhado, se após trânsito em julgado for procedente a pretensão da Autora de não obrigação de pagamento do montante de nove mil trezentos e sessenta euros correspondente ao valor da renda de dois mil e dezasseis.
21. Em 7.12.2016, na acção nº …, proferiu-se despacho que declarou que “a Autora depositou o preço de 155.000,00€ atinente ao exercício do direito de preferência de aquisição do prédio rústico denominado sito na freguesia de …, concelho de …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo n° …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …”.
22. Na acção nº …, em 23.1.2017, exarou-se despacho que determinou a restituição à Autora dos valores de €9.360,00 descritos em 13), alíneas c) e d).
23. Por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 16.11.2017, transitado em julgado, revogou-se o despacho referido em 21)
24. Em 8.3.2017, lavrou-se escritura pública com a epígrafe “Substituição de Garantia Hipotecária e Renúncia a Hipotecas”, subscrita pela Autora e a pela Ré … consignando-se, designadamente, que:
a) A Autora declara constituir hipoteca sobre o prédio indicado em 4) a favor da Ré …, para garantia do empréstimo enunciado em 18);
b) a sobredita Ré autoriza o cancelamento da hipoteca referenciada em 7) e 8).
25. Pela 234 de 2017/03/10, a hipoteca citada em 23) afigura-se registada a favor da Ré …

II) O DIREITO APLICÁVEL

A alegada nulidade de sentença

Invoca a apelante que é nula a sentença recorrida nos termos do disposto no art. 615º nº 1 al. c) do C. P. C., na medida em que, alega, reconhece e deu como provado que a Autora tem direito à restituição dos valores depositados e descritos em 13), e, assim teria que julgar procedente o pedido formulado na p. i. em I - E) , declarando que os valores depositados através de DUC pertencem á Autora, que tem direito a recebê-los [ com os nºs (…) nos montantes de 7.020 €, 7020 € (estes com dedução da retenção do IRS que a Autora fez dar entrada nos cofres do Estado), 9.360 € e 9.360 €, concluindo que a sentença recorrida ao não retirar a consequência lógica dessa fundamentação, com a procedência de tal parte do pedido, incorreu em contradição entre esse fundamento e a sua parte decisória, e, deste modo, ocorre contradição entre os fundamentos e a decisão nos termos do artº 615º nº 1 – c) do CPC.

Nos termos do citado artº 615.º n.º 1 –al.c) do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

Os vícios previstos no citado art.º 615º do Código de Processo Civil, geradores de nulidade da sentença, são vícios de cariz adjectivo ou processual e que afectam a decisão na sua estrutura processual, invalidando-a ou tornando-a incompleta ou incompreensível, relativamente aos vícios ora apontados, “Trata-se de um mero vício formal (e não de erro de substância ou de julgamento)” - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 23/5/2006, Proc. n.º 06A10 90, in www.dgsi.pt.

Assim, e, no tocante à oposição referida na alínea. c) do n. º1, do artigo 615º, é a que se verifica no processo lógico formal (v. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, 1992, art.º 668º), refere-se á própria estrutura de elaboração da sentença, resultando de forma manifesta desta, correspondendo a frontal oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos. “Apenas ocorre a nulidade da sentença prevista na alínea. c) do nº1 do art.º 668º quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier expresso na sentença “ – Ac. TRP, de 13/11/74, in BMJ 241/344, sendo que não determina a nulidade de sentença prevista na citada alínea, a subsunção dos factos às normas jurídicas julgadas aplicáveis, não obstante se possa vir a demonstrar verificar-se existir erro de julgamento em caso de errada aplicação legal ( v. Ac, Tribunal da Relação de Coimbra, de 8/4/2003, n.º convencional JTRC 01959, in www.dgsi.pt ), “Trata-se de um mero vício formal (e não de erro de substância ou de julgamento)” - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça , de 23- -05-2006, Proc. n.º 06A10 90, in www.dgsi.pt..

No caso em apreço a indicada causa de nulidade não ocorre, pelos motivos indicados pela apelante, pois que na sentença recorrida, não obstante se reconheça, cf. pedidos formulados em I)-A e E9, 1ª parte, que a aquisição do identificado prédio por parte da A., fez retroagir os respectivos efeitos da procedência da aludida acção de preferência à data da celebração da escritura pública de compra e venda impugnada, ocorrendo a substituição, á data de 9.06.2011, da Ré “…”, pela aqui Autora e que os valores depositados através de DUC com os nºs (…) pertenciam á Autora, e, ainda, se declare que a Autora teria direito à restituição dos valores depositados e descritos em 13), acaba por se concluir pela improcedência do pedido em virtude da penhora dos valores depositados em DUC no âmbito da acção executiva nº … intentada pela 1ª Ré(….)., contra a 2ª Ré (…) .., nestes termos, reportando-se já a questão não a vício formal mas a eventual vício de julgamento, a conhecer oportunamente.

Improcedendo, assim, nesta parte, os fundamentos da apelação.

B- do mérito da causa

I.1. - Alega a Autora que os valores depositados através de DUC [ com os nºs (..), nos montantes de 7.020 €, 7020 € (estes com dedução da retenção do IRS que a Autora fez dar entrada nos cofres do Estado), 9.360 € e 9.360 €, penhorados na acção executiva nº n.º 249/13.6TBALJ, lhe pertencem e tem direito a recebê-los.

Como decorre dos factos provados – 4.“Em 15 de Fevereiro de 2008, a Autora e … subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato de Arrendamento Rural”, no âmbito do qual o mesmo declarou dar de arrendamento à Autora o prédio rústico denominado “Quinta da …”, sito na freguesia de …, concelho de …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo n° …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alijó sob o nº …, consignando-se, designadamente, o prazo de 35 anos e a renda anual de 9.360,00€. ; 5. No dia 23 de Maio de 2008, a Autora e o sobredito … subscreveram um aditamento ao escrito referenciado em 4), consignando-se o prazo de 30 anos e a renda anual de 9.360,00€. 6. No âmbito do processo nº …, que correu termos no Tribunal de Comércio de V. N. Gaia, proferiu-se sentença que declarou a insolvência de …. 7. Em 9.6.2011, exarou-se escritura pública com a epígrafe “Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Fiança”., na qual: a) A Massa Insolvente de …, representada pelo administrador de insolvência …, declarou vender o prédio mencionado em 4) à sociedade …, pelo preço de 155.000,00€; (…) 10. No ano de 2011, a Autora intentou a acção de processo ordinário n.º … contra a(…) . e a (…), a qual corre termos no Juízo Central Cível do Tribunal da Comarca de Vila Real – …, peticionando ser declarado que: a)A Autora é arrendatária do ajuizado prédio. b) A Autora tem o direito de preferência na venda do aludido prédio que foi feita a favor da 2º Ré. c) Estão as Rés obrigadas a reconhecerem este direito de preferência da Autora. d) Deve ser declarada a transmissão e adjudicação do direito de propriedade do aludido prédio a favor e em nome da Autora, em substituição da 2ª Ré, ….., pelo preço de 155.000€. 11. Por Acórdão exarado pelo Tribunal da Relação em 14.01.2016, transitado em julgado, declarou-se que “(…) a Autora, na qualidade de arrendatária, tem o direito de preferência na aquisição do prédio citado em 4), em substituição da Ré …., logo que se mostre comprovado o pagamento da quantia de 155.000,00€”.

O indicado Acórdão do TRG proferido na acção declarativa nº … foi confirmado por Acórdão do STJ de 1/9/2016, junto por cópia a fls. 45/53vº destes autos, no qual se declarou e decidiu:

“A venda executiva não afasta o exercício dos direitos de preferência de terceiros na aquisição dos bens penhorados [.,. l. No entanto. nem todas as preferências são reconhecidas na acção executiva: nesta só procedem os direitos legais de preferência e os direitos convencionais de preferência que sejam dotados de eficácia real (artº 422º Código Civil), pelo que não são reconhecidas as preferências meramente obrigacionais” - Miguel Teixeira de Sousa, in "Acção Executiva Singular", 1998, pág, 379.

O regime legal da venda executiva previsto no Código de Processo Civil é aplicável à alienação, em incidente de liquidação da massa insolvente, designadamente, na venda de bens. O direito legal de preferência pode ser exercido pelo preferente naquele incidente, remetendo o CIRE para o regime processual do Código de Processo Civil- artºº 17º do CIRE.

O ónus da prova da notificação ao titular do direito legal de preferência, da data e local da abertura das propostas, incumbia, no caso, ao Administrador da insolvência – artº 342º, nº2, do Código Civil.

Não se tendo provado que a Autora preferente foi notificada nos termos preditos não se pode considerar a data da abertura das propostas apresentadas e sequente adjudicação como a que operou validamente a transmissão do direito de propriedade do prédio rústico arrendado à Autora.

Daí decorre que, irrelevando tal data, como aquela em que a Autora recorrida podia ter exercido o direito de preferência, a data que releva, in casu, é da escritura pública em que foi formalizada a transmissão do direito de propriedade da “Quinta da …", para a 2ª Ré.

Assim, tendo a Autora/recorrida exercido, com base na data da escritura de compra e venda o seu direito, e, sendo nessa data, há mais de três anos arrendatária do prédio rústico adjudicado à compradora 1ª Ré, exerce triunfantemente o seu direito de preferência naquela alienação, conquanto, como decorre do artº 28º, nº5da Lei do Arrendamento Rural, proceda ao depósito do preço.

“0 direito de preferência existe antes de efectuado o contrato de venda da coisa, mas é no momento em que a coisa é alienada que o direito radica no seu titular, que ingressa efectivamente (e não apenas virtualmente) no património deste. Por isso, pode também afirmar-se que o direito é adquirido no momento da alienação” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.12,1985, Bol.352/352" - citado "Arrendamento Rural”, pág. 183.

Nestes termos, como decorre da lei, e, face ao já decidido por Ac. do STJ nos autos de acção declarativa de preferência nº …., em referência, a Autora exerceu “triunfantemente o seu direito de preferência naquela alienação” ocorrida entre o anterior senhorio do prédio e a 2ª Ré, reportando-se o exercício do direito à data de celebração da escritura pública em que foi formalizada a transmissão do direito de propriedade da “Quinta da …", para a 2ª Ré, - ou seja, 9.06.2011, sendo que está provado que a Autora procedeu ao pagamento do respectivo preço de aquisição ( cf. facto provado nº12 12. Pela ap. 1817 de 2017/01/16, afigura-se registada a aquisição enunciada em 11) a favor da Autora).

“I – A procedência da acção de preferência tem como resultado a substituição, com eficácia ex tunc, do adquirente pelo preferente; II – Sendo o direito de preferência um direito atribuído por lei, não precisa de ser registado para produzir efeitos em relação a terceiros” – Ac. STJ, de 23/11/2010, P. 2822/03.1TBGDM.P1. S1, in www.dgsi.pt

“Com se sabe e se acentua no Ac. do STJ de 12.11.09 (rec. 1842/04.3TBPRT.S1) o direito de preferência radica-se no titular da preferência, passa a fazer parte do seu património no momento em que o prédio é vendido. Na verdade, como, por outro lado, se acentua no Acórdão do mesmo Alto Tribunal de 23.11.2010 (rec. 117/200.P1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, os efeitos da procedência da acção judicial respeitante ao exercício desse direito, retroagem à data da alienação. Com efeito, uma vez exercido e reconhecido tal direito, e exercido, tudo se passa como se na data da alienação.” --- Ac. TRE de 13/12/2011, P. 1986/08.2

Nestes termos, desde logo se conclui, pela procedência dos pedidos da Autora formulados em I) A) e E), 1ª parte, e que se assim se deverá declarar, designadamente, que : A) A aquisição do identificado prédio por parte da A., fez retroagir os respectivos efeitos da procedência da aludida acção de preferência à data da celebração da escritura pública de compra e venda impugnada, ocorrendo a substituição, á data de 9.06.2011, da Ré “…,”, pela aqui Autora. ; B) Os valores depositados através de DUC com os nºs (…) , pertenciam á Autora, nesta parte procedendo os fundamentos da apelação, sendo ainda que, pertencendo-lhes tais valores, ab initio, deverão ser-lhe restituídos como infra se exporá.

2. Alegando a Autora que as rendas depositadas através de DUC e penhoradas na acção executiva nº n.º … e que foram entregues á 1ª R. em 25.09.2015, por acto da Srª Agente de Execução, praticado na acção executiva nº n.º …, pertencem á Autora, que tem direito a recebê-las e lhe devem ser restituídas e entregues, e, que, ao assim se não decidir, se violou o caso julgado decorrente do decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16.11.2017, junto aos autos com o requerimento com o nº 28000480 em 24.01.2018 e a decisão proferida nos autos de embargos de terceiro junta pela Autora através de requerimento com a referência nº 29575984 em 29.06.2018, a alegada violação de caso julgado não ocorre, não se tendo nas indicadas decisões judiciais decidido a questão da propriedade das rendas, tão só da indisponibilidade dos DUC á ordem da acção executiva no citado Ac. TRG, nesta decisão expressamente se remetendo a questão da propriedade desses valores monetários para acção própria, e, nos autos de Embargos de Terceiro em referência se proferindo decisão de rejeição dos embargos deduzidos por extemporaneidade nos termos do nº2 do artº 344º do CPC.

3. 1. Considerando-se que as rendas depositadas através de DUC, são pertença da Autora, tendo vindo, não obstante, a ser penhoradas na acção executiva nº … e entregues á 1ª R. em 25.09.2015, por acto da Srª Agente de Execução, praticado na acção executiva nº … tem a Autora o direito a receber o valor de tais rendas ?

Cremos ser a resposta afirmativa.

Com efeito, não obstante a indisponibilidade dos depósitos em DUC na acção de Preferência nº …, em virtude da sua penhora e transferência à ordem do Processo de Execução n.º …, por acto da Srª Agente de Execução, com vista a ordenar-se a sua restituição à indicada acção declarativa nº …, tal não impede o reconhecimento do direito de propriedade sobre os valores das rendas em acção própria ( cfr. aliás se decide no citado Ac. TRG de 16/11/2017, no qual se refere: “Em acção de preferência encontrando-se as rendas de prédio rústico penhoradas á ordem de processo executivo não pode ordenar-se a devolução à Autora preferente das rendas depositadas, apenas já naqueles autos de processo executivo podendo suscitar-se a questão da propriedade dos valores monetários depositados, ou, em acção própria, se assim for reconhecido” ), e, por via deste reconhecimento a restituição á proprietária de tais valores, já não por via da devolução dos DUC, nos termos acima expostos, mas por via de devolução de igual valor, in casu com base no instituto do enriquecimento sem causa, salientando-se, ainda, que a tal resultado não impede ainda a decisão proferida nos autos de Embargos de Terceiro em referência de rejeição dos embargos deduzidos por extemporaneidade nos termos do nº2 do artº 344º do CPC, expressamente dispondo o artº 346º, do citado diploma legal, que “ A rejeição dos embargos, nos termos do disposto no artigo anterior, não obsta a que o embargante proponha ação em que peça a declaração da titularidade do direito que obsta à realização ou ao âmbito da diligência, ou reivindique a coisa apreendida “.

Assim, nesta parte nos afastando da decisão recorrida, nos termos da qual se julgou improcedente o pedido de restituição dos valores em virtude do acto de penhora ocorrido no Processo de Execução n.º …, e, ainda, considerando que na acção executiva deveria ter-se suscitado a ilegalidade do acto.

3.2. E, atento o concreto factualismo apurado, julga-se verificado o peticionado direito da Autora à restituição dos indicados valores de rendas, que lhe pertencem, mas foram entregues a terceiro, designadamente, à ora 1º Ré no Processo de Execução n.º … que esta 1ª Ré CAIXA(…) ., instaurou, na qualidade de exequente, contra a 2ª Ré, …, S.A., esta na qualidade de executada ( cfr. factos provados nº 14, 15, 16, 17, 18, 19 ), e, com base no instituto do enriquecimento sem causa.

Nos termos do art.º 473º do Código Civil, ( n.º 1 ) “ Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”, sendo que “ A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista a um efeito que de um efeito que não se verificou “, o que pressupõe, para verificação do Enriquecimento sem causa e consequente obrigação de restituir, como do preceito legal claramente decorre, que haja um enriquecimento de alguém, sem causa que o justifique, assim se criando a obrigação de restituir o indevidamente recebido.

No caso sub judice, claramente resulta dos factos provados o enriquecimento da ora 1ª Ré à custa da Autora, tendo-lhe sido entregues valores de rendas depositadas, que lhe não pertenciam, antes pertencendo á ora Autora preferente na acção nº …, e, mais se provando, que lhe foram entregues sem qualquer causa legal justificativa, por acto ilegal da Srª agente de execução praticado no Processo de Execução n.º … ( cfr. factos provados nº 14, 15, 16, 17, 18, 19 ).

Relativamente aos requisitos de aplicação do Instituto do Enriquecimento Sem Causa, referem P.Lima e A.Varela, in Código Civil, anotado, I Vol, pg. 427/8, que a obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento contra o qual se reage careça de causa justificativa, ou porque nunca a tendo tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido, esclarecendo que o conceito de “causa do enriquecimento” é muito controvertido e o artº 473º, intencionalmente, não o define, trata-se de um puro problema de interpretação e integração da lei, tendente a fixar a correcta ordenação jurídica dos bens, e, assim, a directriz que importa seguir é a de que - “ o enriquecimento carece de causa justificativa porque, segundo a própria lei, deve pertencer a outra pessoa”.

“ A falta de causa terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no artº 342º, por quem pede a restituição. Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do ónus probandi, que não se prove a existência de uma causa de atribuição “ – ( autores e obra citada, pg. 429, e com referência aos Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14/1/72, in BMJ 213,214 e de 3/7/70, in BMJ 199/190 ), dos factos provados resultando provada a falta de causa da transferência monetária para a 1ª Ré de valores que pertenciam a terceiro, a ora Autora, nestes termos, provada estando a falta de causa do enriquecimento, nos termos supra referidos.

Concluindo-se, pela procedência dos fundamentos de apelação, também nesta parte, e, consequentemente, pela procedência do pedido de condenação da 1ª Ré a pagar à Autora a quantia de 14.040 €.

3. 3. Relativamente aos juros de mora são devidos juros legais desde a data da citação e até integral pagamento, nos termos dos artº 804º- nº1 e 2, 805º-nº1 e 806º, todos do Código Civil.

II. Relativamente aos pedidos formulados em I- B), C) e D), de declaração de invalidade e ineficácia da escritura de hipoteca que ambas as Rés celebraram em 9.06.2011 sobre o aludido prédio e de cancelamento do respectivo registo, alega a apelante que os documentos juntos com o requerimento que tem a Referência nº 28000480, que a Autora apresentou em 24.01.2018, impõem que deveria ter sido decretada a inutilidade superveniente dos pedidos formulados em I- B), C) e D). da p. i., e não, como dela consta, a sua improcedência.

Resulta dos documentos em referência, designadamente ( cfr. fls.194 e sgs. ) a realização de escritura pública de 8/3/2017, entre a 1ª Ré, CAIXA(…) ,e, a Autora, SOCIEDADE (…) , após a propositura da acção, reportada esta a 3/2/2017, de “Substituição de Garantia Hipotecária e Renúncia a Hipotecas”, como se exara no facto provado nº 24. – “Em 8.3.2017, lavrou-se escritura pública com a epígrafe “Substituição de Garantia Hipotecária e Renúncia a Hipotecas”, subscrita pela Autora e a pela Ré CAIXA …), consignando-se, designadamente, que: a) A Autora declara constituir hipoteca sobre o prédio indicado em 4) a favor da Ré CAIXA DE (…) , para garantia do empréstimo enunciado em 18); b) a sobredita Ré autoriza o cancelamento da hipoteca referenciada em 7) e 8).”, mais resultando provado, cfr. facto provado nº 25- “ Pela … de 2017/03/10, a hipoteca citada em 23) ( devendo referir-se em 24) ) afigura-se registada a favor da Ré CAIXA DE (…).

Resulta, ainda, dos indicados documentos, designadamente da inscrição citada na CRP., a fls. 237, averbada pela AP. … de 2017/03/10, plenamente provado, o cancelamento da hipoteca voluntária constituída e registada em 2011/06/09, pela AP. … sendo esta hipoteca a que se reportam os pedidos formulados em I- B), C) e D). da p. i. e em referência.

Nestes termos, demonstrando-se a verificação do cancelamento da hipoteca, em data posterior à da propositura da acção, ocorre a extinção superveniente do direito correspondente ao pedido formulado em I) - D), e, consequentemente, a inutilidade dos pedidos formulados, em I- B), C), o que assim será considerado e declarado nos termos do artº 611º do CPC, absolvendo-se as Rés dos indicados pedidos, com Custas a cargo da Autora nos termos do artº 611º-nº3 e 536º- nº1, a contrario sensu, do CPC, não sendo imputável às Rés o facto superveniente.

III. E, relativamente ao Penhor tratando-se de matéria não recorrida, transitou decisão, mantendo-se o decidido nos termos do artº 635º-nº5 CPC.

Nos termos expostos, se concluindo pela parcial procedência da apelação, e, consequentemente, pela parcial procedência da acção.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, julgando-se a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos:

I) Declara-se: .

A) A aquisição do identificado prédio por parte da A., fez retroagir os respectivos efeitos da procedência da aludida acção de preferência à data da celebração da escritura pública de compra e venda impugnada, ocorrendo a substituição, á data de 9.06.2011, da Ré “(…) ”, pela aqui Autora.
B) Os valores depositados através de DUC com os nºs(…) ), pertenciam á Autora.

II. Condena-se a Ré CAIXA (…) a pagar à A. a quantia de 14.040 €, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data da citação e até integral pagamento.

III) Declara-se a extinção superveniente do direito correspondente ao pedido formulado em I) - D), e, consequentemente, a inutilidade dos pedidos formulados, em I- B), C), consequentemente, absolvendo-se as Rés dos indicados pedidos I) – B), C) e D).
IV) e, no mais se mantendo o decidido.

Custas pela Autora e pelas Rés na proporção dos respectivos decaimentos, (incluindo-se como decaimento da Autora o decidido em III. supra cfr. artº 611º-nº3 e 536º- nº1, a contrario sensu do CPC ), e, que se fixa em 15% para a Autora e em 85% para as Rés, mais se fixando quanto às Rés o respectivo decaimento em 3/4 e ¼, daquela %, respectivamente 1ª e 2ª Ré, e, em 1ª e 2ª instâncias.
Guimarães, 9 de Maio de 2019

Maria Luísa ramos
António Júlio da Costa Sobrinho
Ramos Lopes