Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3589/19.7T8VCT-A.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: DIREITO À PROVA
SIMULAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O direito à prova, uma das vertentes da garantia constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, não é um direito absoluto na sua essência ou ilimitado.
II – No que concerne a prova documental um dos limites que a lei impõe respeita ao momento da sua apresentação e outro prende-se com a sua pertinência e necessidade.
III – Na prova da simulação, uma vez que é muito rara e difícil a prova directa, há em regra que recorrer ao uso de presunções judiciais alicerçadas em indícios como, por exemplo, o indício necessitas (motivo atendível para o negócio com vista a obter o máximo rendimento dos bens, o seu sustento ou o aumento da riqueza); o indício affectio (relações familiares, de amizade, de negócios, profissionais ou de dependência, anteriormente firmadas entre os intervenientes); o indício subfortuna (incapacidade financeira ou desproporcionalidade entre os meios económicos do adquirente e os encargos por ele assumidos e declarados no negócio simulado); o indício movimento bancário (o rasto documental e bancário do pagamento e movimento de dinheiro) e indício investimento (não demonstração do destino dado ao dinheiro que ingressou no património).
IV – Num caso em que a autora invoca a simulação alegando que a 2ª ré não emprestou qualquer quantia ao 1º réu, tanto mais que não tem condições económicas para tal, que inexistem movimentos bancários que o comprovem e tendo este contraposto que o pagamento em causa foi feito em numerário e em parcelas, mostra-se manifestamente desnecessária a junção por este de extractos bancários pelo que não é, assim, de admitir esta requerida prova documental.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

Caixa …, CRL, com sede na Praça D… Viana do Castelo, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra H. C., residente na Rua Elias Garcia, n.º 24, 3º dto., 4750 - 144 Barcelos, e T. G., residente na Rua …, freguesia de … Caminha, pedindo:
- a declaração de nulidade, por vício de simulação, dos reconhecimentos e confissões de dívida que visavam garantir os supostos valores mutuados pela 2ª ré e, consequentemente, extintos, por inexistência de título, os processos executivos melhor identificados nos pontos 35º e 37º desta petição;
- declarar-se nulos, por vício de simulação, processos executivos melhor identificados nos pontos 35º e 37º desta petição.

Para tanto alega, em síntese, no processo especial para acordo de pagamento nº 4965/19.0T8VNF do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz 1, requerido pelo 1º réu, reclamou créditos. Aí igualmente a 2ª ré reclamou créditos invocando reconhecimentos de dívida que deram origem a processos executivos. Ora, estes créditos foram impugnados pela autora tendo esse tribunal decidido não ser o momento oportuno para a pronúncia acerca da verificação deste crédito, razão pela qual se decidiu instaurar a presente acção.
A autora impugnou o crédito da 2ª ré porque entende que as confissões de dívida e acordos globais de pagamento, assinados pelos réus e apresentados por T. G. como título executivo em dois processos de execução e para justificar o seu crédito, concretizam apenas uma estratégia delineada pelos réus para enganar os credores como ela, pois nunca a 2ª ré emprestou qualquer importância ao 1º réu, que nunca recebeu daquela nenhum tipo de ajuda financeira, tanto mais que aquela não tem condições económicas para tal. Inexistem movimentos bancários que o comprovem ou, a existirem, apenas demonstram o “giro do dinheiro” (art. 120º e 121º da p.i.), o que é um indício que nenhuma das partes quis concretizar as declarações.

Na parte da petição a autora requer:
“ (…)
c - a notificação do réu H. C. para que junte aos autos os seguintes documentos:
- comprovativos do recebimento da importância de € 40 050,00, provenientes de transferências bancárias ou transações da 2.ª ré
- extratos das suas contas bancárias desde 1 de janeiro de 2012 até esta data
Estes documentos destinam-se à prova dos pontos 48.º a 150.º desta petição.
d - a notificação da ré T. G. para que junte aos autos os seguintes documentos:
- declarações de IRS relativas aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013
- comprovativos de transferência da quantia de € 40 050,00 a favor do 1.º réu
- extratos das suas contas bancárias desde 1 de janeiro de 2012 até esta data
- recibos de vencimento de janeiro de 2012 a janeiro de 2013
- comprovativos de pagamento das despesas - judiciais e extrajudiciais – com os processos executivos identificados nos pontos 35.º e 37.º desta petição
Estes documentos destinam-se à prova dos pontos 48.º a 150.º desta petição. (…)”
*
O 1º réu apresentou contestação deduzindo as excepções de caso julgado e de falta de interesse em agir. No mais, impugnou os factos alegados pela autora, inclusive os constantes sob os art. 120º e 121º da p.i..
A 2ª ré apresentou contestação impugnando os factos alegados pela autora, designadamente os referidos nos art. 120º e 121º da p.i..
*
A autora apresentou resposta
*
Foi proferido despacho saneador, onde se conheceu as excepções deduzidas, foi identificado o objecto do litígio - Apurar se os reconhecimentos e confissões de dívida que visavam garantir os supostos valores mutuados pela 2ª Ré ao 1º Réu são nulos, por ser simulados e, consequentemente, se é de declarar extintos os processos executivos identificados em 35º e 37º da petição inicial, por inexistência de título.

E foram enunciados os seguintes temas de prova:
1) Crédito da Autora;
2) As confissões de dívida e acordos globais de pagamento assinados pelos RR e apresentados por T. G. para justificar o seu crédito no processo especial para acordo de pagamento concretizam uma estratégia delineada para enganar a Autora;
3) Nunca a 2ª Ré emprestou qualquer importância ao 1º Réu;
4) A 2ª Ré assumiu-se, de forma fictícia, credora do 1º Réu, para enganar os credores e evitar sucessivas penhoras e até a insolvência pessoal daquele;
5) A 2ª Ré não dispunha de condições económicas que lhe permitissem emprestar ao 1º Réu a quantia em causa;
6) A 2ª Ré deu entrada das execuções em causa a pedido do 1º Réu e de forma combinada com este;
7) O 1º Réu teve necessidade de se socorrer de familiares e terceiros, como a 2ª Ré, para obter liquidez que lhe permitisse fazer face aos seus compromissos financeiros.
*
Foi proferido despacho em 07/05/2021 que convidou a autora a juntar documentos e que admitiu os requerimentos probatórios sendo que aí, além do mais, consta: “Notifique os Réus H. C. e T. G. nos termos requeridos na petição inicial sob as alíneas c) e d), ao abrigo do disposto no art. 429º do CPC.”. Mais foi designada data para julgamento.
*
Através do requerimento de 19/05/2021 o 1º réu insurgiu-se acerca da referida notificação dizendo que os pagamentos em causa foram efectuados em numerário, através de entregas parcelares, o requerido não se mostra devidamente justificado e fundamentado e é desproporcional colocando em causa a reserva da sua vida privada.
A autora não apresenta factos concretos ou quais as concretas informações que pretende com a referida junção e tais documentos não são imprescindíveis para a prova dos factos.
A autora exerceu o contraditório justificando o peticionado como a sua necessidade de prova do não recebimento de qualquer quantia pela 2ª ré do 1º réu e vice-versa e da ausência de capacidade financeira dos réus em concretizar o negócio impugnado. Refere que a jurisprudência e a doutrina têm, a este respeito, adoptado e desenvolvido um conjunto de indícios que permitem aferir a existência de simulação, tais como: as condições pessoais e/ou patrimoniais dos envolvidos, as relações mantidas entre si, os factos que precedem a declaração do negócio, as circunstâncias em que foi declarado, o seu próprio conteúdo (aqui merecendo especial atenção os valores declarados e a forma de pagamento acordada e/ou efetivo pagamento), as circunstâncias ocorridas posteriormente à sua declaração mas com ele relacionadas e os movimentos bancários registados entre as contas bancárias tituladas pelos envolvidos. Configuram, assim, factos essenciais e instrumentais todos aqueles que sirvam para prova do “giro de dinheiro” entre as contas das partes envolvidas nos negócios declarados e a relação de proximidade mantida entre todos os que participaram nesse “giro”.
E conclui dizendo que, “Caso o tribunal considere que o hiato temporal de 01 de janeiro de 2012 até outubro de 2019 se mostra demasiado alargado, a autora requer que os réus sejam notificados para juntar os extratos de todas as contas bancárias de que eram titulares pelo menos entre 01 de janeiro de 2012 a 01 de dezembro de 2013, período que abrange os factos em discussão.”
A 2ª ré requereu, por várias vezes, a prorrogação do prazo dizendo encontrar-se fora do país.
*
Em 21/06/2021 foi proferida a seguinte decisão:
“Notifique os Réus para juntarem aos autos os extratos de todas as contas bancárias por si tituladas no período compreendido entre 1 de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2013 (e não até 2019, como anteriormente havia sido ordenado), por serem essenciais à justa decisão da causa, tendo em conta os temas de prova fixados. (…)”
*
Não se conformando com esta decisão veio o 1º réu dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1.º As quantias monetárias objecto dos presentes foram efectivadas em numerário, através de entregas parcelares.
2.º O requerimento para junção de extratos bancários do R., in casu, além de não se encontrar devidamente justificado e fundamentado, afigura-se manifestamente desproporcional,
3.º Pois não se mostra determinante, necessária e imprescindível, a referida junção, para demonstrar a factualidade controvertida, sendo, até, manifestamente inútil, assim como violadora dos direitos de reserva da sua vida privada.
4.º A decisão proferida, s.d.r., configura violação do estatuído nos artigos 130.º, 410.º, 411.º, 417.º, 429.º e 436.º, do C.P.C. e art.º 26.º, n.º 1, da C.R.P. Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 30 de Abril de 2020, P. 828/19.8T8BRG-B.G1, Alcides Rodrigues, disponível no site www.dgsi.pt.”
Pugna pela revogação do despacho recorrido.
*
Foram apresentadas contra-alegações.
*
Em 07/10/2021 a 2ª ré veio dizer que “No que se refere ao extrato bancário, encontrando-se a conta bancária já encerrada, não se afigura possível a sua obtenção, ainda que pela via electrónica”, “Considerando que a R. ainda não se encontra em Portugal.”
*
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 2 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., a questão a decidir prende-se com a necessidade ou indispensabilidade da junção aos autos da prova requerida pela autora.
*
II – Fundamentação

Os factos que relevam para a decisão a proferir são os que constam do relatório que antecede que, por brevidade aqui se dão por integralmente reproduzidos.
*
Subsunção jurídica
Nos presentes autos a autora pretende a declaração de nulidade de dois “reconhecimentos de dívida e plano de pagamento”, assinados pelo 1º réu e apresentados pela 2ª ré, por haverem sido simulados alegando que nunca a segunda emprestou a quantia de € 40.500,00, nem outra qualquer, ao primeiro tanto mais que a mesma nem tem condições económicas para tal. Como reforço desta afirmação referiu a autora disse na petição que inexistem movimentos bancários que o comprovem e, a existirem, apenas demonstrarão o “giro do dinheiro”.
Os réus, nas suas contestações, impugnaram genericamente estas afirmações.
Na sequência da admissão dos requerimentos probatórios foi ordenada a notificação dos réus para juntarem, além do mais, comprovativos da transferência/ recebimento da referida quantia de € 40.500,00, bem como extractos bancários desde 01/01/2012.
O 1º réu insurgiu-se dizendo que tal quantia foi entregue em parcelas em numerário. A 2ª réu disse que já não tinha acesso aos extractos bancários.
Vejamos.
O direito à prova é uma das vertentes da garantia constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva prevista no art. 20º, nº 1 da C.R.P.. Resulta da garantia dada ao cidadão de participar no processo, de poder influenciar o conteúdo da decisão, do direito a um processo equitativo (nº 4 do mesmo preceito).
O acima referido direito à prova significa que as partes conflituantes têm o direito a utilizar a prova em seu benefício e como fundamento das suas pretensões ou defesas. Têm ainda o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal, bem como o direito à contraprova.
“As provas têm como função a demonstração da realidade dos factos (art. 341º do C.C.).
A instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova (art. 410º do C.P.C., diploma a que pertencerão os preceitos a citar sem menção de origem) ou os fundamento da acção ou da defesa (art. 423º nº 1 1ª parte). Esses factos são os factos essenciais que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as excepções, os factos instrumentais e complementares (art. 5º nº 1, nº 2 a) e b)), sem prejuízo dos factos notórios ou que o tribunal conheça em virtude das suas funções (5º nº 2 c) e 412º).
Contudo, o direito à prova não é um direito absoluto na sua essência ou ilimitado.
No que concerne a prova documental um dos limites que a lei impõe respeita ao momento da sua apresentação, o que se mostra regulado no art. 423º.
A regra é a sua apresentação com o articulado respectivo conforme dispõe o art. 423º nº 1 (p.i. – art. 552º nº 6, contestação – art. 572º d) ou articulado superveniente – art. 558º nº 5), prevendo a lei situações em que é admissível a alteração do requerimento probatório. Fora destes momentos e excepcionalmente a junção de documentos terá que obedecer ao disposto no nº 2 e 3 do art. 423º.
Outra restrição ao direito à prova documental prende-se com a sua pertinência e necessidade.
Nos termos do art. 443º nº 1 Juntos os documentos e cumprido pela secretaria o disposto no art. 427º, o juiz (…) e verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, manda retirá-los do processo e restitui-os ao apresentante, condenando este no pagamento de multa nos termos do Regulamento das Custas Processuais.

A propósito do art. 543º nº 1 anterior à Revisão, mas cujo texto coincide com o actual 443º nº 1, lê-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 26/03/2009 (Pereira Rodrigues), endereço a que pertencerão os Acórdão a citar sem menção de origem:

I. Consideram-se impertinentes os documentos que, por sua natureza, não possam ter qualquer influência na decisão da causa, ou por dizerem respeito a factos que lhe sejam estranhos, ou por representarem factos irrelevantes para a decisão, ou ainda por o seu conteúdo ser de tal modo inócuo que dele nada possa resultar.
II. Consideram-se desnecessários os documentos que, atento o estado da causa, nada sejam susceptíveis de acrescentar no bom desfecho da lide, ou por dizerem respeito a factos que já se mostrem devidamente comprovados, ou por respeitarem a factos que não constem do elenco a apurar na discussão da causa, ou ainda por os autos já se mostrarem instruídos por documentos de igual ou superior relevo (por ex. juntar a fotocópia do original já nos autos).
A junção dos documentos pode ter origem no oferecimento espontâneo pelas partes (art. 423º), requerimento da parte interessada (art. 429º a 435º) e requisição judicial (art. 436º).
Tendo em atenção estes considerandos importa analisar a especificidade da prova nas acções em que se pretende a demonstração da simulação.
Dispõe o art. 240º do C.C.: “Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz simulado” (nº1) e O negócio simulado é nulo (nº 2).

À luz deste normativo são, assim, três os requisitos para que haja simulação:

a) divergência (intencional) entre a vontade real e a vontade declarada;
b) acordo simulatório entre declarante e declaratário (ou pactum simulationis - conluio entre as partes contratantes, anterior ou concomitante ao negócio aparente);
c) intuito de enganar terceiros (animus decipiendi) que pode ou não cumular-se com a intenção de prejudicar outrem (animus nocendi).

A simulação pode ser absoluta - compreende os casos em que ao negócio aparente não corresponde negócio jurídico algum (colorem habet, substanciam vero nullum) - ou relativa - quando ao negócio aparente/simulado corresponde um negócio jurídico diverso do querido pelas partes, negócio dissimulado. Nesta última a lei permite o aproveitamento do negócio dissimulado nos termos do art. 241º do C.C..
O ónus da prova dos requisitos supra referidos cabe, segundo as regras gerais, a quem invoca a simulação.
No concerne à prova da simulação referia Beleza dos Santos, in “Simulação em Direito Civil”, Vol. II, Coimbra, 1955, p. 160/161, apud Ac. do S.T.J. de 19/01/2017 (António Joaquim Piçarra), in www.dgsi.pt, endereço a que pertencerão os acórdãos a citar sem menção de origem: “aqueles que efectuam contratos simulados ocultam os seus propósitos e intenções, não manifestando publicamente a sua vontade de simular, antes se esforçando em tornar verosímil o que há de aparente e fictício no acto que praticam”. Por essa razão, “há quase sempre que recorrer para a demonstrar a um conjunto de factos conhecidos, tais como as condições pessoais ou patrimoniais dos outorgantes, as relações em que eles se encontram entre si, os factos que precedem a realização do acto jurídico, as circunstâncias em que foi celebrado, o seu próprio conteúdo e finalmente os factos posteriores à celebração, mas com eles relacionados. Destes factos, que se conhecem, se deduzirá a simulação que se pretende demonstrar. Dentre esses factos constituirão indícios aproveitáveis aqueles que, segundo o que ensina a experiência comum, segundo o que normalmente acontece na vida, em regra só se verificam, quando se praticam actos simulados”.
Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, p. 224 a 235, alude a diversos indícios de simulação, designadamente, no que aqui importa, ao indício necessitas (motivo atendível para o negócio com vista a obter o máximo rendimento dos bens, o seu sustento ou o aumento da riqueza); indício affectio (relações familiares, de amizade, de negócios, profissionais ou de dependência, anteriormente firmadas entre os intervenientes); indício subfortuna (incapacidade financeira ou desproporcionalidade entre os meios económicos do adquirente e os encargos por ele assumidos e declarados no negócio simulado); indício movimento bancário (o rasto documental e bancário do pagamento e movimento de dinheiro) e indício investimento (não demonstração do destino dado ao dinheiro que ingressou no património). Dos indícios pode resultar a causa simulandi (o motivo ou interesse que determina a actuação do simulador).
Estes indícios considerados isoladamente têm pouco significado, mas conjugados entre si à luz da experiência comum poderão apontar no sentido da prova da simulação.
Neste sentido vide, entre outros, Ac. desta Relação de 02/02/2017 (Maria João Matos), da R.C. de 16/01/2018 (Moreira do Carmo).
Revertendo ao caso em apreço verificamos que a autora alegou factos subsumíveis aos supra referidos indícios como a “estratégia” delineada com a 2ª ré, pessoa com quem o 1º ré mantém relações de amizade e parentesco, para tornar impossível ou dificultar que aquela fosse ressarcida do seu crédito; a incapacidade financeira desta, cidadã porto-riquenha, para lhe entregar a quantia global de € 40.050,00; a ausência de rasto documental bancária do movimento deste valor, bem como a não aplicação do mesmo na vida pessoal ou empresarial do 1º réu.
Sendo o próprio réu a admitir o alegado pela autora no que concerne à inexistência de movimentos bancários que comprovem a entrega pela 2ª ré da quantia em causa mostra-se manifestamente desnecessário a junção de extractos bancários que o comprovem e consubstancia um acto inútil vedado por lei (art. 130º). Assim, a intromissão na vida privada do réu não se mostra necessária para a descoberta da verdade material e realização da justiça.
Neste sentido vide Ac. desta Relação de 14/02/2019 e 30/04/2020 (Alcides Rodrigues, aqui Adjunto).
Assim sendo, procede a presente apelação.
*
As custas da apelação são da responsabilidade da autora face ao seu decaimento (art. 527º, nº 1 e 2).
*
Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I - O direito à prova, uma das vertentes da garantia constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, não é um direito absoluto na sua essência ou ilimitado.
II – No que concerne a prova documental um dos limites que a lei impõe respeita ao momento da sua apresentação e outro prende-se com a sua pertinência e necessidade.
III – Na prova da simulação, uma vez que é muito rara e difícil a prova directa, há em regra que recorrer ao uso de presunções judiciais alicerçadas em indícios como, por exemplo, o indício necessitas (motivo atendível para o negócio com vista a obter o máximo rendimento dos bens, o seu sustento ou o aumento da riqueza); o indício affectio (relações familiares, de amizade, de negócios, profissionais ou de dependência, anteriormente firmadas entre os intervenientes); o indício subfortuna (incapacidade financeira ou desproporcionalidade entre os meios económicos do adquirente e os encargos por ele assumidos e declarados no negócio simulado); o indício movimento bancário (o rasto documental e bancário do pagamento e movimento de dinheiro) e indício investimento (não demonstração do destino dado ao dinheiro que ingressou no património).
IV – Num caso em que a autora invoca a simulação alegando que a 2ª ré não emprestou qualquer quantia ao 1º réu, tanto mais que não tem condições económicas para tal, que inexistem movimentos bancários que o comprovem e tendo este contraposto que o pagamento em causa foi feito em numerário e em parcelas, mostra-se manifestamente desnecessária a junção por este de extractos bancários pelo que não é, assim, de admitir esta requerida prova documental.
*
III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e consequentemente revogam a decisão recorrida.
Custas pela apelada.
**
Guimarães, 25/11/2021

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues