Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO BEÇA PEREIRA | ||
Descritores: | ERRO NO MEIO PROCESSUAL APROVEITAMENTO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/11/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | O meio processual próprio para o executado atacar a validade do título executivo, com fundamento em que a "sentença [do Julgado de Paz] que serve de título executivo no presente processo é nula", é a oposição à execução; não por simples requerimento apresentado na execução. No âmbito do disposto no artigo 193.º n.º 3 do Código de Processo Civil não é possível aproveitar o errado meio processual utilizado pela parte quando esta praticou o ato depois de já ter terminado o prazo de que dispunha para recorrer ao meio processual adequado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I Na presente execução, que corre termos no Juízo de Execução de Chaves, em que é exequente M. P. e executada M. G., esta apresentou, a 28-5-2021, um requerimento em que diz: "(…) vem mui respeitosamente, nos termos do art. 286.º do CC, arguir a nulidade nos termos e com os fundamentos seguintes: O título executivo do presente processo tem como base uma sentença condenatória, proferida a 26 de junho de 2016 pelos Julgados de Paz de Vila Real processo 106/2015-JP, cfr. doc. junto nos autos. Nesse mesmo processo foi proferida previamente uma sentença absolutória, a 25 de junho de 2015, sobre a mesma pretensão. Cfr. doc. n.º 1 que se junta para os devidos efeitos. No douto requerimento inicial apresentado a 09/04/2015, nos julgados de paz de Vila Real, é peticionado a condenação da aqui requerente, no pagamento de 2500 € a título de rendas em atraso por incumprimento decorrente das obrigações assumidas no contrato de arrendamento. Cfr. doc. n.º 2 que se junta para os devidos efeitos. Ora, com todo o respeito, inexplicavelmente, sem que nada o fizesse, passado um ano, estes Julgados de Paz proferem, uma segunda douta sentença, a condenar executada/ requerente, em indemnização por falta de restituição do locado, Quando esta restituição nem sequer foi peticionada no requerimento inicial supra junto. Assim, a aqui requerente com todo o respeito foi condenada num objeto diverso do pedido. Posto isto, esta última sentença que serve de título executivo no presente processo é nula por condenação em objeto diverso do pedido, al e) do n.º 1 do art. 615.º do CPC. Mais, ao abrigo do art. 44.º da lei 78/2001, lei dos julgados de paz, apenas é admitida cumulação de pedidos no momento da propositura da ação e pese embora se aplique subsidiariamente o CPC, a lei especial derroga a lei geral, lex specialis derrogat legi generali. A presente nulidade é passível de ser arguida a todo tempo pelo que é temporânea ao abrigo do art. 286.º do CC. Nestes termos, com o mui douto suprimento de V. Exª deve a sentença que serve de título executivo ser declarada nula e consequentemente valorada a sentença absolutória proferida a 25 de junho de 2015 supra junta com as legais consequências." Então a Meritíssima Juiz, a 25-6-2021, proferiu o seguinte despacho: "A Executada M. G. foi citada para, querendo, deduzir embargos de executado e oposição à penhora pelo que, deveria ter vindo suscitar nos autos as questões relacionadas com a existência e validade da obrigação e invocar as questões que tivessem por pertinentes relacionadas com a sentença que serve de título executivo aos presentes autos. Entendeu por bem apresentar um requerimento avulso a suscitar a nulidade da dita sentença, o que não é legalmente permitido. Ora, como se disse, tendo sido citada nos presentes autos, a Executada podia ter vindo deduzir oposição à execução e/ou à penhora, contudo, teria de o fazer pelos meios adequados e proceder aos pagamentos dos montantes devidos pelo respetivo incidente de oposição à execução de modo a ser determinado que o dito requerimento fosse autuado por apenso para ser apreciado. Não tendo procedido em conformidade e não o tendo feito no momento apropriado, entendemos que um requerimento avulso junto aos autos não é o meio processualmente adequado para suscitar tais questões nos autos e obter o efeito pretendido pela Executada, motivo pelo qual se indefere o requerido." Inconformado com esta decisão, a executada dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo, findando a respetiva motivação, com as seguintes conclusões: 1- Salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode o Recorrente conformar-se com o douto despacho com a referência n.º 35714768 proferido pelo Tribunal "a quo". 2- Consta neste despacho "um requerimento avulso junto aos autos não é o meio processualmente adequado para suscitar tais questões nos autos e obter o efeito pretendido pela Executada, motivo pelo qual se indefere o pedido". 3- Ora, para além de na nossa humilde opinião a arguição ter sido usado num modo idóneo, até porque a lei não típica qual o meio concreto para arguir a nulidade, podendo esta inclusivamente ser arguida oralmente. 4- Para alem disto e para que não possa ser violado um direito fundamento consagrado no art. 20.º da CRP, teria sempre de convidar ao aperfeiçoamento e nunca indeferir liminarmente, art. 145.º n.º 3 CPC, 5- Com todo o respeito, se o tribunal a quo considerasse que o requerimento deveria ter sido autuado por apenso, deveria ter convidado a Executada nos termos no art. 145.º n.º 3 do C.P.C. a suprir qualquer irregularidade e não proferir despacho de indeferimento. 6- O que não o fez e que a apelante não aceita. Não foram apresentadas contra-alegações. As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil (1), delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se: a) a arguição da nulidade foi feita através de "modo idóneo" (2); b) "o tribunal a quo considerasse que o requerimento deveria ter sido autuado por apenso, deveria ter convidado a Executada nos termos no art. 145.º n.º 3 do C.P.C. a suprir qualquer irregularidade e não proferir despacho de indeferimento" (3). II 1.º Para a decisão das questões sub iudice importa ter ainda presente que o título executivo apresentado pela exequente é a sentença, de 29-1-2016, proferida no processo 106/2015-JPVR do Julgado e Paz de Vila Real e que a executada foi citada nesta execução no dia 8-7-2020. Vejamos. Com o seu requerimento de 28-5-2021 é pacífico que a executada visa atacar a validade do título executivo, pois sustenta, em síntese, que a "sentença que serve de título executivo no presente processo é nula" e requer que "a sentença que serve de título executivo (…) [seja] declarada nula". Assim, face ao disposto nos artigos 731.º e 729.º n.º 1 a), o meio processual para, com este fundamento, atacar o título executivo é a oposição à execução. Portanto, tem inteira razão a Meritíssima Juiz quando afirma que "um requerimento avulso junto aos autos não é o meio processualmente adequado para suscitar tais questões nos autos e obter o efeito pretendido". 2.º A executada defende também que o tribunal devia tê-la convidado "nos termos no art. 145.º n.º 3 do C.P.C. a suprir qualquer irregularidade e não proferir despacho de indeferimento". A referência ao artigo 145.º n.º 3 deve resultar de um lapso, visto que este preceito se reporta à falta de comprovação do pagamento de taxa de justiça. A executada possivelmente tem em mente o mecanismo do n.º 3 do artigo 590.º. Como é sabido, "o convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso" (4). Sucede que o requerimento da executada não padece de algum desses vícios; o mesmo é dizer que não há lugar a qualquer convite. A questão que se coloca é outra; é a de saber se, à luz do estabelecido no n.º 3 do artigo 193.º (5), o juiz tinha que ter corrigido oficiosamente o meio utilizado, de forma a converter o requerimento em petição de oposição à execução. Lembra-se que este "n.º 3 trata, já não do erro na forma do processo (global), mas do erro no meio processual utilizado pela parte no âmbito dum processo. Autor e réu têm ao seu alcance, ao longo do processo, meios de atuação que a lei processual lhes disponibiliza para veicularem e fazerem vingar as suas pretensões ou oposições, quer no plano do mérito, quer no das questões processuais (articulados, requerimentos, respostas, reclamações, recursos, embargos). O n.º 3 cuida do erro da parte no ato de utilização de um desses meios, determinando o aproveitamento daquele que a parte haja inadequadamente qualificado, mas cujo conteúdo - subentende-se - se adeqúe ao meio que devia ter sido utilizado; o juiz, oficiosamente, observado o princípio do contraditório, corrige o erro e manda proceder à tramitação própria deste último." (6) Todavia, "não há (…) lugar ao aproveitamento do errado meio processual quando já não seja admissível, por intempestivo, o meio processual que se adequaria ao caso" (7). Ora, tendo a executada sido citada sido citada em julho de 2020 e dispondo de 20 dias para deduzir oposição à execução (8), naturalmente que, quando em maio de 2021 apresentou o requerimento em causa, já há muito que se tinha esgotado o prazo perentório de que dispunha para recorrer àquele meio processual. Sendo assim, a Meritíssima Juiz não podia proceder à convolação do requerimento da executada em petição de oposição à execução. Uma palavra final apenas para lembrar que o artigo 286.º do Código Civil, que a executada invoca, refere-se à nulidade do negócio jurídico; não à nulidade de que possa padecer uma sentença de um julgado de paz. Neste contexto, nenhuma censura merece o despacho do tribunal a quo. III Com fundamento no atrás exposto julga-se improcedente o recurso, pelo que se mantém a decisão recorrida. Custas pela executada. 11 de novembro de 2021 António Beça Pereira Ana Cristina Duarte Alexandra Rolim Mendes 1. São deste código todos os artigos adiante mencionados sem qualquer outra referência. 2. Cfr. conclusão 3.ª. 3. Cfr. conclusão 5.ª. 4. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, pág. 679. 5. Este preceito deve ser visto numa perspetiva mais ampla, conjugando-se com o disposto nos artigos 6.º, 146.º n.º 2 e 547.º. 6. Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, pág. 397 e 398. Sobre esta matéria veja-se o Ac. STJ de 10-2-2015 no Proc. 572/14.2TYVNG-B.P1 e a doutrina do Ac. STJ 2/2010 de Fixação Jurisprudência, www.gde.mj.pt. 7. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª Edição, pág. 398. Neste sentido veja-se Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Edição, pág. 247. 8. Cfr. artigo 728.º n.º 1. |