Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2881/22.8T8BRG.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: CONTRATO PROMESSA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
VENDA DE BENS ALHEIOS
VENDA DE BENS FUTUROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DOS AUTORES IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Há que distinguir a inexistência de licença de utilização ou de construção das situações em que se mostra impossível a sua obtenção: a falta de licença de utilização ou de construção (prevista no DL 281/99) traduz-se numa nulidade atípica prevista no artigo 410º nº 3 do Código Civil que não é de conhecimento oficioso, o que impede que o tribunal com base na simples inexistência dessa licença possa concluir pela nulidade do contrato, por considerar o seu objeto impossível.
2- Com efeito, é possível a celebração de contrato de compra e venda de bens futuros e de bens alheios e as razões de forma do contrato definitivo não se aplicam ao prometido, pelo que as partes podem validamente prometer comprar e vender um bem que ainda não é passível de transmissão.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

. I - Relatório

Recorrentes e Autores:  AA e BB.
Recorrida e Ré:  EMP01... - CONSTRUÇÕES, LDª
Apelação   em ação declarativa com processo comum

Os Autores pediram, a título principal:
.a  que seja reconhecido que a ré não cumpriu voluntariamente com as suas obrigações que resultavam do contrato promessa que celebrou com os autores, designadamente a celebração do contrato de compra e venda prometido;
.b que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da ré, tendo em vista a celebração do contrato de compra e venda prometido.
 A título subsidiário:
 .a  Seja reconhecido que a ré incumpriu definitivamente o contrato promessa e declarada a sua resolução por incumprimento definitivo da ré, mantendo os autores o sinal pago por esta, no valor total de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) e quanto ao mais extinguindo-se os efeitos do contrato promessa e do respetivo aditamento;
.b A ré seja condenada a indemnizar os autores pela responsabilidade civil contratual em que incorreu, devendo pagar o valor de € 31.286,52 (trinta e um mil duzentos e oitenta e seis euros e cinquenta e dois cêntimos) pelos danos patrimoniais causados, a quantia mensal de € 200,00 (duzentos euros) por cada mês posterior em que a ré se encontra a ocupar o imóvel em questão, e ainda o valor de € 10.000,00 (dez mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pelos autores.
Alegaram, em síntese, (como se resumiu na sentença recorrida) que celebraram com a ré um contrato promessa de compra e venda relativo a uma parcela de terreno a destacar de um prédio rústico de que são proprietários. Tendo obtido o destacamento e chegada a data que foi acordada para a celebração do contrato definitivo, a ré recusou-se à sua celebração invocando que na parcela de terreno existia uma construção que não tinha licença de utilização. A questão da falta da licença de utilização era do conhecimento da ré e não foi considerada relevante quando foi celebrado o contrato promessa, tendo o preço sido estabelecido atendendo precisamente a este aspeto. Assim, pretendem que o contrato definitivo seja celebrado independentemente da existência da licença de utilização, ficando depois a ré responsável pela sua obtenção. Subsidiariamente, pretendem a resolução do contrato promessa por incumprimento imputável à ré e a sua condenação a pagar uma indemnização pelos prejuízos que causou.
A ré contestou. Em súmula, invocou que ficou acordado que a legalização da construção que existe na parcela de terreno era da responsabilidade dos autores. Todavia, aceita a execução específica do contrato promessa sem a legalização da construção.
Realizada audiência prévia, foi proferido saneador sentença que julgou a ação integralmente improcedente e absolveu a ré dos pedidos.

É deste saneador-sentença que as autoras recorrem, terminando a motivação com as seguintes
conclusões:
“I) Objeto do Recurso. 
1- O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual decidiu, em suma, absolver a ré de todos os pedidos formulados pelos autores.

II) DA MATÉRIA DE FACTO:
A) OS CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE SE CONSIDERAM INCORRETAMENTE JULGADOS
2- A este propósito, e de forma muito breve, os autores consideram que o ponto 5 dos factos dados (que ora se dá por integralmente reproduzido) como provados encontra-se incompleto.
3- Isto porque, apesar de ser verdade que o prédio ora em causa é um prédio urbano em sentido lato, afigura-se útil especificar que se trata de uma parcela de terreno para construção, e não qualquer outra espécie de prédio urbano.
B) OS CONCRETOS MEIOS PROBATÓRIOS, CONSTANTES DO PROCESSO, QUE IMPUNHAM DECISÃO SOBRE OS PONTOS DA MATÉRIA DE FACTO IMPUGNADOS DIVERSA DA RECORRIDA:
4- Para prova da realidade do prédio em causa, veja-se a caderneta predial da parcela de terreno em causa, bem como a respetiva certidão do registo predial e certidão de destaque da parcela, juntas, respetivamente, como documentos ..., ... e ... com a petição inicial – sendo certo que o próprio Tribunal a quo menciona esta certidão registo na sua motivação (ponto 3. da sentença ora recorrida).
C) A DECISÃO QUE, NO ENTENDER DOS RECORRENTES, DEVE SER PROFERIDA SOBRE AS QUESTÕES DE FACTO IMPUGNADAS:
5- Neste seguimento, entendem os recorrentes que deverá o ponto 5 dos factos dados como provados ser aditado, da seguinte forma:
6- “Actualmente, a parcela de terreno corresponde ao prédio urbano – parcela de terreno para construção - sito em ..., ..., ..., com a área de 817 m2, descrito no registo predial sob o nº...33 e inscrito no art. ...80º da matriz predial respectiva”.

III) DA MATÉRIA DE DIREITO:
A) DA ERRÓNEA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS NORMAS CONSTANTES DOS ARTIGOS 830º do C.C. e 1º do DL 281/99, de 26 de Julho, EM VIRTUDE DA DESNECESSIDADE DE APRESENTAR A “LICENÇA DE UTILIZAÇÃO” DO PRÉDIO ORA EM CAUSA:
7- Entendem os ora recorrentes que o Tribunal a quo, na decisão proferida, violou a norma dos artigos 830 do C.C., na medida em que recusou dar provimento ao pedido de execução específica do contrato-promessa em causa nos autos (com o fundamento que a seguir se descreve); 
8- Mais violou a norma constante do artigo 1º do DL 281/99, de 26 de Julho, ao considerar que o prédio objeto dos autos não podia ser objeto de transmissão sem a “licença de utilização”, não podendo assim ser celebrado o respetivo contrato prometido, pelo que também não poderia ser obtida a execução específica.
9- Ainda relacionadas com esta interpretação, o Tribunal a quo não aplicou corretamente as normas constantes dos artigos 410º, nº3, 808º e 804º, n2, todos do C.C.. 
10- Urge aqui realçar que as partes entenderam, por posição expressa nos articulados, que era possível celebrar o contrato prometido e que a sua alegada impossibilidade sem a obtenção da “licença de utilização” não era, sequer, uma questão; o Tribunal a quo é que a suscitou espontaneamente. 
11- Espontaneamente e erroneamente, no entender dos ora recorrentes, pelo simples facto de que, apesar de o prédio em causa ser um prédio urbano, está em causa uma parcela de terreno para construção – tal como resulta da caderneta predial do imóvel, da certidão predial e da certidão do destaque da parcela de terreno em causa, respetivamente documentos ..., ... e ... juntos com a petição inicial. 
12- Isto é, para efeitos da mera venda do prédio em causa (desconsiderando aqui a existência de uma construção ilegal no prédio), qualquer notário ou entidade competente para a celebrar o contrato prometido (mediante escritura pública ou documento particular autenticado) nunca necessitaria de qualquer “licença de utilização”, pois o prédio objeto do contrato é uma mera parcela de terreno para construção e, nesse conspecto, não está abrangido pela exigência prevista no DL 281/99, de 26 de Julho.
13- Significa isto que não é necessária – nem possível - qualquer “licença de utilização” para o prédio ora em causa, que não é suscetível de obter qualquer licença dessa índole, enquanto parcela de terreno para construção que é.
14- Ponto assente é que, para efeitos da celebração do contrato prometido – que, recorde-se, será a venda de uma parcela para construção (sendo certo que o prédio apenas é urbano com esta finalidade) – não seria necessária qualquer licença; 
15- Não está em causa uma moradia, uma fração autónoma, sequer mesmo um pavilhão ou armazém, mas antes e sempre uma parcela de terreno para construção.
16- Foi sempre esta a realidade com que as partes lidaram e com base na qual celebraram o negócio em causa. 
17- Por outro lado, e conforme se expôs na petição inicial, as partes omitiram do contrato promessa e do seu aditamento a existência da construção existente no terreno – sequer a necessidade de a “legalizar” e quem seria responsável por essa legalização.
18- Se a “legalização” desta construção fosse um elemento essencial da vontade das partes, seguramente elas teriam, pelo menos, feito uma alusão à construção no contrato promessa ou no seu aditamento;
19- A este propósito, urge analisar a própria contestação apresentada pela ré: apesar de, num primeiro momento, a ré defender que a “legalização” da construção era um elemento essencial (uma “pedra basilar”) para a realização do contrato de compra e venda prometido, a verdade é que acaba por inverter essa posição, numa espécie de pedido reconvencional – que não o é – em que pugna, precisamente, pela celebração do contrato de compra e venda prometido sem a obtenção de qualquer licença – vide “pedido” constante da alínea c) da parte final da contestação deduzida.
20- Ademais, há também que atentar na cláusula primeira, número três do contrato promessa celebrado – mediante a qual as partes declararam, expressamente, que a “autonomização, nos termos do registo predial, daquela parcela de terreno” ficaria a cargo da segunda outorgante – isto é, da ora ré (com os custos imputados aos primeiros outorgantes). 
21- Serve isto para demonstrar que, mesmo que as partes tivessem representado a necessidade de “legalizar” a construção para celebrar o contrato prometido – que não representaram -, então, à luz do contrato que celebraram, tal responsabilidade nunca seria imputável aos autores mas antes à ré. 
22- Destarte, afigurando-se possível a celebração do contrato prometido sem qualquer licença de utilização, deverá revogarse a decisão ora em crise, substituindo-a por outra que dê por provado o incumprimento contratual da ré e que, em consequência, profira a declaração negocial da ré que está em falta, o que se requer.

Sem prescindir,
B) DA NULIDADE DO CONTRATO PROMESSA CELEBRADO, EM VIRTUDE DA IMPOSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DA “LICENÇA DE UTILIZAÇÃO” E DA LEGALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO EXISTENTE:
23- A sentença ora recorrida oferece um laivo de resolução final e definitiva da questão, mas não mais que isso: menciona expressamente a impossibilidade objetiva de incumprimento, caso se os autores “considerem” que “a legalização da construção e obtenção da licença de utilização não são possíveis”, mas não a declara expressamente. 
24- Ora, se o Tribunal a quo entende que é, de facto, de aplicar o artigo 1º do DL 281/99, de 26 de Julho, deve determinar que não seria possível celebrar o contrato prometido (o contrato de compra e venda), por falta do elemento constante daquele normativo.
25- E assim sendo, caso se entenda que é impossível celebrar o contrato de compra e venda prometido em virtude da falta de licença de utilização e da falta da “legalização” da construção existente no prédio, essa impossibilidade estendese ao contrato promessa, com a consequente invalidade (leiase, nulidade) desse contrato promessa.
26- A este propósito, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/02/2019, processo 908/17.4T8GRD.C1, cuja passagem relevante se transcreveu supra – embora todo o aresto seja, em si, útil à boa resolução da presente lide. 
27- O Tribunal da Relação de Coimbra entendeu, desde logo, que o prédio objeto do contrato era urbano (apesar de, formalmente, ser rústico) e que estava sujeito ao DL 281/99, de 26 de Julho;
28- Nesse seguimento, entendeu também que, existindo uma vivenda “ilegal” (sem licença de construção ou utilização), já desde a altura da celebração do contrato promessa, numa situação que se mantinha na altura em que a questão foi dirimida, então havia uma impossibilidade objetiva e originária da prestação, com a consequente nulidade do contrato promessa – que deveria ter sido a decisão adotada pelo Tribunal a quo, perfilhando como perfilhou este entendimento.
29- Ora, basta entrar-se no âmbito de aplicação do referido artigo 1º (isto é, basta estar em causa um prédio urbano ou de suas frações autónomas) para que, automaticamente, a existência e apresentação dos elementos aí referidos se torne um verdadeiro requisito da validade do negócio, sem o qual o mesmo é inválido. 
30-       E, como é consabido, são de aplicar ao contrato promessa as normas relativas ao contrato prometido – artigo 410º, nº3 do Código Civil - quanto à validade desse contrato, designadamente quanto aos elementos formais essenciais. 
31-       Em essência, se a exigência legal do artigo 1º do DL 281/99, de 26 de Julho é aplicável ao contrato de compra e venda que as partes prometeram realizar (sendo certo que esta exigência se trata de um requisito de validade desse contrato prometido), esse mesmo requisito é aplicável ao contrato promessa em si, e a sua ausência implica a nulidade do contrato promessa, tal como significaria a nulidade do contrato de compra e venda (prometido) ao abrigo do disposto no artigo 401º, nº1 do Código Civil – impossibilidade objetiva e originária da prestação, por violação de normas de direito público.
32- Assim sendo, deverá decretar-se a nulidade do contrato promessa de compra e venda, decorrente da impossibilidade objetiva e originária da prestação, nos termos do artigo 401º, nº1 do Código Civil, que sempre seria de conhecimento oficioso (artigo 286º do C.C.), com todas as consequências que da nulidade advêm.
33- Sendo certo que essa reposição implicará, necessariamente, a reparação de quaisquer danos que se verifiquem no imóvel, bem como o ressarcimento das despesas tidas pelos autores e ainda a compensação pela privação do uso do imóvel durante todo o tempo em que houve ocupação do imóvel pela ré – ou seja, os danos e valores já invocados e peticionados na petição inicial.

Contudo, e sempre sem prescindir,
C) DA NECESSIDADE DE OS AUTOS PROSSEGUIREM OS SEUS ULTERIORES TERMOS, DE FORMA A AFERIR DA (IM)POSSIBILIDADE OBJETIVA DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO PROMETIDO
34-       Na eventualidade de se entender que a impossibilidade de obtenção dos elementos ora em causa (e, por conseguinte, da celebração do contrato prometido) não ficou demonstrada nestes autos, designadamente por não terem sido recolhidas provas suficientes dessa impossibilidade atendendo às características da construção e aos regulamentos urbanísticos aplicáveis, então a solução passará não pela simples absolvição da ré do pedido, como decidiu a primeira instância (dando a “dica” de que os autores devem “optar” entre obter os elementos que o Tribunal a quo considera necessários ou “considerar” que esses elementos não são passíveis de obtenção), mas antes no prosseguimento dos autos nos seus ulteriores termos – designadamente, audiência de discussão e julgamento – para que se possa discutir e asseverar essa possibilidade.
35- Destarte, e em última instância, deverá a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, por forma a que sejam discutidas as questões relevantes que compõem o presente litígio – nomeadamente, a aferição da (im)possibilidade de obtenção da “licença de utilização” do imóvel ora em discussão.

Por último, caso assim não se entenda,
D) DO RESULTADO INÍQUO EM QUE SE TRADUZ A SENTENÇA ORA RECORRIDA, CONTRÁRIO AOS LIMITES IMPOSTOS PELOS BONS COSTUMES E PELA BOA-FÉ.
36- Independentemente de toda a matéria alegada supra, os ora recorrentes não podem senão realçar o carácter abusivo do resultado determinado pela sentença ora recorrida. 
37- As partes sempre souberam que era esta a realidade com base na qual celebraram o negócio: a venda de uma parcela de terreno de 817m2 com uma construção ilegal lá implantada, por 50.000,00€.
38- Se as partes tivessem querido celebrar qualquer outro negócio, tê-lo-iam consignado no contrato promessa, no seu aditamento ou em qualquer outro documento outorgado por ambos.
39- Aliás, se as partes tivessem sequer equacionado que seria necessário proceder a essa legalização, indubitável é que teriam regulamentado isso no contrato promessa, o que manifestamente não fizeram.
40- E não o fizeram porque sempre entenderam que o que estava a ser vendido era uma parcela de terreno e não uma qualquer construção.
41- Em síntese, a sentença ora em causa premeia a ré e o seu incumprimento, a qual – recorde-se – se encontra a utilizar o terreno a seu bel-prazer, como se proprietária dele fosse, apenas tendo pago metade do valor acordado (25.000,00€); 
42- Ademais, se os autores fossem vender não uma parcela de terreno (devidamente legalizada que está) mas uma construção com logradouro (devidamente “legalizada”), os termos do contrato seriam diferentes – designadamente quanto ao preço, que seria superior.
43- Os autores não podem ser forçados a vender, pelo mesmo preço, uma coisa diferente daquela que negociaram – ou melhor, de características diferentes -, pois uma coisa é vender uma parcela de terreno (que tem uma construção não legalizada), outra coisa bem diferente é vender uma construção devidamente legalizada com um logradouro extenso. 
44- Portanto, se os autores forem obrigados a obter qualquer licença (mormente, de utilização) para a venda do imóvel prometido, estarão a ser direta e ostensivamente prejudicados relativamente à ré.
45- Trata-se de uma situação iníqua, que excede os limites impostos pela boa-fé e é, portanto, abusiva, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334º do Código Civil. 
46- Por outro lado, a ré estaria diretamente a enriquecer, de forma injustificada, à custa dos autores, ao adquirir um bem mais valioso que aquele que as partes tinham inicialmente negociado, pelo mesmo preço.
47- Seria um autêntico enriquecimento sem causa, nos termos e para os efeitos do artigo 473º do Código Civil. 
48- Destarte, deverá permitir-se a celebração do contrato prometido entre as partes tal como as mesmas já concordaram ser possível e, uma vez que a ré se recusou à celebração desse contrato de forma voluntária, deverá proferir-se decisão judicial que se substitua à declaração de vontade desta, tal como peticionado na petição inicial, o que se requer.
Nestes termos, não só certamente pelo alegado mas principalmente pelo alto critério de Vªs Exªs, deverá ser dado provimento ao presente e, em consequência:
a)  Aditar-se o ponto 5 da matéria de facto dada como provada, passando o mesmo a ter a seguinte redação: Actualmente, a parcela de terreno corresponde ao prédio urbano – parcela de terreno para construção - sito em ..., ..., ..., com a área de 817 m2, descrito no registo predial sob o nº...33 e inscrito no art. ...80º da matriz predial respectiva”;
b)  Revogar-se a sentença ora recorrida, substituindo-a por outra que reconheça que não é aplicável ao caso concreto a norma do artigo 1º do DL 281/99 de 26 de Junho e que o Tribunal a quo operou uma errónea interpretação deste normativo, bem como das normas previstas nos artigos 830º (e 410º, nº3, 808º e 804º, n2) do C.C. e que se substitua à declaração de vontade da ré para a execução específica do contrato prometido;
c)  Caso assim não se entenda, reconhecer-se a nulidade do contrato promessa por impossibilidade objetiva e originária do mesmo, em virtude da falta de um requisito de validade do mesmo (artigo 1º do DL 281/99 de 26 de Junho e artigos 401º, nº3, 410º, nº 3, 280º e 286º do C.C.), nulidade esta que é de conhecimento oficioso, com as legais consequências;
d)  Sem prescindir, e caso assim não se entenda, revogar-se a decisão ora recorrida, ordenando a sua remessa à 1ª instância de forma a aferir da (im)possibilidade de obtenção da “licença de utilização” ou de qualquer outro elemento de “legalização” do imóvel que seja aplicável;
e) Ainda sem prescindir, e caso assim não se entenda, reconhecer-se que a decisão ora em crise representa um resultado iníquo e desajustado à realidade negocial que as partes tiveram por base e que é contrário à boa fé, aos bons costumes e ao fim prosseguido pelo direito titulado pela ré, ao abrigo do disposto no artigo 334º do C.C., com as legais consequências.”

O Recorrido apresentou resposta, concluindo, em súmula, pelo bem fundado da sentença recorrida, apresentando as seguintes
conclusões

“A. Antes de mais, os Recorrentes interpuseram   o seu Recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, após o termo do prazo legal de 30 dias, no 1.º dia de multa, procedendo à junção do documento único e comprovativo do respetivo pagamento da competente multa no montante € 45,90,(quarenta e cinco euros  e noventa cêntimos ),  valor esse que é manifestamente incorreto. 
B. Já que, na verdade, deveriam, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 139.º CPC que estabelece que ”se o ato for praticado no 1.º dia, a multa  é fixada em 10% da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 1/2 UC”, 
C. Os AA/recorrentes não cumpriram as pertinentes imposições legais, ou seja, não cumpriram o estipulado na alínea a) do n.º 5  do artigo 139.º CPC, pois, de modo erróneo, apenas juntaram o comprovativo de pagamento de  multa devida pela pratica do ato no montante na quantia de  € 45,90,(quarenta e cinco euros  e noventa cêntimos ),  quando a lei impõe que efetuasse o pagamento de tal multa na quantia de €51,00.
D. Tudo isto a significar que se impõe e requer, respeitosamente, que V/Exa. em conformidade com tudo o supra alegado, que notifique os AA/recorrentes  para proceder ao pagamento do remanescente da multa em falta, acrescida da competente   penalização de 25% do valor da multa, nos termos do que dimana o artigo 139.º 6 do CPC.
E. A aqui Recorrida declina, de forma lapidar, toda a insustentável argumentação apresentada pelos Recorrentes nas suas alegações de recurso.
F. E isto porque os recorrentes demandaram em Acão declarativa de processo comum a aqui Ré, pedindo que fosse reconhecido que a ré não cumpriu voluntariamente com as suas obrigações que resultavam do contrato promessa que celebrou com os AA, designadamente a celebração do contrato de compra e venda prometido e que fosse proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da ré, tendo em vista a celebração do contrato de compra e venda prometido. 
G. Ou, se assim não se entendesse, que fosse reconhecido que a ré incumpriu definitivamente o contrato promessa e declarada a sua resolução por incumprimento definitivo dela, mantendo os AA o sinal pago por esta, no valor total de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) e quanto ao mais extinguindo-se os efeitos do contrato promessa e do respetivo aditamento;  
H. Mais peticionaram que a Ré fosse condenada a indemnizar os AA pela responsabilidade civil contratual em que incorreu, devendo pagar o valor de € 31.286,52 (trinta e um mil duzentos e oitenta e seis euros e cinquenta e dois cêntimos) pelos danos patrimoniais causados, a quantia mensal de € 200,00 (duzentos euros) por cada mês posterior em que a ré se encontra a ocupar o imóvel em questão, e ainda o valor de € 10.000,00 (dez mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pelos autores. 
I. Por sentença datada de 20/02/2023, veio o Tribunal a quo julgar, e muito bem, a ação intentada pelos AA/recorrentes integralmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos cotra ela formulados pelos AA, não dando como provados quaisquer factos alegados pelos AA. 
J. Por virtude de tal decisão desfavorável para os AA, vieram interpor recurso de apelação da mesma, quer quanto à matéria de facto no que concerne ao ponto 5 quer quanto à matéria de direito, alegando erro na aplicação da matéria de direito e a errónea interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 830.º  do C.C. e 1º do DL 281/99, de 26 de Julho, em virtude da desnecessidade de apresentar a “ Licença de utilização” do prédio objeto dos presentes autos; 
K. Os AA/recorrentes nas suas alegações de recurso insurgem-se, prima facie, contra a sentença recorrida, alegando, em síntese, que se afigura possível a celebração do contrato prometido sem qualquer licença de utilização, devendo, por isso, a sentença em crise, ser substituída por outra que dê por provado o incumprimento contratual da ré e que, em consequência, profira a declaração negocial da ré que está em falta, 
L. Mais alegam existir nulidade do contato promessa celebrado em virtude da impossibilidade de obtenção da licença de utilização e da legalização da construção existente, peticionando a nulidade do contrato de promessa de compra e venda, decorrente da impossibilidade objetiva e originária da prestação, nos termos do artigo 401º, nº1 do Código Civil, que sempre seria de conhecimento oficioso (artigo 286º do C.C.), 
M. Alegando e peticionando também a necessidade de se aferir da (im)possibilidade objetiva da celebração do contrato promessa, 
N. Terminando as suas alegações de recurso por considerar que, em face da matéria por eles alegada, realçam o abuso de tal sentença, considerando que ela premeia a ré e o seu incumprimento,  e que a Ré se encontra a utilizar o terreno a seu bel-prazer, como se proprietária dele fosse, apenas tendo pago metade do valor acordado, ou seja, apenas tendo pago a quantia de  €25.000,00 (vinte e cinco mil euros),  
O. E que se os AA forem obrigados a obter qualquer licença (mormente, de utilização) para a venda do imóvel prometido, estarão a ser direta e ostensivamente prejudicados relativamente à ré,
P. Logo, na tese deles, a sentença   excede os limites impostos pela boa-fé e é, portanto, abusiva, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334º do Código Civil. 
Q. Que a ré estaria diretamente a enriquecer, de forma injustificada, à custa dos AA, ao adquirir um bem mais valioso que aquele que as partes tinham inicialmente negociado, pelo mesmo preço. 
R. Terminando por alegar que se está perante um autêntico enriquecimento sem causa, nos termos e para os efeitos do artigo 473º do Código Civil. 
S. Solicitando a celebração do contrato prometido entre as partes tal como as mesmas já concordaram ser possível e, uma vez que a ré se recusou à celebração desse contrato de forma voluntária, deverá proferir-se decisão judicial que se substitua à declaração de vontade desta, tal como peticionado na petição inicial.
T. Sendo, nessa senda, que os AA/Recorrentes apresentaram o recurso de apelação. 
U. E entendimento da aqui Recorrida que a decisão proferida não enferma  de qualquer errónea interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 830.º  do C.C. e 1º do DL 281/99, de 26 de Julho, em virtude da desnecessidade de apresentar a “ Licença de utilização” do prédio objeto dos presentes autos.
V. Feita esta resenha do conteúdo do recurso interposto, cumpre alegar que, na verdade, a sentença recorrida não merece qualquer reparo, não tendo a argumentação expendida pelos aqui Recorrentes qualquer fundamento válido, quer do ponto de vista fáctico, quer do ponto de vista jurídico. 
W. No caso sub judice não foi ignorada qualquer matéria relevante para a decisão da causa na fixação da matéria de facto provada e não provada, contrariamente ao alegado e muito reiterado pelos Recorrentes, a sentença recorrida está de acordo com o rigor probatório com referência ao princípio da verdade matéria. 
X. O Tribunal a quo formou a sua convicção na posição concordante que foi assumida pelos Recorrentes e pela aqui Recorrida nos articulados e nos documentos juntos aos autos, designadamente no contrato promessa e no aditamento que foi celebrado entre as partes, na certidão do registo predial relativa à parcela de terreno com a área de 817 m2 e na cópia da carta que os Recorrentes enviaram à aqui Recorrida. 
Y. Conforme resulta da matéria dada como provada, Recorrentes e Recorrida celebraram entre si um contrato promessa bilateral de compra a venda, definido como o contrato pelo qual uma parte se obriga a vender e a outra se obriga comprar, em determinado prazo, uma coisa ou outro direito mediante um preço (artº. 410º nº1 e 874º do Cód. Civil), Tal contrato celebrado foi referente a uma parcela de terreno com a área de 817 m2 a destacar do prédio rústico sito na Rua ..., em ..., ..., descrito no registo predial sob o nº...51 e inscrito no art.º  ...99º da matriz predial respetiva
Z. Foi realizado o destaque de tal parcela de terreno corresponde ao prédio urbano sito na Rua ..., em ..., ..., com a área de 817 m2, descrito no registo predial sob o nº...33 e inscrito no art.º ...80º da matriz predial respetiva. 
AA. Nesse referido prédio urbano existe uma construção destinada a uma vacaria que não consta do registo predial e não tem licença de utilização, acordando Recorrentes e Recorrida que a celebração do contrato definitivo ficava subordinada à condição de que os Recorrentes procederem  à legalização/ licenciamento construtivo da vacaria edificada  na parcela de terreno prometida vender.
BB. Mais estipularam as partes que a escritura pública se realizaria em data e local escolhidos pelos Recorrentes , no prazo de seis meses a partir da data em que fosse concluído o destaque (da parcela a que se refere a Cláusula primeira do Contrato promessa), no prazo máximo de 12 meses, quando os Recorrentes procedessem à legalização/ licenciamento construtivo da vacaria edificada na parcela terreno prometido vender. 
CC. As partes estipularam que o valor do negócio se cifraria em €50.000,00 (cinquenta mil euros), ficando a Recorrida obrigada ao pagamento, a título de sinal da quantia de €5.000€ (cinco mil euros). quantia essa que, efetivamente foi paga, por transferência bancária para a conta dos recorrentes nos cinco dias posteriores à data de tal celebração do contrato promessa. 
DD. Submetendo o contrato de promessa de compra e venda ao regime de execução especifica, nos termos do artigo 830.º do Código Civil. 
EE. Os Recorrentes obrigaram-se perante a aqui recorrida que o mandatário daqueles ficava incumbido de proceder à devida à legalização/ licenciamento construtivo da vacaria edificada na parcela de terreno prometida vender, 
FF. Efetivamente os Recorrentes procederam à autonomização da parcela de terreno mediante destaque com área de 817m2, mas não procederam no prazo máximo de 12 meses, conforme acordado, à legalização/ licenciamento construtivo da vacaria edificada na parcela de terreno prometido vender, 
GG. Assim, recorrentes e recorrida, em 03 de Julho de 2020 fizeram um aditamento no qual estipularam, além do mais, que a Recorrida entregariam, naquela data, a quantia de € 20.000 € (vinte mil euros) a título de reforço de sinal, estipulando também que prorrogariam a data para a celebração da escritura pública até ao final de 31 de agosto de 2020 ( ou seja, de forma a permitir aos Recorrentes legalizarem a vacaria existente na parcela de terreno) HH. A aqui recorrida constatou que ainda não se encontrava devidamente licenciada tal  construção ( vacaria).,  tudo isso apesar de já ter procedido ao pagamento da quantia de €25.000,00 ( vinte e cinco mil euros), ou seja, metade do valor acordado. 
II. Sempre ficando claro e inequívoco entre Recorrentes e Recorrida que o contrato definitivo ficava dependente do licenciamento construtivo existente em tal terreno rústico, 
JJ. Situação que sempre foi pacífica entre as partes envolvidas, por decorrer de forma notória e clara do próprio teor do contrato realizado entre as partes e da circunstância evidente de que essa falta de licenciamento construtivo antes de realizar o destaque só poderia  ser imputada aos Recorrentes e só a eles.  
KK. Dada a evidente e notória dificuldade de obtenção por parte da Recorrida desse licenciamento construtivo e inscrição da edificação existente, ou seja, da vacaria na parcela de terreno prometido vender. Foi nessa conformidade, que Recorrentes e Recorrida realizaram aditamento ao contrato prometido em 03/07/2020, ficando aditado na 
LL. Onde ficou consignado na cláusula segunda do aditamento que a  prorrogação da data para a celebração do contrato de compara e venda definitivo até ao dia ../../2020, 
MM. Após o decurso desta data, e tendo os Recorrentes cabal conhecimento de que o mandatário deles não tinham procedido ao licenciamento construtivo,  deixaram de contactar com a aqui Recorrida  e de  mostrar interesse em celebrar o contrato de compra e venda definitivo,  nem demostraram mais qualquer interesse nessa legalização/licenciamento, pedra angular da realização da escritura definitiva de compra e venda. 
NN. Os recorrentes nunca cumpriram, a condição sine qua non da legalização/licenciamento construtivo da vacaria, pelo que seriam inócuas as notificações deles à aqui Recorrida para celebrar a escritura definitiva, 
OO. Pelo que há uma contradição evidente no alegado pelos Recorrentes , havendo  por parte deles um venire contra factum proprium.  Em momento algum a Recorrida se remeteu ao silêncio e se furtou à celebração da escritura definitiva, muito pelo contrário. 
PP. Nem tal conduta faria qualquer sentido até porque esta já há muito que tinha procedido ao pagamento de metade do preço acordado e já tinha efetuado várias benfeitorias no imóvel edificado na parcela de terreno prometida vender. 
QQ. Sendo que foram os recorrentes que sempre asseguram o licenciamento construtivo da edificação da vacaria.
RR. Foi  a falta desse licenciamento por parte dos Recorrentes que os foi levando ao protelamento da marcação da escritura definitiva, 
SS. Fazendo-o porque sabiam que não iriam, de modo nenhum, conseguir legalizar/licenciar a vacaria edificado em tempo útil ,
TT. Foram eles que não cumpriram o contrato prometido no sentido de preencherem os pressupostos factuais e legais  base da realização do contrato prometido.
UU. Nem faria sentido algum a Recorrida após ter procedido ao pagamento de metade do preço se furtar ao cumprimento da sua obrigação. 
VV. E de tal modo que posteriormente, após várias tentativas de contacto, que se revelaram frustradas, foi a recorrida que teve de deitar mão de uma Notificação Judicial Avulsa suportando , como isso, despesas de mandatário e judiciais, e  todos os incómodos e inconvenientes, que tal processo judicial acarretou. 
WW. Foi a recorrida que em tal notificação judicial avulsa requereu a realização imediata da escritura do contrato de compra e venda, com a indicação do dia e hora para a realização da mesma no prazo máximo de 30 dias, e para a qual deveram ir munidos da  legalização/ licenciamento construtivo da vacaria edificada  na parcela de terreno prometido vender. 
XX. Notificação essa que os Recorrentes, mais uma vez, fizeram total tábua rasa. 
YY. A aqui Recorrida sempre demostrou   interesse em celebrar tal contrato definitivo, uma vez que é ela que está arcar com manifestos prejuízos pela falta de realização da escritura definitiva, atenta a falta de água e luz,  que os Recorrentes  de má-fé procederam   ao corte nas competentes identidades,o que impediu a Recorrida de desenvolver a sua atividade comercial e empresarial de forma plena. 
ZZ. Tudo isto revela bem a má-fé substancial e processual dos Recorrentes  que em vez de resolveram a agilizarem a legalização/ licenciamento construtivo da vacaria edificada  na parcela de terreno (após rececionarem a NJA)  e marcarem a data da escritura definitiva, fizeram absoluta tábua rasa  da mesma, não dando qualquer resposta nem se quer se dignando a contactar a Recorrida  para proceder a marcação da escritura. 
AAA. Passando a ter, isso sim, uma injustificada conduta agressiva e danosa para com a Recorrida, como manobra desviante da sua incapacidade de legalizar a construção edificada na parcela de terreno, sem a pertinente licença. 
BBB. Intentando uma Ação contra a aqui Recorrida, alegando espuriamente que foi a ela que se recusou a celebrar o contrato de compra e venda, imputando-lhe um incumprimento totalmente desfasado da verdade e da realidade. 
CCC. E conforme resulta da sentença, a aqui Recorrida já tinha procedido ao pagamento de metade do preço acordado e investido muito dinheiro em melhoramentos no dito pavilhão. 
DDD. Ficando demostrado que os Recorrentes apenas intentaram tal  ação para com o manifesto intuito de se vitimizarem e peticionarem indemnizações escandalosas, infundadas e indevidas, 
EEE. Até porque, independentemente dos motivos e intenções gizadas e planeadas pelos Recorrentes  estes sempre souberam que era cabal e clara intenção da Recorrida  celebrar o contato definitivo, intenção essa de que os Recorrentes sempre tiveram pleno conhecimento. 
FFF. Apenas pretenderam com a propositura de tal Ação  eximirem-se das suas responsabilidades contratuais  para com a Recorrida , e bem pior do que isso ainda tivera, o despudorado desplante e ousadia de peticionarem a exorbitante quantia a título de danos patrimoniais e não patrimoniais,   na quantia de € 31.286, 52 por danos patrimoniais ( que nem justifica  e quantifica a origem dos mesmos), acrescida da quantia de €200 euros por cada mês de atraso  e ainda danos não patrimoniais na quantia de € 10.000,00, 
GGG. E, desse modo, peticionam, inusitadamente, a execução especifica, nos termos do que dimana o disposto no artigo 830.º do Código Civil em consequência do não cumprimento do contrato prometido por parte da Recorrida. 
HHH. Insurgindo-se os recorrentes contra a sentença recorrida que julgou, e muito bem, a ação integralmente improcedente, absolvendo a aqui recorrida dos pedidos abusivos por eles formulados. 
III. Mas sem qualquer fundamento já que, na verdade, o que se pode dizer nesta sede é que a sentença recorrida se peca é por defeito, atenta os documentos carreados nos autos e aos factos dados como provados que se deveria celebrar o contrato promessa definitivo com a redução do preço atento o incumprimento do acordado por parte dos
Recorrentes, e só por culpa destes. 
JJJ. Os recorrentes começaram por pretender a execução especifica do contrato promessa nos termos do artigo 830.º do CC, só que, conforme resulta da sentença recorrida, a falta de licença de utilização é impeditiva da execução específica do contrato promessa. A execução específica consiste numa sentença que substitui a declaração do contraente faltoso e opera a celebração do contrato definitivo.
KKK. A celebração do contrato definitivo através da execução específica está sujeita aos mesmos requisitos legais da sua celebração através do cumprimento voluntário dos contraentes, 
LLL. No caso in mérito, não podem ser realizados atos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou frações autónomas sem que se faça prova da existência da correspondente licença de utilização perante a entidade que celebrar a escritura ou autenticar o documento particular. 
MMM. Ou seja, não podendo ser celebrado o contrato definitivo sem que exista previamente a licença de utilização, também não pode ser obtida a sua execução específica. 
NNN. Os Recorrentes alegam insistentemente que a Recorrida tinha conhecimento da falta de licença de utilização, tendo o preço sido estabelecido atendendo precisamente a este aspeto, e que tal contrato apenas ficava dependente do destacamento da parcela de terreno com a área de 817 m2
OOO. Não lograram provar que a recorrida seria responsável pela obtenção da licença de utilização previamente à celebração do contrato definitivo, O que alegam é que a questão da falta da licença de utilização não foi considerada relevante quando foi celebrado o contrato promessa, pelo que pretendem que o contrato definitivo seja celebrado sem que seja obtida previamente.
PPP. Conforme bem se decidiu na sentença do Tribunal a quo, o mecanismo previsto no art.º 808º do Cód. Civil tem como pressuposto uma situação de mora do devedor, e  esta apenas se verifica quando a prestação não foi efetuada no tempo devido por causa que é imputável ao devedor e ainda é possível (art.º 804º nº2 do Cód. Civil)., 
QQQ.  E, no caso in merito, não se verifica qualquer situação de mora imputável à aqui Recorrida, uma vez  que as partes acordaram que o contato definitivo seria celebrado até ../../2020, mas para teriam imperativamente de os  recorrentes obtido  a licença de utilização, sem a qual o contrato definitivo não podia ser celebrado, nos termos do art.º 1º do Dl. nº281/99 de 26 de Julho.
RRR. Não poderiam os Recorrentes espuriamente peticionarem um incumprimento por parte da Recorrida, quando eles bem sabem, e não podem ignorar, que quem incumpriu forem eles.  
SSS. Quando ficou mais do que provado que a celebração do contrato definitivo estava dependente da licença de utilização obtida previamente pelos aqui recorrentes.  
TTT. E porque tal se traduzia numa ilegalidade, o que não podia ser imposto à recorrida, muito menos a recusa na celebração do contato definitivo por parte da recorrida sem a obtenção de tal licença foi ilícita, 
UUU. Pelo que nunca a Recorrida lhe poderia ser imputada uma situação de mora,  nem  lhe podendo ser aplicada resolução do contrato nos termos do art.º  808º do Cód. Civil. 
VVV. Conforme resulta da sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância, a conduta não foi ilícita,  apenas  lhe poderia ter imputado qualquer comportamento culposo   se tivesse ficado acordado que  era ela a  responsável pela obtenção da licença de utilização, o que, como referimos, não foi alegado nem provado pelos Recorrentes, 
WWW. Tudo isto a significar que nesta parte e nesta sede se não pode imputar qualquer nulidade da sentença recorrida. Razão pela qual, se reitera e se alega, que cabe aos recorrentes a obtenção da licença de utilização para ser possível a celebração do contrato definitivo, 
XXX. Ou considerar que a legalização da construção e a obtenção da licença de utilização não são possíveis, proceder-se à redução do preço acordado entre as partes. 
YYY. Tudo isto a significar que a sentença recorrida não enferma de qualquer vício ou premeia qualquer putativo,  e não provado , incumprimento da recorrida. 
A. Pelo que, em suma, são infundadas as alegações de recurso dos Recorrentes devendo ser julgadas totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos, como V/Exas., Venerandos Desembargadores, com toda a certeza decidirão, fazendo, como sempre Justiça.”

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º, nº 4, 639º, nº 1, 5º, nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º, nº 2, do mesmo diploma.

Atento o teor das alegações e conclusões cumpre decidir:

.1- se deve ser alterada a matéria de facto provada no sentido apontado por este;
.2- se o prédio objeto dos autos podia ser objeto de transmissão sem a “licença de utilização”, nos termos do artigo 1º do DL 281/99, de 26 de julho e em caso negativo, se a revogação deste diploma altera o destino da ação.

III- Fundamentação de Facto

 Segue o elenco da matéria de facto provada e não provada a considerar, indicando-se os factos selecionados na sentença, com a menção da alteração a que conduziu a procedência da impugnação da matéria de facto provada (no ponto 5):

Factos provados:
 1. No dia 31 de outubro de 2019, por documento escrito intitulado contrato promessa de compra e venda prédio rústico, constante de fls. 21 verso e 22 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, os autores e a ré acordaram no seguinte:
- Os autores prometeram vender e a ré prometeu comprar uma parcela de terreno a destacar do prédio rústico sito em ..., ..., ..., com a área total de 1850 m2, descrito no registo predial sob o nº ...51 e inscrito no art. ...99º da matriz predial respetiva;
- A parcela de terreno que os autores prometeram vender e a ré prometeu comprar tinha a área de 817 m2 e estava identificada no anexo ao acordo que foi celebrado, o qual consta de fls. 19 verso e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
- O preço da venda era de € 50.000,00;
- A ré entregou aos autores a quantia de € 5.000,00 a título de sinal;
- O contrato definitivo era celebrado na data e no local a indicar pela ré, no prazo de seis meses a contar da conclusão do destaque da parcela de terreno e, em qualquer caso, no prazo máximo de doze meses;
- A parte restante do preço era paga quando fosse celebrada a escritura pública relativa ao contrato definitivo;
- O acordo ficava sujeito ao regime da execução específica do contrato promessa;
- Os autores a ré prescindiam mutuamente do reconhecimento das assinaturas.
2. No dia 3 de julho de 2020, por documento constante de fls. 20 e 20 verso e que aqui se dá por integralmente reproduzido, os autores e a ré acordaram num aditamento ao acordo anterior nos seguintes termos:
- A ré procedeu ao reforço do sinal através da entrega da quantia adicional de € 20.000,00;
- A data para a celebração do contrato definitivo era prorrogada até ao dia ../../2020.
3. A ré entregou aos autores a quantia total de € 25.000,00 a título de sinal;
4. No dia 22 de Junho de 2020, os autores obtiveram o destaque da parcela de terreno;
5. Atualmente, a parcela de terreno corresponde ao prédio urbano – parcela de terreno para construção - sito em ..., ..., ..., com a área de 817 m2, descrito no registo predial sob o nº ...33 e inscrito no art. ...80º da matriz predial respetiva” (na sentença este ponto tinha a seguinte redação:  Atualmente, a parcela de terreno corresponde ao prédio urbano sito em ..., ..., ..., com a área de 817 m2, descrito no registo predial sob o nº...33 e inscrito no art. ...80º da matriz predial respetiva)
6. Neste prédio urbano existe uma construção destinada a uma vacaria que não consta do registo predial e não tem licença de utilização;
7. A ré recusou-se a celebrar o contrato definitivo sem a licença de utilização desta construção;
8. No dia 22 de Abril de 2021, os autores enviaram à ré uma carta registada com aviso de receção a comunicar que a celebração do contrato definitivo estava marcada para o dia 6 de Maio de 2021, às 15.00 horas, no escritório de uma senhora solicitadora;
9. A ré não compareceu na data que os autores tinham designado para a celebração do contrato definitivo;
10. No dia 1 de Junho de 2021, os autores enviaram à ré uma carta registada com aviso de receção a comunicar que devia proceder à marcação do dia e da hora para a celebração do contrato definitivo no prazo de vinte dias e que, se o não fizesse, consideravam o acordo celebrado no dia 31 de Outubro de 2019 definitivamente incumprido exclusivamente por uma causa que lhe era imputável;
11. A ré não procedeu à marcação do dia e da hora para a celebração do contrato definitivo;
12. No dia 5 de Julho de 2021, através de uma notificação judicial avulsa, a ré procedeu à notificação dos autores para a celebração do contrato prometido, devendo estes assegurar a legalização da construção e a obtenção da licença de utilização.

2. Factos não provados:

 Com relevância para a decisão da causa não resultaram provados quaisquer outros factos.

III- Fundamentação de Facto e de Direito

A- Da impugnação da matéria de facto
Os Autores pretendem que onde se lê “Atualmente, a parcela de terreno corresponde ao prédio urbano sito em ..., ..., ..., com a área de 817 m2, descrito no registo predial sob o nº...33 e inscrito no art. ...80º da matriz predial respetiva” se passe a ler “Atualmente, a parcela de terreno corresponde ao prédio urbano – parcela de terreno para construção - sito em ..., ..., ..., com a área de 817 m2, descrito no registo predial sob o nº...33 e inscrito no art. ...80º da matriz predial respetiva”.
Alegam, em síntese, que tal resulta da caderneta predial, da certidão do registo predial e da certidão de destaque da parcela, que constituem os documentos ... a ... juntos com a petição inicial.
 Verificada a certidão do registo predial efetivamente consta tal precisão, pelo que a mesma pode ser operada, visto que apenas se refere à forma como o prédio se encontra registado. A Recorrida nada opõe a esta alteração, apenas assumindo que não existiu qualquer omissão na matéria de facto provada. No entanto, esta faz parte da questão de direito que há que apreciar infra, pelo que nada obsta a que se defira a tal aditamento, o que desde já se faz, apondo-a supra, no local destinado à enunciação da matéria de facto provada.

B- Da aplicação do Direito

.1 -Da aplicação do artigo 1º do DL 281/99 e das suas consequências na execução específica

Está em causa essencialmente a aplicação do artigo 1º do DL 281/99 (com as alterações do DL 116/2008 de 4-7-2008), onde se lia: “1 - Não podem ser realizados atos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas frações autónomas sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização, perante a entidade que celebrar a escritura ou autenticar o documento particular. 2 - Nos atos de transmissão de imóveis é feita sempre menção do alvará da autorização de utilização, com a indicação do respetivo número e data de emissão, ou da sua isenção. 3 - Nos prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, a menção deve especificar se a autorização de utilização foi atribuída ao prédio na sua totalidade ou apenas à fração autónoma a transmitir. 4 - A apresentação de autorização de utilização nos termos do n.º 1 é dispensada se a existência desta estiver anotada no registo predial e o prédio não tiver sofrido alterações.”
 Afirmam os Recorrentes que a sentença violou esta norma ao considerar que o prédio não podia ser objeto de transmissão sem a “licença de utilização”, não podendo assim ser celebrado o respetivo contrato prometido, pelo que também não poderia ser obtida a execução específica. Defendem que se o mesmo foi considerado urbano é porque o mesmo é uma “parcela de terreno para construção” e que apesar de nele estar erigida uma edificação, ainda não “legalizada”, este prédio não é suscetível de qualquer licença de utilização ou de construção sequer.
No entanto, não justifica estas afirmações, sendo certo que sempre seria necessária a licença para ali erigir uma construção dela suscetível e que o edifício, caso cumprisse as normas urbanísticas necessárias, carecia de licença de utilização.
Assim, não se consegue sufragar o argumento apresentado pelos Recorrentes para afastar do caso as normas do DL. 281/1999, sendo que a licença se mostrava necessária, nomeadamente porque o prédio contém uma edificação urbana (“sofreu alterações” nos termos do citado nº 4 do artigo 1º deste diploma) e não vem invocada nenhuma exceção de carater normativo à aplicação daquela norma.
O artigo 1º do DL 281/99 visava proteger um interesse público da maior importância: não só o combate às construções clandestinas, porquanto as mesmas põem em causa a segurança das pessoas, incluindo os titulares dos prédios (como por exemplo as instalações elétricas, passíveis de causar fogos que a todos atingem ou a estrutura das construções), bem como todos os demais interesses coletivos que estão subjacentes ao direito do urbanismo.
Este ramo do direito público regula as atividades de ocupação, uso e transformação dos solos, com o objetivo de, em primeira linha, assegurar a salubridade e segurança das edificações e dos aglomerados urbanos (não só para quem nelas habita, mas também para segurança para todas as pessoas em geral), assim como o ordenamento de todo o solo, com vista a contribuir para o melhor aproveitamento do território.
Assim, “ainda que seja válido o contrato promessa de compra e venda, se não vierem a reunir-se os legais pressupostos para a realização do contrato definitivo (por não se ter, entretanto, obtido a indispensável licença ou alvará) verificar-se-á a impossibilidade da celebração desse contrato último e, forçosamente, a impossibilidade da respetiva execução específica” como tão bem se expressou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/07/2010 no processo 1360/08.0TBFAF.G1.
Isto porque, como se afirma neste aresto “já que, conforme estabelece o art. 830, nº 1, do C.C., para se obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial faltosa é necessário que a natureza da obrigação assumida pela promessa não seja incompatível com a substituição da declaração negocial”.
Da mesma forma, como resulta do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/12/2019 infra citado: “Das disposições acima transcritas e de outras anteriores, como o R.G.E.U., vemos que o legislador decidiu intervir no direito de construir edifícios urbanos. Fê-lo não só numa perspetiva de segurança, salubridade e estética das mesmas, mas também numa perspetiva de ordenamento do território .A premência e intensidade da necessidade de intervenção no exercício desse direito tem aumentado á medida do galope do fenómeno de urbanização.
As medidas de fiscalização e punição das autoridades administrativas mostraram-se insuficientes há medida que aumentaram o numero e o volume das construções e à medida que se passou a construir para o comércio de massas. Daí que não surpreenda a necessidade de intervir no sentido de regular o comércio dos bens construídos.
Essas intervenções visavam a tutela dos consumidores e não esqueciam que a dificultação do comércio de construções violadoras das regras legais era um travão á ilegalidade por parte do construtor.
A lei de 1980, ao intervir no contrato promessa, fê-lo dando predominância á tutela do interesse do consumidor. Foi essa predominância que a jurisprudência foi reconhecendo, designadamente o assento de 1995. Mas esse assento reconheceu essa predominância apenas no que toca ao contrato promessa, reconhecendo a sua validade, apesar do desrespeito dos requisitos exigidos pela lei, se o promitente comprador não invocasse a nulidade.
Mas não deixou de reconhecer que essa visão não impedia que o legislador, por outras formas sancionasse o desrespeito das normas legais de construção. Ora uma dessa normas encontra-se na lei 46/85 e confirmada pela lei 281/99.
E nessa lei o legislador é radical. Pretende acabar com a introdução no comércio jurídico de construções de que não se faça a prova da sua legalidade, muito embora admita que elas sejam objeto de negócios preliminares.
A permissão da entrada no comércio jurídico de construções naquela situação, por via da execução especifica dos contratos promessa seria contrariar o sentido da lei permitindo que o tribunal se substituísse ao promitente vendedor, emitindo por ele uma vontade que, à face da lei, ele não poderia emitir.
E, essencialmente, porque está o tribunal obrigado ao cumprimento da lei, não pode praticar atos proibidos pela mesma: impedindo esta a transmissão de prédios urbanos sem que se demonstre a existência dessa licença não pode, nem deve ser, proferida decisão pelo tribunal que efetue tal transmissão sem que se verifique o requisito imposto pela lei para que esta seja efetuada.
Assim, a prolação da decisão peticionada preconizaria a prática de um ato contrário a norma que protege os interesses públicos subjacentes ao direito do urbanismo, questão que é de conhecimento oficioso.
Tanto basta para se concluir que a falta da licença de utilização impedia a execução específica peticionada.
Em conclusão: sem que se demonstre que o prédio urbano é dotado de licença de utilização ou de construção não era possível celebrar a escritura pública e não podia proceder o pedido de execução específica (é vastíssima a jurisprudência neste sentido, realçando-se o  acórdão  do Supremo Tribunal de Justiça de 01/08/2004 no processo 04B1311, de 10/29/2015 no processo  886/06.5TBEPS.G2.S1, de 12/03/2001 no processo 2A1283,  de 11/07/2019 no processo 3401/17.1T8FAR.E1.S1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/09/2015 no processo  372/11.1TBALM.L1-8).
Bem andou a sentença em julgar improcedente os primeiros pedidos formulados pelos Autores e em concluir que não ocorreu uma situação de mora imputável à ré.
Os Autores alegam que a existência de licença não era uma questão essencial para as partes, porquanto estão de acordo em celebrar o contrato prometido a prévia licença de utilização da construção existente na parcela de terreno prometida.
No entanto, como é sabido, esta norma protegia interesses públicos de natureza urbanística, de conhecimento oficioso, pelo que não podiam ser postergados pelo interesse destas.

.2- Da mora

Os apelantes pretendem que se considere, não obstante, que a Ré estava em mora, porquanto as partes não representaram que era necessária qualquer licença para a sua realização. Mesmo que tal tivesse ocorrido – não obstante a ré afirmar que os autores se comprometeram a obtê-la – o que releva é a situação objetiva de impossibilidade legal de obter a prestação prometida, que consistia na celebração do contrato de compra e venda.
O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido, diz-nos o artigo 804º nº 2 do Código Civil.
Assim, se a obrigação não era possível, não se pode imputar à Ré a culpa por não a satisfazer. Ou seja: visto que não era possível a celebração do contrato definitivo por falta de licença de utilização ou de construção, não se pode dizer que foi a omissão da Ré em marcar ou comparecer no local onde a escritura pública seria outorgada que causou a sua não concretização.
Assim, também por aqui se não pode dar razão aos apelantes.

.3- Da nulidade do contrato

Os apelantes afirmam que a legalização da construção em causa não é exigível aos autores, atendendo à realidade negocial entre as partes, mesmo que fosse, em abstrato, possível e por isso o a celebração do contrato prometido é impossível de se concretizar, o que determina a nulidade do contrato.
É certo que o artigo   410º, nº 1, do CC consagra o princípio da equiparação, prescrevendo que "à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido”, mas desde logo inclui várias exceções a tal princípio: “excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa".
Com efeito, há que atender que no contrato-promessa emergem prestações de facto jurídico positivo: a obrigação de emitir, no futuro, as declarações de vontade integrantes do contrato definitivo prometido, não tendo a virtualidade de alterar a titularidade da coisa objeto mediato do contrato prometido, pelo que o mesmo em regra é dotado de eficácia meramente obrigacional.
Assim, à promessa de celebração do contrato definitivo não se devem aplicar as disposições legais relativas ao contrato prometido, que, por sua razão de ser, não se lhe devam considerar extensivas, diz-nos o artigo 410º do Código Civil. Afasta, aliás expressamente, as relativas à forma.
Por outro lado, como é sabido, não é proibida a promessa de venda de bens alheios (artigo 292º do Código Civil): limitando-se as partes a obrigar-se à celebração futura do contrato prometido, para terem legitimidade para celebração de contratos-promessa de compra e venda, os promitentes vendedores não precisam de ser proprietários do imóvel a vender. (cf, apud acórdão de 06/04/2013, Abel Pereira Delgado, “Do Contrato-Promessa”, 1978, pág. 95; Almeida Costa, “Contrato-Promessa – Uma Síntese do Regime Vigente”, 7ª ed., págs.45 e 80 e na RLJ, Ano 116.º, pág. 384; Antunes Varela, “Das Obrigações em geral”, vol. I, 9ª ed., pág. 336; João Calvão da Silva, “Sinal e Contrato-Promessa”, 6ª ed., 2001, pág. 29; Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 5ª ed., pág. 92; Ana Prata, “O Contrato Promessa e o seu Regime Civil”, págs. 444/446, e Vaz Serra RLJ, Ano 111.º, pág. 94; Acs. do STJ de 25/02/03, Proc. nº 200/03, 10/02/04, Proc. nº 4458/03, 23/09/04, Proc. nº 04B2296, 20/01/05, Proc. nº 04B4502, 7/02/06, Proc. nº 05A4285 e de 25/10/12, Proc. nº 1993/09.8TBVCT.G1.S1, no ITIJ).
Acresce que é permitida a venda de bens futuros: na venda de bens futuros, de frutos pendentes ou de partes componentes ou integrantes de uma coisa, o vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos, segundo o que for estipulado ou resultar das circunstâncias do contrato, diz-nos o artigo 880º nº 1 do Código Civil.
Assim, nada obsta a que o promitente se obrigue a, no futuro, vender um bem que à data da promessa ainda não está em condições de vender, no pressuposto de virem a ser obtidos os pressupostos que permitam o cumprimento da obrigação. (Questão diferente é considerar-se ter ocorrido qualquer erro sobre o objeto do negócio ou que há mora na obrigação acessória de obter as condições que permitem a celebração do contrato definitivo, questões que aqui se não levantam).
Enfim, nada obsta a que o promitente vendedor se vincule a alienar uma coisa que não tem legitimidade ou capacidade para alienar, uma vez que sempre pode adquirir, entretanto, essa capacidade ou legitimidade ou superar os entraves administrativos que impedem a válida celebração do contrato definitivo, sem prejuízo de se ter em conta que, se o não conseguir, torna-se responsável pelo incumprimento do contrato. Como disse Vaz Serra, Rev. Leg. Jur., ano 104º, pg. 9: "Quando, por isso, é concluído um contrato cujo objecto só pode ser objecto de contrato com aprovação de uma autoridade, o contrato é válido, ainda que não tenha sido dada a aprovação (salvo se desde logo não pudesse contar-se com esta), e, se ela depois não for concedida, o caso é já de impossibilidade superveniente e, consequentemente, não é de nulidade do contrato".
Embora a impossibilidade originária da prestação produza a nulidade do negócio jurídico, nos termos do nº 1 do artigo 402º do Código Civil, logo o seu nº 2 ressalva que o negócio é válido se a obrigação for assumida para o caso de a prestação se tornar possível, ou se, estando o negócio dependente de condição suspensiva ou de termo inicial, a prestação se tornar possível até à verificação da condição ou até ao vencimento do termo.
Desta forma, o facto de à data da promessa ainda não ser possível a concretização do negócio prometido por não estarem ainda reunidos todos os requisitos legais que o permitiriam não determina que o mesmo se deva considerar nulo nos termos do artigo 280º, nº 1, do Código Civil, por impossibilidade legal do seu objeto.
Pode, sim, distinguir-se os casos em que não exista licença de utilização ou construção à data da celebração do contrato promessa, dos casos, muito mais gravosos, em que se mostra impossível vir a obter, em condições normais ou num período de tempo adequado, tal licença. Só neste segundo caso se pode recorrer ao disposto no artigo 280º do Código Civil.
Aliás, é o próprio Código Civil que estabelece uma nulidade atípica quando ocorre a falta de licença de utilização, no artigo 410º nº 3 do Código Civil, não tendo o DL 281/99 de forma alguma pretendido intervir no âmbito da validade do contrato promessa: veja-se que o nº 3 deste diploma, com a redação dada em data posterior á do DL 281/99 (DL n.º 116/2008, de 04/07) manteve a operabilidade da arguição da nulidade por falta de licença de utilização ou construção à sua arguição pelo promitente comprador ou pelo promitente vendedor mediante a alegação de que a mesma foi causada pela outra parte., afastando o seu conhecimento oficioso. Assim, o regime legal estipulado para o conhecimento da nulidade do contrato promessa com fundamento na   falta de licença de utilização ou construção impede que o tribunal oficiosamente considere esse facto, desta feita integrando-o na impossibilidade do objeto.
Fazer coincidir a impossibilidade da prestação com a simples inexistência de licença (e não com a verificação de que o prédio não poderia, em circunstâncias normais, vir a obtê-la) e permitir que o tribunal oficiosamente conhecesse desta nulidade assim formulada, desta feita com o recurso ao artigo 280º do Código de Processo Civil, seria desvirtuar o objetivo da lei.
 Assim, têm razão os apelantes em dizer que as partes podiam validamente celebrar o contrato promessa como fizeram; questão diferente é se conseguiam obter as condições que lhes permitia prestar a obrigação prometida.
Pretendem os apelantes que esta consideração determinava a necessidade de prosseguir os autos para verificar se é possível, e em que condições, obter a licença de utilização, mas essa matéria escapa ao objeto do litigio.
Os Autores pediram que fosse proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da ré, tendo em vista a celebração do contrato de compra e venda prometido, o que já se viu que a sentença não podia fazer. Afirmam ainda na petição inicial, onde definiram a causa de pedir, que “Estando assim cumpridos os pressupostos para a realização do contrato prometido, os autores interpelaram – num primeiro momento, informalmente – a ré para o agendamento de uma data, com vista à celebração daquele contrato. No entanto, a ré, ao arrepio daquilo que tinha acordado com os autores e em contradição com a sua posição anterior, informou (também informalmente) os autores que ainda faltava a legalização da construção constante no terreno, e que sem a mesma não celebrariam o contrato prometido”. Fundam todos os seus pedidos na possibilidade imediata da celebração do contrato prometido, o que se não verificava. Ora, como vimos, não sendo à data possível a celebração do contrato prometido não se podia imputar culposamente a falta de celebração à ré, como é peticionado em primeiro lugar. Assim, sendo improcedentes estes pedidos, não havia razão para prosseguirem os autos.

.4- Da revogação da lei

O artigo 24º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, que entrou em vigor no passado dia 4 de março de 2024, revogou o Decreto-Lei n.º 281/99, de 26 de julho.
Mas esta revogação não tem como consequência a alteração da decisão: só a partir desse momento se pode eventualmente considerar que a obrigação se tornou possível e logo que se pode começar a colocar a existência de mora de alguma das partes quanto à obrigação de celebração do contrato definitivo.
Ora, pressuposto da execução específica é o incumprimento ou mora no cumprimento da obrigação (veja-se apontando para a simples mora o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de no processo 470/19.3T8CBR.C1 de 23/11/2021), e visto que a mesma não ocorreu até agora, há que concluir que não estão reunidos os condicionalismos para que, mesmo que não se verificasse agora o impedimento legal estabelecido no artigo 1º do DL 281/99, a ação pudesse proceder.

V- Decisão

Por todo o exposto, julga -se a apelação improcedente e em consequência mantém-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pela apelante (artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Guimarães, 14 de março de 2024

Sandra Melo
Maria Amália Santos
Paula Ribas