Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDA VENTURA | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO SEGURO AUTOMÓVEL SOBRESSEGURO PRINCÍPIO DO INDMNIZATÓRIO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/16/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1-O seguro de responsabilidade civil automóvel por danos próprios é, como o próprio nome indica, um seguro de danos, sendo-lhe aplicável o regime jurídico do contrato de seguro (LCS), estabelecido pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16.04. 2-A questão do sobresseguro e a consagração do principio do indemnizatório, que vinha sendo objecto de expressa regulação no art. 435.º do CCom, é actualmente regulada pelo DL n.º 72/2008, de 16-04, o qual no seu art. 132.º diz que “se o capital seguro exceder o valor do interesse seguro é aplicável o disposto no artigo 128.º, podendo as partes pedir a redução do contrato” sendo precisamente este art. 128.º que mantém, na legislação nacional relativa ao contrato de seguro, a consagração do princípio do indemnizatório, referindo que “a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro”. 3- O art. 334º do CC prescreve ser ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente s limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. A postura de quem adopta um comportamento que entra em contradição com outra conduta anteriormente assumida, vulgo venire contra factum proprium, integra-se no princípio da tutela da confiança, numa linha de concretização da boa-fé que deve existir nessas relações sociais e comerciais. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1ª Secção): I – RELATÓRIO Nos presentes autos de acção declarativa sob a forma de processo comum veio a A. Anabela Costa Ramos pedir contra a R. GNB – Companhia de Seguros, S.A a sua condenação a pagar-lhe a quantia de €10.800,00, acrescida de juros vincendos a contar da citação até efectivo e integral pagamento bem como na quantia diária de €40,00, contados desde a data do sinistro, a título da privação do uso do veículo até efectiva reparação ou pagamento da quantia devida, acrescida de juros vincendos a contar da citação até efectivo e integral pagamento. Para tanto alega – em suma – que é dona e legítima proprietária de um veículo automóvel de marca Renault, modelo Clio, matrícula LU; celebrou com a ré um contrato de seguro onde estava incluída a responsabilidade civil obrigatória e os danos da própria viatura, entre outras, a cobertura de choque, colisão e capotamento, titulado pela apólice n.º 200, com o capital de €10.800,00, valor do veículo atribuído pela ré; no dia 14/06/2015, às 22h30, o veículo referido sofreu um sinistro do qual resultou a sua perda total. A Ré aceitou o acidente de dispôs-se a pagar o valor de €4600,00 que entende ser o valor venal do veículo à data do acidente. Como referido a aceitou a participação do sinistro impugnado a restante matéria de facto já que entende que o contrato de seguro celebrado quanto à cobertura «choque, colisão e capotamento», garante os danos no veículo resultantes do embate com qualquer outro corpo em movimento, tem uma franquia de €295,00, a cargo da autora e por limite máximo de indemnização o «valor venal do veículo»; mais alega que o valor do veículo, em caso de perda total, será calculado de acordo com as regras constantes nas condições particulares, as quais estipulam que o valor do mesmo será o correspondente a 100% da cotação Eurotax para o veículo, no ano da sua matrícula; tendo o perito considerado que a reparação do veículo não era económica e mecanicamente viável, a cotação Eurotax para o veículo é de €4600,00; Mais, após o leilão online promovido pela UON Salvados, o salvado teve como melhor licitação o montante de €1210,00, pelo que o montante da indemnização a atribuir à autora consiste em €3390,00 Já que o valor de €10.800,00 consignado no contrato de seguro era meramente um valor indicativo, à data da celebração do contrato e não foi celebrado qualquer cobertura que abranja o dano da privação do uso ou da disponibilização de um veículo de substituição, o qual se encontra mesmo excluído das garantias e exclusões gerais do contrato (art. 2.2.al.f). A A. entende ser-lhe devida a indemnização correspondente ao valor contratado €10.800,00, acrescida dos danos causados com a privação do uso do seu veículo (40€ diários) devidos desde o acidente até ao pagamento da indemnização devida. Oportunamente realizada audiência de discussão e julgamento veio a ser proferida sentença decidindo: “Julgo a presente acção parcialmente procedente e: 1. Condeno a ré a pagar à autora uma indemnização no valor de €10.800,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados desde a citação até efectivo e integral pagamento. 2. Absolvo a ré dos demais pedidos contra si formulados.” 2. Inconformada, veio o R.. apelar de tal decisão, formulando as seguintes CONCLUSÕES: II. A Recorrente considera incorrectamente julgados os factos considerados provados nos pontos 14 e 15 da alínea a.2) da sentença (p. 4). Facto 14 III. Os elementos de prova que deveriam ter levado o Tribunal a dar resposta distinta ao ponto 14 da matéria de facto são as Condições Particulares do contrato de seguro juntas aos autos como Doc. n.º 2 com a Petição Inicial (fls. 13/17) e o depoimento da testemunha X, gravado no sistema de gravação do Tribunal, no dia 05.05.2016, com início de gravação às 15:55:08 e fim de gravação às 16:12:23. IV. O Tribunal a quo considerou ter ficado provado, no ponto 14, que a Recorrida e a Recorrente celebraram um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 200, com o capital de 10.800,00 €, o que sugere que as partes estipularam que, em caso de sinistro com perda total, seria aquele o valor a pagar pela Recorrente (foi, pelo menos, assim que o Tribunal veio a interpretar o contrato na fundamentação jurídica da sentença). V. Contrariamente ao que resulta da redacção dada pelo Tribunal ao ponto 14 da matéria de facto, a testemunha X, nos minutos 06:32 a 07:02 e 16:09 a 16:35 do seu depoimento, explicou devidamente que o valor indicado nas Condições Particulares da Apólice, apurado de acordo com a cotação Eurotax, é meramente informativo e não o valor a receber em caso de sinistro e, nas Condições Particulares da Apólice, na rúbrica Características do Veículo a Segurar, consta expressamente a seguinte indicação: “Valor Venal (Informativo): 10.800,00EUR em 07-2014 (Cotação Eurotax) ”. VI. Torna-se necessário precisar, no facto 14, que a quantia de 10.800,00 € é meramente informativa e que constitui o valor venal (adiante se verá que o valor venal de um veículo de marca e modelo idênticos ao LU mas com matrícula de 2011 e não de 2007) em Julho de 2014 e não o valor a pagar em caso de sinistro. VII. A redacção do ponto 14 dos factos provados deve ser alterada e passar a ter os seguintes termos: A autora celebrou com a ré um acordo escrito intitulado contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 200, onde consta a indicação, a título informativo, de que o valor venal em Julho de 2014 é de € 10.800,00 e onde estava incluída a responsabilidade civil obrigatória, a cobertura de choque, colisão e capotamento, entre outros. Facto 15 VIII. Os elementos de prova que deveriam ter levado o Tribunal a dar resposta distinta ao ponto 15 da matéria de facto são as Condições Particulares do contrato de seguro juntas aos autos como Doc. n.º 2 com a Petição Inicial (fls. 13/17), as Condições Especiais e Gerais aplicáveis juntas como Doc. n.º 1 com a Contestação (fls. 64/88), o Documento Único Automóvel do veículo com matrícula LU, junto aos autos como Doc. n.º 1 com a Petição Inicial, e o depoimento da testemunha Elisabete Sílvia Macedo Basto, gravado no sistema de gravação do Tribunal, no dia 05.05.2016, com início de gravação às 15:55:08 e fim de gravação às 16:12:23. IX. No ponto 15 dos factos provados, pode ler-se que “[o] capital seguro de € 10.800,00, correspondente ao valor venal do veículo, foi atribuído pela ré”, redacção que não faz jus à prova produzida, da qual resultou que aquele valor não é exactamente o valor venal do LU mas sim o de um veículo de marca e modelo idênticos mas quatro anos mais recente do que aquele. X. A testemunha X afirmou claramente, entre os minutos 07:20 e 13:35 do seu depoimento, que no caso em apreço houve um lapso da sua parte no preenchimento da apólice de seguro, dado que calculou a cotação Eurotax do veículo como se este tivesse a sua primeira matrícula em Junho de 2011 (data da matrícula a que refere o DUA) mas, por ser um veículo importado, a data correcta da primeira matrícula é de maio de 2007; e que, em consequência, o valor venal do veículo LU, em 2014, não era de € 10.800,00. XI. Nas Condições Particulares da Apólice, na rúbrica Características do Veículo a Segurar, consta como data da 1.ª matrícula a data de 14.06.2011, ao passo que no DUA do veículo está indicada como data da primeira matrícula a de 25.05.2007 e como data a que se refere o DUA a de 14.06.2011, pelo que a versão apresentada pela testemunha na audiência de julgamento é totalmente consonante com o conteúdo destes documentos. XII. O próprio Tribunal apercebeu-se deste lapso e fez-lhe referência na fundamentação da decisão da matéria de facto mas não o tomou em consideração na redacção do facto 15, o que deveria ter sucedido, dado que esta matéria permite esclarecer que efectivamente o veículo não conheceu uma desvalorização de 10.800,00 € para 4.600,00 € no período de um ano (entre a data da contratação do seguro e a data do sinistro). XIII. A redacção do ponto 15 dos factos provados deve ser alterada e passar a ter os seguintes termos: Por lapso da funcionária que preencheu as condições particulares da apólice, o capital seguro de € 10.800,00, atribuído pela ré, corresponde ao valor venal de um veículo de marca e modelo idênticos ao LU mas com primeira matrícula em Junho de 2011. Matéria de direito XIV. O Tribunal a quo decidiu a presente causa com base nos artigos 41.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto (adiante RSORCA - Regime do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel) e 562.º do Código Civil e, por isso, desconsiderou o valor da cotação Eurotax para um veículo idêntico ao LU na data do sinistro, entendendo dever atender ao valor peticionado, assim incorrendo numa menos correcta interpretação jurídica da questão sub iudice e, em especial, errando na determinação das normas jurídicas aplicáveis. XV. O Tribunal apoiou-se, ainda, em diversos acórdãos que versam sobre situações em que está em causa a responsabilidade civil extracontratual por danos provocados a terceiros (danos provocados por veículo seguro num veículo terceiro), quando no caso dos autos está em causa a responsabilidade civil contratual da Recorrente (danos provocados no próprio veículo seguro). XVI. Por estar em causa nos autos uma cobertura do contrato de seguro que garante os danos sofridos pelo veículo seguro em caso de choque, colisão e capotamento e ter sido esse o sinistro em que a Recorrida funda a sua pretensão, não têm aplicação ao caso quer o artigo 41.º do RSORCA, quer o artigo 562.º do Código Civil. XVII. O artigo 41.º do RSORCA apenas se aplica no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel, como resulta do artigo 31.º e do artigo 92.º daquele diploma. XVIII. O artigo 562.º do Código Civil não é aplicável à situação sub iudice, dado que, quanto à cobertura accionada pelo sinistro em apreço, não existe uma obrigação de indemnizar em sentido próprio mas sim uma a obrigação assumida, contratualmente, pela Recorrente de entregar à Recorrida uma quantia correspondente ao valor do dano sofrido pela coisa segura no caso de esta sofrer um dano, até ao limite do capital seguro (vide os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 28.10.2013, de que foi relator o Exmo. Senhor Juiz-Desembargador Alberto Ruço, proferido no processo n.º 2965/12.0TBMTS, e de 23.06.2015, de que foi relator o Exmo. Senhor Juiz- Desembargador João Diogo Rodrigues, proferido no processo n.º 4393/13.1TBMAI). XIX. Na situação sub iudice – ou seja, à cobertura facultativa de choque, colisão e capotamento – deveriam ter sido aplicados as normas do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril), em especial os seus artigos 123.º e ss. e 128.º, 130.º, n.º 1 e 2, 131.º, n.º 1 e 132.º, n.º 1. XX. Nos termos do artigo 128.º do RJCS, vigora, no seguro de danos, o princípio indemnizatório, que determina que a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro e, nos termos, do artigo 130.º, n.º 1 do RJCS, no seguro de coisas, o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro, sendo que, no caso em apreço, as partes convencionaram o valor do interesse seguro atendível para o cálculo da indemnização devida em caso de perda total, ao abrigo do artigo 131.º, n.º 1 do RJCS. XXI. Atendendo ao disposto nas alíneas a) e c) n.º 1 da secção “Indemnizações em Caso de Sinistro” do capítulo “Valores Seguros e Franquias Associadas a Coberturas Facultativas” da Parte II das Condições Gerais (Doc. 1 junto com a Contestação) e no primeiro quadro da página 2/5 das Condições Particulares juntos aos autos pela Recorrida como Doc. 1, o valor do veículo LU em caso de perda total era, à data do acidente, correspondente a 100% da cotação Eurotax para veículo do ano da sua matrícula. XXII. Como decidiu o venerando Tribunal da Relação do Porto, no seu douto acórdão de 27.04.2015 (proferido no processo n.º 249/14.9TJPRT, de que foi relator o Exmo. Senhor Juiz-Desembargador Manuel Domingos Fernandes), importa distinguir entre o valor seguro, que “corresponde ao valor do capital seguro contratado entre as partes e, como tal, ao limite até ao qual a seguradora se obriga a indemnizar o seu segurado em caso de verificação do risco (acidente, furto, roubo, incêndio, etc.) ” e o valor em risco, que “corresponde ao valor do objecto seguro à data do sinistro e, como tal, ao valor que a seguradora se obriga, em concreto, a pagar ao seu segurado (descontado de eventuais franquias e, eventualmente, valor do salvado) em caso de verificação do risco”. XXIII. No caso concreto, o valor de 10.800,00 € constitui o valor seguro mas o valor em risco à data do sinistro era, tal como convencionado pelas partes, 100% da cotação Eurotax (ou seja, como provado no facto 17, 4.600,00 €) deduzida do valor do salvado (ou seja, como provado no facto 18, 1.210,00 €) e da franquia contratada de 295,00 €. XXIV. A eventual situação de sobresseguro decorrente do lapso no preenchimento das condições da apólice não tem qualquer consequência no valor da indemnização a pagar à Recorrida, como decorre do artigo 132.º, n.º 1 do RJCS, acarretando, no limite, as consequências previstas no n.º 2, que nada importam à decisão dos presentes autos (vide o acórdão da Relação do Porto de 27.04.2015, acima melhor identificado). XXV. O valor da indemnização a pagar pela Recorrente ascende, assim, à quantia de 3.095,00 €. XXVI. Não há lugar ao pagamento de quaisquer juros moratórios, dado que, atendendo aos factos provados entre 19 e 23, a Recorrente cumpriu pontualmente com todas as obrigações emergentes do contrato de seguro e só não entregou a quantia indemnizatória à Recorrida porque esta não a aceitou e não lhe enviou o competente recibo de quitação devidamente assinado, o que legitima o não cumprimento da obrigação, à luz do disposto no artigo 797.º, n.º 2 do Código Civil. XXVII. A sentença recorrida violou os artigos 128.º, 130.º, n.º 1, 131.º, n.º 1 e 132, n.º 1 do RJCS. XXVIII. A sentença deve ser revogada e substituída por outra que decida que o valor total a pagar pela Recorrente à Recorrida é de 3.095,00 €. Sem prescindir, Caso improceda tudo o que acima se encontra alegado, XXIX. Uma vez que a reparação do LU ascende a 8.862,56 € (facto provado 11), nos termos do artigo 128.º do Decreto-Lei n.º 72/2008 a indemnização em caso algum poderá exceder aquela quantia, sob pena de a Recorrida incorrer em enriquecimento sem causa. Ainda sem prescindir, XXX. Mesmo que o valor da indemnização fosse de 10.800,00 € sempre deveria o Tribunal ter-lhe deduzido o valor do salvado, de 1.210,00 €. Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso e consequentemente revogando a presente sentença e substituindo-a por outra que decida nos termos decorrentes das presentes alegações 3. A A. respondeu apresentando contra-alegações bem como recurso subordinado concluindo nos seguintes termos: a) Foi celebrado um contrato de seguro de danos próprios entre a aqui A. e a aqui Ré, pelo valor de 10.800,00€, cujo prémio de seguro do referido valor a A. pagou atempadamente. b) Quanto ao lapso (cometido e assumido pela mediadora da Ré) a A., como pessoa completamente alheia, não pode agora ver o prejudicado e limitado o seu direito, quando o mesmo lapso surgiu por parte da Ré e a A. prestou todos os esclarecimentos e entregou a documentação do veículo para estes procederem à simulação do contrato de seguro. Não se tratou de um seguro celebrado às “cegas” por parte da Ré, pessoa extremamente experiente e que faz os contratos no seu próprio interesse. c) A Ré por sua vez atribuiu um valor seguro ao veículo da A. e esta confiou e pagou o prémio calculado em face do valor atribuído pela própria Ré. d) Nos termos do DL 72/2008 de 16 de Abril, artigo 24.º e ss., impõe-se as obrigações ao segurado e ao segurador. e) Não resulta dos autos que o comportamento da A., na altura de efectuar o contrato, fosse doloso ou negligente, pois que facultou/entregou toda a documentação à Ré, que lhe apresentou o contrato elaborado, bem como o preço que a A. pagou. f) O silêncio da seguradora está regulado no artigo 27.º do DL 72/2008 de 16 de Abril e significa que a Ré recebeu a proposta do seguro por si mesma preenchida, no seu impresso, recepcionou os documentos que indicou como necessários à A. e foram entregues no seu balcão à testemunha Elisabete Bastos. De facto, se não vislumbrou alterações foi pela sua própria inoperância. g) As seguradoras não podem, sob pena de abuso de direito (art. 334 do CC) na modalidade do venire contra factum proprium, opor aos tomadores o valor real depois do sinistro ter ocorrido para evitarem sobreindemnizações, se antes de celebrarem o contrato nada fizeram para o apurar, como o que evitaria celebrar o contrato com sobresseguro (e com os inerentes sobreprémios), apesar de o poderem ter feito com facilidade, se tivessem actuado com um mínimo de diligência que a boa-fé lhes impunha (art. 227 do CC)]. Assim, a ré tem de indemnizar a autora no valor de €17.978,64. Este montante é acrescido dos juros vencidos desde a data da citação, à taxa de 4% até integral e efectivo pagamento – art. 559.º, do CC, Portaria n.º 291/03, de 08.4, e art. 805.º, n.º 3, 2.ª parte, do CC (consideramos, deste modo, que o AUJ n.º 4/2002 não se aplica pois in casu não se verifica uma decisão actualizadora – para mais desenvolvimentos cfr. RP, de 4-6-2008, processo n.º 0843011, STJ, de 25-10-2007, processo n.º 07B3026 e RP, de 9-3-2005, processo n.º 0441674, todos disponíveis in www.dgsi.pt).” h) Pelo que deve ser mantida a sentença no que toca ao valor de indemnização de 10.800,00€, bem como devem manter-se inalterados os factos provados. i) Impõe-se assim a improcedência do recurso apresentado pela Ré. j) DO RECURSO SUBORDINADO, nos termos do art. 633º e 644.º e ss., todos do C.P.C. k) Resultou como provado que, “25. A autora ficou privada do uso do veículo, que era usado nas suas deslocações diárias, por motivos pessoais e profissionais. 26. A autora tem recorrido a uma viatura emprestada pelo irmão. 27. O preço médio de aluguer de um veículo da mesma classe é de, pelo menos, €40,00 diários.” l) Existe direito da A. ser ressarcida pelo dano da privação de uso. Para além de constar como provado que a autora ficou privada do uso do veículo, que era usado nas suas deslocações diárias, por motivos pessoais e profissionais, que recorreu a uma viatura emprestada pelo irmão e que o preço médio de aluguer de um veículo da mesma classe é de, pelo menos, €40,00 diários, é patente que esta tinha direito a ser indemnizada. m) Da factualidade provada consta claramente a privação do uso do veículo, o respetivo período, o prejuízo e valor diário, por isso, devia o tribunal à quo assumir que daí advieram despesas, condenando a R. no seu pagamento, uma vez que ficou provado o preço médio de aluguer de um veículo da mesma classe, sendo esse o valor do dano diário de que deve a A. ser indemnizada. n) O contrato de seguro que a Ré celebrou com a A. garante um veículo de substituição pelo período de imobilização efectiva da viatura, a qual nunca foi posta à disposição da A.. o) Com efeito, a quantia peticionada pela autora a título de privação do uso do veículo, não se refere a quaisquer lucros cessantes, a perda de benefícios ou de resultados, mas antes a despesas que teve de suportar para substituir o veículo em questão, e que por si todos os dias era utilizado. p) Ficou provado que a A. socorreu-se de um veículo do irmão para fazer face às suas deslocações diárias, concretizando e explicando o real significado da quantia diária de €40 utilizada no cálculo que efetuou. q) O lesante ou a seguradora responsável nos termos do contrato de seguro, deve reparar todos os prejuízos causados ao lesado que merecerem a tutela do direito de modo a colocá-lo na situação que existiria se não tivesse ocorrido a lesão. r) A privação do uso de veículo poderá constituir uma ofensa ao direito de propriedade na medida em que o seu dono fica privado do uso que lhe dava. A privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira o direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito. No caso, a ofensa ao direito de uso e fruição inerente ao direito de propriedade da A. configura-se com a sua indisponibilidade de uso daquele veículo num determinado período de tempo, vendo-se impossibilitada de o utilizar diariamente, como vinha fazendo antes da data do acidente. s) Isto é, deve a Ré ser condenada no montante diário de 40,00€, desde a data do sinistro até efectivo pagamento à A. da quantia de 10.800,00€. t) Mostra-se assim violados, entre outros, os artigos 27º do 72/2008 de 16 de Abril e o artigo 798º, 562.º e ss. do CC. 4. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objecto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 608º nº 2, ex vi do art. 663º nº 2, do Código de Processo Civil (de futuro, apenas CPC). No caso, são as seguintes as QUESTÕES A DECIDIR: Recurso da R.: -Impugnação da matéria de facto. -Impugnação da matéria de direito (valor venal a considerar). Recurso da A. -Abuso de direito -Indemnização pela privação do uso do veículo. III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO OS FACTOS Foram os seguintes os factos considerados na douta sentença: a) factos provados a.1) por acordo das partes 1. A autora é dona e legítima proprietária do veículo automóvel de marca Renault, matrícula LU, tendo como data da primeira matrícula 25/05/2007. 2. No dia 14/06/2015, pelas 22h30, na estrada que liga Fafe a Celorico de Basto, o veículo referido sofreu um sinistro consistente num despiste. 3. O veículo da autora seguia na direção de Celorico de Basto e, antes de chegar ao Viso, surgiu um veículo em sentido contrário. 4. Que circulava em contramão e obrigou o autor a desviar-se para a berma do lado direito pois só assim a autora conseguiu evitar um embate frontal. 5. Contudo foi colidir com a frente do veículo numa árvore existente na berma direita da estrada. 6. A autora participou o sinistro à ré. 7. A ré, de imediato, procedeu à avaliação dos danos do veículo em causa. 8. Tendo a frente do veículo ficado destruída, as peças que compõem a mesma ficaram danificadas. 9. Os danos encontram-se especificados no ponto 11º da petição inicial, os quais se consideram aqui integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. 10. São necessários trabalhos de bate-chapa, mecânica e pintura. 11. Os danos foram estimados no valor de €8862,56. 12. Ao mesmo tempo, a ré comunicou que a reparação não se apresentava tecnicamente aconselhável. 13. Os danos foram quantificados em €8567,56, após a dedução da franquia de €295,00. a.2) da base instrutória 14. A autora celebrou com a ré um acordo escrito intitulado contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 200, com o capital de €10.800,00, onde estava incluída a responsabilidade civil obrigatória, a cobertura de choque, colisão e capotamento, entre outros. 15. O capital seguro de €10.800,00, correspondente ao valor venal do veículo, foi atribuído pela ré. 16. O contrato rege-se pelas disposições gerais e especiais aplicáveis, 13/17 e 64/88 dos autos, as quais se consideram aqui integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais. 17. A cotação Eurotax para um veículo idêntico ao da autora era, em 16/06/2015, de €4600,00. 18. Após leilão online promovido pela empresa UON Salvados, o salvado do veículo da autora obteve, como melhor licitação, o montante de €1210,00. 19. Em 18/06/2015, a ré enviou à autora duas cartas a informar (a) os valores da estimativa da reparação, (b) o valor venal, (c) o valor do salvado, (d) a identificação da entidade que se propunha adquirir o salvado. 20. Em 19/06/2015, a ré enviou nova missiva à autora a informar que o processo estava finalizado, com a situação de perda total do veículo. 21. Em 19/06/2015, a ré enviou outra missiva à autora a informar que a reparação não é técnica nem economicamente viável, a indicar o valor venal calculado de acordo com a tabela Eurotax, a indicar o novo valor do salvado, a informar que o valor de indemnização será de €3390,00 (valor a ser deduzido da franquia, caso aplicável) e a solicitar o envio do recibo de quitação, devidamente preenchido e acompanhado da documentação necessária. 22. Foi ainda enviado à autora o recibo de quitação. 23. Na sequência da discordância da autora, a ré enviou-lhe ainda (a) o relatório de avaliação, (b) o relatório Eurotax e (c) o relatório de licitação em que assentou a sua tomada de decisão. 24. A autora nunca foi indemnizada nem o veículo reparado. 25. A autora ficou privada do uso do veículo, que era usado nas suas deslocações diárias, por motivos pessoais e profissionais. 26. A autora tem recorrido a uma viatura emprestada pelo irmão. 27. O preço médio de aluguer de um veículo da mesma classe é de, pelo menos, €40,00 diários. b) factos não-provados 28. Que, no documento intitulado contrato de seguro, tenha sido convencionada a cobertura dos danos da própria viatura. Da motivação de facto: (…) Por último, o Tribunal mais valorou o depoimento da testemunha X, que foi quem fez a simulação do seguro em causa, tendo recebido a documentação em questão, explicou e assumiu o erro em relação à data da primeira matrícula no contrato de seguro em causa (no contrato a data surge como 14/06/2011 e no livrete de matrícula surge como 25/05/2007) e assumiu que atribuíram à viatura um valor venal de €10.800,00. Resta acrescentar que o depoimento das testemunhas foi valorado em virtude de terem deposto com conhecimento directo dos factos e de uma forma que o Tribunal avaliou como consistente, perfeitamente congruente, sólida e merecedora de crédito. Mais se refira que como a maior parte dos factos alegados se encontram provados documentalmente, o depoimento das testemunhas foi útil sobretudo para validar e confirmar o conteúdo dos documentos juntos aos autos. - Em sede de fundamentação de direito foi ponderado o seguinte: III. Fundamentação de Direito (…) Como se retira das linhas anteriores, não está em causa nem foi contestada a existência nem os moldes em que se processou o sinistro, a existência e qualificação do contrato de seguro, ou o dever de a ré pagar o sinistro (salvo na parte referente ao dano de privação do uso, como veremos adiante): a única dúvida reside no quantitativo da indemnização (i.e: se deve ser pago o valor peticionado pela autora ou o oferecido pela ré) e a assunção de responsabilidade pelo dano de privação de uso do veículo. É o que se passará a analisar de seguida. * (…) No caso concreto, o «valor venal» do veículo corresponde ao valor de substituição do mesmo no momento anterior ao acidente; a ré apoiou-se nas tabelas Eurotax para atribuir um valor de substituição da viatura de €4600,00, ao passo que a autora contesta esse valor de substituição, tendo nomeadamente junto aos autos reproduções de dois anúncios do site «Standvirtual» (a maior plataforma da internet de venda de carros usados em Portugal) como forma de contestar esse valor. Uma vez mais a autora não logrou fazer prova de que o valor de substituição fosse superior – nomeadamente não peticionando uma perícia nem juntando nova avaliação de uma entidade credenciada que pudesse abalar a credibilidade da anterior. Atendendo a que resulta dos factos provados que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, é de €10.72,56 (€8862,56 + €1210), a mesma ultrapassa em 120 % do valor venal do veículo (de €4600,00). Consequentemente, também por este segmento da norma deve ser considerada perda total do veículo. * importa analisar a pretensão da autora. * Sobre o pagamento pela perda do veículo A autora começa por peticionar a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €10.800,00, acrescida de juros vincendos a contar da citação até efectivo e integral pagamento, com fundamento na perda do veículo em virtude de tal corresponder ao valor de avaliação da que a ré fez do veículo no momento da celebração do contrato de seguro. Não está em causa a fonte da obrigação nem a assunção da responsabilidade da ré pela mesma (art. 4º e 6º do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21/08), mas tão só a medida da mesma, pelo que o Tribunal vai limitar-se a esta questão. A este respeito, importa começar por recordar que a obrigação de indemnização goza de regulamentação legal nos arts. 562º a 572º do Código Civil. Em primeiro lugar, a nível do nexo de causalidade, o art. 563º do Código Civil consagra a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, no sentido de a obrigação de indemnização apenas existir em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Em segundo lugar, a nível do cômputo dos danos, os arts. 564º e 566º do Código Civil consagram a designada «teoria da diferença», devendo ser efectuada uma comparação entre a situação patrimonial do lesão na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que existiria caso não existissem danos, sendo indemnizáveis tanto os danos emergentes como os lucros cessantes que puderem ser considerados como consequência da lesão, ao abrigo da teoria da causalidade adequada. Em terceiro lugar, o art. 566º, n.º 1 do Código Civil determina que a indemnização deva ser fixada em dinheiro sempre que (a) a reconstituição natural não seja possível, (b) não repare integralmente os danos ou (c) seja excessivamente onerosa para o devedor. Por seu turno, o art. 566º, n.º 3 do Código Civil estabelece que, sempre que não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o Tribunal deverá julgar equitativamente dentro dos limites que tiver como provados. O art.º 562 do Código Civil defende, como princípio, a restauração natural, i. e, a realização da prestação específica; o devedor tem de reconstituir a situação tal qual existiria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação. Este princípio tutela, simultaneamente, os interesses do credor e do devedor, por ser a forma mais eficaz de remover o dano real à custa do responsável. Ambos podem opor-se à sua concretização se se verificarem os pressupostos elencados no artigo 566º n.º 1 do Código Civil: o credor pode invocar que a reconstituição natural não repara integralmente os danos, enquanto o devedor pode alegar que a prestação específica é impossível ou é-lhe excessivamente onerosa (cfr. o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/04/2015, proc. n.º 2768/12.2TJVNF.G1). Posto isto: Em primeiro lugar, resulta dos factos provados que a reconstituição natural não se afigura possível uma vez que foi a própria ré a afirmar que a reparação do carro não se afigura tecnicamente viável; consequentemente a indemnização terá que ser fixada em dinheiro. Em segundo lugar, no que diz respeito ao valor do «dano» em concreto (i.e: o valor do veículo que a autora perdeu com o acidente), não foi possível apurar, com rigor, o valor do mesmo; a este respeito, retira-se do Douto Acórdão do Tribuna da Relação do Porto de 16/03/2015, proc. n.º 224/12.8TVPRT.P1 que a questão da determinação do valor do veículo tem vindo dominantemente a ser resolvida distinguindo o denominado «valor venal» ou «valor comercial» do veículo sinistrado, do valor de uso que esse bem representa para o seu titular; na verdade, constitui experiência comum que uma coisa é o valor venal ou o valor de mercado e outra, bem distinta, o valor de uso que certa coisa representa para o seu titular, ou seja, o «mercado» pode atribuir um certo valor a um certo bem, sem que isso signifique que o seu titular que dele usufrui está disposto a desfazer-se dele por tal montante e muito menos que esse montante eventualmente obtido em tal transação lhe permitirá a aquisição de um bem que dê igual satisfação às suas necessidades como aquele que foi transacionado. Aliás, seguimos mesmo a orientação de Júlio Gomes, para quem atender, nestes casos, estritamente ao valor de mercado do bem (no sentido do seu valor de venda) seria converter a responsabilidade civil numa forma de expropriação privada pelo preço de mercado.1 1 Cfr. Júlio Gomes, anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/02/2003, proc. nº 02B4016, publicada nos Cadernos de Direito Privado (2003), n.º 3, pp.52/55. No caso concreto, o Tribunal não pode atender ao valor de €8862,56 uma vez que tal corresponde ao valor de reparação do veículo (o que é diferente do valor do veículo propriamente dito). Sem mais elementos, o Tribunal deve atender somente ao valor peticionado – o valor de €10.800,00 – correspondente ao valor de avaliação do veículo proposto pela ré e aceite pela autora no contrato de seguro. Perante a factualidade provada, tal consiste na única forma de repor a situação mediante a fixação de uma indemnização em dinheiro (art. 562º e 566º do Código Civil). Sobre este valor devem incidir juros vincendos contados desde a citação até efectivo e integral pagamento (art. 805º, n.º 1 do Código Civil). Termos em que a ré deve ser condenada a pagar à autora uma indemnização no valor de €10.800,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados desde a citação até efectivo e integral pagamento. * Sobre o pagamento pela privação do uso A autora peticiona ainda uma indemnização pela privação do uso do veículo no valor de €40,00 diários, contados desde a data do sinistro até efectiva reparação ou pagamento da quantia devida. A questão do «dano da privação do uso» já foi consideravelmente debatida na Jurisprudência dos Tribunais superiores: por exemplo, lê-se no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11/03/2008, proc. n.º 3318/06.5TBVIS.C1 que provado que o veículo pertence à autora e que esta esteve privada do uso do veículo que utilizava para o transporte de mercadoria e nas suas deslocações pessoais, temos que a privação do uso é em si mesmo um dano; por seu turno, retira-se do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/09/2014, proc. n.º 1594/11.0TBFIG.C1 que o dano de privação de uso assume natureza de dano patrimonial, mesmo quando o respectivo cálculo se obtém com recurso à equidade (artigo 566º, nº 3 do Código Civil), por falta de prova de gastos concretos decorrentes dessa privação. Consequentemente não se coloca em causa a ressarcibilidade do dano de privação do uso; apenas se questiona se (1) se verificou esse dano, no caso concreto, (2) o seu cômputo e – muito importante – (3) a sua cobertura pelo seguro. Em primeiro lugar, resulta dos factos provados que se verifica o dano da privação do uso; na medida em que a autora carecia da viatura para as suas deslocações pessoais e profissionais, tendo ficado privada da mesma, existe aqui um dano – o da privação do uso do veículo. Em segundo lugar, resulta ainda dos factos provados que o custo diário de uma indemnização por uma viatura de valor equivalente corresponde a €40,00. Consequentemente, fazendo apelo aos critérios de cálculo e de fixação da indemnização fixados nos art. 562º-566º do Código Civil, a indemnização deverá ter como medida a diferença entre a situação do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que existiria caso não existisse a lesão. Neste caso, caso tivesse que recorrer a uma viatura alugada, teria um gasto diário de €40,00. Pelo que seria devida uma indemnização no valor de €40,00 diários, contados desde a data do sinistro até efectivo e integral pagamento. Todavia, a este respeito, devem ainda ser analisados dois argumentos vertidos pela ré na sua contestação. Em primeiro lugar, a ré vem dizer que a autora tem conhecimento da data do sinistro desde 19/06/2015, estando em condições de o fazer ordenando a reparação do veículo ou adquirindo outro; invoca a aplicação do art. 570º do Código Civil (o qual alude à culpa do lesado na produção ou agravamento dos danos). Todavia, os seus argumentos não colhem merecimento. Com efeito, na medida em que resulta dos factos provados que foi a própria ré a comunicar à autora, mediante uma das comunicações datadas de 19/06/2015, que a reparação não era tecnicamente viável, afigura-se um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, pretender invocar esta norma no segmento referente a uma alegada culpa da autora na privação do uso do veículo por falta de reparação (art. 334º do Código Civil). Por outro lado, no que diz respeito à não aquisição de um outro veículo nenhuma culpa pode ser assacada à autora em virtude de – eventualmente – não dispor de meios financeiros para tal ou de não poder ser sancionada por estar em Tribunal a defender um seu direito – o da indemnização que entende justa e que lhe é devida. Todavia - em segundo lugar – no que diz respeito à exclusão contratual do dano de privação de uso (Condições Gerais do Contrato, Parte II, ponto 2.2, alf.)), a ré defende-se por via de excepção alegando que se trata de um dano não-indemnizável. Neste aspecto assiste-lhe razão; tendo as partes contratado expressamente a exclusão desse dano do âmbito da cobertura, a seguradora/ré não deve responder pelo mesmo (art. 130º, n.º 2 e n.º 3 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro; cfr. o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/10/2013, proc. n.º 2965/12.0TBMTS.P1). Consequentemente não será devida nenhuma indemnização a esse título. Vejamos: Impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm actualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto. Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto: “1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.” A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos: a) indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões; b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados; c) indicação, ou transcrição, exata das passagens da gravação erradamente valoradas. Estes requisitos visam assegurar a plena compreensão da impugnação deduzida à decisão sobre a matéria de facto, mediante a identificação concreta e precisa de quais os pontos incorretamente julgados e de quais os motivos de discordância, de modo a que se torne claro com base em que argumentação e em que elementos de prova, no entender do impugnante, se imporia decisão diversa da que foi proferida pelo tribunal. Tais exigências surgem como uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo(1), assegurando a seriedade do próprio recurso intentado pelo impugnante. No caso em apreço, o apelante, alegando a existência de erro no julgamento da matéria de facto, insurge-se contra a decisão proferida relativamente à matéria de facto constante dos factos dados como provados sob os pontos14 e 15: VII. A redacção do ponto 14 dos factos provados deve ser alterada e passar a ter os seguintes termos: A autora celebrou com a ré um acordo escrito intitulado contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 200, onde consta a indicação, a título informativo, de que o valor venal em Julho de 2014 é de € 10.800,00 e onde estava incluída a responsabilidade civil obrigatória, a cobertura de choque, colisão e capotamento, entre outros. Ponderando a prova documental junta nomeadamente a apólice junta a fols. 13 e ss. verificamos que: As coberturas da apólice resultam do quadro de fols. 14 com o título “forma e opções seleccionadas. O ponto 14 reporta-se também ao quadro de fols. 13 com o título “ características do veículo a segurar ” assim e tendo em vista precisar o facto 14 de acordo com o citado quadro de fols. 13 altera-se a redacção do facto assente nesse ponto para a seguinte: 14. A autora celebrou com a ré um acordo escrito intitulado contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 200, dele constando a indicação quanto às características do veículo a segurar “valor venal (informativo) 10.800,00 EUR em 07-2014 (cotação Eurotax), incluindo esse contrato a responsabilidade civil obrigatória, a cobertura de choque, colisão e capotamento, entre outros. IX. No ponto 15 dos factos provados, pode ler-se que “ [o] capital seguro de € 10.800,00, correspondente ao valor venal do veículo, foi atribuído pela ré”, redacção que não faz jus à prova produzida, da qual resultou que aquele valor não é exactamente o valor venal do LU mas sim o de um veículo de marca e modelo idênticos mas quatro anos mais recente do que aquele. X. A testemunha X afirmou claramente, entre os minutos 07:20 e 13:35 do seu depoimento, que no caso em apreço houve um lapso da sua parte no preenchimento da apólice de seguro, dado que calculou a cotação Eurotax do veículo como se este tivesse a sua primeira matrícula em Junho de 2011 (data da matrícula a que refere o DUA) mas, por ser um veículo importado, a data correcta da primeira matrícula é de maio de 2007; e que, em consequência, o valor venal do veículo LU, em 2014, não era de € 10.800,00. XIII. A redacção do ponto 15 dos factos provados deve ser alterada e passar a ter os seguintes termos: Por lapso da funcionária que preencheu as condições particulares da apólice, o capital seguro de € 10.800,00, atribuído pela ré, corresponde ao valor venal de um veículo de marca e modelo idênticos ao LU mas com primeira matrícula em Junho de 2011. Vejamos: Desde logo a haver lapso da funcionária da A., ele não pode ser oposto à segurada já que a seguradora enquanto entidade patronal é que assume o risco pelos actos e omissões dos seus funcionários sendo inoponiveís a terceiros; Depois não alega nem prova a Recorrente o conhecimento – dolo ou má-fé- da segurada nessa declaração. Como resultado dos autos a Segurada forneceu todos os elementos à seguradora nomeadamente cópia do DUA (fols. 12) no qual constam todos os elementos referentes ao veículo. Mas mais, se atentarmos à matrícula do veículo 00-LU-20, consultando o site da ANECRA verificamos que tal matrícula corresponde a Junho de 2011 – não sendo assim inócuo ou mero lapso o valor atribuído a partir dessa referência “matrícula de 2011”- Assim, como bem se encontra assente no ponto 15 o capital seguro de €10.800,00 correspondente ao valor venal do veículo que foi atribuído pela ré. Matéria de direito Alega a Recorrente nas conclusões XIV a XIX que: O Tribunal a quo decidiu a presente causa com base nos artigos 41.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto (adiante RSORCA - Regime do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel) e 562.º do Código Civil sendo que … deveriam ter sido aplicados as normas do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril), em especial os seus artigos 123.º e ss. e 128.º, 130.º, n.º 1 e 2, 131.º, n.º 1 e 132.º, n.º 1. Neste ponto entendemos assistir razão à Recorrente: Resulta da matéria assente que entre O A Recorrente e a Recorrida foi celebrado um contrato de seguro automóvel com a cobertura de danos próprios, a que corresponde a apólice 2002D74944, sujeito às condições gerais que constam de fls. 70 a 73 e às especiais que constam de fls. 74 a 86, constando as coberturas facultativas do documento n.º1 junto pela A. a fols. 14, que tinha como objecto a viatura 00-LU-20, seguro este que cobria ademais o risco de perda total do veículo (choque colisão ou capotamento). Ora, o D.L. n.º 72/2008, de 16.04, que instituiu o regime jurídico do contrato de seguro (RJCS), pelo que, atento o principio da liberdade contratual, expressamente reafirmado no art. 11º do RJCS, tal contrato é regulado pelas estipulações da respectiva apólice, que não sejam proibidas pela lei e, subsidiariamente, pelas disposições do RJCS aprovado pelo citado DL n.º 72/2008 e subsidiariamente pelas disposições da lei comercial e da lei civil (art. 4º do RJCS). Dispondo sobre o objecto deste tipo de seguro estipula o artº 123º que “O seguro de danos pode respeitar a coisas, bens imateriais, créditos e quaisquer outros direitos patrimoniais”, prevendo-se, por sua vez, no artº 128º o princípio do indemnizatório, que estipula que “A prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro”. Por sua vez, estipula o art. 130.º, n.º 1, do mesmo diploma, que “no seguro de coisas, o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro”. Extrai-se de tais preceitos que o seguro de danos visa apenas (e no máximo) suprimir o dano efectivo sofrido pelo segurado, não devendo ir mais além e proporcionar ao segurado um qualquer lucro. Assim, no seguro de danos, a prestação devida ao segurado é limitada ao dano decorrente do sinistro, até ao montante do capital seguro. Há, portanto, um duplo limite, valendo, sempre, o mais baixo: o dano; o capital seguro (cfr. Ac. RC de 18/12/2013, processo n.º 282/12.5TBOHP.C1, disponível in www.dgsi.pt). Podem, porém, as partes acordar no valor do interesse atendível para o cálculo da indemnização, podendo assentar no valor a considerar, em caso de sinistro, desde que não seja manifestamente infundado (cfr. art. 131.º do Decreto-Lei n.º 72/2008). Mais resulta da referida matéria assente que, no dia. 14/06/2015, pelas 22h30, na estrada que liga Fafe a Celorico de Basto, sita na freguesia do Rego, lugar de Lobão, concelho de Celorico de Basto, o veículo referido sofreu um sinistro consistente num despiste. Nos autos e, na fase que ora interessa, ambas as partes acordam em que não é economicamente viável a reparação do veículo devendo assim ser considerada a sua perda total. Ora, em face do âmbito de cobertura do contrato de seguro celebrado entre as partes (nos termos das condições gerais já referidas) haverá que concluir que está a Seguradora obrigada a indemnizar a segurada. Resta verificar qual é o valor da indemnização a cargo da Recorrente Seguradora. “ o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro”. A propósito provaram-se os seguintes factos: 14. A autora celebrou com a ré um acordo escrito intitulado contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 200, dele constando a indicação quanto às características do veículo a segurar “valor venal (informativo) 10.800,00 EUR em 07-2014 (cotação Eurotax), incluindo esse contrato a responsabilidade civil obrigatória, a cobertura de choque, colisão e capotamento, entre outros. 15. O capital seguro de €10.800,00, correspondente ao valor venal do veículo, foi atribuído pela ré. 17. A cotação Eurotax para um veículo idêntico ao da autora era, em 16/06/2015, de €4600,00. Perante tal, impõe-se apreciar se existe ou não situação de sobresseguro. A propósito tem-se vindo a discutir qual o regime a aplicar se nomeadamente se ainda o disposto nos artsº. 2.º e 3.º do Decreto-Lei nº 214/97, de 16 de Agosto. Por se entender que tal diploma, não foi entretanto revogado pelo já referido Decreto-Lei n.º 72/2008, mantendo-se assim em vigor, devendo por isso atender-se ao mesmo por, de forma especial, estabelecer um regime especial para o seguro facultativo de danos próprios em veículo automóvel, instituindo regras de transparência em matéria de sobresseguro que impõem às seguradoras a elaboração de tabelas de desvalorização periódicas automáticas para determinação da indemnização. Prevê especialmente tal diploma a situação de sobresseguro derivada da violação, pelo segurador, do dever legal de alterar, automaticamente, de harmonia com a tabela de desvalorização, o valor do bem seguro e, correspondentemente, do prémio. Dispõe, então, o art. 2.º do citado Decreto-lei nº 214/97 que “O valor seguro dos veículos deverá ser automaticamente alterado de acordo com a tabela referida no artigo 4º, sendo o respectivo prémio ajustado à desvalorização do valor seguro.”. Estabelece por sua vez o art. 3.º do mesmo diploma que “A cobrança de prémios por valor que exceda o que resultar da aplicação do disposto no número anterior constitui, salvo o disposto no artigo 5.º, as seguradoras na obrigação de responder, em caso de sinistro, com base no valor seguro apurado à data do vencimento do prémio imediatamente anterior à ocorrência do sinistro, sem direito a qualquer acréscimo de prémio e sem prejuízo de outras sanções previstas na lei.”. Da conjugação das citadas disposições legais resulta que, enquanto não for cumprida a obrigação legal de actualização do valor do veículo seguro (com a consequente redução proporcional da parte do prémio), a seguradora fica obrigada a “responder com base no valor seguro apurado à data do vencimento do prémio imediatamente anterior à ocorrência do sinistro” (cfr. neste sentido o Ac. da RG de 11/7/2013, processo n.º 2135/12.8TBBRG.G1; ver também o Ac. RL de 25/6/2009, processo n.º 1515/05.0TBMTJ.L1-2, e o Ac. da RL de 19/6/2014, processo n.º 791/13.9TVLSB-8, e por todos Ac desta Relação datado de 18-06-2013, relatora ROSA TCHING “1º- Com vista a resolver as situações de sobresseguro, criadas pela discrepância entre o valor seguro e o “valor real” do veículo por ocasião do sinistro, o DL nº 214/97, de 16 de Agosto, veio estabelecer um regime especial para o seguro facultativo de danos próprios em viatura automóvel, derrogador da aplicação, nesta matéria, do disposto no art. 435º do Código Comercial. 2º- Assim, na sequência da consagração, no seu artigo 2º, do princípio da alteração automática do valor seguro, veio o artigo 4º do mesmo diploma impor às seguradoras, contratantes de seguro facultativo, abarcando danos próprios, a elaboração de tabelas de desvalorizações periódicas automáticas para determinação da indemnização em caso de perda total. 3º- Da conjugação do disposto nos arts 3º, 4º e 8º, n.º 2 do DL nº 214/97, de 16 de Agosto, extrai-se que, no âmbito do seguro facultativo de danos próprios em viatura automóvel, enquanto não for actualizado, nos termos legais, o valor do veículo seguro, a considerar para efeitos de indemnização em caso de perda total, nem for comunicada essa actualização ao tomador de seguro, as seguradoras estão constituídas na obrigação de responder, em caso de sinistro, com base no valor seguro apurado à data do vencimento do prémio imediatamente anterior à ocorrência do sinistro.” Todos disponíveis em www.gdsi.pt. Ou como defendido nos Ac do Ac STJ de 23-01-2014, relator Serra Batista e de 24-04-2012, relator Mário Mendes (também disponíveis em www.dgsi.pt) nos termos dos quais, respectivamente: 1. Está-se perante a figura jurídica do sobresseguro sempre que o valor do objecto seguro seja inferior ao declarado no contrato; 2. A questão do “sobresseguro” e a consagração do “princípio indemnizatório” – a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro – estão actualmente regulamentadas no DL 72/2008, de 16 de Abril, que instituiu o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (arts 132.º e 128.º); 3. O regime imposto pelo DL 214/1997, de 16 de Agosto, não revogado expressamente por aquele DL 72/2008, que instituiu regras destinadas a assegurar uma maior transparência nos contratos de seguro que incluam coberturas facultativas relativas aos danos próprios sofridos pelo veículo seguro, contendo, com carácter obrigatório, a regra da desvalorização automática do valor seguro e a sanção para o seu incumprimento, em caso de sinistro, não se aplica, sem mais, ao caso do sobresseguro expressamente previsto naquele art. 132.º; 4. A limitação da obrigação de indemnizar o montante real do objecto seguro decorre, directa e exclusivamente, do disposto no art. 128.º do DL 72/2008.” “I - Verifica-se uma situação de sobresseguro sempre que, ab initio ou no decurso do contrato, o objecto do seguro tenha um valor inferior ao declarado, ou seja, um valor inferior àquele pelo qual se encontra seguro. II - A questão do sobresseguro e a consagração do principio do indemnizatório, que vinha sendo objecto de expressa regulação no art. 435.º do CCom, é actualmente regulada pelo DL n.º 72/2008, de 16-04, o qual no seu art. 132.º diz que “se o capital seguro exceder o valor do interesse seguro é aplicável o disposto no artigo 128.º, podendo as partes pedir a redução do contrato” sendo precisamente este art. 128.º que mantém, na legislação nacional relativa ao contrato de seguro, a consagração do princípio do indemnizatório, referindo que “a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro”. III - Em caso de sobresseguro (originário ou posterior), o contrato deve, por força do princípio do indemnizatório, na forma em que este se encontra consagrado na legislação sobre seguros, ser considerado ferido de invalidade na parte excedente, ou seja, na parte em que o valor exceda o do objecto segurado – arts. 128.º e 132.º, n.º 1, do DL n.º 72/2008. IV - A justificação para esta realidade normativa não pode deixar de ter presente o principio segundo o qual o dever de indemnizar visa colocar o lesado na posição que teria se não fosse o dano, significando isto que o quantum indemnizatório deve corresponder ao prejuízo efectivamente sofrido – principio geral contido no art. 562.º CC –, não podendo nunca constituir um meio de proporcionar um injustificado enriquecimento do lesado, ter um carácter especulativo ou, muito menos, constituir um modo fraudulento de enriquecimento patrimonial.” Quanto a nós tendemos a defender ser esta última posição a adoptar sob pena de se esvaziar o disposto no art.º 132º n.º 1, do DL n.º 72/2008, posterior àquele outro diploma. De qualquer modo, nos autos, não seria ainda possível recorrer ao disposto no Dec-Lei 214/97, de 16 de Agosto, por ainda ter decorrido o prazo de um ano entre a celebração do contrato de seguro e o acidente dos autos. No caso em apreço, como já referido a cotação Eurotax para um veículo idêntico ao da autora era, em 16/06/2015, de €4600,00. O valor venal atribuído pela Recorrente seguradora foi de 10.800euros tendo o prémio de seguro sido pago com base neste valor conforme doc. De fols.13. Ora, o art. 334º do CC prescreve ser ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente s limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. A postura de quem adopta um comportamento que entra em contradição com outra conduta anteriormente assumida, vulgo venire contra factum proprium, integra-se no princípio da tutela da confiança, numa linha de concretização da boa-fé que deve existir nessas relações sociais e comerciais. Trata-se mais uma vez de uma manifestação do princípio da responsabilidade pela confiança: imputar na esfera jurídica de quem adopta uma conduta contraditória com outra anterior a responsabilidade pela “situação de confiança” que criou e que só a ele seja imputável ou, como refere Menezes Cordeiro, «Perante comportamentos contraditórios, a ordem jurídica não visa a manutenção do status gerado pela primeira actuação, que o Direito não reconheceu, mas antes a protecção da pessoa que teve por boa, com justificação, a actuação em causa.».” (Da Boa Fé no Direito Civil", vol. II, Almedina, 1984, pág. 789.) Neste sentido Ac STj, datado de 16-01-1996, relator Herculano Lima, disponível http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel “IV - O abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito por forma anormal, quanto à intensidade ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício de direito por parte do seu titular e as consequências que outros têm de suportar. Exige-se que, ao exercer o direito, o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.” Ora cremos ser esta a situação dos autos, na verdade menos de um ano antes ao acidente a Recorrente celebra um contrato de seguro onde, por sua iniciativa estipula que o valor venal do veículo é de 10.800euros - criando no tomador de seguro, através da “proposta” que lhe apresentou, a convicção de que, em caso da verificação do sinistro, seria indemnizado pelo valor desse capital consignado; condições em face das quais o tomador se decidiu pela celebração do contrato, sendo certo que, se outro fosse o valor do capital seguro, poderia (por desinteresse) não se decidir pela celebração do contrato (na vertente dos danos próprios) que, como já acima se disse, é um seguro facultativo (vide neste sentido o Ac. da RL de 18/4/2013, processo n.º 2212/09.2TBACB.L1-2, disponível in www.dgsi.pt). ), De facto, não se descura que o valor do capital seguro, em especial o valor venal contratado, é, sem margem para dúvidas, um dos factores mais relevantes para a decisão de contratar por parte do tomador de seguro, do que teríamos que a actuação da seguradora seria neste caso violadora do princípio da boa-fé – cfr. arts. 227.º, n.º 1, e 762.º, n. 2, do Código Civil. Veio cobrar o prémio do seguro com base nesse valor e nada vem dizer quanto à intenção de restituição da diferença entre o valor do prémio e o devido pelo valor que agora, aplicando a tabela da Eurotax (por referência ao ano do veículo e não ao da matrícula efectiva em Portugal) diz ser devido a título de valor venal do veículo e, como tal a título de indemnização. Assim entendemos que a actuação da Recorrente ao pretender eximir-se ao pagamento do valor por ela consignado no contrato actua com manifesto abuso de direito. Nesta medida deverá, como decidido em primeira instância, proceder à indemnização constante do contrato de seguro. Obviamente que a esse montante deve ser deduzido o valor dos salvados, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da Recorrida, dado que vem provado que: Após leilão online promovido pela empresa UON Salvados, o salvado do veículo da autora obteve, como melhor licitação, o montante de €1210,00. Em suma, nesta medida julgar-se -à a apelação parcialmente procedente. Quanto ao recurso subordinado da A.: Pretende a A. seja a R. condenada à indemnização pela privação do uso do veículo, no montante diário de 40,00€, desde a data do sinistro até efectivo pagamento à da quantia de 10.800,00€. Atendendo ao que ficou dito quanto às considerações de direito mormente quanto à aplicação no caso do Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril, tendo sido expressamente excluída pelas partes, (Condições Gerais do Contrato, Parte II, ponto 2.2, alf.)), como referido na decisão, qualquer indemnização quanto à privação do uso do veículo, não assiste qualquer razão à recorrente, sendo assim infundada a sua pretensão recursiva. IV. DECISÃO Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação de em alterar a redacção do ponto 14 dos factos assentes que passará aa ser a seguinte: 14. A autora celebrou com a ré um acordo escrito intitulado contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 200, dele constando a indicação quanto às características do veículo a segurar “valor venal (informativo) 10.800,00 EUR em 07-2014 (cotação Eurotax), incluindo esse contrato a responsabilidade civil obrigatória, a cobertura de choque, colisão e capotamento, entre outros. Quanto ao mais: Julga-se a apelação (subsidiária) da Ré parcialmente procedente revogando-se a decisão recorrida na parte em que não deduziu à indemnização devida de (10,800euros) o valor dos salvados de 1.210,00 €. Julga-se a apelação da A. totalmente improcedente mantendo-se, nessa parte a decisão recorrida. Custas a cargo dos Recorrentes. Guimarães, 16/02/2017 (Relatora, Fernanda Ventura) (1ª Adjunto, Pedro Alexandre Damião e Cunha) (2ª Adjunta: Maria João Marques Pinto de Matos) __________________________________________________________________________________________________ 1 Cfr., António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 127. |