Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1818/20.3T8VNF-A.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CAUSA PREJUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
ILEGITIMIDADE ACTIVA
HABILITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A habilitação destina-se a comprovar a aquisição por sucessão ou transmissão, da titularidade de um direito ou de um complexo de direitos, ou de uma situação jurídica, ou de um complexo de situações jurídicas.
II - A habilitação é susceptível de se configurar como requisito de legitimidade se implementada no primeiro articulado da espécie processual em causa – habilitação legitimidade
III - A habilitação legitimidade deduzida na P.I. da acção, seja declarativa, seja executiva, é julgada e apreciada juntamente com a causa, sendo que, tratando-se de execução, como estabelece o nº 1 do art.º 54.º do CPC, no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão”. Podendo o executado deduzir a oposição à matéria desta Habilitação legitimidade (que tem natureza declarativa), na oposição à execução, mediante embargos.
IV - O apenso de embargos de executado tem natureza declarativa, pelo que se vem admitindo a suspensão da respectiva instância por dependência de causa prejudicial, prevista no art.º 272º, n.º1,1ª parte, do Código de Processo Civil.
V – Entendendo-se que o óbito do titular do crédito exequendo só pode ser provado nestes autos mediante certificado emitido pelo Registo Civil (prova vinculada nos termos do art.º 2º do Código de Registo Civil), sendo insuficiente a sentença criminal que deu como provado o homicídio do pai da exequente e estando pendente acção com vista à justificação judicial desse óbito ou procedimento administrativo com o mesmo objecto, deve ser deferida a suspensão da instância até decisão dessa acção, que se configura como causa prejudicial em relação à requerida habilitação.
VI – Atento o disposto nos artºs 2031º, 2032º e 2050º do Código Civil, a legitimidade da exequente não deixará de ser apreciada e decidida “por reporte ao momento em que a acção executiva foi proposta”, ainda que o meio de prova do óbito seja emitido posteriormente.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

I. F. instaurou execução para pagamento de quantia certa (€ 529 797,26) contra A. B. - Imobiliária, S.A., alegando:

Quanto à sua legitimidade:
– É filha de J. P. (cfr. doc. n.º 1 junto).
– Em 20.12.2017, no processo comum colectivo n.º 881/16.6JAPRT, do juízo central criminal do Porto, juiz 6, foi proferido acórdão, já transitado em julgado, que, entre o mais, deu como provado que os aí arguidos tiraram a vida ao referido J. P. - cfr. doc. n.º 2 junto
– A exequente é herdeira do falecido e não há quem lhe prefira na sucessão ou com concorra com ela, daí a sua legitimidade para instaurar a presente execução.

Quanto à origem e montante do crédito da exequente
– Em 08.06.2011, a sociedade A. B., SGPS, S.A., celebrou com a empresa X, SGPS, S.A um contrato promessa de cessão de quotas, através do qual esta prometeu ceder àquela a totalidade das quotas da sociedade X - CLIMATIZAÇÕES UNIPESSOAL, LDA, pelo valor de € 750 000,00.
– Esse valor seria pago em duas prestações, a primeira no valor de € 300 000,00 e a segunda no valor de € 450 000,00. Sendo que, ficou acordado que o montante relativo à segunda prestação deveria ser liquidado a J. P., representante da sociedade X – CLIMATIZAÇÕES UNIPESSOAL, LDA e até então único sócio da mesma.
– No que respeita a essa segunda prestação devida ao referido J. P., a sociedade executada A. B. - IMOBILIÁRIA, S.A. assumiu perante o referido J. P. a dívida da sociedade A. B., SGPS, S.A, no valor de € 400 000,00 (quatrocentos mil euros).
– Na sequência, em 14.11.2011, por meio de escritura pública de confissão de dívida e hipoteca, a sociedade executada confessou-se devedora a J. P. da referida quantia de € 400 000,00 (quatrocentos mil euros)
– Nessa escritura, ficou acordado que essa quantia seria paga em 28 prestações, sendo as 4 primeiras no valor de € 50 000,00 cada uma, vencendo-se a primeira em 30.12.2011 e as restantes 24 de vencimento mensal, no valor de € 8 334,00, cada uma.
– Em garantia do cumprimento dessa obrigação de pagamento, a executada constituiu a favor do referido J. P. hipoteca voluntária sobre o seguinte prédio: PRÉDIO URBANO, composto por edifício de rés-do-chão e andar, destinado a armazém, sito no Lugar …, Lote …, freguesia de …, Braga, inscrito na matriz predial sob o art.º … e descrito no registo predial sob o n.º ….
– Na citada escritura pública o referido J. P. e a sociedade executada consignaram, ainda, que a falta de pagamento de qualquer uma das 4 primeiras prestações acordadas importaria o imediato vencimento de todas as demais prestações sem necessidade de qualquer interpelação, vencendo-se nesse caso os respectivos juros de mora.
– Sucede que, a executada não pagou ao referido J. P. a primeira prestação acordada, que se venceu em 30.12.2011, nem qualquer uma das restantes, considerando-se, por isso, vencidas todas as prestações.
– Face a tal incumprimento, sociedade executada ficou devedora a J. P. da quantia de € 400 000,00 e dos respectivos juros de mora vencidos desde 30.12.2011 e dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento.
– Em 29.12.2012, o referido J. P. declarou ceder na íntegra a E. P. o crédito referido no ponto anterior, cessão essa que incluía a transmissão da hipoteca incidente sobre o prédio urbano identificado no ponto 10.º.
– Porém, na acção comum n.º 498/18.0T8BRG, do juízo central cível de Braga, juiz 3, instaurada pela ora exequente, foi proferida sentença já transitada em julgado que declarou a nulidade, por simulação, da aludida cessão de créditos (cfr. doc. n.º 5 junto)
– Deste modo, na qualidade de única herdeira do falecido J. P., é a exequente titular do aludido crédito hipotecário de € 400 000,00 sobre a executada.
– Valor este que a executada se recusa a pagar, alegando que essa dívida foi já extinta por compensação com um suposto crédito, no valor de € 513 715,96, que em 22.12.2011 adquiriu a “A. B., ACE” que o detinha sobre a “X - CLIMATIZAÇÕES UNIPESSOAL, LDA” e sobre o falecido J. P..
– A exequente reclama, por isso, da executada o pagamento da quantia em dívida, no valor de € 400 000, 00.
– Reclama ainda os juros de mora, à taxa legal, vencidos desde 30.12.2011, e que até à presente data - 07.02.2020 - ascendem ao montante de € 129 797,26 e ainda os juros vincendos até efectivo e integral pagamento.
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A executada deduziu embargos, invocando, em primeira linha, a ilegitimidade da exequente, na medida em que, por um lado, a execução deveria ter sido intentada pela “Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de J. P.”, representada pela sua única herdeira, e, por outro, não se encontra demonstrado o óbito do mencionado J. P., pois não foi junta qualquer certidão de óbito e enquanto não for demonstrado o seu óbito não se inicia o fenómeno sucessório, razão pela qual a exequente não é parte legítima, devendo a embargante ser absolvida da instância.
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Em resposta à excepção de ilegitimidade activa invocada pela embargante e para o caso de se entender que o óbito do pai da exequente não está comprovado, veio a embargada requerer a suspensão da presente instância e, naturalmente, da execução, até decisão a proferir na acção comum n.º4966/20.6T8BRG, a correr termos no Juízo Central Cível de Braga – Juiz 1, intentada pela ora embargada, com vista ao reconhecimento judicial da morte de J. P., facto que poderá servir de pressuposto à legitimidade da exequente.
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Tal pedido de suspensão da instância foi indeferido e proferiu-se sentença em que se decidiu:

«Termos em que, com os fundamentos acima expostos e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 53.º, n.º1, 54.º, n.º1, 278.º, n.º1, alínea d), 576.º, n.º2, 577.º, alínea e), e 578.º, todos do Código de Processo Civil, decide-se julgar procedente, por verificada, a exceção de ilegitimidade processual ativa da exequente/embargada I. F. e, em consequência, absolver a executada/embargante A. B. – IMOBILIÁRIA, SA da instância executiva de que estes autos são apenso.
Custas pela exequente/embargada cfr. artigo 527.º, n.º1 e 2, do Cód. Proc. Civil -, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.»
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Inconformada, com o despacho, que julgou não verificada a existência de causa prejudicial entre a execução de que estes autos são apenso e a acção declarativa comum n.º 4966/20.6T8BRG e, por conseguinte, decidiu julgar verificada a ilegitimidade activa da exequente / embargante e, em consequência, absolver a ré da instância executiva, a exequente interpôs o presente recurso, instruído com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

«1.ª - Atenta a natureza declarativa dos embargos de executado é admissível, quanto a estes, a suspensão da instância, por dependência de causa prejudicial
- vd. 1.ª parte do n.º 1 do art.º 272.º do CPC
- vd., entre outros, Ac. TRG de 25.02.2021, proc. n.º 4079/17.8T8VNF-A-G1 e Ac. TRP de 08.10.2007, proc. n.º 0754992
2.ª - Uma causa está dependente do julgamento de outra já proposta, quando a decisão desta pode afectar e prejudicar o julgamento da 1.ª, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito- vd., entre outros, Alberto dos Reis, in Comentário ao CPC., Vol. III., pág. 206; Lebre de Freitas in CPC, Anotado, Vol. I, pág. 501 e Rodrigues Bastos in “Notas ao CPC.”, Vol. II, pág. 43
2.ª - Na acção comum n.º 4966/20.6T8BRG, instaurada pela recorrente, discute-se e pretende-se a declaração de um facto ou situação – reconhecimento judicial da morte do pai da recorrente - que é elemento ou pressuposto da pretensão (de ilegitimidade processual) formulada pela embargante nos presentes embargos
3.ª - Assim, a decisão a proferir na acção comum n.º4966/20.6T8BRG irá interferir e influenciar a decisão dos presentes embargos de executado, existindo por isso entre estas duas acções um nexo de prejudicialidade, pelo que deverá ser suspensa a presente instância, até à decisão daquela causa prejudicial - vd. n.º 1 do art.º 279.º do CPC e, entre outros, Ac. TRG de 25.02.2021, proc. n.º 4079/17.8T8VNF-A-G1 e Ac. TRP de 08.10.2007, proc. n.º 0754992, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
4.ª - Ainda que assim não se entendesse, estando a emissão da certidão de óbito do pai da recorrente apenas na dependência da prolação da respectiva sentença de reconhecimento judicial da morte do mesmo, sempre ocorreria motivo justificativo para a requerida suspensão da presente instância até à decisão da acção n.º 4966/20.6T8BRG - vd. parte final n.º 1 do art.º 279.º do CPC
DE HARMONIA COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO AO RECURSO E, POR TAL EFEITO:
- revogar-se o douto despacho proferido e, em consequência, julgar-se verificada a existência de causa prejudicial entre os presentes autos e a acção declarativa comum n.º 4966/20.6T8BRG, deferindo-se a requerida suspensão da instância até à prolação da decisão dessa acção- ou, caso assim não se entenda, julgar-se existir motivo justificativo para a requerida suspensão da presente instância.»
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A embargada contra-alegou.
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Em 20-9-2021 a recorrente juntou aos autos cópia da decisão do Conservador do Registo Civil, datada de 13-9-2021 e notificada por carta expedida em 14-9-2021, que, em processo de justificação administrativa, requerido pela aqui recorrente (representada por sua mãe), e com base no acórdão proferido no já referido processo criminal (que também fora junto com o requerimento executivo), julgou verificado o óbito de J. P., no estado de divorciado, pai da aqui recorrente, óbito ocorrido em data, local e hora incertos do mês de Março de 2016. Determinando que fosse lavrado o respectivo assento de óbito.
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O recurso foi admitido a subir nos próprios autos dos embargos e com efeito devolutivo.
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O apenso dos embargos foi recebido neste Tribunal em 26-10-2021 e, em 27-10-2021, a recorrente requereu a junção aos autos certidão do assento de óbito nº … de 2021, referente a J. P., falecido em data e local incertos, de Março de 2016, lavrado com base na decisão do Conservador de 13-9-2021. Bem como certidão da respectiva habilitação extrajudicial como única herdeira do falecido.
Aguardou-se o prazo para a parte contrária exercer o contraditório e nada disse.
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O recurso foi por nós admitido, nos mesmos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que se resumem a apreciar se a instância dos presentes embargos de executado poderia ser suspensa até à decisão da acção n.º 4966/20.6T8BRG (reconhecimento judicial da morte do pai da recorrente).
Previamente será apreciada a questão da admissibilidade dos documentos apresentados pela apelante já neste Tribunal da Relação.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos com interesse para a decisão deste recurso constam do relatório supra, estando plenamente provado, na data em que a decisão recorrida foi proferida:
1º A exequente é filha de J. P. (cfr. doc. n.º 1 junto com a P.I. executiva).
2º Em 20.12.2017, no processo comum colectivo n.º 881/16.6JAPRT, do juízo central criminal do Porto, juiz 6, foi proferido acórdão, já transitado em julgado, que, entre o mais, deu como provado que os aí arguidos tiraram a vida ao referido J. P. - cfr. doc. n.º 2 junto com a P.I. executiva.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

A)
Já neste Tribunal a recorrente juntou aos autos a certidão do assento óbito de seu pai, lavrado em 20-9-2021 e a respectiva habilitação como única herdeira do falecido, exarada em procedimento simplificado de habilitação de herdeiros, na mesma Conservatória, em 27-9-2021.
Considerando a data dos documentos, nomeadamente a data em foi lavrado o assento do óbito, com base em decisão do Conservador, que a recorrente juntara aos autos logo que notificada da sua prolação, reconhecemos que tais documentos não poderiam ter sido apresentados em data anterior e, como tal, ao abrigo do disposto no art.º 425º do CPC, admite-se a sua junção.
B)
Na decisão recorrida entendeu-se, que “embora a lei não distinga no atual artigo 272.° entre a ação declarativa e a ação executiva, e se trate de uma norma geral sobre a suspensão da instância, a redação da primeira parte do n.º1 torna inaplicável esse comando à execução propriamente dita, na medida em que no processo de execução não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto o direito que se pretende efetivar já está declarado ou consta de título que lhe confere prova de primeira aparência6. Com efeito, a ação executiva não visa a declaração de quaisquer direitos, mas tão só a sua realização coativa, no pressuposto de que existem (o que é presumido pelo título executivo) e de que foram violados. Por esse motivo, não pode a ação executiva ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, pois, não tendo por fim a decisão duma causa, não pode nela verificar-se a relação de dependência exigida pelo citado artigo 272.º, n.º1. (…) Na verdade, como acima já tivemos oportunidade de referir, a questão da suspensão encontra-se interligada com a ilegitimidade da ora embargada para demandar nos autos de execução. Ora, como é consabido, a legitimidade afere-se perante a posição da demandante na relação material legalmente definida no momento em que a ação é proposta (cfr. artigos 259.º e 260.º, do Cód. Proc. Civil). Daí que, independentemente dos reflexos que a questão a decidir na ação declarativa intentada pela ora embargada possa repercutir na legitimidade processual da exequente para a execução principal, a verdade é que esta deve ser apreciada e decidida por reporte ao momento em que a ação executiva foi proposta. Não há, portanto, fundamento legal para suspender a instância executiva nem os presentes embargos de executado.
A recorrente pugna contra o assim decidido, sustentando que: “Entendendo o tribunal a quo que, não obstante o já decidido no processo crime n.º 881/16.6JAPRT, onde resultou provado o homicídio de J. P., a morte do pai da recorrente não se encontra ainda provada na execução apensa por não se encontrar junto à mesma ou aos presentes autos a respectiva certidão de óbito e tendo em conta que se encontra pendente a aludida acção comum n.º 4966/20.6T8BRG, onde se está a apreciar precisamente o reconhecimento da morte do referido J. P., salvo melhor opinião, entendemos que esta acção é causa prejudicial quanto aos presentes embargos”.
Para tanto apoia-se na jurisprudência dos acórdãos do TRP de 08.10.2007, proc. n.º 0754992 e do TRG de 25.02.2021, proc. n.º 4079/17.8T8VNF-A-G1.
Apreciando
A habilitação é prova da aquisição por sucessão ou transmissão, da titularidade de um direito ou de um complexo de direitos, ou de uma situação jurídica, ou de um complexo de situações jurídicas.
A habilitação é susceptível de se configurar como requisito de legitimidade se implementada no primeiro articulado da espécie processual em causa – habilitação legitimidade – ou como objecto principal de um processo específico – habilitação acção – ou como incidente conexionado com determinada causa lato sensu – habilitação incidente (1).
“A habilitação requisito de legitimidade do lado activo é a que tem lugar, por exemplo, na petição inicial de uma acção declarativa ou no requerimento executivo, no caso de o autor ou o exequente terem sucedido na relação jurídica controvertida reportada” (2).
A habilitação legitimidade deduzida na P.I. da acção, seja declarativa, seja executiva, é julgada e apreciada juntamente com a causa.
Estabelece o art.º 53º nº 1 do CPC que “a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”.
Como desvio a esta regra geral prevê-se no nº 1 do art.º 54.º, que: – “Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão”.
Nesse sentido a exequente alegou o falecimento de quem no título figurava como credor (o seu pai) e a sua sucessão nesse direito, porquanto era a única filha do falecido, no estado de divorciado, inexistindo quem com ela concorra à herança.
A executada poderia deduzir a oposição à matéria desta Habilitação legitimidade (que tem natureza declarativa), cumulando-a com a oposição à execução, mediante embargos.
No caso, a executada deduziu tal oposição, em sede de embargos, alegando, entre o mais, que o óbito do titular do direito em que a exequente alega ter sucedido não estava comprovado, “pois não foi junta qualquer certidão de óbito e enquanto não for demonstrado o seu óbito não se inicia o fenómeno sucessório, razão pela qual a exequente não é parte legítima, devendo a embargante ser absolvida da instância”.
Efectivamente, apesar de, por acórdão já transitado em julgado, se ter julgado provado que os aí arguidos tiraram a vida ao pai da exequente e de, pelo respectivo homicídio, se encontrarem a cumprir pena de prisão, só após a prolação da decisão recorrida e na sequência da instauração de procedimento administrativo pela aqui recorrente, a Conservatória do Registo Civil lavrou o respectivo assento de óbito, com base em “decisão do Conservador” fundada precisamente no mesmo meio de prova que a recorrente aqui apresentara com o requerimento executivo (facto nº 2).
Face a tal oposição mediante embargos e para a hipótese de não se aceitar a sentença criminal como prova do óbito, a exequente/embargada requereu a suspensão da instância até decisão da acção que instaurara com vista ao reconhecimento judicial da morte de seu pai.
Como decorre da sentença proferida nestes autos imediatamente após a prolação do despacho recorrido, o Tribunal “a quo” entendeu ser insuficiente a referida sentença criminal, para prova do alegado óbito de quem no título figurava como credor.
Assim, considerando que a certidão do processo criminal não fora julgada prova suficiente do óbito e não havia corpo para o assento ser lavrado nos termos do art.º 198º do CRCivil, nem havia sido instaurado procedimento de justificação administrativa do óbito, poderia equacionar-se a questão de suspender a instância, até que, mediante procedimento judicial ou administrativo, se procedesse ao registo do óbito, pois dúvidas não existiam da sua verificação.

Vejamos.

Estabelece o art.º Artigo 272.º do CPC
1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
3 - Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixa-se no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância.
4 - As partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final.

Como se refere na decisão recorrida a execução propriamente dita não poder ser suspensa por dependência de causa prejudicial nos termos do n.º1, 1ª parte, do art.º 272º do Código de Processo Civil, por não ser uma causa a decidir mas antes um direito já efectivamente declarado, não havendo, assim, qualquer nexo de prejudicialidade (cfr. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 4/6/80, in BMJ 298, 232, A.Reis, Comentário, Vol.III, pg.274 ).
Com efeito, é entendimento unânime na jurisprudência e doutrina que a 1ª parte do n.º 1 do art.º 272.º do Código de processo Civil não é aplicável à acção executiva, mantendo-se em vigor a doutrina do Assento de 24/05/60 (publicado no Boletim do Ministério da Justiça n. 97, de Maio de 1960, a págs. 173 e ss.), agora transformado em acórdão uniformizador de jurisprudência (art.17 nº2 do DL nº 329-A/95 de 12/12), ao fixar a seguinte jurisprudência – “A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do art. 284.º do Código de Processo Civil“ – no qual se fundamenta: “onde não houver duas causas a decidir não tem funcionamento a primeira parte do art.º 284.º do Código de Processo Civil; e, porque a execução não procura decidir, não pode ser suspensa de harmonia com essa regra” – cfr. A. Reis, in Comentário ao Código do Processo Civil, vol. III, pág. 274.
Sendo igualmente “entendimento pacífico que não obstante a revogação do artigo 2º do Código Civil pelo artigo 4º, nº3, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (tendo os assentos deixado de ter força vinculativa genérica), não há motivos para a interpretação acolhida pelo referido assento deixar de ser seguida. Não sendo, assim, possível suspender os termos de uma acção executiva com o fundamento na prejudicialidade de uma outra causa que se encontra pendente, pois uma acção executiva não é propriamente uma causa a decidir, mas antes, contem em si um direito já efectivamente declarado ou reconhecido, não havendo, por isso, e em princípio, qualquer nexo ou razão de prejudicialidade. (Neste sentido, ainda, v. Lopes do Rego, in Comentário ao Código de Processo Civil, anotado, vol.I, notas ao artº 279º; Rui Pinto in Manual da Execução e Despejo, pg.432; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC, anotado, Vol I, 3ª edição, pg. 552, P.Pimenta e A.Geraldes, Luis Filipe Pires de Sousa, in CPC, anotado, notas ao artº 272º, e, na jurisprudência, entre muitos outros, Ac do STJ de 4/6/80, BMJ 298, pág.232, de 14/1/93, C.J. ano I, tomo I, pág.59, de 18/6/96, C.J. ano IV, tomo II, pág.149, Ac. TRC de 7/7/2004, Ac. TRC de 15/03/2011, Ac.TRG de 6/11/2012, Ac.TRG de 25/1/2018, Ac.TRG de 12/4/2018, in www dgsi.pt).” (3)
Contudo, o apenso de embargos de executado tem natureza declarativa, pelo que se vem admitindo a suspensão da respectiva instância por dependência de causa prejudicial, prevista no art.º 272º-n.º1 -1ª parte, do Código de Processo Civil. Assim como podem ter natureza declarativa outras questões suscitadas na execução (v.g. a liquidação – nºs 4 e 5 do art.º 716º do CPC).
A este propósito e no sentido da admissibilidade da suspensão em sede de embargos, ver, entre outros, o Código de Processo Civil Anotado de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, 2018, I volume, pág. 315 (7), Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, II, 1971, pág. 47, Rui Pinto in Manual da Execução e Despejo, pg.432; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC, anotado, Vol I, 3ª edição, pg. 552, Ac. TRL de 26/7/2003, e jurisprudência aí citada, nomeadamente Ac. STJ de 18/6/96, CJSTJ Ano IV, Tomo II, pág. 149; Ac. TRL de 17/9/2013, Ac. TRP de 8/10/2007, Ac. TRP de 19/2/2009; Ac. TRG de 6/11/2012, Ac.TRG de 25/1/2018, in www dgsi.pt.

Sendo que, no caso, estamos perante causa prejudicial dos embargos uma vez que a decisão a proferir nessa acção seria determinante na decisão a proferir relativamente a um dos fundamentos dos presentes embargos, que é a ilegitimidade da exequente.
Assim, entendendo-se, que, nestes embargos, não pode a exequente comprovar o óbito de quem figura como credor no título, no caso o seu pai, sem que o óbito se mostre registado (prova vinculada nos termos do art.º 2º do Código do Registo Civil), tendo em conta que a exequente intentou acção com vista ao reconhecimento judicial da morte de seu pai, a fim de obter essa declaração e consequente registo, temos de concluir que a decisão desta causa (destes embargos no que tange a um dos seus fundamentos), está dependente da decisão a proferir nessa acção.
Aliás, apesar do acima referido quanto à prova vinculada, note-se que o art.º 91º do CPC estende a competência do Tribunal para todas as questões que na acção se levantem, ainda que a título incidental, pelo que, embora sem força obrigatória fora do processo, afigura-se-nos não ser de excluir a possibilidade de, mesmo em sede dos presentes embargos, a questão relativa ao óbito de quem figurava no título como credor poder ser apreciada, embora com eficácia limitada a este processo.
E, caso se entendesse que tal questão era da competência da autoridade administrativa (procedimento de justificação administrativa) (4), o próprio art.º 92º do CPC permite tal suspensão, não só relativamente a acção já proposta, mas também com vista à propositura de acção, ao estabelecer, que, “se o conhecimento do objeto da ação depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie”.
Posto isto e reportando-nos novamente aos fundamentos da decisão recorrida, apesar de reconhecermos ser indiscutível que “a legitimidade se afere perante a posição da demandante na relação material legalmente definida no momento em que a acção é proposta”, também é certo que, atento o disposto nos artigos 2031º, 2032º e 2050º do Código Civil, os efeitos da aceitação da herança “retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão” e esta ocorreu na data do óbito, ou seja, segundo se alega, antes de instaurada a execução a que estes embargos são movidos, pelo é inoperante o argumento aduzido na sentença recorrida, uma vez que a legitimidade processual da exequente para a execução principal, não deixará de ser apreciada e decidida “por reporte ao momento em que a acção executiva foi proposta”, ainda que o “meio de prova” do óbito seja posterior”.
Pelo exposto, concluímos pela procedência das conclusões da apelante, impondo-se revogar a decisão recorrida, por entendermos que se justificava, quando foi proferida, a requerida suspensão da instância dos embargos.
Tal revogação implica ficarem sem efeito os actos posteriores, concretamente a sentença que absolveu a embargante da instância.
Sem prejuízo do que acima se consignou, considerando que dos documentos entretanto juntos aos autos, resulta já se mostrar registado o óbito do pai da recorrente (aquele que no título dado à execução figura como credor), tornou-se inútil, na presente data, a suspensão da instância, uma vez que que o resultado pretendido com tal suspensão já foi alcançado.

V – DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e em sua substituição defere-se a requerida suspensão da instância, que nesta data se considera finda, por, na pendência deste recurso, se ter obtido a decisão pretendida (registo do óbito)
Custas pela recorrida.
Guimarães, 13-01-2022

Eva Almeida
António Beça Pereira
Ana Cristina Duarte


1. Os incidentes da instância, Salvador da Costa, 11ª edição, págs. 191 e segs.
2. Obra citada.
3. Acórdão desta Relação de 25-02-2021 (4079/17.8T8VNF-A.G1), em que intervieram como adjuntos a aqui relatora e o aqui 1ª adjunto.
4. No processo 4966/20.6T8BRG.G1, em acórdão proferido nesta Relação em 15-6-2021 (www.dgsi.pt) entendeu-se o procedimento administrativo, a forma de processo adequado para autora fazer valer o seu direito, nos termos dos artºs 241º e seguintes do Código de Registo Civil (CRC).