Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1565/14.5TTBGMR.G1
Relator: JOSÉ DIAS
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
ÓNUS DA PROVA DOS FACTOS LEGAIS DE RECUSA DA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
DEVER DE DILIGÊNCIA DO DEVEDOR NA PROCURA DE EMPREGO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- O ónus da alegação e da prova da verificação dos factos legais de recusa da exoneração do passivo restante (que são os mesmos que fundamentam a cessação antecipada do procedimento de exoneração, taxativamente enunciados no art. 243º, n.º 1 do CIRE), impendem sobre o fiduciário e os credores da insolvência, aquando da sua notificação para se pronunciarem sobre a concessão ou não da exoneração (art. 244º, n.º 1 do CIRE) ou, no silêncio destes, é o tribunal que terá de coligir elementos de prova que lhe permitam concluir pela prova de facticidade da qual decorra encontrarem-se preenchidos os requisitos legais de recusa da exoneração.
2- A obrigação do devedor, quando desempregado, de procurar diligentemente emprego (al. b), do n.º 4 do art. 239º do CIRE), não se compadece com a mera inscrição daquele no centro de emprego, ficando a aguardar que o último lhe apresente propostas de emprego e comparecendo às entrevistas de emprego que, nessa sequência, lhe venham a ser designadas, mas exige da parte do devedor uma atitude positiva e proativa na procura de emprego.
3- Para que se recuse a exoneração do passivo restante com fundamento no incumprimento pelo devedor da obrigação de procura diligente de emprego é necessário que o fiduciário ou os credores da insolvência aleguem e provem que: a) o devedor desempregado não procurou ativamente profissão remunerada durante o período de cessão; b) o incumprimento dessa obrigação é imputável ao devedor a título de dolo ou de negligência grave; e c) que em consequência desse incumprimento resultou prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência, ou que, no silêncio do fiduciário ou dos credores da insolvência, o tribunal recolhe elementos de prova que lhe permitam concluir pela verificação desses três requisitos legais cumulativos para recusar a exoneração.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
*

RELATÓRIO

C. C., residente na Rua …, freguesia de … Guimarães, instaurou a presente ação especial de insolvência, requerendo que fosse declarado insolvente e que lhe fosse concedido o benefício da exoneração do passivo restante.

Por sentença proferida em 23/06/2014, entretanto transitada em julgado, declarou-se a insolvência do requerente C. C. e, além do mais, nomeou-se administrador de insolvência e designou-se data para a realização da assembleia de credores.

O administrador de insolvência apresentou o relatório a que alude o art. 155º do CIRE, em que é do parecer que a situação atual do insolvente não se funda em culpa pessoal deste, promoveu o encerramento do processo de insolvência por insuficiência de ativo e que fosse concedido ao insolvente o benefício da exoneração do passivo restante.

Realizada a assembleia de credores para apreciação do relatório, feita a exposição deste pelo administrador de insolvência, nada tendo sido requerido pelos presentes, notificou-se os credores para se pronunciarem, no prazo de dez dias, sobre a proposta do administrador de insolvência de encerramento do processo de insolvência por insuficiência de ativo.

Por despacho proferido em 15/12/2014, determinou-se o encerramento do processo de insolvência, por insuficiência de ativo, e admitiu-se liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, tendo-se fixado o rendimento disponível do insolvente em montante equivalente ao salário mínimo nacional, constando esse despacho da seguinte parte dispositiva:
“Consequentemente, declaro que a exoneração requerida será concedida desde que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (período da cessão), o rendimento disponível que o insolvente venha a auferir se considere cedido ao fiduciário abaixo indicado.

Durante o período de cessão fica o devedor obrigado a:
- Não ocultar ou dissimilar quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
- Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
- Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos que exceda os salário mínimo nacional, aqui se incluindo qualquer subsídio de férias e de natal que aufira, bem como eventuais reembolsos de imposto;
- Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respetiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
- Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.
Para fiduciário nomeio o Exmo. Sr. AI, Dr. F. D.”.

Por despacho de 11/12/2016 determinou-se que se oficiasse ao IEFP solicitando que informe se o insolvente ali se encontra inscrito e, na afirmativa, desde quando e se lhe foi apresentada qualquer proposta de emprego, devendo, no caso positivo, esclarecer o motivo da não colocação do insolvente.

Por ofício junto aos autos em 29/02/2016, o IEFP informou que o insolvente se encontra inscrito no centro de emprego, na situação de desempregado à procura de novo emprego, desde 23/07/2013. Mais informou que durante esse período foi apresentada uma oferta de emprego da empresa X, Unipessoal, Lda., não tendo o insolvente sido selecionado.

Nessa sequência, determinou-se que se oficiasse ao IEFP para que informe se foi agendada qualquer entrevista de emprego com o insolvente e se o mesmo compareceu e quais os motivos da sua não contratação.

Em 27/12/2016, o fiduciário juntou aos autos o relatório anual sobre o estado da cessão, em que refere ter sido informado pelo mandatário do insolvente que este não logrou receber qualquer rendimento, conforme demonstrado pela declaração de IRS de 2015, e que se mantem a situação de desemprego do insolvente, apesar de se encontrar inscrito no centro de emprego.

Por despacho de 10/01/2017 determinou-se que se averiguasse nas bases de dados se entre janeiro a dezembro de 2016, foram feitos descontos para o ISS ou CGA em nome do insolvente e, no caso negativo, para se oficiar ao IEFP para que informe se o insolvente ali se encontra inscrito e, na afirmativa, desde quando e se lhe foram efetuadas quaisquer propostas de emprego, devendo, no caso afirmativo, informar do motivo da não colocação deste.

Perante o silêncio do IEFP, em 14/02/2015, determinou-se novamente que se oficiasse ao último para que prestasse nos autos a informação solicitada.

Em 22/02/2017 a sociedade X Unipessoal, Lda., informou que o insolvente compareceu a uma entrevista de emprego, mas que não foi contratado por não preencher os requisitos de competência técnica exigidos pela empresa.

Em 12/01/2018 o fiduciário remeteu o relatório anual do estado da cessão relativo ao ano de 2017, em que informa que entre dezembro de 2016 a novembro de 2017 o insolvente não descontou qualquer quantitativo; ter solicitado à mandatária deste a declaração de IRS do ano de 2016, todos os recibos de vencimento de dezembro de 2016 a novembro de 2017, e documentos sobre eventuais alterações ao agregado familiar e encargos do insolvente. Informa que esses elementos lhe foram remetidos, resultando da sua análise que o insolvente entregou a declaração de rendimentos do ano de 2016, encontra-se desempregado, estando inscrito no centro de emprego desde 23/07/2017 e que o agregado familiar é composto do próprio e pela filha menor, afirmando o insolvente ter despesas mensais de 610,00 euros.

Em 18/01/2018, repetiu-se o despacho antes proferido em 10/01/2017.

Em 16/02/2018 o IEFP informou que o insolvente se encontra inscrito no centro de emprego desde 23/07/2013, na situação de desempregado à procura de novo emprego, na profissão de “representante comercial”, não tendo sido ainda apresentada qualquer oferta de emprego.

Em 22/02/2018 ordenou-se a notificação do insolvente para, em dez dias, informar quais as diligências que tem encetado com vista à obtenção de emprego, com a expressa cominação de que a falta de resposta representa violação da obrigação imposta pelo art. 239º, n.º 4, al. d) do CIRE.

Nessa sequência, por requerimento de 05/03/2016, o insolvente informou ter procurado ativamente emprego, chegando a entregar diversos currículos em mão, em vários estabelecimentos, o que se tem revelado infrutífero, apesar de estar inscrito no centro de emprego da área da sua residência, uma vez que ainda não surgiu nenhuma oferta de emprego.
Juntou relatório de ofertas de emprego emitido pelo IEFP.

Em 17/01/2019, o fiduciário juntou aos autos novo relatório anual sobre o estado da cessão, informando que entre dezembro de 2017 a novembro de2018, o insolvente não descontou qualquer quantitativo e cujo restante teor corresponde basicamente ao antes apresentado em 12/01/2018, informando que não houve alterações ao agregado familiar do insolvente e dos encargos deste.

Em 22/01/2019 repetiu-se o despacho antes proferido em 10/01/2017, agora quanto ao período entre janeiro de 2018 e dezembro de 2018.

Por ofício entrado em juízo em 15/02/2019, o IEPF apresentou relatório em que elenca as propostas de ofertas de emprego apresentadas ao insolvente e os motivos da não contratação deste, que se resumem a duas causas: cessação da necessidade de admissão pela empresa e recusa pela entidade empregadora.

Por ofício de 25/02/2019 ordenou-se a notificação das entidades mencionadas no relatório do IEFP para informarem dos motivos da recusa do insolvente para o desempenho do cargo e, bem assim o IEFP para justificar a aparente contradição entre a informação prestada em 16/02/2018 e em 15/02/2019.

Nessa sequência, o IEFP informou que a informação prestada em 16/02/2018 não é correta e que a válida é a prestada em 15/02/2019.

As sociedades responderam, confirmando basicamente a informação constante do ofício do IEFP.

Em 13/05/2019, o fiduciário informou que o insolvente iniciou a sua atividade profissional como prestador de serviços.

Em 17/02/2020, o fiduciário apresentou o relatório anual do estado de cessão, informado que entre dezembro de 2018 a novembro de 2019 o insolvente nada descontou e ter notificado o último para apresentar a declaração de IRS do ano de 2018, todos os recibos de vencimento de dezembro a novembro de 2019 e eventuais alterações ao agregado familiar e encargos, e que uma vez apresentados esses documentos, do respetivo teor resulta que o insolvente apresentou declaração de IRS respeitante ao ano de 2018; é prestador de serviços como comissionista à empresa “Y – Intermediários de Crédito, Unipessoal, Lda., auferindo um vencimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional, não tendo havido alteração ao agregado familiar e/ou aos encargos mensais.

Em 16/04/2020 repetiu-se o despacho antes proferido em 10/01/2017, agora quanto ao período de janeiro de 2019 a dezembro de 2019.

Em 19/04/2020, o insolvente requereu que fosse proferido despacho final quanto à exoneração do passivo restante, alegando que o período de cessão se mostra decorrido.

Observado o contraditório, nada tendo sido requerido pelos credores e pelo fiduciário, em 22/06/2020 notificou-se o insolvente para juntar aos autos o recibo de vencimento de maio de 2019, os comprovativos da diligências que realizou entre dezembro de 2014 a 01 de maio de 2019 com vista à obtenção de emprego e, bem assim para justificar como se sustentou entre dezembro de 2014 e maio de 2019, dada a inexistência de quaisquer rendimentos que lhe permitissem fazê-lo.

Por requerimento de 06/07/2020, o insolvente informou ter estado inscrito no centro de emprego nos períodos de 14/04/2009 até 30/12/2009, de 07/03/2011 até 29/05/2012, de 21/09/2012 até 06/02/2013 e de 23/07/2013 até 01/05/2019. Elencou as entrevistas de emprego a que se submeteu durante o período de cessão e o resultado dessas entrevistas. Mais informou que durante período de inatividade, entre dezembro de 2014 a maio de 2019, beneficiou da ajuda económica dos pais, que provinham a todas as suas refeições, despesas de higiene e vestuário e que, em 30/04/2019 iniciou a atividade, não tendo obtido quaisquer rendimentos durante o mês de maio de 2019.
Juntou duas declarações do IEFP, declaração de início da atividade emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira e uma última, emitida também pela Autoridade Tributária e Aduaneira referente o número de faturas emitidas pelo insolvente.

Por despacho proferido em 02/09/2020, a 1ª Instância recusou a exoneração do passivo restante, constando esse despacho da seguinte parte dispositiva:
“Consequentemente, ao abrigo do disposto no art. 234º/1/al. a) do CIRE recuso a exoneração do passivo restante requerida por C. C.”.

Inconformado com essa decisão, o devedor/insolvente interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

1ª – O recorrente não se conforma com o douto despacho recorrido, com a ref.ª 169442978, que não lhe concedeu a exoneração do passivo restante, fazendo uma interpretação não conforme ao disposto nos artigos 239º, nº 4, b), 241º nº.1, 243º, nºs. 1, al. a), todos dos C.I.R.E.
2ª – Ora, salvo o devido respeito, dos factos dados como provados o Tribunal a quo não pode concluir pela existência de qualquer violação, por parte do Insolvente, das obrigações que lhe estavam impostas pelo artigo 239º do C.I.RE, uma vez que cumpriu o Insolvente escrupulosamente todas as obrigações preconizadas pelo referido artigo.
3ª – Ignora o Tribunal a quo que o Requerente sempre pautou a sua conduta com a maior colaboração e transparência, como, aliás, tinha de fazer, pois que quando questionado sobre as diligências encetadas na procura de emprego, sempre respondeu e tal nunca mereceu qualquer reprovação ou reparo, quer do Tribunal a quo, quer dos seus credores que, notificados para o efeito, nada disseram.
4ª – Em cinco anos, apenas uma vez, em 2018, entendeu o Tribunal a quo questionar o Insolvente sobre tais diligências (refª. 156998073, de 22.02.2018), facto que, salvo melhor entendimento, permite concluir que o Tribunal a quo sempre considerou que o Insolvente estaria a cumprir com as suas obrigações. Caso assim não fosse, sempre teria o Tribunal a quo à sua disposição a faculdade de cessar antecipadamente a exoneração do passivo restante, o que não fez.
5ª – O Tribunal a quo assenta igualmente a sua convicção num pressuposto errado, isto é, no facto do de não resultar demonstrada nos autos uma procura diligente, por parte do Insolvente, limitando-se este a aguardar comunicações que lhe fossem dirigidas pelo IEFP, mas tal não corresponde à verdade. Uma vez que o Tribunal a quo dá como facto provado que o Insolvente, ora Recorrente, a partir de maio de 2018, iniciou atividade profissional como prestador de serviços, estando amplamente demonstrado e provado nos autos os rendimentos obtidos.
6ª – O que comprova que o Insolvente não só se limitou a aguardar pelas indicações do IEFP, cumprindo, sim, com todas as obrigações às quais se encontrava adstrito, como compareceu sempre que para o efeito foi notificado, deslocando-se às possíveis entidades patronais, cumprindo tudo quanto lhe fosse indicado, mas, naturalmente, não pode ser responsabilizado pelo facto de não ter sido contratado.

Nem a razoabilidade o permite.
7ª – Mais, o Insolvente, através de requerimento com a referência 28409273, datado de 06.03.2018, transmitiu ao Tribunal a quo que distribuía currículos porta a porta, sem que o Tribunal a quo colocasse tal em crise, tendo acatado tal explicação/justificação. pois que nada nos autos bule com a mesma.
8ª – Ficando ainda patente a atitude claramente ativa e solícita do Insolvente em procurar emprego, ao contrário do entendimento recente do Tribunal a quo que sobre os mesmos atos, teve no decurso do processo entendimentos diversos, nomeadamente: o Tribunal a quo acata tal justificação em 2018, referente ao período compreendido até 2018, o Insolvente começa a trabalhar em 2019 e, agora, em 2020, entende o Tribunal a quo utilizar factos referentes ao período entre 2014 e 2018, já anteriormente justificados e aceites, sejam pelo próprio Tribunal a quo, sejam pelos credores para fundamentar a recusada exoneração. O que veementemente se repudia.
9ª – Ademais, sempre se diga que o Sr. Fiduciário, a cada relatório anual, sempre referiu o cumprimento escrupuloso, pelo Insolvente, dos deveres preconizados no Artigo 239º C.I.RE, assim como os próprios credores que nunca questionaram tal no decurso dos autos, pelo que nunca se sentiram prejudicados ou entenderam que estivesse em causa o prejuízo da satisfação dos seus créditos sobre a insolvência.
10ª – Indubitavelmente, não há aqui a violação dolosa ou negligente por parte do Insolvente no eventual incumprimento das regras para a concessão da exoneração, pelo que o Tribunal a quo violou o disposto no art 243º do C.I.R.E.
11ª – No caso concreto, não obstante o supra exposto, denota-se que o Insolvente sempre cumpriu escrupulosamente todas as obrigações a que estava adstrito, respondendo a todos os despachos de que foi notificado, enviando todos os comprovativos solicitados, e não merecendo qualquer reparo, quer do douto Tribunal a quo quer dos demais credores. A acrescer a isto, o facto, de que ano após ano, o Fiduciário sempre reportou a não violação dos deveres preconizados no artigo 239º do C.I.R.E. Com a sua conduta zelosa e diligente, nunca o Insolvente se colocou numa situação, ainda que hipotética, que pudesse causar prejuízo aos credores.
12ª – Resulta, pois, que ao contrário do doutamente decidido no despacho recorrido, o recorrente não incumpriu, muito menos de forma voluntária e consciente, a obrigação estabelecida no artigo 239º, nº 4, alínea b) do C.I.R.E.
Concludentemente, decidiu mal o Tribunal a quo pela não concessão da exoneração do passivo restante do recorrente.
13ª – Ainda assim, não se mostra apurado que o comportamento do Insolvente tenha sido voluntariamente encetado, isto é, que tenha querido violar as imposições que lhe foram cominadas e consequentemente a Lei; de outro, que igualmente o tenha feito, voluntária e conscientemente, com a intenção de prejudicar os credores, nem de onde se possa extrair tal conclusão.
14ª – Por outro lado, esses elementos, um subjetivo (o dolo do devedor) e outro objetivo (o prejuízo relevante para os credores), têm de estar devidamente enunciados e provados, sendo que o ónus da prova impendia sobre os credores. Ora, apesar de expressamente notificados para o efeito nenhum credor (absolutamente nenhum) se pronunciou sobre o que quer que fosse ao longo dos cinco anos após o encerramento do processo e nem sequer tomaram posição sobre o despacho final de exoneração do passivo restante, alheando-se completamente dos autos, assumindo uma posição de total inércia.
15ª – Resulta, pelo contrário, do quadro fáctico acima elencado, que o alegado incumprimento do Insolvente não está assente numa inércia propositada do Insolvente, uma vez que o mesmo nunca descurou a obtenção de um emprego, que lhe permitisse salvaguardar o sustento minimamente digno do Recorrente, consagrado no consignado artigo 239º nº.3 alínea b), i) do C.I.R.E.
16ª – Assim, se se entender que o Insolvente incumpriu determinados deveres, nomeadamente da procura diligente de profissão em caso de desemprego, não é suscetível de gerar, a se, a revogação da exoneração do passivo restante, porquanto esta pressuporia um comportamento doloso daquele, que tivesse sido causa de um dano relevante para os seus credores, e o nexo de imputação deste à conduta daquele, o que manifestamente se não encontra demonstrado.
17ª – Por conseguinte, deve o presente recurso proceder também nesta parte, pois a verificação da alegada violação da condição prevista no artigo 239º, nº 4, al. b), do C.I.R.E. – procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto - só por si não conduz ao preenchimento do requisito constante do nº 1, al. a), do artigo 243º do mesmo Código, sendo exigido que o devedor tenha atuado com dolo ou negligência grave e por esse facto tenha prejudicado a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, a única questão que se encontra submetida à apreciação desta Relação resume-se em saber se perante a facticidade julgada provada no despacho recorrido, a 1ª Instância, ao concluir que o apelante, com negligência grave, incumpriu com a obrigação de procurar diligentemente profissão remunerada e ao recusar àquele a exoneração do passivo restante, incorreu em erro de direito.
*
A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª instância julgou provada a seguinte facticidade, a qual porque não foi impugnada pelo apelante e, muito menos, mediante o cumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto enunciados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, se tem como definitivamente provada:
A- Por sentença datada de 23.06.2014, a fls. 37ss, pacificamente transitada em julgado, foi declarada a insolvência de C. C., na sequência da apresentação à insolvência efetuada pelo devedor.
B- Por despacho datado de 15.12.2014, a fls. 154ss, pacificamente transitado em julgado, foi liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante, tendo-se consignado, entre outros, que durante os 5 anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência o insolvente deveria, entre outros, ceder mensalmente ao fiduciário a quantia que excedesse o salário mínimo nacional, nomeadamente quaisquer subsídios de férias e de natal que viesse a auferir ou reembolso de imposto efetuado pela AT e informar o Tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respetiva ocorrência.
C- O insolvente jamais efetuou quaisquer cessões ao Exmo. Sr. Fiduciário (cfr. fls. 228ss, 264ss, 311ss, 351ss e 397ss).
D- O insolvente encontrou-se inscrito no Centro de Emprego entre 23.07.2013 e 01.05.2019, sem que tivesse sido selecionado para qualquer das ofertas de emprego rececionadas (cfr. fls. 255, 297, 336, 372 e 433vss).
E- Entre 23.07.2013 e 01.05.2019 não foram conhecidos quaisquer rendimentos ao insolvente.
F- Em 01.05.2019 o insolvente iniciou a sua atividade profissional como prestador de serviços (cfr. fls. 391ss), tendo auferido os seguintes rendimentos mensais até ao final do período de cessão:
- junho de 2019: €450 (cfr. fls. 430);
- julho de 2019: €540 líquidos (cfr. fls. 405v/406);
- agosto de 2019: €519,57 líquidos (cfr. fls. 407v/408);
- setembro de 2019: €549,57 líquidos (cfr. fls. 410 a 411);
- outubro de 2019: €600 (cfr. fls. 432);
- novembro de 2019: €600 (cfr. fls. 432v);
- dezembro de 2019: €511,62 líquidos (cfr. fls. 411v a 413).
G- Ao insolvente não são conhecidos antecedentes criminais (cfr. fls. 438).
*
B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

Entendeu a 1ª Instância, em sede de despacho recorrido, que o apelante, durante o período de cessão, teria com negligência grave, incumprido com a obrigação de procurar diligentemente profissão remunerada, sustentando esse seu entendimento nos argumentos que se seguem: “quando notificado para descrever (e comprovar) quais as diligências por si realizadas entre dezembro de 2014 e 01.05.2019 com vista à obtenção de emprego, limitou-se o insolvente a enumerar as propostas de emprego que lhe foram encaminhadas pelo IEFP; a redação dada ao art. 239.º/4/al. b) CIRE inculca que é sobre o devedor insolvente que recai o ónus da prova da procura diligente de profissão em caso de desemprego; no caso dos autos não resulta demonstrado que essa procura (mormente diligente) tenha ocorrido, já que se limitou o insolvente a aguardar comunicações que lhe fossem dirigidas pelo IEFP; ainda que não tenham sido provados factos que permitam afirmar uma conduta dolosa, por omissão, do insolvente, afirma-se, pelo menos, a existência de negligência grave na violação dessa obrigação de procura diligente de emprego, já que não foi aventada qualquer justificação para a mesma (v.g., questões de saúde do próprio ou de terceiros a quem o insolvente devesse prestar assistência)”.
Estribada nesses argumentos, a 1ª Instância recusou ao apelante a exoneração do passivo restante.
O apelante imputa a essa decisão erro de direito, alegando que não é sobre si que recai o ónus da prova do cumprimento das obrigações a que se encontra adstrito durante o período de cessão, mas antes que é sobre quem entenda que lhe deve ser recusada a exoneração do passivo restante que recai o ónus da prova do incumprimento dessas obrigações; não basta a prova do incumprimento dessas obrigações, mormente, da obrigação de procurar diligentemente profissão remunerada durante o período de cessão, mas têm também de ser alegados e provados factos de onde se extraia que esse incumprimento é de imputar ao inadimplente (o apelante), a título doloso ou com negligência grave e, também, que em consequência desse incumprimento doloso ou gravemente negligente resultaram, como consequência direta e necessária, prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Conclui que no caso, a facticidade provada nem sequer permite concluir que o mesmo tivesse incumprido com a obrigação da procurar diligentemente profissão remunerada, sequer que esse pretenso incumprimento tivesse sido por ele perpetrado dolosamente ou com culpa grave, sequer ainda que, em consequência deste, tivesse resultado prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Vejamos se assiste razão ao apelante.
O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quanto tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (art. 1º do CIRE).
Nesse sentido lê-se no ponto 3 do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/03, que “o objetivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores”.
No entanto, apesar do objeto primordial do processo de insolvência seja a satisfação, tão eficiente quanto possível, dos direitos dos credores, em relação aos processos de insolvência de pessoas singulares, o CIRE institui nos arts. 235º e segs. o denominado instituto da exoneração do passivo restante, permitindo que os insolventes, pessoas singulares, quando a insolvência ocorra em determinadas condições e mediante o cumprimento de determinados requisitos, se libertem das dívidas que os onerem e recomecem de novo, sem elas, a sua vida económica, adotando assim, no âmbito do processo insolvencial nacional o denominado princípio do “start fresh”, em que sem esquecer os interesses dos credores, promove-se fundamentalmente os interesses do devedor/insolvente, pessoa singular.
O princípio do start fresh consubstancia o princípio fundamental e básico do instituto da exoneração do passivo restante ao permitir ao devedor, pessoa singular, a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, quando sejam observadas certas condições e configura uma inovação no sistema jurídico nacional, que visa conjugar os interesses do insolvente, pessoa singular, com os interesses dos respetivos credores.
Neste sentido lê-se no Preambulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/03, que “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa-fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da «exoneração do passivo restante». O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não foram integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. A efetiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos – designado período da cessão – ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afetará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento. A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta reta que ele teve necessariamente de adotar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica”.
Como resulta do que se vem dizendo e vem igualmente sustentado por Luís M. Martins, a exoneração do passivo restante constitui “uma medida de proteção” do devedor, pessoa singular, cujo objetivo primordial é reabilitá-lo e dar-lhe “uma segunda oportunidade, para que possa recomeçar a sua vida evitando a indigência que nada beneficia a sociedade”(1).
No mesmo sentido escreve Luís Menezes Leitão, que a figura da exoneração do passivo traduz-se num benefício concedido ao insolvente, com a inerente possibilidade de se exonerar “dos créditos sobre a insolvência que não sejam integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste”, visando, desta forma, conceder ao devedor um fresh start, “permitindo-lhe recomeçar de novo a sua atividade, sem o peso da insolvência anterior” (2).
Precisamente porque o instituto da exoneração do passivo restante visa salvaguardar os interesses do devedor insolvente, sem esquecer os dos credores, naturalmente que o instituto em causa não consubstancia, sequer pode consubstanciar, “um brinde ao incumpridor” (3), pelo que esse perdão não pode ser concedido ao insolvente, pessoa singular, sem critérios mínimos de razoabilidade, sob pena de se banalizar o próprio instituto, ao qual todos recorrem sem qualquer sentido de responsabilidade e sacrifício, pois que não foi manifesto propósito do legislador que a exoneração tivesse como escopo a desresponsabilização do devedor, sequer que o processo judicial possa ser uma porta aberta para atingir semelhante desiderato. Assim é que, para que a exoneração do passivo restante seja concedido é necessário que antes do processo de insolvência, durante este e, bem assim até ao termo do ano subsequente ao trânsito em julgado da decisão que lhe confira a exoneração (art. 246º, n.º 2 do CIRE), o devedor tenha de justificar ser merecedor de uma segunda oportunidade, que lhe permita “começar de novo”. “Neste âmbito, quem antes ou depois do procedimento não procura um trabalho remunerado, tem ou revela intenção de nada pagar, não pretende nem demonstra fazer qualquer esforço na alteração do seu estilo de vida, tem que ver negada a exoneração do passivo” (4).
Para que a exoneração do passivo restante seja concedido é necessário, além do mais, que se percorra um processo próprio, onde se destacam, como principais fases, o pedido de exoneração, o despacho liminar ou inicial e o despacho final.
O pedido de concessão do benefício de exoneração do passivo restante tem de ser deduzido pelo devedor no requerimento inicial de apresentação à insolvência, ou no prazo de dez dias subsequentes à citação (art. 236º, n.º 1 do CIRE) e terá de ser rejeitado quando o devedor, aquando da apresentação de um plano de pagamentos, não declare pretender essa exoneração (art. 254º do CIRE).
Nesse requerimento, o devedor tem de declarar expressamente que preenche os requisitos para que esse benefício lhe seja concedido e se dispõe a observar todas as condições e obrigações decorrentes da concessão ao mesmo desse benefício (n.º 3 do art. 236º).
Perante esse pedido, o juiz, ouvidos os credores e o administrador da insolvência (n.º 4 do art. 236º), profere despacho liminar, pronunciando-se sobre a admissibilidade de tal pedido e deferindo ou indeferindo liminarmente a pretendida exoneração do passivo e, no caso de deferimento liminar, fixa as condições a que a concessão desse benefício fica sujeito (art. 237º).
Trata-se de um despacho liminar, reclamando apenas do juiz uma análise e ponderação sumárias acerca da existência ou não de condições de admissibilidade ou de indeferimento da exoneração do passivo restante legalmente especificadas: admitirá liminarmente o pedido quando nenhuma circunstância tida pela lei, concretamente no art. 238º, como obstáculo ao seu deferimento ocorra; indeferi-lo-á liminarmente quando se se verifique alguma circunstância apontadas pela lei como causa de indeferimento liminar, designadamente alguma das tipificadas no n.º 1 do art 238º do CIRE (5).
Conforme pondera Assunção Cristas, “…para ser proferido despacho inicial é necessário que o devedor preencha determinados requisitos e desde logo que tenha tido um comportamento anterior ou atual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, aferindo-se da sua boa conduta, dando-se aqui especial cuidado na apreciação, apertando-a, com ponderação de dados objetivos passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta” (6).
O juiz aceita ou rejeita liminarmente esse pedido com base num juízo de prognose, avaliando as possibilidades que o devedor tem de cumprir as exigências legais deste procedimento, devendo rejeitá-lo se criar a convicção de que o insolvente não é merecedor da exoneração (7).
O despacho inicial tem consequentemente como único objetivo a aferição da existência de condições mínimas, a ser emitido segundo um juízo de prognose e prova sumária, para o pedido de exoneração do passivo restante, aferição liminar e sumária essa que se destina a decidir se ao devedor deve ser dada uma oportunidade de se submeter a uma espécie de período de prova (o denominado “período de cessão”) que, uma vez terminado, pode resultar ou não na exoneração do passivo restante e, no caso positivo, fixar as obrigações a que o devedor, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência fica sujeito a essas obrigações (arts. 239º, 244º e 245º do CIRE).
Os fundamentos de indeferimento liminar do passivo restante são os que se encontram taxativamente elencados no n.º 1 do art. 238º do CIRE.
Acresce precisar que apesar do que se vem dizendo e que não obstante inexista unanimidade jurisprudencial e doutrinal a esse respeito, é atualmente largamente dominante a corrente jurisprudencial segundo a qual não impende sobre o devedor, pessoa singular, requerente da concessão da exoneração do benefício do passivo restante, o ónus da prova da inverificação dos requisitos previstos no n.º 1 do art. 238º, mas antes é sobre os interessados, nomeadamente, os seus credores sobre quem impende o ónus de alegar e demonstrar factos dos quais decorra que os requisitos de indeferimento liminar do incidente previstos nesse preceito se verificam (8).
Aderindo a este entendimento, diremos que não é ao devedor/insolvente, pessoa singular, que requeira a exoneração do passivo restante que recai o ónus da alegação e da prova da não verificação dos requisitos previstos no n.º 1 do art. 238º, mas é antes sobre os interessados que cabe o ónus de alegar e provar factos dos quais decorram que esses requisitos de indeferimento liminar se verificam e que, por conseguinte, o pedido de exoneração do passivo restante deduzido pelo devedor/insolvente tem de ser liminarmente indeferido.
Como referido, o deferimento limar do pedido de exoneração não significa que esse benefício venha efetivamente a ser concedido ao devedor/insolvente, mas apenas tem o alcance e o significado de que existem condições para proferir o despacho inicial, em que se determina o início do prazo de cinco anos – o denominado “período de cessão” -, durante o qual o rendimento disponível do devedor se considera cedido a uma entidade, denominada “fiduciário”, e fixa os comportamentos a que o devedor fica adstrito durante esse período de tempo, e só findo este, caso não tenha ocorrido a cessão antecipada do procedimento de exoneração, é que o juiz decide, em definitivo, sobre a concessão ou não desse benefício ao devedor/insolvente (arts. 239º, n.ºs 2, 3 e 4 e 244º, n.º 1 do CIRE) (9).
Tal significa que o despacho inicial de deferimento liminar do incidente de exoneração “só promete conceder a exoneração efetiva se o devedor, ao longo de cinco anos, observar certo comportamento que lhe é imposto. A concessão efetiva da exoneração depende, pois, da verificação dessas condições (…) e é decidida no despacho regulado no art. 244º se, entretanto, não tiver havido cessão antecipada do procedimento de exoneração, nos termos do art. 243º” (10).
Embora a inexistência de despacho de indeferimento liminar do requerimento da exoneração do passivo restante constitua, assim, pressuposto para a concessão desse benefício (art. 237º, n.º 1, al. a) do CIRE), o deferimento liminar do incidente traduz uma mera promessa que esse benefício será concedido ao devedor, pessoa singular, caso cumpra, ao longo dos cinco anos, as obrigações que lhe são impostas (al. b), do n.º 1 daquele art. 237º), pelo que condição para que lhe seja concedido esse perdão é que o mesmo, ao longo do período de cessão de cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência, cumpra com as obrigações que lhe foram impostas no despacho de deferimento liminar do incidente como condição para a concessão do perdão de dívida.
O momento adequado para avaliar, concreta e definitivamente, se o insolvente, pessoa singular, é ou não merecedor da concessão do benefício excecional da exoneração do passivo restante é, assim, o momento da prolação da decisão final a que alude o art. 244º do CIRE, isto caso naturalmente anteriormente, não tenha havido lugar a decisão declarando, nos condicionalismos previstos no art. 243º, cessado antecipadamente o incidente do procedimento de exoneração.
Destarte, deferido liminarmente o pedido de concessão da exoneração, o que reafirma-se, significa apenas que não foi feita prova em como se verifiquem os requisitos que, nos termos do n.º 1 do art. 238º, impõem o indeferimento liminar do incidente de exoneração, fixadas, no despacho de deferimento liminar desse incidente, as obrigações a que o devedor terá de cumprir durante o período de cessão, apenas a final desse período, caso não tenha ocorrido a cessação antecipada do incidente, é que o juiz decide se o insolvente cumpriu com as obrigações que lhe foram impostas no despacho de deferimento liminar do incidente e, por conseguinte, se é ou não merecedor desse perdão, pois só então se disporá dos elementos necessários e suficientes para avaliar da boa-fé, diligência e propósitos de vida futura do devedor/insolvente (11).
Conforme referido, durante o prazo de cessão, o devedor fica obrigado a entregar o seu rendimento disponível ao fiduciário (n.ºs 2 a 4 do art. 239ºdo CIRE), mas também fica vinculado ao cumprimento de um conjunto de deveres acessórios de conduta, que se encontram fixados no n.º 4 do art. 239º, destinados a assegurar a efetiva concretização dessa cessão.
Com efeito, conforme ponderam Carvalhos Fernandes e João Labareda “o n.º 4 impõe ao devedor uma série de obrigações acessórias decorrentes da cessão do rendimento disponível, às quais preside, genericamente, a preocupação de assegurar a efetiva prossecução dos fins a que é dirigida. Neste plano, e para esses fins, importa, desde logo, que o tribunal e o fiduciário tenham conhecimento dos rendimentos efetivamente auferidos pelo devedor. Assim, não devendo este ocultá-los ou dissimulá-los, está ainda obrigado a prestar todas as informações que aquelas entidades lhe solicitem, não só quanto aos rendimentos, mas também quanto ao seu património (als. a) e d)). Na generalidade das pessoas, o trabalho é a fonte normal e mais significativa dos seus rendimentos. Daí, a preocupação que o n.º 4 revela quanto a este ponto. Para além de impor ao devedor a obrigação de exercer uma atividade remunerada, proibindo-lhe o seu abandono injustificado, determina que, ocorrendo uma mudança de empresa onde exerce a sua atividade, deve informar o tribunal e o fiduciário, no prazo de dez dias. Mas para além disso, se ocorrer uma situação de desemprego, o devedor está obrigado (als. b) e d)): a) a procurar diligentemente novo emprego, informando, no prazo de dez dias, o fiduciário e o tribunal do que para tanto tenha diligenciado, se lhe for solicitado; b) não recusar, salvo se ocorrer fundamento razoável, qualquer emprego para que tenha aptidão. No sentido de permitir ao fiduciário o desempenho da função que primordialmente lhe compete – pagamento à custa dos rendimentos cedidos -, a al. c) do n.º 4 impõe ao devedor a obrigação de «entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão»” (12).
Como já salientado, antes do decurso do período de cessão de cinco anos, pode ter lugar a cessação antecipada do procedimento de exoneração nos casos expressa e taxativamente elencados no art. 243º, que se reconduzem aos seguintes três fundamentos: a) o devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo art. 239º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência; b) se apure a existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do art. 238º, se apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de verificação superveniente; ou c) a decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.
Os fundamentos de cessação antecipada do incidente de exoneração previstos na referida al. a) do art. 243º “referem-se a comportamentos do devedor, ocorridos no período de cessão, que envolvam violação dolosa ou com grave negligência das obrigações que lhe são impostas pelas alíneas do n.º 4 do art. 239º, desde que daí resulte prejuízo para a realização dos créditos da insolvência”, enquanto o da al. b), “estão em causa circunstâncias previstas nas als. b), e) e f) do n.º 1 do art. 238º, logo, situações justificativas do indeferimento liminar do pedido de exoneração. Todavia, como facilmente se compreende, em vista do momento em que se vai atender a essas circunstâncias e do fim para que relevam, elas devem ser supervenientes, seja quanto à sua verificação, seja quanto ao conhecimento de quem as invoca” (13).
Acresce precisar que conforme se extrai do n.º 1 do art. 243º o juiz não tem legitimidade para oficiosamente dar início ao incidente de cessação antecipada de exoneração do passivo restante, uma vez que essa legitimidade ativa cabe exclusivamente aos credores da insolvência, ao administrador de insolvência, exclusivamente no caso deste ainda se manter em funções, ou ao fiduciário, contanto que o último tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, os quais terão de apresentar “requerimento fundamentado” solicitando a cessação antecipada do procedimento.
Daqui deriva por um lado, que apenas os credores do insolvente, o administrador de insolvência ou o fiduciário (estes dois últimos, desde que se verifiquem as condições atrás enunciadas) dispõem de legitimidade ativa para requerer a cessão antecipada do procedimento de exoneração (14) e, por outro, que os mesmos terão de apresentar requerimento em que deduzam esse pedido e onde terão de alegar os factos concretos em que o fundamentam esse pedido de cessação antecipada do procedimento de exoneração, além de lhes caber o ónus da prova desses mesmos factos fundamentadores dessa cessação antecipada, porquanto são factos impeditivos do direito do devedor, pessoa singular, a ser exonerado do passivo restante (art. 342º, n.º 2 do CC) (15).
Caso não tenha havido lugar à cessação antecipada do procedimento de exoneração, incumbe então ao juiz, decorrido o período de cessão, proferir despacho, decidindo, em definitivo, pela concessão ou não da exoneração do passivo restante, após ter ouvido o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência (n.º 1 do art. 244º do CIRE).
A recusa da concessão da exoneração apenas pode ser sustentada se houver fundamento para a cessação antecipada (art. 244º, n.º 2 do CIRE), de onde deriva que preenchido o período de cessão, o juiz apenas pode recusar a exoneração do passivo restante nas três situações previstas no n.º 1 do art. 243º e atrás já identificadas e tratadas que constituem fundamento de cessação antecipada do procedimento de exoneração, isto é, quando se prove que: a) o devedor dolosamente ou com grave negligência violou alguma das obrigações que lhe são impostas pelo art. 239º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência; b) se apure a existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do art. 238º, se apenas tiver sido conhecida pelo tribunal após o despacho inicial ou for de verificação superveniente; ou c) a decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.
O ónus da prova dos factos integrativos dos fundamentos de recusa da exoneração, contrariamente ao sustentado na decisão recorrida, não pertence ao devedor, ou seja, não é ao devedor/insolvente, pessoa singular, que terá de provar factos dos quais decorra não se encontrarem preenchidos os mencionados fundamentos de recusa da exoneração, mas antes são o fiduciário e/ou os credores que, uma vez ouvidos no termo do período de cessão, sobre a concessão ou não da exoneração ao devedor (n.º 1 do art. 244º do CIRE), terão de alegar e provar factos demonstrativos do preenchimentos dos requisitos constitutivos dos fundamentos de recusa da exoneração ou, no silêncio destes, é o tribunal que terá de coligir elementos de prova que lhe permitam concluir pela prova do preenchimento desses requisitos constitutivos dos fundamentos de recusa da exoneração do passivo restante ao devedor/insolvente.
Neste sentido pronunciam-se Carvalhos Fernandes e João Labareda ao escreverem que “a estatuição do n.º 2 tem ainda a consequência de evidenciar que, diferentemente do que pareceria a uma leitura menos atenta do n.º 1, o juiz não dispõe de um poder discricionário de conceder, ou não, a exoneração. Ao contrário, deve atribui-la se não ocorrer nenhum motivo que possa justificar a cessação antecipada e recusá-la no caso contrário. A audição ordenada no n.º 1 é, neste contexto, fundamentalmente destinada à certificação de que nada obsta à concessão ou, se for o caso, ao apuramento do que justifica a recusa” (16).

No mesmo sentido escreve Luís M. Martins que “a decisão final sobre a exoneração, pode decidir pela sua concessão ou recusa. A recusa apenas pode ser sustentada se houver motivo para a cessão antecipada (art. 239º), não sendo relevante a oposição dos credores – tal como não o é para o indeferimento liminar previsto no art. 238º” (17).
E no mesmo sentido se tem pronunciado a generalidade da jurisprudência (18), a qual, como antes enunciado, também vai maioritariamente no sentido de que não é sobre o devedor/insolvente que recai o ónus da prova da não verificação dos requisitos de indeferimento liminar do incidente de exoneração, mas antes que o ónus de alegação e da prova da verificação desses pressupostos de indeferimento liminar do pedido de exoneração impende sobre os interessados, pelo que naturalmente que não faria qualquer sentido sustentar-se posição distinta quer em sede de cessação antecipada do procedimento de exoneração, quer em sede de decisão final da exoneração.
Posto isto, entendeu a 1ª Instância que o apelante teria, com negligência grave, incumprido com a obrigação de, durante o período de cessão, procurar diligentemente profissão remunerada, conforme lhe é imposto pela al. b), do n.º 4 do art. 239º do CIRE, argumentando que notificado este para descrever e comprovar quais as diligências que realizou entre dezembro de 2014 a 01 de maio de 2019 com vista à obtenção de emprego, limitou-se a enumerar as propostas de emprego que lhe foram encaminhadas pelo IEFP.
Mais ponderou que o cumprimento daquela obrigação não se compadece com a circunstância do apelante se quedar por ficar a aguardar pelas comunicações que lhe são dirigidas pelo IEFP, pelo que recaindo sobre o mesmo o ónus da prova do cumprimento desse dever, daqui deriva que o apelante, com negligência grave teria incumprido com o dever de procurar diligentemente emprego e, em consequência, recusou-lhe a exoneração.
A esse propósito subscrevemos integralmente a ilação extraída pela 1ª Instância segundo a qual a obrigação explanada na enunciada al. b) do n.º 4 do art. 239º do CIRE, ao impor ao devedor/insolvente, quando desempregado, de ter de “procurar diligentemente”, durante o período de cessão, profissão remunerada, não se compadece com a mera posição do devedor de se inscrever no centro de emprego como estando à procura de emprego e ficar a aguardar que este lhe apresente propostas de emprego, dirigindo-se às entrevistas de emprego que, nessa sequência, venham a ser agendadas e em caso de não contratação, ficando a aguardar nova proposta de emprego que lhe seja apresentada pelo centro de emprego.

Com efeito, a procura “diligente” de profissão remunerada exige da parte do devedor/insolvente, quando desempregado, uma atitude ativa de procura de emprego, isto é, reclama que este procure efetivamente emprego e encete para tal condutas positivas no sentido de encontrar emprego, quer consultando anúncios de oferta de emprego nos órgãos de comunicação social, quer mantendo-se alerta no sentido de detetar conversas ou anúncios de ofertas de emprego, afixados, nomeadamente, nos estabelecimentos industriais ou comerciais, anunciando a admissão de pessoal, quer dirigindo-se às empresas ou estabelecimentos comerciais que eventualmente possam necessitar de contratar pessoal, etc.
Logo, a procura diligente de profissão remunerada por parte do devedor/insolvente não se satisfaz com a mera inscrição do último no centro de emprego como estando à procura de emprego, relegando-se, de seguida, a uma atitude passiva, aguardando que o IEFP lhe enderece propostas de emprego.
No entanto, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não é essa descrita atitude passiva do apelante que se extrai da facticidade julgada provada, mas antes pelo contrário.
Como acima referido, antes de mais, impõe-se reafirmar que não é sobre o apelante que recai o ónus da alegação e da prova de factos de onde decorram não se encontrarem preenchidos os fundamentos de cessação antecipada do procedimento de exoneração enunciados no art. 240º do CIRE, a que se reconduzem os fundamentos de recusa da exoneração do passivo restante, mas antes é sobre o fiduciário e/ou os credores da insolvência, que uma vez notificados para se pronunciarem, querendo, sobre a decisão final de exoneração (ou não) do passivo restante ao devedor/insolvente, terão de alegar e provar factos demonstrativos do preenchimento dos requisitos enunciados no n.º 1 do art. 243º ex vi art. 244º, n.º 1 do CIRE, fundamentadores da recusa da exoneração ou, no silêncio destes, é o tribunal que em face dos elementos probatórios constantes dos autos ou que entenda determinar oficiosamente, com vista a se habilitar para a prolação da decisão final, que terá de concluir pelo preenchimento desses fundamentos de recusa da exoneração, dando esses factos como provados e motivando esse julgamento positivo.
Acresce dizer que da facticidade julgada provada no despacho recorrido, independentemente do teor da resposta dada pelo apelante em 06/07/2020, ao despacho proferido pela 1ª Instância em 22/06/2020 para que juntasse aos autos o recibo de vencimento de maio de 2019 e os comprovativos das diligências que realizou entre dezembro de 2014 e 01 de maio de 2019 com vista à obtenção de emprego e para que justificasse como se sustentou entre dezembro de 2014 e maio de 2019, resposta essa a que o apelante efetivamente respondeu e cumpriu genericamente o que lhe foi determinado, é indiscutível que nada permite nos autos concluir pela prova em como o apelante, durante o período de cessão, se limitou a inscrever-se no centro de emprego como estando à procura de emprego e a aguardar pelas comunicações que lhe foram dirigidas pelo IEFP, propondo-lhe ofertas de emprego.
Com efeito, ordenada a notificação do apelante por despacho proferido em 22/02/2018 para que informasse quais as diligências que tem encetado com vista à obtenção de emprego, este, por requerimento de 05/03/2018, informou, além do mais, ter procurado ativamente emprego, chegando a entregar diversos currículos em mão, em vários estabelecimentos comerciais, o que se tem revelado infrutífero, pois que ainda não surgiu nenhuma oferta de emprego, apesar de continuar inscrito no centro de emprego da área da sua residência.
Note-se que à data da prestação dessa informação pelo apelante, a 1ª Instância teve-a como boa, tanto assim que não determinou que este comprovasse o por ele era alegado, nomeadamente, através de prova testemunhal, única que se vislumbra como apta a fazer a prova da alegação daquele segundo a qual entregou o seu currículo em mão, em vários estabelecimentos comerciais, pedindo-lhes emprego, sem que obtivesse sucesso, sabendo-se à luz das regras da experiência comum que, em regra, os empresários e comerciantes quando recebem essas propostas, recusam-se as mais das vezes emitir documento comprovativo da receção dessas ofertas de emprego e respetivos currículos por parte daqueles que procuram emprego, dado que não querem sofrer o incómodo de eventualmente terem de prestar posteriores informações ao IEFP, aos tribunais, etc..
Acresce que por requerimento entrado em juízo em 13/05/2019, o fiduciário informou que o apelante iniciara a sua atividade profissional como prestador de serviço, vindo a concretizar essa informação em sede de relatório anual do estado de cessão, entrado em juízo em 17/02/2020, em que informa que o apelante é prestador de serviços como “comissionista” à empresa Y – Intermediários de Crédito, Unipessoal, Lda.”, auferindo um vencimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional.
Essa informação foi igualmente prestada pelo apelante na informação que prestou em 06/07/2020, na sequência da notificação que lhe foi endereçada pelo tribunal em 22/06/2020, em que informa ter iniciado essa atividade em maio de 2019 e que, nesse mês de maio não obteve quaisquer rendimentos.
Esses factos foram tidos como “bons” pela 1ª Instância, tanto assim que constam do elenco dos factos provados na alínea F do despacho recorrido.
Acontece que compulsados os documentos emitidos pelo IEFP e juntos aos autos em 06/03/2018 e 06/07/2020, verifica-se que a sociedade “Y – Intermediários de Crédito Unipessoal, Lda.”, para a qual o apelante presta a sua atividade profissional de comissionista desde 01/05/2019, não faz parte do leque de propostas de emprego que foram apresentadas pelo IEFP ao apelante, o que arreda a possibilidade deste se ter inscrito no centro de emprego, remetendo-se, em seguida, a uma situação de inércia, mas antes aponta em sentido contrário, ou seja, que o mesmo procurou efetivamente ativamente profissão remunerada durante o período de cessão, tanto assim que conseguiu granjear emprego em 01/05/2019, junto de uma empresa que não é nenhuma das que lhe foi indicada pelo IEFP.
Resulta do que se vem dizendo que contrariamente ao decidido pela 1ª Instância, a facticidade julgada provada no despacho recorrido não permite sequer concluir que o apelante, durante o período de cessão tivesse incumprido a obrigação legal que lhe era imposta de procurar diligentemente profissão remunerada, impondo-se concluir pela procedência da presente apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra em que, nos termos do disposto no art. 241º do CIRE, se concede ao apelante C. C., a exoneração do passivo restante.
*
*
Decisão:

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a presente apelação procedente e, em consequência:
- revogam a decisão recorrida, substituindo-a por outra em que, nos termos do disposto no art. 241º do CIRE, se concede ao apelante C. C., a exoneração do passivo restante.
Sem custas.
Notifique.
*
Guimarães, 05 de novembro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)


1. Luís M. Martins, “Processo de Insolvência”, 2016, 4ª ed., Almedina, pág. 535.
2. Luís Menezes Leitão, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 4ª ed., págs. 236 e segs. Em sentido idêntico, Catarina Serra, “O Novo Regime Português da Insolvência – Uma Introdução”, 2008, 3ª ed. Almedina, págs. 102 e 103.
3. Alexandre de Soveral, “Um Curso de Direito de Insolvência”, 2016, 2ª ed., pág. 584.
4. Luís M. Martins, ob. cit. pág. 535. No mesmo sentido, vide Ac. RP. de 06/04/2017, Proc. 1288/12.0TJPRT.P1, in base de dados da DGSI.
5. Ac. RP. de 06/04/2017, Proc. 1288/12.0TJPRT.P1, in base de dados da DGSI.
6. Assunção Cristas, “Novo Direito da Insolvência”, in Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, ed. especial, pág. 264.
7. Ac. RP. de 09/01/2006, Proc. 0556158, in base de dados da DGSI.
8. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa Anotado”, 3ª ed. Quid Juris, pág. 855.
9. Ac. RC. de 03/06/2014, Proc. 747/11.6TBTNV-J.C1, in base de dados da DGSI.
10. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 853.
11. Ac. RL. de 12/12/2013, Proc. 1367/13.6TJLSB-C.L1-&, in base de dados da DGSI.
12. Carvalho Fernandes e João Labareda, in ob. cit., pág. 861.
13. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 867. No mesmo sentido, Luís M. Martins, ob. cit., pág. 561, onde se lê: “Uma vez concedida, poderá ser revogada se se verificarem algumas das situações previstas para o indeferimento liminar, com exceção do prazo previsto na al. b) e nos casos em que o devedor viole durante o período de cessão, de forma dolosa (e não culpa grave como mencionado no art. 243º, n.º 1, al. a)) as suas obrigações, prejudicando de forma relevante a satisfação dos credores da insolvência. Todavia, os factos dolosos por si não são suficientes. Tem de existir um nexo de causalidade entre a conduta dolosa superveniente e o prejuízo relevante para a satisfação dos credores da insolvência”.
14. Acs. RG. de 04/04/2017, Proc. 3328/10.8TJVNF.G2; de 10/07/2014, Proc. 1739/12.3TBFAF.G1; RC. de 06/03/2018, Proc. 3221/12.0TBLRA.C1, in base de dados da DGSI.
15. Acs. RG. de 06/03/2014, Proc. 3776/13.1TBBRG-E.G1; RP de 14/07/2020, Proc. 797/12.5TBGDM.P1; de 07/12/2018, Proc. 1063/14.7TBFLG.P1; e de 11/10/2017, Proc. 1050/13.2TBOAZ.P1, in base de dados da DGSI.
16. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 870.
17. Luís M. Martins, ob. cit., pág. 559.
18. Entre outros, Acs. STJ. de 09/04/2019, Proc. 279/13.8TBPCV.C1.S2; RG. de 30/01/2020, Proc. 644/13.TBVVD.G2; de 14/06/2018, Proc. 4706/15.1T8V.G1, RP. de 14/07/2020, Proc. 6127/10.3TBVFR.P1, in base de dados da DGSI, para além dos anteriormente identificados na nota 15.