Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1242/15.0T8BCL.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CONCEITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: I – Nos termos do art. 8.º do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, é acidente de trabalho todo aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza o dano típico, estabelecendo o art. 9.º do mesmo diploma legal a extensão da noção às situações aí previstas.
II – A opção técnica acolhida pelo legislador não é inócua na medida em que tem repercussão directa em matéria de repartição do ónus de alegação e prova, reduzindo a tarefa do sinistrado à alegação e prova dos elementos constantes dos arts. 8.º ou 9.º (tendo ainda em conta o art. 10.º) e fazendo impender sobre o responsável a alegação e prova dos requisitos determinantes da exclusão ou redução da sua responsabilidade, com todas as vantagens em matéria de tutela e protecção daquele.
III – Tendo o autor provado que o acidente se verificou no local de trabalho, produzindo o dano típico, mas não qual era o seu horário de trabalho, não se pode concluir que o sinistro se deu dentro do mesmo ou nos momentos que o precederam, em actos de preparação ou com ele relacionados, e, porque também nada se provou sobre as circunstâncias em que se deu tal acidente, não se pode igualmente considerar o mesmo como de trabalho por via da extensão operada pelo art. 9.º do RRATDP.
Decisão Texto Integral:
APELAÇÃO - PROCESSO N.º 1242/15.0T8BCL.G1

1. Relatório

Nos presentes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho que AA move a Companhia de Seguros BB, S.A. e CC – Empresa de Trabalho Temporário, Lda., foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, nessa sequência, condenam as RR. a pagar ao autor:
a) 875,73€ a título de indemnização por ITA, sendo a seguradora responsável por 458,92€ e a empregadora por 416,81€;
b) 25€ a título de despesas suportadas com deslocações obrigatórias, da responsabilidade da seguradora;
e) os legais juros de mora vencidos e vincendos (sendo os referentes à indemnização por ITA contados dos termos previstos pelo art. 72º n.º 3 da Lei n.º 98/2009) até integral e efectivo pagamento.
Valor da acção: 900,73€.
Custas pelo autor e pelas RR, na proporção dos respectivos decaimentos/responsabilidades, sem prejuízo da isenção de que o primeiro beneficia.»
A R. empregadora, inconformada, veio interpor recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«Podemos pelo que aqui foi exposto, referir que temos diferente entendimento da prova realizada, pelo que a decisão seria outra, distinta da determinada pelo tribunal.
Assim sendo, de acordo com referido pelo sinistrado e pela testemunha, verificamos a não existência de acidente de trabalho.
A queda sofrida, deu-se fora do horário de trabalho, sendo que os restantes trabalhadores se dirigiam ainda para o contentor para irem buscar as suas ferramentas e o Senhor AA já estaria caído no chão.
Sendo que uma vez que o horário de trabalho teria início entre as 07h30m e as 8h00, ao ter caído às 07h30m do segundo piso e ninguém ter presenciado, certamente não estaria no seu horário de trabalho.
Agiu este trabalhador com falta de zelo e diligência, tendo subido para uma prancha, ao contrário do que refere ter caído das escadas.
Nenhum superior deste trabalhador lhe deu ordens para que utilizasse tal prancha, uma vez que esta pertencia a outra empresa, responsável para obras exteriores.
O chapéu deste trabalhador, tal como é dito pela testemunha, de acordo com o que foi informado pelos seus funcionários se encontraria junto da prancha, ou seja, do lado exterior e não no interior da obra, onde seriam as tais escadas.
Subiu ainda para esta prancha, não para exercer as suas funções, mas porque era o local de onde tinha visibilidade para “espiar a vizinha a tomar banho” que se encontraria num edifício ao lado.»
Também a R. seguradora interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«I- Tendo-se provado, apenas, que “pelas 7h30m, na obra na qual a Ré se encontrava a trabalhar, o autor sofreu uma queda”, não foram demonstrados factos que permitam concluir que o acidente ocorreu no local e tempo de trabalho;
II- Não se provou que o A se encontrasse a trabalhar, que esse local fosse aquele onde se deveria encontrar ou dirigir em virtude do seu trabalho, nem que aí estivesse, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador.
III- Pelo que o acidente não ocorreu no local de trabalho;
IV- Mesmo que assim não se entendesse, é indiscutível que não se provou que a queda tenha ocorrido no tempo de trabalho;
V- Impunha-se que o A tivesse alegado qual era o seu horário de trabalho, para se poder concluir que pelas 7h30m do dia do sinistro estava dentro do tempo de trabalho, ou, pelo menos, que, no momento da queda, se encontrava em actos de preparação com ele relacionados.
VI- Não tendo essa factualidade sido alegada e provada, não se pode concluir –nem presumir - que o A, quando, pelas 7h30m, sofreu uma queda na obra estava dentro do seu horário de trabalho ou em actos de preparação deste.
VII- Essa factualidade era constitutiva do direito do A e essencial para a procedência do seu pedido, pelo que lhe cabia o ónus de a alegar e provar;
VIII- O accionamento da presunção estabelecida no artigo 10º n.º 1 da LAT depende da prévia demonstração de que ocorreu um acidente de trabalho, de acordo com as regras do artigo 8º e 9º do mesmo diploma;
IX- Não tendo o acidente ocorrido no local e no tempo de trabalho, ou, pelo menos, dentro deste último condicionalismo, não se pode presumir que as lesões são consequência de acidente de trabalho;
X- O Tribunal não pode sustentar a sua decisão em factos que terão sido narrados por testemunhas no decurso da audiência mas não foram dados como provados.
XI- Sendo, no entanto, de referir que que a testemunha Vitor, no seu depoimento gravado, disse que o acidente ocorreu antes da hora de início dos trabalhos.
XII- A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 8º e 10º da LAT»
O A. veio apresentar resposta aos recursos das RR., pugnando pela sua improcedência.
Os recursos foram admitidos como apelação, com efeito meramente devolutivo o da R. empregadora e com efeito suspensivo o da R. seguradora, atenta a prestação de caução.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, e colhidos os vistos, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:
1. Modificação da decisão sobre a matéria de facto (recurso da R. empregadora);
2. Verificação de acidente caracterizável como de trabalho (recursos de ambas as RR.).

3. Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:
1. O autor nasceu no dia 12 de Janeiro de 1966 (cfr. doc. de fls. 9) – al. A) da FA.
2. No dia 05/12/2014, o autor era funcionário da 2.ª ré, com a categoria de trolha, funções que exercia em Bordéus, França – al. B) da FA.
3. Nesse dia, pelas 07h30m, na obra na qual a ré se encontrava a trabalhar, o autor sofreu uma queda – resposta aos factos 1.º e 2.º da BI.
4. Na sequência da qual sofreu: a) ferida no couro cabeludo; b) contusão dorso-lombar; c) traumatismo craniano, sem perda de conhecimento; d) entorse das inter-falângicas de dedos da mão; e e) dores nas costas – resposta ao facto 3.º da BI.
5. O autor foi inicialmente assistido no Hospital de Bordéus, em França, sendo, posteriormente, seguido pelos serviços médicos da ré seguradora, na Clínica de Sto. António, em Barcelos – resposta ao facto 4.º da BI.
6. As lesões sofridas pelo autor em consequência do acidente determinaram para o mesmo 30 dias de ITA, contados desde 06/12/2014 até 04/01/2015, data na qual se consolidaram clinicamente – respostas aos factos 5.º e 6.º da BI.
7. O autor não ficou a padecer de quaisquer sequelas em consequência da queda descrita nos autos – resposta ao facto 7.º da BI.
8. Entre Julho de 2013 e Dezembro de 2014, a título de remuneração pelo trabalho prestado, a ré pagou ao autor, pelo menos, uma média mensal de 1.087,22€ (cfr. doc. de fls. 67 e ss., para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) – resposta ao facto 8.º da BI.
9. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 0003059541, válido e eficaz na data referida na alínea anterior, a segunda ré transferiu a sua responsabilidade infortunística laboral - decorrente de acidentes de trabalho sofridos pelo autor – para a primeira ré, pela retribuição anual ilíquida de 7.976,43€ (476,52€x14 + 118,65€x11) – al. C) da FA.
10. A ré seguradora nada pagou ao autor por conta do acidente em discussão nos autos – al. D) da FA.
11. Em transportes com deslocações obrigatórias ao GML de Braga e a este tribunal, o autor despendeu um montante concretamente não apurado – resposta ao facto 9.º da BI.
12. O local do acidente está rodeado por edifícios habitáveis.

4. Apreciação dos recursos

4.1. Cumpre antes de mais apreciar a pretensão da R. empregadora de modificação da decisão sobre a matéria de facto.
Por força do art. 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, interessa ter em conta o art. 662.º do Código de Processo Civil, que, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», estabelece no seu n.º 1 que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por sua vez, o art. 640.º, n.ºs 1 e 2, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Daqui resulta que, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões, nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, e acrescendo que há específicos ónus a cumprir no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por força do art. 640.º, o recorrente deve:
- especificar inequivocamente no corpo das alegações os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham uma decisão diversa, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, bem como, tratando-se de depoimentos, as passagens da gravação respectivas;
- e indicar sinteticamente nas conclusões, pelo menos, os pontos da matéria de facto que pretende ver alterados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Assim, como conclui António Santos Abrantes Geraldes Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 128-129., “[a] rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.
Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. (…)
Contudo, insista-se, quando houver motivo para rejeição do recurso, esta apenas poderá abarcar o segmento relativo à matéria de facto, restringindo-se, além disso, aos pontos em relação aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras.”
Retornando ao caso dos autos, verifica-se desde logo que a Apelante não especifica devidamente os concretos pontos de facto que considera que foram incorrectamente julgados, isto é, indevidamente dados como provados ou não provados, com referência à factualidade que foi objecto de produção de prova na primeira instância, nem, por reporte a esta, a decisão que deveria ter sido proferida,
Além disso, verifica-se ainda que a Recorrente não menciona as passagens da gravação pertinentes dos depoimentos que invoca, de modo a facultar ao tribunal de recurso a imediação possível na avaliação dos meios de prova determinantes para imporem decisão diversa.
Sobre situação semelhante, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2015, proferido no âmbito da Revista n.º 961/10.1TBFIG.C1.S1 (Relator Abrantes Geraldes), em cujo sumário se diz Disponível em Cadernos de Sumários da Secção Cível, www.stj.pt.:
“I - O ónus de alegação no que respeita à impugnação da decisão da matéria de facto impõe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, a concretização dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, a enunciação da resposta alternativa que lhes devia ter sido dada e a apreciação crítica dos meios de prova que sustentam essa resposta, com especificação das passagens da gravação em que se funda – art. 640.º do NCPC (2013).
(…)”
Impõe-se, pois, a imediata rejeição do recurso no que toca à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por incumprimento dos ónus legais que incumbiam à Recorrente empregadora.
4.2. Vejamos, então, se a factualidade dada como provada pelo tribunal recorrido não permite que se conclua pela verificação de um acidente qualificável como de trabalho, como sustentam ambas as RR..
Vejamos.
Com interesse para a questão, estabelece o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4/09, no que respeita ao conceito de acidente de trabalho e situações de exclusão e redução da responsabilidade:
Artigo 8.º
Conceito
1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2 - Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
Artigo 9.º
Extensão do conceito
1 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte;
b) Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para o empregador;
c) No local de trabalho e fora deste, quando no exercício do direito de reunião ou de actividade de representante dos trabalhadores, nos termos previstos no Código do Trabalho;
d) No local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa do empregador para tal frequência;
e) No local de pagamento da retribuição, enquanto o trabalhador aí permanecer para tal efeito;
f) No local onde o trabalhador deva receber qualquer forma de assistência ou tratamento em virtude de anterior acidente e enquanto aí permanecer para esse efeito;
g) Em actividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação do contrato de trabalho em curso;
h) Fora do local ou tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo empregador ou por ele consentidos.
(…)
Artigo 10.º
Prova da origem da lesão
1 - A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.
2 - Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.
De acordo com o que ensina Maria do Rosário Palma Ramalho Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 5.ª edição, pp. 872 e ss.., a noção legal de acidente de trabalho permite recortar a figura com recurso a um critério subjectivo, a um critério geográfico, a um critério temporal e ainda ao dano típico que resulta daquele, para além de se exigir um adequado nexo de causalidade entre o evento acidentário e o dano, nos termos gerais da responsabilidade civil.
Isto é, nos termos do art. 8.º do RRATDP, é acidente de trabalho todo aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza o dano típico, ou seja, a qualificação não exige que o acidente ocorra na execução do contrato de trabalho ou por causa dessa execução, bastando que ocorra por ocasião da mesma, estando pressuposto nessas circunstâncias que o trabalhador se encontra directa ou indirectamente sujeito ao controlo do empregador.
A não ser assim, aliás, não tinham razão de ser os preceitos subsequentes a enunciar todas as situações de exclusão ou redução da responsabilidade por acidente de trabalho, designadamente os casos de descaracterização do acidente por imputabilidade do mesmo ao sinistrado, os de exclusão da reparação por ter o acidente resultado de motivo de força maior e os que conferem direito de acção do responsável contra o trabalhador ou terceiro que tenha dado causa ao sinistro.
Neste sentido, diz Júlio Manuel Vieira Gomes O acidente de trabalho – O acidente in itinere e a sua descaracterização, Coimbra Editora, 2013, pp. 97-99. que “(…) o acidente de trabalho não se reduz, no nosso ordenamento, ao acidente ocorrido na execução do trabalho, nem havendo sequer que exigir uma relação causal entre o acidente e essa mesma execução do trabalho. Poderão ser acidentes de trabalho múltiplos acidentes em que o trabalhador não está, em rigor, a trabalhar, a executar a sua prestação, muito embora se encontre no local de trabalho e até no tempo de trabalho, pelo menos para este efeito da reparação dos acidentes de trabalho. (…) Sendo suficiente que o acidente ocorra, na terminologia italiana e anglo-saxónica, por ocasião do trabalho, o acidente de trabalho pode consistir em um acidente ocorrido quando se presta socorro a terceiros ou, inclusive, numa situação em que o trabalhador é agredido ou é vítima de uma “partida de mau gosto”, quer o autor desse facto ilícito seja um colega, quer se trate de um estranho à relação laboral.”
A opção técnica acolhida pelo legislador não é inócua na medida em que tem repercussão directa em matéria de repartição do ónus de alegação e prova, reduzindo a tarefa do sinistrado à alegação e prova dos elementos constantes dos arts. 8.º ou 9.º (tendo ainda em conta o art. 10.º) e fazendo impender sobre o responsável a alegação e prova dos requisitos determinantes da exclusão ou redução da sua responsabilidade, com todas as vantagens em matéria de tutela e protecção daquele.
Retornando ao caso em apreço, constata-se que se provou que, no dia 5/12/2014 – sendo o A. funcionário da 2.ª R., com a categoria de trolha, funções que exercia em Bordéus, França –, pelas 7h30m, na obra na qual a R. se encontrava a laborar, aquele deu uma queda, na sequência da qual sofreu ferida no couro cabeludo, contusão dorso-lombar, traumatismo craniano sem perda de conhecimento, entorse das inter-falângicas de dedos da mão e dores nas costas, que lhe determinaram 30 dias de ITA, contados desde 06/12/2014 até 04/01/2015, data na qual se consolidaram clinicamente, sem sequelas.
Em face desta factualidade, afigura-se-nos pacífico que o acidente se verificou no local de trabalho, produzindo o dano típico.
Na verdade, concretamente no que respeita ao local da ocorrência do acidente, deve aplicar-se-lhe um critério de autoridade, isto é, como esclarece a autora citada Op. cit., p. 874., “(…) a lei utiliza um conceito amplo de local de trabalho, identificando-o como o lugar onde o trabalhador se encontre ou se deva dirigir, por força do trabalho, e no qual esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador (art. 8.º n.º 2 a) da LAT). Deste modo, o critério geográfico conjuga-se com um critério de autoridade, que faz apelo ao controlo do empregador sobre o trabalhador, na delimitação do acidente de trabalho.”
Assim, tendo-se provado que na ocasião do acidente o A. exercia funções para a R. empregadora em Bordéus, França, e que aquele se deu precisamente na obra na qual esta estava a laborar, conclui-se que o mesmo ocorreu no local de trabalho.
Já quanto ao elemento atinente ao tempo de trabalho, tendo-se provado tão somente que a queda se deu no dia 5/12/2014, pelas 7h30, não se pode concluir que está verificado.
Com efeito, não resultou provado qual fosse o horário de trabalho do A., referindo-se expressamente na sentença, em sede de motivação da decisão sobre a matéria de facto, que se desconhece qual fosse o mesmo, pelo que não se pode concluir que o sinistro se deu dentro do horário de trabalho, nem, consequentemente, nos momentos que o precederam, em actos de preparação ou com ele relacionados, tanto mais que também nada se provou sobre as circunstâncias em que se deu a queda do sinistrado.
Por outro lado, nada resultando provado sobre as circunstâncias em que se deu a queda do A., também não se pode considerar o acidente como de trabalho por via da extensão operada pelo art. 9.º do RRATDP. Tenha-se em conta que foi equacionada pelas RR. hipótese para o A. estar no local de trabalho antes do respectivo início – ainda que igualmente não provada – bem diversa de qualquer uma das situações previstas na disposição legal em apreço.
Em face do exposto, não tendo o A. provado, como lhe competia, que o acidente ocorreu no tempo de trabalho ou numa das situações abrangidas pelo art. 9.º do RRATDP, procedem os recursos das RR..

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar as apelações procedentes, e, em consequência, em absolver as RR. do pedido.
Custas pelo A., sem prejuízo da isenção ou apoio judiciário de que beneficie.


Guimarães, 16 de Fevereiro de 2017


(Alda Martins)
(Eduardo Azevedo)
(Vera Maria Sottomayor)


Sumário (elaborado pela Relatora):
I – Nos termos do art. 8.º do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, é acidente de trabalho todo aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza o dano típico, estabelecendo o art. 9.º do mesmo diploma legal a extensão da noção às situações aí previstas.
II – A opção técnica acolhida pelo legislador não é inócua na medida em que tem repercussão directa em matéria de repartição do ónus de alegação e prova, reduzindo a tarefa do sinistrado à alegação e prova dos elementos constantes dos arts. 8.º ou 9.º (tendo ainda em conta o art. 10.º) e fazendo impender sobre o responsável a alegação e prova dos requisitos determinantes da exclusão ou redução da sua responsabilidade, com todas as vantagens em matéria de tutela e protecção daquele.
III – Tendo o autor provado que o acidente se verificou no local de trabalho, produzindo o dano típico, mas não qual era o seu horário de trabalho, não se pode concluir que o sinistro se deu dentro do mesmo ou nos momentos que o precederam, em actos de preparação ou com ele relacionados, e, porque também nada se provou sobre as circunstâncias em que se deu tal acidente, não se pode igualmente considerar o mesmo como de trabalho por via da extensão operada pelo art. 9.º do RRATDP.


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(Alda Martins)