Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
448/21.9T8GMR.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: OBRIGAÇÕES DOS GERENTES
RESPONSABILIDADE DOS GERENTES PERANTE A SOCIEDADE
INDEMNIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- O dever típico e principal dos gerentes é o de administrar e representar a sociedade, mas esse dever desdobra-se em deveres legais (compreendendo-se nestes, os deveres legais de conteúdo genérico, que são as obrigações previstas do art. 64º, nº 1, do CSC, e os deveres legais de conteúdo específico, que se encontram previstos no CSC e em diversa legislação avulsa) e deveres contratuais (estando aqui compreendidos os deveres impostos aos gerentes pelo contrato de sociedade, pelos estatutos ou por deliberações da assembleia geral de sócios).
2- São obrigações legais dos gerentes de conteúdo específico aquelas que decorrem da lei e em que a previsão legal que estabeleça essas adstrições tem caráter definido e concretizado, impondo-se a observância de tais deveres, por imposição legal, aos gerentes sem que lhes assista qualquer margem de discricionariedade.
3- A obrigação dos gerentes de, no exercício das suas funções, cumprirem as obrigações fiscais que impendem sobre a sociedade, nomeadamente, a obrigação de entregar à Autoridade Tributárias as declarações fiscais, dentro dos prazos legais fixados para o efeito, de nessas declarações refletirem a real situação patrimonial, económica e financeira da sociedade de que são gerentes, e de pagar, dentro do prazo legal, os impostos que venham a ser liquidados à sociedade, são obrigações legais de conteúdo específico que se impõem aos gerentes.
4- Sempre que os gerentes, no exercício das suas funções de gerência, incumpram, por ação ou omissão, os deveres referidos em 1) e desse incumprimento resultem prejuízos para a sociedade, aqueles ficam constituídos em responsabilidade obrigacional ou contratual de indemnizar a própria sociedade pelos prejuízos sofridos em consequência dessa conduta, nos termos do art. 72º, nº 1 do CSC, estando esse direito indemnizatório sujeito ao prazo prescricional de 5 anos previsto no nº 1 do art. 174º do CSC.
5- Em caso de responsabilidade do gerente perante a sociedade, fundada em conduta oculta, decorrente daquele, por ação ou por omissão, ter violado, dolosa ou negligentemente, os seus deveres legais ou contratuais de gerente, a contagem do prazo prescricional de 5 anos inicia-se a partir do momento em que essa conduta (oculta) foi revelada aos sócios ou se lhes tornou revelável, isto é, suscetível de deles ser conhecida.
6- Tendo os únicos ex-gerentes (e sócios) da sociedade, nas declarações fiscais que entregaram à Autoridade Tributária, relativas ao ano de 2014, prestado declarações falsas, omitindo a verdadeira situação patrimonial, económica e financeira da sociedade, por forma a esta não pagar o imposto que lhe era legalmente devido, vindo essas declarações falsas a ser detetadas pela Autoridade Tributária na sequência de uma ação inspetiva que realizou à sociedade em 2018, na sequência do que liquidou e cobrou à última imposto adicional, juros de mora e coimas, e tendo esses ex-sócios e gerentes da sociedade, em 31/12/2016, renunciado às funções de gerência e cedido as quotas de que eram titulares aos atuais sócios (e gerentes) da sociedade, o prazo prescricional de 5 anos, para a sociedade exercer os seus direitos indemnizatórios contra esses seus ex-gerentes, por via dos prejuízos que sofreu em consequência da descrita conduta, inicia-se na melhor das hipótese a partir de 01/01/2017.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte

RELATÓRIO

P. C., Lda., com sede na Rua …, n.º …, pavilhão .., …, Vizela, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra M. F., residente na Rua …, n.º …, … Vizela, P. A., residente na Rua …, n.º …, Vizela, e M. S., residente na Rua …, Habitação …, Matosinhos, todas na qualidade de únicas e universais herdeiras de J. C., pedindo a condenação destas, na referida qualidade, a pagar-lhe a quantia de 18.018,45 euros, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Para tanto alega, em síntese, dedicar-se à estamparia de artigos têxteis e ter sido constituída em 1991, com um capital social de 5.000,00 euros, repartidos pelos seguintes sócios fundadores: J. P., titular de uma quota no valor de 3.000,00 euros, e J. C., titular de uma quota de 2.000,00 euros;
Ambos os sócios foram nomeados gerentes da Autora, obrigando-se esta mediante a assinatura dos dois gerentes;
A situação descrita manteve-se inalterada até 31/12/2016, altura em que a quota de J. C. foi cedida;
Em 28/08/2017 faleceu J. C., sucedendo-lhe como únicas e universais herdeiras, a 1ª Ré, viúva, e as 2ª e 3ª Rés, filhas;
Desde a sua constituição até 31/12/2016, a sociedade Autora foi gerida, de facto e de direito, exclusivamente pelos identificados sócios e gerentes J. P. e J. C., detendo ambos o controlo único e exclusivo da Autora;
No decurso do ano de 2018, a Autora foi alvo de uma ação inspetiva pela Administração Tributária, que incidiu sobre o ano civil e fiscal de 2014, da qual resultou que, no referido ano, não foram declarados valores de matérias primas compradas pela Autora, de stocks existentes e de mercadorias transformadas e vendidas, o que culminou com a liquidação adicional de impostos, pela Administração Tributária, por valores não declarados, imputação de juros e coisas, no montante global de 36.036,93 euros;
A Autora pagou voluntariamente, no âmbito dos processos que lhe foram instaurados e das notificações para o efeito recebidas, aquela quantia à Administração Tributária, e já foi ressarcida pelo antigo sócio e gerente, J. P., pelo montante correspondente a metade desse valor, o mesmo não acontecendo com as Rés, enquanto herdeiras do falecido J. C..
As Rés contestaram defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocam a exceção dilatória da incompetência, em razão da matéria, dos Juízos Cíveis para conhecer da relação jurídica delineada pela Autora na petição inicial, sustentando que, atenta essa relação jurídica, são materialmente competentes para dela conhecerem os Juízos do Comércio;
Invocam a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, advogando que, atentos os princípios da pessoalidade da gerência e da sua intransmissibilidade, a responsabilidade do falecido J. C. decorrente do exercício da gerência da Autora extinguiu-se com a morte deste, não se transmitindo aos respetivos sucessores e, bem assim que, em todo o caso, ainda que assim não fosse, sempre a presente ação tinha de ser instaurada contra a herança do falecido J. C., ainda que representada pelas suas herdeiras, e não contra estas pessoalmente, como o foi;
Suscitam a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, por falta de alegação da causa de pedir, sustentando que a Autora não alega factos que preencham a previsão legal da norma em que fundamenta o seu pretenso direito indemnizatório, na medida em que não alega quais os concretos atos ou omissões praticados ou omitidos pelo falecido J. C. no exercício das suas funções de gerente, quais os deveres legais ou contratuais por este violados e quais os danos concretos causados à sociedade Autora por via de tais atos ou omissões;
Invocam a exceção dilatória de falta de deliberação dos sócios da sociedade Autora autorizando a propositura da presente ação, sustentando que esta é necessária por imposição legal;
Suscitam a exceção perentória da prescrição do direito indemnizatório que a Autora vem exercer na presente ação, advogando que, nos termos do art. 174º do CSC, os direitos da sociedade contra os seus gerentes prescrevem no prazo de cinco anos, pelo que, fundando-se a pretensão indemnizatória em factos e omissões que a Autora imputa ao falecido J. C., no exercício das funções de gerente daquela, no ano de 2014, esse direito há muito que se encontra prescrito, mesmo por aplicação do regime do art. 498º, n.º 1 do CC.
Impugnam parte da facticidade alegada pela Autora e concluem pela procedência das exceções aduzidas e, em todo o caso, pela improcedência da ação.
Notificou-se a Autora para, querendo, responder às exceções alegadas pelas Rés na contestação, convite esse que acatou, apresentando a resposta de 22/11/2021, em que conclui pela improcedência de todas as exceções invocadas pelas Rés, alegando, em particular quanto à exceção perentória da prescrição, que apenas teve conhecimento da facticidade que imputa ao de cuius, aqui representado pelas suas únicas e universais herdeiras, no ano de 2018, quando foi confrontada com o resultado da ação inspetiva levada a cabo pela Administração Tributária.
Por decisão de 16/12/2021, o Juízo Local Cível de Guimarães julgou procedente a exceção dilatória da incompetência material dos Juízos Cíveis para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada pela Autora na petição inicial, por essa competência material se encontrar deferida aos Juízos de Comércio, e, em consequência, absolveu as Rés da instância.
A Autora requereu a remessa dos autos aos Juízos de Comércio de Guimarães, a fim de aí serem distribuídos e tramitados, o que foi deferido.
Remetido o processo ao Juízo de Comércio de Guimarães, designou-se data para a realização de audiência prévia, em que, uma vez frustrada a conciliação das partes, se concedeu a palavra à Autora para se pronunciar, querendo, quanto às exceções invocadas pelas Rés na contestação, a qual remeteu para a resposta que já tinha apresentado, na sequência do que se ordenou que os autos fossem conclusos.
Por decisão proferida em 22/02/2022, conheceu-se da exceção perentória da prescrição do direito indemnizatório que a Autora vem exercer na presente ação, julgando-a procedente e, em consequência, absolveu-se as Rés do pedido, constando essa decisão do seguinte teor:
“Prevê o n.º 2 do artigo 174º do Código das Sociedades Comerciais: “Prescrevem no prazo de cinco anos, a partir do momento referido na alínea b) do número anterior, os direitos dos sócios e de terceiros, por responsabilidade para com eles de fundadores, gerentes, administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, liquidatários, revisores oficiais de contas, bem como de sócios, nos casos previstos nos artigos 82.º e 83.º”.
Esse prazo prescricional de curto prazo tem por escopo “proteger as pessoas que assumam tais funções, dando-lhes a garantia de que as relações que, como sujeitos passivos viessem a estabelecer com a corporação ou com terceiros, no quadro da vida da sociedade, se poderiam extinguir por prescrição, num prazo notavelmente curto, incomparavelmente mais curto do que o fixado pela lei geral. E através dessa garantia, o legislador pretendeu naturalmente estimular a constituição de sociedades comerciais e propiciar o ingresso de novos sócios nas sociedades já existentes”.

Por outro lado, a regra básica que resulta do art. 22º do CSC é que:

1. Na falta de preceito especial ou convenção em contrário, os sócios participam nos lucros e perdas da sociedade, segundo a proporção das respetivas participações no capital.
2. Se o contrato determinar somente a parte de cada sócio nos lucros, presumir-se-á ser a mesma a sua parte nas perdas.
Preceitos especiais impõem à sociedade, a distribuição de: pelo menos uma parcela dos lucros pelos sócios com determinadas exceções – arts. 217º e 294 do CSC.
Por seu turno, a responsabilidade dos administradores para com os sócios e terceiros é remetida para o regime da responsabilidade aquiliana – art. 79º, nº1 do CSC.
Volvendo à invocada exceção de prescrição, a factualidade alegada pela Autora que fundará a responsabilidade do gerente, remonta a supostas “omissões” por este praticadas, no ano de 2014, refletidas nas declarações dirigidas mensalmente à Autoridade Tributária.
A presente ação deu entrada em juízo em 30/08/2021.
A prescrição fundamenta-se na necessidade de relevar o devedor da prova do cumprimento, passado muito tempo sobre o mesmo e na conveniência em promover a paz e segurança jurídica.
Resulta como se disse, que os direitos dos sócios e de terceiros por responsabilidade dos administradores e outros prescrevem em 5 anos (art. 174º, nº 2).
Os direitos de créditos de terceiros contra a sociedade, exercíveis contra os antigos sócios e os exigíveis por estes contra terceiros (arts. 163 e 164º): prescrevem em 5 anos, se outros preceitos não fixarem prazos mais curtos, a contar do registo da extinção da sociedade (art. 174º, nº3).
O art. 174º fixa uma prescrição objetiva (o prazo inicia-se independentemente de concretos conhecimentos de sujeitos) de tipo quinquenal. Domina uma preocupação de segurança jurídica. Sendo que no número 1 estão os momentos de contagem dos prazos.
Como resulta dos presentes autos, os RR. foram citados em 06/09/2021, ou seja, após o referido prazo de 5 anos.
Pelo exposto, julga-se procedente a exceção de prescrição absolvendo-se os RR. do pedido.
Custas pela A.”.

Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação em que formula as seguintes conclusões:

A) A ORA RECORRENTE, ATRAVÉS DA PRESENTE MOTIVAÇÃO DE RECURSO, E NOS EXATOS TERMOS QUE DA MESMA CONSTAM ESPECIFICADOS/DISCRIMINADOS (SEM PREJUÍZO DE TUDO QUANTO DO CONHECIMENTO OFICIOSO DESTE TRIBUNAL SUPERIOR RESULTAR), PRETENDE DEMONSTRAR QUE A PROCEDÊNCIA DA EXCEÇÃO PERENTÓRIA DA CADUCIDADE SE MOSTRA JULGADA DE MODO INCORRETA, NÃO SE VERIFICANDO IN CASU TAL EXCEÇÃO;
B) CONFORME RESULTA DA FACTUALIDADE QUE A RECORRENTE ALEGOU EM TEMPO E LOCAL PRÓPRIOS E QUE SUPRA CUIDOU DE TRANSCREVER -QUE SUSTENTA O PEDIDO FORMULADO AD CAUSAM PELA RECORRENTE DE CONDENAÇÃO DAS RÉS, ORA RECORRIDAS, ENQUANTO HERDEIRAS DO SÓCIO EM QUESTÃO, PEDIDO ESSE QUE SE CONSUBSTANCIA NO PAGAMENTO ÀQUELA DE DETERMINADA IMPORTÂNCIA:
- O MESMO ASSENTA NA DESCRITA CONDUTA CULPOSA DAQUELE ENTRETANTO FALECIDO EX-SÓCIO DA RECORRENTE QUE, CONJUNTAMENTE COM O SEU ENTÃO SÓCIO, VISARAM E TIRARAM BENEFÍCIO ECONÓMICO PRÓPRIO PARA AMBOS EM PREJUÍZO DA ORA RECORRENTE SOCIEDADE;
- CONDUTA AQUELA QUE FOI OCULTADA À RECORRENTE (REPRESENTADA PELA NOVA COMPOSIÇÃO SOCIAL);
- E DA QUAL A RECORRENTE APENAS E TÃO SOMENTE TEVE CONHECIMENTO QUANDO DA PRODUÇÃO DO DANO – VERIFICADO E SURGIDO NO ÂMBITO DA INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA REALIZADA NO ANO DE 2018;
C)AINDA E CONFORME ALEGADO PELA RECORRENTE E QUE SUPRA SE CUIDOU DE TRANSCREVER PODER-SE-Á CONCLUIR QUE:
- TENDO A CONDUTA DOS SÓCIOS DA RECORRENTE (NO ANO DE 2014) SIDO PELOS MESMOS OCULTADA (PELO MENOS ATÉ À DATA DA OPERADA CESSÃO DE QUOTA EM FINAIS DO ANO DE 2016), O DANO APENAS E TÃO SOMENTE SE VERIFICOU NO ANO DE 2018, DATA A PARTIR DA QUAL FOI CONHECIDA A CONDUTA DAQUELES POR PARTE DA RECORRENTE (REPRESENTADA PELA SUA NOVA ESTRUTURA SOCIETÁRIA);
- A TRANSMISSÃO DAS QUOTAS APENAS OCORREU EM FINAIS DO ANO DE 2016, PASSANDO A PARTIR DE ENTÃO A SER EFICAZ PARA A RECORRENTE E SUA NOVA ESTRUTURA SOCIETÁRIA AQUELA MESMA TRANSMISSÃO;
- O VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO DA SOCIEDADE ORA RECORRENTE PARA COM A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA APENAS PODERÁ TER OCORRIDO NAQUELE ANO DE 2018QUANDO DO APURAMENTO DO VALOR EM DÍVIDA ÀQUELA;
D) OU SEJA, E PARA QUE BEM SE COMPREENDE O ENTENDIMENTO DA RECORRENTE, NÃO PODE A MESMA DEIXAR DE REFERIR EXPRESSAMENTE QUE:
- O CITADO Nº 2 DO ARTº 174º DO CÓD. DAS SOCIEDADES COMERCIAIS NÃO TEM APLICAÇÃO NO CASO EM APREÇO PORQUANTO ESTAMOS PERANTE O EXERCÍCIO DE UM DIREITO DA PRÓPRIA SOCIEDADE ORA RECORRENTE CONTRA O SEU EX-SÓCIO E NÃO DE UMA AÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE QUAISQUER DIREITOS DE SÓCIOS OU TERCEIROS;
- NO CASO EM APREÇO APENAS E TÃO SOMENTE PODERÁ APLICAR-SE O CITADO Nº 1DO ARTº 174º DO CÓD.DAS SOCIEDADES COMERCIAIS, PORQUANTO PRETENDE A SOCIEDADE ORA RECORRENTE EXERCER UM DIREITO PRÓPRIO CONTRA O EX-SÓCIO ENTRETANTO FALECIDO E REPRESENTADO PELAS HERDEIRAS ORA RECORRIDAS;
- A CONTAGEM DO PRAZO DE CINCO ANOS A QUE ALUDE O CITADO Nº 1 DO ARTº 174º DO CÓD.DAS SOCIEDADES COMERCIAIS APENAS E TÃO SOMENTE PODERÁ INICIAR A RESPETIVA CONTAGEM QUANDO E SE SE VERIFICAR EFECTIVAMENTE UM DOS FACTOS ALI EXPRESSAMENTE PREVISTOS NAS DIVERSAS ALÍNEAS.
E) SENDO QUE A DATA MAIS ANTIGA PARA O INÍCIO DAQUELA CONTAGEM DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO NÃO PODE SER A DA PRÁTICA DO FACTO POR AMBOS OS ÚNICOS SÓCIOS E GERENTES DA RECORRENTE –O QUE, A SER ASSIM, E ENQUANTO TAL STATUS QUO PERSISTIR (LEIA-SE, PERSISTISSE), IMPEDE (LEIA-SE, IMPEDIA) A PRÓPRIA SOCIEDADE DE, AUTONOMAMENTE (SEM DEPENDER DA CAPACIDADE VOLITIVA DAQUELES), EXERCER OS RESPETIVOS DIREITOS CONTRA OS MESMOS;
F) PELO QUE, E AFASTADA QUE SE MOSTRA A DATA DE 2014 PARA O INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO EM APREÇO, TEMOS O ANO DE 2016 – 31 DE DEZEMBRO:
- COMO A DATA EM QUE A CONDUTA CULPOSA PELOS ENTÃO SÓCIOS CEDENTES PODERIA (TEORICAMENTE) SER VERIFICADA PELA SOCIEDADE (ATRAVÉS DA NOVA ESTRUTURA SOCIETÁRIA) – ALÍNEA B) DO CITADO Nº 1 DO ARTº 174º DO CÓD. DAS SOCIEDADES COMERCIAIS;
- COMO A DATA EM QUE SE VERIFICOU A TRANSMISSÃO DAS AÇÕES - ALÍNEA C) DO CITADO Nº 1DO ARTº 174º DO CÓD.DAS SOCIEDADES COMERCIAIS.
G) E, A NÃO SER ASSIM, TEMOS A DATA DE 2018 COMO A DATA EM QUE A OBRIGAÇÃO EMAPREÇO DEPAGAMENTO À “ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA” SEVENCEU –ALÍNEA D) DO CITADO Nº 1DO ARTº 174º DO CÓD.DAS SOCIEDADES COMERCIAIS;
H) O QUE, E SEMPRE SALVO O MUITO E MERECIDO RESPEITO POR CONTRÁRIA OPINIÃO, CONDUZIRÁ À CONCLUSÃO DE QUE QUANDO DO INÍCIO DA PRESENTE INSTÂNCIA – AOS 30 DE AGOSTO DO ANO DE 2021, AINDA NÃO TINHA TRANSCORRIDO O PRAZO DE PRESCRIÇÃO DE 5 (CINCO) ANOS CUJA CONTAGEM NUNCA SE PODERÁ TER INICIADO AO ANO DE 2014;
I) DE RESTO, TAL ENTENDIMENTO EM NADA, MAS ABSOLUTAMENTE NADA, COLIDE COM OS PRINCÍPIOS DA PAZ E SEGURANÇA JURÍDICAS QUE O INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO PRETENDE SALVAGUARDAR;
J) NÃO PODENDO A RECORRENTE, ATÉ 2018, EXIGIR O CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO A QUALQUER DOS SEUS EX-SÓCIOS QUE DELIBERARAM EM 2014 A APROVAÇÃO DE CONTAS QUANDO TAL OBRIGAÇÃO ERA AINDA INEXIGÍVEL, NÃO SE TENDO APURADO AINDA A MESMA E RESPETIVA QUANTIFICAÇÃO.
K) HAVERÁ AINDA QUE CHAMAR À COLAÇÃO O FACTO DE, CONFORME ALEGADO PELA RECORRENTE, A DELIBERAÇÃO E APROVAÇÃO DE CONTAS RELATIVA AO ANO DE 2014 (OCORRIDA NO ANO DE 2015, CONFORME É DO CONHECIMENTO GERAL), É ILÍCITA POR ASSENTAR EM PRESSUPOSTOS QUE, CONFORME VERIFICADO NA AÇÃO INSPECTIVA DE 2018, NÃO CORRESPONDIAM À REALIDADE;
L) DE TAL MODO, E CASO SE ENTENDA TER NO CASO EM APREÇO APLICAÇÃO O DISPOSTO NO ARTº 498º Nº 1DO CÓD. CIVIL, CERTO É QUE A REGRA GERAL VAI NO SENTIDO DE QUE O PRAZO DE PRESCRIÇÃO COMEÇA A CORRER QUANDO O DIREITO PUDER SER EXERCIDO (ARTº 306º Nº 1DO CÓD.CIVIL);
M) ASSIM, E NO QUE AO CRÉDITO INDEMNIZATÓRIO RESPEITA, O RESPETIVO PRAZO DE TRÊS ANOS CONTA-SE, ASSIM, DESDE A DATA EM QUE O LESADO TEVE CONHECIMENTO DO DIREITO QUE LHE COMPETIA, AINDA QUE COM DESCONHECIMENTO DA PESSOA DO RESPONSÁVEL E DA EXTENSÃO DOS DANOS, SEM PREJUÍZO DA PRESCRIÇÃO ORDINÁRIA SE TIVER DECORRIDO O RESPECTIVO PRAZO A CONTAR DO FACTO DANOSO (ARTº 498º Nº 1DO CÓD.CIVIL).
N) NO CASO DOS AUTOS, E CONFORME A RECORRENTE ALEGA, A PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES FISCAIS INCORRECTAS POR PARTE DOS SEUS ANTERIORES SÓCIOS E GERENTES APENAS FOI DO CONHECIMENTO DA SOCIEDADE NO ANO DE 2018 NA SEQUÊNCIA DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA REALIZADA, PELO QUE O PRAZO DE 3 (TRÊS) ANOS, A TER APLICAÇÃO IN CASU, APENAS INICIOU A RESPETIVA CONTAGEMNAQUELA DATA, EM TUDO O MAIS, E PARA CONTAGEM DE TAL PRAZO, SE REITERANDO TUDO QUANTO SE DEIXOU ALEGADO EM SEDE DE RESPOSTA ÀS EXCEÇÕES;
O) NÃO PODE AINDA A RECORRENTE DEIXAR DE SUSCITAR A QUESTÃO DA APLICAÇÃO AO CASO DOS AUTOS DO INSTITUTO DA SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO NO QUE DECURSO DO PRAZO DE CINCO ANOS CONCERNE;
P) COM EFEITO, E COM APLICAÇÃO AO CASO EM APREÇO, CUMPRE CHAMAR À COLAÇÃO O QUE, SOB A EPÍGRAFE “CAUSAS BILATERAIS DE SUSPENSÃO, PRECEITUA O ARTº 318º DO CÓD.CIVIL NA SUA ALÍNEA D):
APRESCRIÇÃO NÃO COMEÇA NEM CORRE: ...
D) ENTRE AS PESSOAS COLECTIVAS E OS RESPETIVOS ADMINISTRADORES, RELATIVAMENTE Á RESPONSABILIDADE DESTES PELO EXERCÍCIO DOS SEUS CARGOS, ENQUANTO NELES SE MANTIVEREM.” (SIC).
Q) NO CASO DOS AUTOS, CUMPRE A PROPÓSITO QUESTIONAR COMO PODERIA A PRÓPRIA RECORRENTE SOCIEDADE, ATÉ 2016 REPRESENTADA PELOS SEUS DOIS ÚNICOS SÓCIOS E GERENTES (QUE NO QUE AO ANO DE 2014 RESPEITA, HAVIAM APROVADO AS CONTAS SINDICADAS PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA EM 2018), AGIR CONTRA OS MESMOS?
R) É QUE, PELO MENOS ATÉ 31 DE DEZEMBRO DE 2016 ESTAVA A ORA RECORRENTE POR RAZÕES ÓBVIAS E INCONTORNÁVEIS, IMPEDIDA DE ACIONAR QUALQUER UM DOS SEUS ATÉ ENTÃO ÚNICOS SÓCIOS E GERENTES, NÃO PODENDO, CONSEQUENTEMENTE, AO PRAZO DE PRESCRIÇÃO ESTAR EM CURSO DESDE 2014 COMO DA DOUTA SENTENÇA EM CRISE RESULTA.
S) EM MODESTO MAS CONVICTO ENTENDIMENTO DA RECORRENTE TEM INTEIRA APLICAÇÃO AO CASO EM APREÇO, SEGURO SE MOSTRA AFIRMAR QUE NA EVENTUALIDADE DO INÍCIO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO DE CINCO ANOS TER TIDO INÍCIO NO ANO DE 2014, A CONTAGEM DO MESMO ESTEVE SUSPENSA ATÉ 31 DE DEZEMBRO DO ANO DE 2016;
T) PELO QUE, E EM CONCLUSÃO, NUNCA PODERIA O TRIBUNAL RECORRIDO TER JULGADO PROCEDENTE A EXCEÇÃO DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE AÇÃO DA RECORRENTE SOCIEDADE CONTRA OS SEUS ANTIGOS SÓCIOS E GERENTES, MORMENTE O FALECIDO SÓCIO DE QUE AS RECORRIDAS SÃO AS ÚNICAS E UNIVERSAIS HERDEIRAS;
U) AO DECIDIR COMO DECIDIU O TRIBUNAL RECORRIDO INTERPRETOU DE FORMA ERRADA E/OU VIOLOU, ENTRE OUTROS, O DISPOSTO NOS ARTS. 174º DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS E 306º, 309º 318 D) E 498º, TODOS DO CÓDIGO CIVIL, APLICÁVEIS AO CASO EM APREÇO.

N E S T E S T E R M O S, E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES, DEVE SER DADO INTEIRO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E, REVOGANDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, JULGAR-SE PROCEDENTE POR PROVADO O PRESENTE RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE, JULGAR-SE IMPROCEDENTE A EXCEPÇÃO DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE AÇÃO DA RECORRENTE ORDENANDO-SE O PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
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As apeladas contra-alegaram, pugnando pela improcedência da apelação.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2 do CPC.
No seguimento desta orientação, a questão que se encontra submetida à apreciação desta Relação resume-se em saber se a decisão recorrida, que julgou prescrito o direito indemnizatório a que a apelante (sociedade Autora) se arroga titular perante as apeladas, enquanto únicas e universais herdeiras de J. C., seu ex-gerente, por atos por este praticados no exercício das funções de gerente, de que lhe advieram danos, de que aquela pretende ser ressarcida, padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe revogar essa decisão, julgando improcedente a exceção perentória da prescrição invocada pelas apeladas e ordenar o prosseguimento dos autos.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para decidir o objeto da presente apelação são os que constam do relatório acima elaborado, a que acrescem os seguintes factos:

A- A petição inicial relativa à presente ação deu entrada em juízo em 30/08/2021 – cfr. processo eletrónico;
B- As Rés assinaram o aviso de receção das cartas registadas com aviso de receção que lhes foram remetidas a fim de citá-las para os termos da presente ação nas seguintes datas: as Rés M. F. e P. A. em 06/09/2021, e a Ré M. S. em 10/09/2021 – cfr. avisos de receções juntos ao processo eletrónico.
C- A Autora encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o NIPC ........., estando aí registado:
- pela insc. 1, ap. 6/29910125, o contrato de sociedade e a designação dos membros dos órgãos sociais, em que se lê, além do mais, que o capital social ascende a 5.000,00 euros, repartido por duas quotas; uma, no valor nominal de 3.000,00 euros, titulada por J. P.; e a outra, no valor nominal de 2.000,00 euros, titulada por J. C., obrigando-se a sociedade mediante a intervenção de ambos os gerentes, tendo sido nomeados gerentes J. P. e J. C.;
- pela ap. 1/20170103, a cessação das funções de gerente de J. P. e de J. C., ambos por renúncia – cfr. certidão permanente da matrícula da sociedade Autora, junta em anexo à petição inicial.
D- Por documento escrito intitulado de “Divisão e Cessão de quotas e alteração de Pacto Social”, datado de 31 de dezembro de 2016, entre J. P. e J. C., estes como, respetivamente, 1º e 2º outorgantes, e S. D. e B. C., estes como, respetivamente, 3º e 4º outorgantes, foi acordado o seguinte:
Pelos Primeiro e Segundo outorgantes (…): que são os únicos sócios da sociedade comercial por quotas com a designação de “P. C., Lda.”, NIPC ......... (…), com o capital social integralmente realizado e registado, no valor e cinco mil euros, estando dividido em duas quotas, sendo uma com o valor nominal de três mil euros pertencente ao sócio J. P., e outra com o valor nominal de dois mil euros pertencente ao sócio J. C. e que na qualidade de únicos sócios autorizam as seguintes cessões de quotas.
Declaram os Primeiros outorgantes que assim, devidamente autorizados, para o efeito da sua transmissão, dividem a quota titulada em nome dele marido no valor de três mil euros, em duas novas quotas com o valor nominal uma de dois mil e quinhentos euros que cede à Terceira outorgante S. D. pelo igual valor nominal já recebido, com todos os correspondentes direitos e obrigações, e outra com o valor nominal de quinhentos euros que cede ao Quarto outorgante B. C., pelo igual valor nominal já recebido, com todos os correspondentes direitos e obrigações.
Declara a Terceira e Quarto outorgante que nos termos exarados aceitam as respetivas cessões de quota.
Declaram os Segundos outorgantes: que devidamente autorizados, para o efeito da sua transmissão, cedem ao Quarto outorgante B. C., pelo igual valor nominal a quota de dois mil euros, já recebido, titulada em nome dele marido, com todos os correspondentes direitos e obrigações.
Declara o Quarto outorgante: que nos termos exarados aceita a respetiva cessão de quota.
Declaram o Primeiro e Segundo outorgantes varões que renunciam à gerência que vinham exercendo a firma supra identificada.
(…).
Mais declaram os Primeiro e Segundo outorgantes: que foi exibida certidão emitida pelo Instituto de Gestão e Financeira da Segurança Social, comprovativa de que a firma tem a sua situação contributiva perfeitamente regularizada, bem como certidão de não dívida emitida pelo Serviço de Finanças competente.
(…)” – cfr. doc. n.º 5, junto em anexo à petição inicial.
*
B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A 1ª Instância julgou procedente a exceção perentória da prescrição do direito indemnizatório a que a sociedade apelante se arroga titular perante as apeladas, na qualidade de únicas e universais herdeiras de J. C., por atos por este praticados no ano de 2014, no exercício das funções de gerente daquela, de que lhe advieram danos, com fundamento no disposto no art. 174º do Códigos das Sociedades Comercias (CSC), entendimento esse com o qual não se conforma a apelante, sustentando, além do mais, que os atos em que a mesma fundamenta o seu pedido foram praticados pelo falecido J. C. e J. P., na qualidade de gerentes da sociedade apelante, durante o exercício fiscal do ano de 2014, ao não declararem os valores das mercadorias efetivamente compradas pela apelante durante esse ano fiscal, o valor das mercadorias efetivamente existentes em stock, bem como da mercadoria realmente transformada e vendida aos clientes, para efeitos do imposto a liquidar à Autoridade Tributária, facto esse que, conforme resulta do por si alegado na petição inicial, lhe foi omitido e apenas lhe veio a ser revelado na sequência da ação inspetiva realizada pela Autoridade Tributária no ano de 2018, pelo que, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 174º do CSC, apenas a partir da conclusão dessa ação inspetiva tem início a contagem do prazo prescricional de cinco anos a que alude aquele preceito, data em que aquelas omissões ilícitas desses seus anteriores gerentes lhe foram reveladas, ou então, a partir de 31/12/2016, data em que aqueles seus ex-gerentes renunciaram às suas funções de gerência e transmitiram as respetivas quotas aos atuais sócios da sociedade apelante e, assim, a nova estrutura societária da apelante teve acesso aos elementos contabilísticos da sociedade e teve oportunidade de, eventualmente, detetar os dados ocultados.
Mais sustenta que, em todo o caso, tendo alegado, na petição inicial que, a aprovação da deliberação de contas relativa ao ano de 2014 é ilícita por assentar em pressupostos que, conforme verificado na ação inspetiva de 2018, não correspondiam à verdade, a relação jurídica material controvertida também assenta na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos praticados pelos seus anteriores gerentes e, como tal, encontra-se submetida ao prazo prescricional do n.º 1 do art. 498º do CC.
Conclui que, quer por referência ao disposto no art. 174º, n.º 1, al. b) do CSC, quer por referência ao disposto no art. 498º, n.º 1 do CC, a sua pretensão indemnizatória, contrariamente ao decidido, não se encontra extinta, por prescrição.

Por sua vez, nas suas contra-alegações de recurso, para além de concluírem pela improcedência da enunciada argumentação fáctica e jurídica, as apeladas advogam que a conduta descrita pela apelante, como sendo a que atribui ao seu ex-sócio e gerente originadora da indemnização por supostas omissões por este praticadas, no ano de 2014, refletidas nas declarações dirigidas mensalmente à Administração Tributária, não constitui qualquer conduta oculta em relação à sociedade, mas são o reflexo direto da vontade da própria sociedade à data, expressa em deliberações sociais, tomadas pela própria, por unanimidade, designadamente, ao aprovar as contas do ano de 2014, deliberação essa que se convalidou na ordem jurídica pelo de decurso do prazo do art. 59º do CSC..
Decorre do exposto que a primeira questão que se impõe dilucidar nos presentes é a de determinar qual a concreta causa de pedir em que a apelante sustenta, em sede de petição, a pretensão indemnizatória que aí deduz contra as apeladas enquanto únicas e universais herdeiras do ex-gerente daquela.
Conforme antedito em sede de relatório, a apelante instaurou a presente ação contra as apeladas, na qualidade de únicas e universais herdeiras do falecido J. C., pedindo a condenação destas, nessa qualidade, a pagar-lhe a quantia de 18.018,45 euros, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral efetivo e integral pagamento.
Para tanto alega, nisso se consubstanciando a causa de pedir que elegeu para fundamentar aquele pedido indemnizatório, ter sido constituída em 1991, com um capital social de cinco mil euros, sendo seus sócios fundadores J. P., com uma quota no valor nominal de 3.000,00 euros, e J. C., titular de uma quota no valor nominal de 2.000,00 euros, tendo ambos sido nomeados gerentes e obrigando-se a sociedade apelante mediante a assinatura dos dois sócios e gerentes, situação essa que se manteve inalterada até 31/12/2016, data em que estes cederam as respetivas quotas aos atuais sócios e gerentes da apelante (arts. 1º a 6º da petição inicial)
Mais alega que, desde a sua constituição até 31/12/2016, a apelante foi gerida, de facto e de direito, pelos sócios e gerentes J. P. e J. C., detento ambos o controlo, único e exclusivo, da sociedade apelante (arts. 15º a 27º e 44º a 47º da petição inicial);
Que, “no decurso do ano de 2018, foi a A. objeto de ação de fiscalização/inspeção realizada pela Administração Tributária, ação de fiscalização aquela que incidiu sobre o ano civil e fiscal de 2014 – período em que, recorde-se, a A. era única e exclusivamente gerida, de facto e de direito, pelos mencionados gerentes J. P. e J. C., resultando daquela mencionada ação de fiscalização tributária, que para além do mais procedeu a conferência do inventário de bens (visando apurar a correspondência de valores entre a matéria prima comprada, a existente em stock, e a transformada e vendida), o apuramento de valores não declarados pelos referidos sócios à Administração Tributária, opção aquela que foi tomada única e exclusivamente pelos mencionados gerentes da A., à data em questão e que, viria a culminar com a liquidação adicional de impostos pela Administração Tributária (por valores não declarados), imputação de juros e coimas, tudo dando origem a uma retificação dos valores constantes nas declarações de I.R.C. do ano de 2014 e de I.V.A. relativo a todos os 4 (quatro) trimestres daquele mesmo ano de 2014., apurando/liquidando a Administração Tributária a título de impostos (I.R.C.e I.V.A.–anode2014) em falta, bem como juros e coimas dali resultantes, o valor global de € 36.036,93 (trinta e seis mil e trinta e seis euros e noventa e três cêntimos), valor esse que a A. pagou voluntariamente no âmbito de todos e cada um dos processos que lhe foram instaurados e das notificações para o efeito recebidas.
Daquele mencionado valor pela A. pago à Administração Tributária, já foi a mesma ressarcida pelo antigo sócio J. P. de ½, ou seja, de € 18.018,45 (dezoito mil e dezoito euros e quarenta e cinco cêntimos), o mesmo não sucedendo em relação às herdeiras do restante antigo sócio, já falecido, e ora RR. naquela qualidade, cuja responsabilidade se pretende seja declarada através da presente ação com a consequente condenação no respetivo pagamento” (cfr. arts. 28º a 38º da petição inicial);
“Tendo aqueles únicos sócios e gerentes da A., no que ao ano de 2014 respeita, incumprido as respetivas obrigações de atuarem com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo resultado prejuízo para a A. da atuação daqueles mesmos gerentes quando da apresentação das declarações dos impostos em causa no ano de 2014, que foi da sua única e exclusiva responsabilidade e de acordo com as pretensões manifestadas à Administração Tributária, bem sabendo aqueles mesmos gerentes da A. que os valores declarados não correspondiam à realidade, e tudo porque, a opção pela não declaração em conformidade com o fiscalmente devido dos valores de I.R.C e I.V.A. relativosaoanode2014 se deveu a culpa única e exclusiva dos então únicos sócios e gerentes” (arts. 42º a 44º da petição inicial).
Resulta linearmente do que se acaba de transcrever que a causa de pedir eleita pela apelante para sustentar a sua pretensão indemnizatória se funda na circunstância dos seus sócios e gerentes fundadores, J. P. e J. C., que exerceram essas funções de gerência e que detiveram a qualidade de únicos sócios e gerentes daquela até 31/12/2016, data em que cederam as respetivas quotas aos atuais sócios e gerentes da sociedade apelante e renunciaram às funções de gerência e que, nesse período temporal detinham o controlo único e exclusivo daquela sociedade, terem omitido, na qualidade de gerentes, nas declarações fiscais que apresentaram junto da Administração Tributária relativas ao ano de 2014, os valores de matéria prima efetivamente comprada, dos stocks que realmente detinha e da matéria prima que efetivamente transformou e vendeu aos respetivos clientes, para efeitos de apuramento dos impostos a pagar pela sociedade apelante ao Estado, levando a que esta tivesse pago um imposto inferior ao que era devido, condutas essas que apenas vieram a ser detetadas no ano de 2018, na sequência de uma ação inspetiva realizada pela Autoridade Tributária, na sequência do que, esta lhe liquidou adicionalmente, a título de imposto não declarado, juros de mora e coimas, a quantia global de 36.036,93 euros, com o que incumpriram aqueles J. P. e J. C. os seus deveres legais e estatutários enquanto gerentes da sociedade apelante, em consequência do que lhe causaram danos de que pretende ser ressarcida.
Está, portanto, em causa, nos presentes autos, a responsabilidade de J. P. e do falecido J. C., perante a sociedade apelante, por omissões praticadas no âmbito do exercício das suas funções de gerente durante o ano de 2014 e, consequentemente, a ação indemnizatória a que alude o art. 72º, n.º 1 do CSC, onde se estatui que, “os gerentes, os administradores ou diretores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos e omissões práticos com a preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa”.
Na verdade, sendo as sociedades comerciais dotadas de personalidade jurídica própria (art. 5º do CSC), e sendo estas pessoas coletivas, isto é, “organizações constituídas por uma coletividade de pessoas ou por uma massa de bens, dirigida à realização de interesses comuns ou coletivos, às quais a ordem jurídica atribui personalidade jurídica, que constituem, portanto, centros autónomos de relações jurídicas – autónomos em relação aos seus membros ou às pessoas que atuam como seus órgãos” (1) -, são esses órgãos que necessariamente terão de expressar a vontade da pessoa coletiva.
Dito por outras palavras, ao contrário das pessoas singulares, que têm existência própria, dotadas de racionalidade e de vontade próprias, que a lei se limita a reconhecer e a atribuir personalidade e capacidade jurídica e judiciária, as pessoas coletivas são criações do Direito, isto é, são ficções jurídicas, que a lei reconhece e a que atribuiu existência jurídica, atribuindo-lhes personalidade jurídica e capacidade judiciária próprias, fixando para o efeito as condições a que o respetivo substrato, isto é, o conjunto de elementos complexos de facto, têm de obedecer para que lhes seja reconhecido substrato jurídico (o reconhecimento) e, assim, surgir uma nova pessoa jurídica, a pessoa coletiva, que é titular de relações jurídicas próprias e autónomas e com património próprio.
A existência das pessoas coletivas pressupõe, por isso, não só um determinado substrato, mas ainda a existência de uma determinada estrutura orgânica, composta por diversos órgãos, porquanto serão estes que terão necessariamente de manifestar a vontade (coletiva) da pessoa coletiva e de atuar em nome e em representação desta no tráfico jurídico.
Ao nível das sociedades comerciais, embora não constitua o órgão supremo da sociedade, dado que esse órgão supremo é, como se sabe, a assembleia geral de sócios ou acionistas, é inegável que, quer ao nível do plano interno, quer ao nível do plano externo da sociedade, assume papel central a gerência ou a administração, uma vez que é aos gerentes e administradores que compete a gestão dos negócios sociais e a representação da sociedade perante terceiros (art. 259º do CSC), ou seja, a orientação técnica-económica, a condução permanente dos negócios sociais, a prática corrente dos atos destinados a prosseguir o escopo da sociedade e, finalmente, a representação da sociedade perante terceiros (2).
Dada a importância primordial da gerência e da administração na condução e na representação dos negócios sociais, não admira que a lei tenha tido a preocupação de regular os deveres a que aqueles ficam condicionados e adstritos na sua atividade de condução dos negócios sociais e de representação da sociedade.
Com efeito, no exercício das funções de gerência/administração da sociedade, os gerentes e os administradores têm poderes-função, poderes-deveres, que terão de gerir no interesse da sociedade e têm para o efeito os poderes necessários para promover esse interesse. Esses poderes são orientados pela relação fiduciária que a gestão de bens e interesses alheios implica e determina que, embora os gerentes e os administradores tenham de assumir riscos para tornar possível a obtenção de lucros, essa assunção de riscos carece de estar balizada desde logo pelo quadro de obrigações por que aqueles devem pautar a sua atuação. Daí que os deveres a que os gerentes e os administradores se encontram subordinados perante a sociedade no exercício dessas suas funções “emergem fundamentalmente da relação interna do administrador com a sociedade, ainda que possam ter reflexos (nomeadamente a sua omissão ou cumprimento defeituoso) na relação externa da sociedade com outros sujeitos (credores, Estado, sócios, trabalhadores e outros terceiros especialmente interessados) e, até, na validade dos negócios sociais celebrados pelos administradores como representantes da sociedade” (3).
Posto isto, enuncie-se que o dever típico e principal dos gerentes ou administradores é o administrar e representar a sociedade, mas esse dever desdobra-se em deveres legais e deveres contratuais (isto é, deveres impostos aos gerentes pelo contrato de sociedade, pelos estatutos e pela assembleia geral de sócios).
Quanto aos deveres legais, estes desdobram-se por sua vez em deveres legais de conteúdo genérico e deveres legais de conteúdo específico.
Os deveres legais de conteúdo genérico dos gerentes ou dos administradores são aqueles que se encontram fixados no art. 64º, n.º 1 do CSC, onde se conta o dever geral de cuidado (al. a)), e o dever de lealdade (al. b)).
Trata-se de deveres de conduta, indeterminados e fiduciários, a que os gerentes e os administradores se encontram adstritos no exercício das suas funções de condução dos negócios sociais e de representação da sociedade, isto é, no exercício da sua atividade de gerência/administração da sociedade.
No entanto, esses deveres legais têm um conteúdo indeterminado e amplo, carecendo, por isso, de ser concretizado pela doutrina e pela jurisprudência e daí que se trate de deveres legais dos gerentes/administradores de conteúdo genérico.
Já os deveres legais de conteúdo específico a que os gerentes e os administradores se encontram obrigados são adstrições que são impostas aos últimos pelo CSC, mas também por múltipla legislação avulsa, cujo conteúdo está perfeitamente determinado pela própria previsão das normas que estatuem essas imposições legais, não carecendo, por isso, de qualquer concretização ao nível doutrinário ou jurisprudencial, como é o caso da obrigação dos gerentes e administradores de não celebrarem atos e negócios que desrespeitem o intuito lucrativo da sociedade (art. 6º, n.º 4 do CSC); de terem de convocar ou requerer a convocação de assembleia geral na hipótese de perda de metade do capital social (art. 35º do CSC); de elaborarem e submeterem à apreciação dos sócios o relatório de gestão, com proposta de aplicação de resultados, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas (arts. 65º, n.º 1, 66º, n.º 5, al. f), 263º, 451, 186º, n.º 3, al. b) do CSC); da obrigação de não destruir, danificar, inutilizar, ocultar, sonegar ou fazer desparecer, no todo ou em parte considerável, o património social (arts. 186º, n.º 2, al. a) do CIRE e 227º-A, n.º 1 do CP); da obrigação de cumprirem com as obrigações fiscais impostas à sociedade para com a Administração Fiscal e a Segurança Social (arts. 32º, 22º a 24º da LGT e arts. 6º e 8º da LGT), etc.
Tratando-se de deveres legais de conteúdo específico em que a lei impõe aos gerentes ou aos administradores, no exercício dessas suas funções de gerência/administração, a adoção de determinada conduta (ativa ou omissiva), perfeitamente determinada e concretizada na própria previsão da norma que a estatui, esses deveres legais de conteúdo específico têm de ser necessária e imperativamente observados pelos gerentes ou administradores, por imposição legal, sem que lhes seja conferido qualquer margem de discricionariedade.
Com interesse para o caso dos autos, atenta a alegação apresentada pelas apeladas nas suas contra-alegações de recurso, segundo a qual, as omissões praticadas pelos ex-gerentes da sociedade apelada, ao não refletiram, nas declarações fiscais do ano de 2014, a verdadeira situação patrimonial e financeira desta, aqueles ex-gerentes não fizeram qualquer ocultação em relação à sociedade, uma vez que essa conduta omissiva desses ex-gerentes da sociedade apelante é o “reflexo direto da vontade da própria sociedade Autora (apelante) à data, expressa em deliberações sociais, tomadas pela própria, por unanimidade, designadamente, ao aprovar as contas do ano de 2014, deliberação essa que se convalidou na ordem jurídica pelo decurso do prazo do art. 59º do CSC”, dir-se-á que as apelantes, sem dúvida alguma, desconsideram ou desvalorizam que, sendo as sociedades comerciais realidades ou construções jurídicas, cuja vontade se expressa, e se tem necessariamente de expressar, através dos seus órgãos, que essa vontade da sociedade mais não é do que a vontade expressa pelos titulares desses órgãos. E desconsidera ou desvaloriza que, atenta a causa de pedir em que a sociedade apelante faz assentar a sua pretensão indemnizatória, está em causa o incumprimento pelos seus ex-gerentes, no ano de 2014, das obrigações legais específicas que sobre aqueles recaíam de, enquanto gerentes, apresentarem à Autoridade Tributárias declarações fiscais, em nome e em representação da sociedade apelante, cujo conteúdo refletisse a verdadeira situação económica, patrimonial e financeira desta, a fim de que lhe fossem liquidados e cobrados os impostos previstos na lei e que, como tal, está em causa o incumprimento de obrigações legais impostas aos gerentes e aos administradores, que estes têm de observar, por imposição legal, no exercício da sua atividade de gerência ou de administração da sociedade, sem qualquer margem de discricionariedade e independentemente da vontade coletiva expressa pelos órgãos sociais (4).
A este propósito precise-se, aliás, que não faltam autores que defendem impender sobre os gerentes e os administradores das sociedade “um dever de legalidade” no exercício das suas funções de condução dos negócios sociais e de representação da sociedade, sustentando que sendo a sociedade quem age no tráfico jurídico e a quem se destinam as normas jurídicas que lhe impõe deveres legais específicos, sendo esta a destinatária de tais normas, por via da relação orgânica existente entre sociedade-gerência/administração, sobre os gerentes e os administradores impende um dever de legalidade no exercício dessas suas funções e, como tal, sempre que o não façam, incorrerão em responsabilidade civil perante a própria sociedade, nos termos do n.º 1 do art. 72º do CSC, sempre que do incumprimento dessas imposições ou adstrições legais decorram danos para a sociedade.
Ressalta-se que a infração à lei dos gerentes e dos administradores perante a própria sociedade deriva de uma responsabilidade interna daqueles decorrente dos prejuízos ocasionados à sociedade em virtude do «desrespeito da ordem jurídica que uma conduta dos administradores ocasionou e não preveniu» (5).
Logo, a alegação das apelantes acima referida, salvo o devido respeito por entendimento contrário, é manifestamente destituída de qualquer fundamento jurídico, não sendo indiscutivelmente pelo facto das contas do exercício do ano de 2014 terem sido aprovadas em assembleia geral, por unanimidade, pelos sócios da sociedade apelante, que afasta, por um lado, a imposição legal dos gerentes terem de cumprir as obrigações legais de conteúdo específico que recaem sobre a sociedade apelante, e que cabe à gerência/administração satisfazer em nome e em representação daquela, reafirma-se, sem qualquer margem de discricionariedade e, por outro lado, que os desonera, em caso de incumprimento, da responsabilidade interna em que esses seus ex-gerentes se venham a constituir perante a própria sociedade, sempre que incumpram esses deveres legais de conteúdo específico e desse incumprimento resultem danos para a própria sociedade, com as especificações que infra se enunciarão.
Finalmente, cumpre frisar que os gerentes e os administradores encontram-se também obrigados a cumprir os deveres contratuais a que se encontrem adstritos (art. 72º, n.º 1 do CSC), compreendendo-se aqui, os deveres que o contrato de sociedade e os estatutos imponha aos gerentes ou administradoras (6), as próprias deliberações do órgão administrativo ou de gerência, quando este seja colegial (conselho de administração e gerência) e, bem assim, as próprias deliberações dos sócios que imponham adstrições aos gerentes ou aos administradores.
No entanto, especifique-se que a responsabilidade dos gerentes ou administradores perante a sociedade pelos danos que esta sofra em consequência da execução de deliberações da gerência/administração, quando se trate de órgão colegial, ou que resulta da execução de deliberações emanadas pelos sócios que imponham determinadas adstrições à gerência/administração, é excluída quanto aos gerentes ou administradores que não estejam presentes na reunião que aprovou a deliberação ou que, estando presentes, votem contra a aprovação da deliberação (n.ºs 3 e 4 do CSC) (7), o que não é indiscutivelmente o caso sobre que versam os presentes autos, dado que os ex-sócios da sociedade apelante, que aprovaram, por unanimidade, as contas do exercício desta relativas ao ano de 2014, eram então os únicos sócios e gerentes da sociedade e, portanto, esses ex-gerentes votaram favoravelmente a aprovação das contas necessariamente, enquanto únicos sócios daquela sociedade.
Finalmente, cumpre esclarecer que a responsabilidade dos gerentes ou dos administradores perante a sociedade decorrente da execução de deliberações anuláveis de que derivem prejuízos para a última está, em princípio, excluída (n.º 5 do art. 72º do CSC), mas já a responsabilidade daqueles perante a sociedade decorrente da execução de deliberações nulas (como é o caso, nomeadamente, de deliberações cujo conteúdo seja ofensivo de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios – al. d), do n.º 1 do art. 56º do CSC), de que derivem prejuízos para aquela, nunca se encontra excluída (8).
Decorre do exposto que sempre que os gerentes ou os administradores, no exercício dessas suas funções, por ação ou por omissão, violem os deveres legais ou contratuais acabados de enunciar, com o alcance supra referido, e dessa conduta derivem prejuízos para a sociedade, salvo os casos em que a sua responsabilidade se encontre excluída pelas vias também já referidas, os mesmos constituem-se em responsabilidade civil perante a sociedade, salvo se provarem que procederam sem culpa (art. 72º, n.º 1).
Trata-se de uma responsabilidade obrigacional decorrente da prática de factos ilícitos, por violação de deveres específicos (a violação dos deveres funcionais legais ou contratuais) por parte dos gerentes ou administradores perante a sociedade (9), que como tal não prescinde dos requisitos gerais da responsabilidade civil: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, mas em que a culpa do gerente ou do administrador se presume.
Na verdade, embora não seja pacífico o entendimento quanto à natureza da relação que intercede entre a sociedade e os seus gerentes ou administradores, entendendo uns que essa relação se subsume a um contrato de mandato (10), enquanto outros advogam que essa relação contratual se subsume a um contrato de emprego de direito comum (11), outros ainda advogam que essa relação assenta no denominado contrato de administração (12), são de longe dominantes na doutrina e na jurisprudencial nacional as teses contratualistas que entendem que essa relação entre a sociedade e os seus gerentes ou administradores tem cariz contratual e daí que a responsabilidade daqueles perante a sociedade é obrigacional ou contratual.
Decorre do que se vem dizendo, em suma que, atenta a relação jurídica material controvertida delineada pela sociedade apelante, na petição inicial, esta funda a sua pretensão indemnizatória contra as apeladas na qualidade de únicas e universais herdeiras de J. C., na responsabilidade contratual prevista no n.º 1 do art. 72º do CSC, em que este e o outro seu ex-gerente, J. P., se terão constituído perante aquela pelos danos que lhe causaram por via de, no exercício das suas funções de gerentes, no ano de 2014, não terem alegadamente refletido nas declarações fiscais que entregaram na Autoridade Tributária o valor real das matérias primas que a sociedade apelante adquiriu aos seus fornecedores, os valores reais dos stocks então existentes e, bem assim da mercadoria transformada e vendida aos seus clientes, infringindo com essa sua conduta deveres legais de conteúdo específico que lhes impunham, por determinação legal, a obrigação de declarar esses valores reais em tais declarações fiscais, levando a que à sociedade apelante viesse a ser cobrado um imposto inferior ao que legalmente era devido, conduta omissiva essa que veio pretensamente a ser detetada na ação inspetiva realizada pela Autoridade Tributária em 2018, na sequência do que, lhe veio a ser liquidado e cobrado imposto adicional, respetivos juros de mora e coimas.
Conforme antedito, trata-se de uma responsabilidade contratual específica que deriva da responsabilidade interna desses ex-gerentes perante a sociedade decorrente daqueles, com aquela sua conduta omissiva (omitindo os valores reais das matérias primas adquiridas, existente em stock e transformada e vendida), terem desrespeitado a ordem jurídica, causando danos à sociedade apelante e que, por isso, encontra-se submetida ao prazo prescricional fixado no art. 174º do CSC, e não, conforme pretende a apelante, ao regime prescricional previsto no art. 498º do CC para a responsabilidade aquiliana.
Posto isto, a prescrição tem como pressupostos essenciais a existência de uma obrigação e a sua exigibilidade.
Sempre que essa obrigação não seja exercida pelo credor contra o devedor apesar da sua exigibilidade, dentro de um período de tempo legalmente estipulado como sendo o adequado para que o exercício desse direito tenha lugar, por via do instituto da prescrição, considera-se que um tal direito deixou de merecer a tutela jurídica, pondo-se cobro a possíveis dificuldades probatórias que o decurso do tempo acarreta, bastando, para tanto, ao demandado invocar a prescrição como meio de defesa (art. 303º do CC).
A prescrição não tem, portanto, por fonte uma declaração negocial, mas um facto – o decurso do tempo. É precisamente o decurso do tempo sem que o titular do direito o exerça, exigindo ao devedor da obrigação o seu cumprimento, que leva o legislador, por razões de certeza e de segurança jurídicas e como incentivo e pressão para que os titulares dos direitos os exerçam prontamente, a instituir o regime da prescrição.
A prescrição não extingue o direito, mas converte a obrigação que dele decorre numa simples obrigação natural, deixando o credor de poder exigir judicialmente o cumprimento do direito de que é titular ao respetivo devedor (arts. 304º, n.ºs 1 e 2 do CC).
O prazo prescricional que é aplicável à responsabilidade dos gerentes perante a sociedade por via das condutas ativas ou omissiva que pratiquem, com preterição dos deveres legais e contratuais que lhe são impostos no exercício das suas funções de gerentes, de que derivem danos para a sociedade e que, portanto, é aplicável à pretensão indemnizatória exercida nos autos pela sociedade apelante, encontra-se fixado em cinco anos pelo art. 174º, n.º 1 do CSC.
Trata-se de um prazo prescricional que é bem mais curto que o prazo prescricional ordinário de vinte anos estabelecido no art. 309º do CC, e a razão desse encurtamento assenta em razões de segurança jurídica do sujeito passivo da relação ou quem quer que lhe suceda na respetiva posição, ingressando na sociedade (13).
Quanto à data do início da contagem desse prazo prescricional de cinco anos, o art. 174º, nº 1 prevê nas suas diversas alíneas um conjunto de circunstâncias de cariz predominantemente objetivo que, uma vez verificadas, determinam o início da contagem desse prazo prescricional de cinco anos, independentemente do conhecimento do credor do direito indemnizatório que lhe assiste, com exceção da previsão da al. b) desse nº1, nos termos do qual, em caso de ocultação da conduta dolosa ou culposa do devedor, os cinco anos só correm a partir da sua revelação (14).
Revertendo ao caso dos autos, entendeu a 1ª Instância que, tendo os ex-gerentes e sócios da sociedade apelante, J. P. e J. C., nas declarações fiscais que remeteram à Autoridade Tributária, no ano de 2014, omitido os valores reais da matéria prima adquirida pela sociedade apelante aos seus fornecedores, dos stocks que esta detinha e da mercadoria transformada e vendida aos seus clientes, acabando, por via dessa conduta, a Autoridade Tributária por liquidar e cobrar à sociedade um imposto inferior ao legalmente estipulado que, apesar da apelante alegar, no articulado inicial, que essa pretensa conduta dos seus ex-gerentes apenas foi detetada no ano de 2018, na sequência de uma ação inspetiva de que foi alvo pela Inspeção Tributária, na sequência do que lhe veio a ser liquidado e cobrado imposto adicional relativo ao ano fiscal de 2014 (anteriormente não liquidado e não cobrado, por via daquelas declarações fiscais de conteúdo inverídico apresentadas pelos seus ex-gerentes e sócios à Autoridade Tributária), juros de mora e coimas, que o prazo prescricional de cinco anos tinha de se contar a partir de 2014 e, consequentemente, julgou procedente a exceção dilatória da prescrição do direito indemnizatório que a apelante sociedade vem exercer nos presentes autos, posição essa que é aquela que é igualmente sufragada pelas apeladas, mas salvo o devido respeito por opinião contrária, sem manifesta razão.
Com efeito, conforme resulta do antedito, nas sociedades por quotas, como é o caso da sociedade apelante, a obrigação de elaborar contas e de as submeter à assembleia geral de sócios para aprovação é da gerência, sobre quem igualmente impende a obrigação legal de cumprir as obrigações fiscais da sociedade de que são gerentes perante a Autoridade Tributária.
Trata-se de obrigações legais de conteúdo específico e que, por isso, os gerentes têm de cumprir por imposição legal, sem que lhes seja concedida qualquer margem de discricionariedade.
Essas obrigações legais de conteúdo específico obrigam os gerentes não só a entregarem à Autoridade Tributárias as declarações fiscais da sociedade de que são gerentes legalmente estipuladas, dentro do prazo estipulado para essa entrega, como ainda que o conteúdo de tais declarações exprima a verdadeira situação económica, patrimonial e financeira da sociedade de modo a que lhe sejam liquidados e cobrados os tributos que, nos termos das leis fiscais, estas devam efetivamente ao Estado.
De resto, a relação entre a Administração Fiscal e os contribuintes é uma relação fiduciária que assenta numa relação de confiança em que a primeira deverá legalmente presumir que as declarações fiscais que os contribuintes lhe entregam espelham a verdadeira situação patrimonial, económica e financeira daqueles.
Assim, sempre que os gerentes de uma sociedade prestem, em tais declarações fiscais entregues à Autoridade Tributária, informações falsas, os mesmos não só violam normas legais de conteúdo específico, como ocultam à Administração Fiscal e ao tráfico jurídico em geral a verdadeira situação patrimonial, económica e financeira da sociedade de que são gerentes, como ficarão constituídos em responsabilidade contratual perante a própria sociedade (art. 72º, nº 1 do CSC), sempre que dessa sua conduta decorram prejuízos para a própria sociedade.
O que se acaba de dizer em relação às declarações fiscais é integralmente aplicável à contabilidade das sociedades comerciais, uma vez que é sobre a gerência que impende a obrigação legal de conteúdo específico de manter a contabilidade organizada da sociedade nos termos legalmente prescritos e, uma vez concluído um exercício social, o dever de relatar e apresentar as contas da sociedade para as submeter à apreciação dos sócios (arts. 18º, nº 4, do Cód. Com., 65º a 67º do CSC), cujo conteúdo tem de espelhar a verdadeira situação patrimonial, económica e social da sociedade, uma vez que essa contabilidade prossegue múltiplos interesses e finalidades, que não se restringem aos direitos e interesses dos atuais sócios e gerentes da sociedade, mas também dos futuros, além de interesses fiscais e de todos aqueles que se relacionam com a sociedade (trabalhadores, fornecedores, etc.).
Destarte, sempre que a contabilidade da sociedade não seja espelho fiel da efetiva situação patrimonial, económica e financeira da sociedade, ocorre, da parte dos seus gerentes, ocultação dessa real situação da sociedade perante a sociedade e o tráfego jurídico em geral, com infração pelos mesmos de regras legais de conteúdo específico, pelo menos, a título de negligência grave.
Deste modo, tendo a pretensão indemnizatória da sociedade apelante como causa de pedir o facto dos seus ex-gerentes (e seus ex-sócios exclusivos), J. P. e J. C., nas declarações fiscais que apresentaram à Autoridade Tributária, relativas ao exercício de 2014, não terem refletido a verdadeira situação patrimonial, económica e financeira da sociedade apelante, posto que, essas declarações fiscais por eles entregues não expressavam alegadamente os valores da matéria prima efetivamente comprada pela sociedade aos seus fornecedores, o valor dos stocks e da mercadoria por aquela efetivamente transformada e vendida aos seus clientes (o que, a ser certo, implicou necessariamente que também a contabilidade da sociedade apelante não refletisse necessariamente a sua real e efetiva situação patrimonial, económica e financeira, posto que não é possível a ocorrência de discrepâncias entre o teor espelhado na contabilidade da sociedade e o teor das declarações fiscais entregues à Autoridade Tributária), forçoso é concluir que, a provar-se a dita facticidade alegada pela apelante, aqueles ex-gerentes da sociedade apelante ocultaram, pelo menos com negligência grosseira, a verdadeira situação patrimonial, económica e financeira da sociedade não só perante a Autoridade Tributária como perante o tráfico jurídico em geral, violando, no exercício das suas funções de gerentes, normas legais de conteúdo específico.
E, verificando-se essa ocultação, nos termos da al. b), do nº 1 do art. 174º do CSC, é indiscutível que o prazo de prescricional de cinco anos para a sociedade exercer o direito indemnizatório pelos prejuízos que sofreu em consequência da conduta desses seus ex-gerentes, nesse caso, se conta apenas a partir do momento em que essa conduta foi revelada à atual estrutura societária da sociedade apelante ou se tornou revelável para essa atual estrutura societária.
Neste sentido ponderam Raúl Ventura e Brito Correia que, “relativamente a conduta dolosa ou culposa do administrador, a lei considera duas hipóteses: ou houve ou não ocultação da conduta. Se não houve, tomar-se em conta o termo dessa conduta. Se houve ocultação, tomar-se-á em conta o momento em que ela for revelada – mas só depois de terminada a conduta? e revelada como? e a quem.
Quanto à primeira pergunta, entendemos ser decisivo o momento em que a conduta termina, isto é, o ponto prescricional conta-se a partir desse termo, embora, inicialmente ocultada, tenha sido revelada no decorrer dela. Com efeito, se assim acontece para a conduta totalmente patente, o mesmo deve suceder para a que só parcialmente o for.
Quanto à segunda pergunta, pode duvidar-se se a revelação consiste no conhecimento da conduta por alguém ou na cessação dos processos de ocultação, tornando possível esse conhecimento.
Inclinamo-nos para este segundo momento, visto que, a partir dele existe a possibilidade de agir contra o administrador, mas não desconhecemos as possíveis dificuldades para a sua determinação precisa; por exemplo, ainda haverá ocultação se terminada a atividade destinada a ocultar, as consequências desta ainda se mantiverem (por exemplo, um documento for escondido) ou se uma atividade destinada a ocultação ocorrer em circunstâncias que tornem improvável o seu conhecimento (por exemplo, o documento escondido é colocado numa pasta onde deveria encontrar-se, mas que provavelmente não será aberta).
A resposta à segunda pergunta condiciona a resposta à terceira. Não é preciso o conhecimento por pessoa determinada, sejam quem for, mas continua a ser preciso que os factos possam ser conhecidos, por alguém, quem? Qualquer das pessoas que podem promover a ação contra o administrador.
Além do termo da conduta dolosa ou culposa do administrador, o início do prazo prescricional está ligado à produção do dano, sem necessidade de que este se tenha, integralmente verificado.
A produção do dano (assim dizemos por comodidade, subentendendo, no entanto, início da produção do dano) não pode ser anterior à conduta de que é efeito, mas pode ser anterior ou posterior à revelação dela; nem o dano, só por si, constitui revelação, pois ele próprio pode ser ocultado. A produção do dano é requisito cumulativo do início do prazo, mas não é necessariamente posterior. O prazo conta-se da revelação da conduta ou da produção do dano, conforme o que ocorrer mais recentemente” (15) (destacado nosso).
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, a provarem-se as condutas que a sociedade apelante imputa, na petição inicial, aos seus ex-gerentes, J. P. e J. C., será apodítico que estes ocultaram a verdadeira situação patrimonial, económica e financeira da sociedade apelante de que eram gerentes à Autoridade Tributária e ao tráfico jurídico em geral, determinando que aquela sociedade tivesse pago de imposto uma quantia inferior ao legalmente devido, e que essa ocultação ocorreu durante o ano de 2014, mais concretamente, nos precisos momentos em que aqueles ex-gerentes entregaram as declarações fiscais à Autoridade Tributária.
Será igualmente indiscutível que essa conduta ilícita e culposa dos ex-gerentes da sociedade apelante, em relação à Autoridade Tributária, apenas se revelou e tornou-se revelável à última, na sequência da ação inspetiva realizada à sociedade apelante, no ano de 2018, posto que, apenas na sequência desta e dos elementos que então recolheu, era possível à Autoridade Tributária constatar que o teor das declarações que lhe foram apresentadas por esses ex-gerentes da sociedade não refletia a verdadeira situação patrimonial, económica e financeira da sociedade apelante e que, em consequência, em relação ao ano de 2014, o imposto liquidado e cobrado à última não correspondia ao imposto que era efetivamente devido, o qual era superior.
No entanto, a ser certa tal alegação da sociedade apelante, daqui não se segue que a atual estrutura societária desta apenas pudesse necessariamente tomar conhecimento da descrita conduta ilícita e culposa dos ex-gerentes (e sócios exclusivos) da sociedade apelante no momento em que aquela ocultação se revelou, em 2018, à Administração Tributária e que apenas pudesse ter tomado conhecimento do dano que para a sociedade apelante adveio por via da Autoridade Tributária, na sequência da referida ação inspetiva, ter liquidado e cobrado imposto adicional relativo ao ano de 2014, juros e mora e coimas à sociedade.
Com efeito, caso à atual estrutura societária da apelante fosse possível (e exigível) tomar conhecimento da imputada conduta aos ex-gerentes da sociedade apelante, em que estes, em 2014, terão ocultado a verdadeira situação patrimonial, económica e financeira da sociedade perante a Autoridade Tributária (logrando, assim, que à sociedade não fosse cobrado o imposto devido ao Estado que era efetivamente devido), será a partir da data em que essa alegada conduta dos seus ex-gerentes se tornou cognoscível à atual estrutura societária da sociedade apelante que se iniciará a contagem do prazo prescricional de cinco anos.
Conforme é bom de ver, a atual estrutura societária da apelante apenas podia ter tomado conhecimento da pretensa conduta dos ex-gerentes da apelante mediante a consulta dos elementos contabilísticos da sociedade apelante, da eventual contabilidade paralela que nela eventualmente existisse, do apuramento do valor das existências existentes em armazém, nomeadamente, matérias primas, stocks, mercadoria transformada, etc.
Acontece que esses elementos apenas eram acessíveis aos atuais sócios da sociedade, a partir do momento em que aqueles passaram a ter acesso a esses elementos, ou seja, a partir de 31/12/2016, altura em que os ex-sócios e gerentes da sociedade, J. P. e J. C., renunciaram às funções de gerência da sociedade apelante e cederam as suas quotas aos atuais sócios da sociedade.
Ora, independentemente de se saber se aos atuais (e a partir de 31/12/2016), sócios e gerentes da sociedade apelante era exigível que fossem analisar a contabilidade, as declarações fiscais, a eventual contabilidade paralela existente na sociedade, das existências que nela existiam quando adquiriram as quotas dessa sociedade a J. P. e J. C. e estes renunciaram à gerência, por forma a detetarem eventuais ilegalidades cometidas pelos últimos na gerência que vinham a exercer até aí, nomeadamente, a nível fiscal, e independentemente de se saber se esses elementos a que passaram a ter acesso a partir daquela data lhes permitia (ou não) tomar conhecimento da alegada conduta tida por aqueles ex-gerentes em 2014, é indiscutível que ainda que essas respostas merecessem resposta positiva, o prazo prescricional de cinco anos apenas podia iniciar a sua contagem após 01/01/2017 (data a partir da qual J. P. e J. C. renunciaram à gerência da sociedade apelante e cederem as suas quotas à atual estrutura societária da apelante e em que, consequentemente, a invocada conduta ilícita e culposa daqueles se tornou eventualmente cognoscível à última).
Tendo as apeladas sido citadas para os termos da presente ação em 06/09/2021 e 10/09/2021 (facto interruptivo da prescrição), é indiscutível que, à data da citação da última apelada para os termos da presente ação, o direito indemnizatório que a apelante vem exercer nos presentes autos não se encontrava prescrito.
Decorre do exposto, impor-se concluir pela procedência da presente apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a exceção perentória da prescrição deduzida pelas apeladas na contestação, determinando o prosseguimento dos autos.
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Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar a presente apelação totalmente procedente e, em consequência:
- revogam a decisão recorrida que julgou procedente a exceção perentória da prescrição da prescrição e absolveu as apeladas (Rés) do pedido e, em consequência, julgam improcedente a exceção perentória da prescrição suscitada pelas apeladas na contestação e determinam o prosseguimento dos autos.
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Custas da apelação pelas apeladas (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 2 de junho de 2022
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

José Alberto Moreira Dias - relator
Alexandra Maria Viana Parente Lopes - 1ª Adjunta
Rosália Cunha - 2ª Adjunta



1. Carlos Alberto da Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 267.
2. Paulo Olavo Cinha, “Direito das Sociedades Comerciais”, 7ª ed., Almedina, pág. 771; Ac. STJ. de 06/04/2017, Proc. 275/15.0T8AGH.L1.S1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os arestos infra indicados sem menção em contrário.
3. Ricardo Costa e Gabriela Figueiredo Dias, “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, coordenado por Jorge M. Coutinho de Abreu, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 765 e 766.
4. Ricardo Costa e Gabriela Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 768.
5. Carneiro da Frada, “O Dever de Legalidade: um novo (e não escrito?) dever fundamental dos administradores?”, DSR, outubro de 2012, ano 4, vol. 8, pág. 74.
6. Ricardo Costa e Gabriela Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 899; Paulo Olavo da Cunha, ob. cit., pág. 570.
7. Raul Ventura e Brito Correio, “Responsabilidade Civil dos Administradores”, págs. 415 e segs., em que ponderam que “não participam na deliberação os administradores que não estejam presentes na reunião, quando a deliberação deva ser tomada em reunião do Conselho. Nos casos em que o voto por correspondência for admissível (…) não há «ausência» que impeça a participação e a responsabilidade só é excluída pelo voto vencido. A ausência da reunião exclui a responsabilidade, qualquer que seja a causa daquela. (…). Estando o administrador presente, podem colocar-se ainda duas hipóteses, com interesse neste aspeto: o administrador não emitir qualquer voto; o administrador declarar que se abstém de votar. (…). Para exclusão da responsabilidade só duas hipóteses são, pois, de considerar: a ausência ou o expresso voto vencido”. No mesmo sentido J. M. Coutinho e Maria Elisabete Ramos, “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, coord., por Jorge M. Coutinho de Abreu, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 908, em que se lê: “A mera não participação do administrador em deliberação (ilícita e danosa) parece bastar, segundo o art. 72º, n.º 3, para excluir a responsabilidade – tenha ou não o administrador violado o seu dever de participar nas deliberações. Contudo, o administrador que não participou na deliberação pode também vir a ser responsabilizado pelos danos resultantes dela, se não tiver “exercido o direito de oposição conferido por lei, quando estava em condições de o exercer” (art. 72º, n.º 4)”.
8. Abílio Neto, “Notas Práticas ao Código das Sociedades Comerciais”, 1989, Petrony, pág. 171.
9. Menezes Cordeiro, “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, 4ª ed., Almedina, pág. 354; Ac. STJ. de 31/03/2011, Proc. 242/09.3YRLSB.S1.
10. Lobo Xavier, “Anulação da Deliberação Social e Deliberações Conexas”, pág. 102.
11. Soveral Martins, “Os Poderes de Administração dos Administradores das Sociedades Anónimas”, pág. 59
12. Abílio Neto, ob. cit., pág. 170.
13. Batista Machado, RLJ, 117º, pág. 206. No mesmo sentido, Ferrer Correia e Vasco Gama Lobo Xavier, “A Amortização de Quotas e o Regime da Prescrição”, Revista Dir. Est. Socais, ano 12º, n.º 4, págs. 54 e 55, onde se lê que a intenção do legislador é “proteger as pessoas que ingressam numa sociedade mercantil, dando-lhes a garantia de que as relações que, como sujeitos passivo, viessem a estabelecer com a corporação ou com terceiros, no quadro da vida social, se poderiam extinguir por prescrição num prazo notavelmente mais curto, incomparavelmente mais curto do que o fixado pela lei geral. E, através dessa garantia, o legislador pretendeu naturalmente estimular a constituição de sociedades comerciais e propiciar o ingresso de novos sócios nas já existentes”.
14. Carolina Cunha, “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, coord. por Jorge M. Coutinho Abreu, vol. II, 2ª ed., Almedina, pág. 815.
15. Raul Ventura e Brito Correia, “Responsabilidade Civil dos Administradores”, págs.