Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2346/23.0T8VCT.G1
Relator: MARIA LEONOR BARROSO
Descritores: FUNDO DE PENSÕES
APÓLICE
PENSÃO COMPLEMENTAR DE REFORMA
NATUREZA DO CRÉDITO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O direito do autor usufruir um beneficio, titulado por apólice, de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou unidades de participação de fundo de pensões PPR ou de seguro PPR, com referência à data da cessação do vinculo laboral, bem como a atribuição de pensão de reforma complementar, tem natureza previdencial e não laboral.
Este benefício, bem como o direito unitário a receber as respectivas pensões vitalícias está sujeito ao prazo de prescrição de 20 anos- 309º CC. Já os direitos que deste último periodicamente se desprendem, correspondentes às prestações concretas periódicas em que a reforma se desdobra ao longo do tempo, está sujeito ao prazo de prescrição de cinco anos- 310, g), do CC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

AA, em 10-07-2023 intentou a presente acção declarativa com processo comum contra o ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público, citado em 13-07-2023.

Formula os seguintes pedidos- condenar-se o réu a reconhecer que:
a) A partir de 14/07/2014 o A. adquiriu o direito a usufruir de um beneficio calculado e definido, equivalente ao valor actual de uma renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma em 13 pagamentos mensais;
b) Que para o direito desse beneficio ou renda vitalícia, deve considerar-se o salário base mensal acrescido das diuturnidades de antiguidade ilíquidas, correspondente ao vencimento da categoria verificada no mês imediatamente anterior à data cessação do contrato de trabalho, respectivamente, 1.801,16 € e 60,02 €;
c) Condenar-se o Réu a reconhecer que esse beneficio a atribuir ao A., à presente data corresponde ao montante de 139,60 € x 13 meses, num montante anual de 1.814,80 €;
d) Condenar-se o Réu a adquirir e entregar ao A., no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida, uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou unidade de participação do fundo de pensões PPR ou de seguro PPR, com referência à data da cessação do vinculo laboral, que lhe garanta um rendimento equivalente ao valor actual mensal de 139,60 €.
e) Condenar-se o Réu a actualizar essa apólice, com referência à data da reforma do A., declarada pela Segurança Social, por idade ou invalidez permanente, de harmonia com a desvalorização da moeda que, entretanto, ocorrer até essa data;
...
Causa de pedir: trabalhou desde ../../1999 para a empresa EMP01... S.A.(EMP01...), ora liquidada e extinta, estando o Estado Português habilitado no seu lugar. Foi alvo de despedimento colectivo comunicado em 30-04-2014. À data do despedimento tinha 44 anos. Juntamente com outros trabalhadores, impugnou o despedimento colectivo (processo 544/14..., ainda em curso) demandando várias entidades, incluindo a ora ré, onde também formulou pedidos relacionados com o fundo e direito à pensão complementar que ora estão em causa, acção essa que sofreu diversas vicissitudes processuais (vg. convolação de acção comum para acção especial de despedimento colectivo). Os RR, quanto ao referido pedido relacionados com o fundo de pensões, foram absolvidos da instancia por coligação ilegal (ac. da RG de 15-06-22, transitado em transito em julgado), prosseguindo os autos de impugnação de despedimento colectivo apenas para apreciação da licitude do despedimento. A decisão proferida de absolvição da instância não impede que o A. proponha nova acção, mantendo-se os efeitos civis derivados da propositura da primeira causa. Quanto ao pedido em si, refere que a  antiga entidade empregadora EMP01... celebrou em 10/12/1987 com a Companhia de Seguros EMP02... (EMP02...), actualmente EMP03..., um contrato constitutivo de um fundo designado por “Fundo de Pensões EMP01...” destinado, entre o mais, a suportar os encargos inerentes ao pagamento do complemento de pensão de reforma por velhice ou invalidez dos trabalhadores admitidos nos EMP01... até ../../2008 e do complemento de sobrevivência por óbito dos trabalhadores da referida empresa que se tenham reformado após ../../1993. De harmonia com o disposto no nº 2, aliena a) do Anexo I do contrato constitutivo do Fundo de Pensões publicado no Diário da República nº 9, II Série de 12/01/1998, “os trabalhadores que se encontrem no activo, que tenham sido admitidos no quadro permanente dos EMP01... antes de 1 de Novembro de 2008, com um mínimo de 15 anos de serviço (como era o caso do autor), cujo contrato cesse por mútuo acordo ou por causa involuntária por parte do trabalhador, adquirem o direito a usufruir de um beneficio calculado e definido nos termos seguintes: a) O benefício a atribuir, equivalente ao valor actual de uma renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma, com 13 pagamentos mensais, cujo valor foi determinado nos termos da alínea anterior, será utilizado na aquisição, a título único, de uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou de unidades de participação do fundo de pensões PPR ou de seguro de vida PPR - docs. nºs ...2, ...3, ...1 e ...2; b) A subscrição deste contrato será reportada à data da cessação do vinculo laboral”. Contudo, os EMP01..., a EMP04... S.A. ou o EMP05... S.A. nunca colocaram à disposição do A. a apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou unidades de participação do fundo de pensões PPR ou seguro de vida PPR que lhes assegurasse um complemento mensal de reforma da Segurança Social, em 13 pagamentos anuais, em caso de velhice (65 anos) ou invalidez permanente, não obstante, o A., à data do despedimento, reunir as necessárias condições porque tinha mais de quinze anos de serviço na empresa e aquele despedimento foi-lhe unilateralmente imposto pelos EMP01.... A. tem, assim, direito a exigir que o Réu proceda à entrega imediata de uma apólice de renda vitalícia ou de unidades de participação do Fundo de Pensões PPR ou seguro vida PPR que lhe garanta à data da sua eventual reforma por idade ou por invalidez permanente             uma pensão complementar de reforma por um valor correspondente ao que     actualmente     lhe     seria devido, tomando em consideração a desvalorização da moeda que, entretanto, se verificou e vier a verificar a partir da data da sua declaração de reforma pela Segurança Social.
Contestação- refere-se, entre o mais, a prescrição do direito reclamado, porquanto a relação laboral do A. cessou no dia 14/07/2014, tendo decorrido o prazo de um ano - 337º, 1, do CT. Ademais, a decisão de absolvição da instância da ora R. no referido processo de despedimento colectivo transitou em julgado em 11/10/2022 e a presente acção apenas foi instaurada em 10/07/2023, pelo que o A. não se pode fazer valer dos efeitos civis interruptivos de prescrição dos créditos laborais derivados da propositura da primeira causa, porquanto há muito está ultrapassado o prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância- 279º, 2, CPC.
O autor apresentou resposta à contestação, sustentando que não ocorreu a prescrição

DECISÃO RECORRIDA: foi proferido despacho saneador sentença julgando-se procedente a exceção de prescrição dos créditos reclamados pelo Autor, com o seguinte dispositivo:
“Assim, face ao exposto, julga-se procedente excepção de prescrição dos créditos peticionados nesta acção, deles se absolvendo o R.”

FOI INTERPOSTO RECURSO PELO AUTOR –CONCLUSÕES
“1- Entende o Recorrente, com todo o respeito, que a douta decisão recorrida deve ser revogada e substituída por uma outra que julgue improcedente a excepção de prescrição dos créditos peticionados pelo Autor uma vez que o direito a receber uma renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma que o Autor pretende ver reconhecido através da presente acção não emerge da relação laboral cessada em 14/07/2014 e, por conseguinte, não é aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 337º do Cód. Do Trabalho.
2- Os pedidos formulados pelo Autor, ora Recorrente, decorrem da aquisição do direito a usufruir de um benefício equivalente ao valor de uma renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma, em 13 pagamentos mensais no valor de 139,60€, resultante do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões dos EMP01....
3- No modesto entendimento do Recorrente, não se verifica a excepção de prescrição dos créditos peticionados uma vez que o reconhecimento da aquisição do direito unitário a receber uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou de unidades de participação de fundos de pensões PPR ou de seguros de vida PPR está sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil, porquanto a relação jurídica em causa não assume carácter laboral, mas antes configura uma relação jurídica de carácter previdencial.
4- Diversamente do decidido na douta sentença recorrida, o direito unitário à aquisição de uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou de unidades de participação de fundos de pensões PPR ou de seguros de vida PPR assume natureza previdencial, e por conseguinte, o prazo de prescrição do direito, rege-se pelo prazo ordinário de prescrição previsto no artigo 309º do Cód. Civil.
5- Conforme resulta da jurisprudência unânime e uniforme dos Tribunais Superiores, o direito à pensão complementar de reforma não é exigível em virtude da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho, não podendo ser aplicável o prazo de prescrição de um ano previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho (que corresponde aos anteriores artigos 381º do Cód. Trabalho e artigo 38º da Lei do Contrato de Trabalho), neste sentido vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/11/1984 (Processo 000751), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/05/1986 (Processo 001323), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-12-1990 (Processo 002678), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/12/1998 (Processo 98S232), Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7/11/2001 (Processo 0073454), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/06/2002 (Processo 02S882), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/2003 (Processo 03S1785), Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/09/2013 (Processo n.º 1161/12.1TTPRT-A.P1) e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/06/2022 (Processo n.º 544/14.7T8VCT.G2), todos disponíveis em
6- Salvo o devido respeito, o prazo de prescrição para o reconhecimento do direito a usufruir de uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma não está sujeito ao prazo prescricional especial previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho, mas apenas ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos, em conformidade com o disposto nos artigos 307º e 309º do Cód. Civil.
7- Ao contrário do que vem expresso na douta decisão recorrida, o reconhecimento do direito a usufruir de uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma não advém nem decorre da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho, ao invés, caracteriza-se como obrigação de natureza previdencial que está sujeita ao prazo prescricional geral de 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil.
8- Salvo o devido respeito, não se verifica a prescrição dos créditos peticionados pelo Autor/Recorrente na medida em que o direito que o Autor pretende ver reconhecido rege-se pelo prazo de prescrição previsto no artigo 309º do Código Civil (e não pelo prazo especial previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho, apenas aplicável aos créditos laborais).
9- De ressalvar ainda que, o Autor, ora Recorrente, juntamente com mais 9 trabalhadores, instauraram uma acção de impugnação do despedimento colectivo, que deu origem ao Processo n.º 544/14...., e que actualmente corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Trabalho – Juiz ....
10- No âmbito da Acção de Impugnação de Despedimento Coletivo nº 544/14.... o aqui Recorrente, peticionou, além do mais, que os Réus, EMP01... S.A. e Fundo de Pensões dos EMP01..., legalmente representado pelo EMP05..., S.A., fossem condenados a entregar-lhe uma apólice de renda vitalícia ou unidades de participação do Fundo de Pensões PPR que lhe garantisse, em caso de reforma, uma pensão complementar de 139,60 € x 13 meses ou o capital necessário à garantia desse pagamento (33.000,00€).
11- Por douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 15/06/2022, no âmbito da Acção de Impugnação de Despedimento Coletivo nº 544/14...., os Réus, EMP01... S.A. e Fundo de Pensões dos EMP01..., legalmente representado pelo EMP05..., S.A foram absolvidos do pedido referente ao pagamento da pensão complementar de reforma peticionado pelos aí AA. por entenderem que o mencionado pedido não emerge da ilicitude do despedimento coletivo, nem, em geral, da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho, mas de obrigações de natureza previdencial alegadamente assumidas por convenção entre os Réus, para a eventualidade de reforma dos Autores.
12- Atenta a natureza previdencial declarada pelo referido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães quanto ao direito a um complemento mensal de reforma, e a consequente absolvição da instância da 1ª Ré EMP01..., entretanto substituída pelo Estado Português, o Autor propôs a presente acção a fim de lhe ser salvaguardado e reconhecido o direito ao recebimento de uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 139,60 € x 13 meses.
13- Não obstante a qualificação do pedido respeitante à pensão complementar de reforma como uma obrigação de natureza previdencial, determinada pelo douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 15/6/2022, no âmbito da Acção de Impugnação de Despedimento Coletivo nº 544/14...., a douta decisão recorrida considerou que o direito que o Autor pretende ver reconhecido decorre do contrato de trabalho que manteve com os EMP01....
14- Tendo o Autor impugnado o despedimento coletivo de que foi alvo através da instauração da Acção nº 544/14...., na qual reclamou todos os créditos laborais decorrentes da cessação do contrato de trabalho e, no âmbito da referida acção, ter sido decidido por douto acórdão já transitado em julgado que o pedido referente ao direito à pensão complementar de reforma não emerge da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho, mas de obrigações de natureza previdencial e, por conseguinte, não tem cabimento no âmbito da acção de impugnação de despedimento coletivo, sobejava ao Autor a propositura da presente acção para garantir e acautelar o reconhecimento do direito unitário à aquisição de uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou de unidades de participação de fundos de pensões PPR ou de seguros de vida PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 139,60 € x 13 meses, em cumprimento e observância da decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães.
15- Salvo o devido respeito, a aplicação do regime especial de prescrição previsto para os créditos laborais (artigo 337º do Cód. do Trabalho) e a qualificação jurídica constante da douta sentença recorrida colide e desconsidera a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 15/06/2022, já transitada em julgado, e consubstancia uma ofensa do caso julgado e uma absoluta denegação do direito ao reconhecimento e aquisição de uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma peticionado pelo Autor/Recorrente, o que seria ilegal e inconstitucional.
16- Acresce ainda que, a Acção de Impugnação de Despedimento Colectivo nº 544/14.... ainda está pendente e não transitou em julgado, uma vez que os aí AA. interpuseram recurso da decisão proferida em 17/05/2023 para o Tribunal da Relação de Guimarães, estendendo-se o seu âmbito à apreciação da ilicitude ou licitude do despedimento coletivo dos AA..
17- O recurso interposto pelos AA. em 7/06/2023, foi admitido por despacho de 28/06/2023, com Referência Citius ...27.
18- O douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães a 28/09/2023, negou provimento ao recurso interposto pelos AA. e manteve a decisão recorrida, decisão da qual os AA. interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça em 20/10/2023, e que ainda aguarda despacho de admissibilidade.
19- Encontrando-se pendente a Acção de Impugnação de Despedimento Coletivo nº 544/14...., não pode a douta sentença recorrida ter como assente que a relação laboral do A. cessou no dia 14/07/2014, quando a apreciação da licitude/ilicitude do despedimento colectivo dos aí AA., nos quais se inclui o aqui Autor, ainda carece de apreciação e decisão definitiva.
20- Sendo que, caso venha a ser declarada a ilicitude do despedimento coletivo no âmbito da Acção nº 544/14...., o Autor, ora Recorrente, poderá optar pela reintegração no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
21- Assim, no modesto entendimento do Recorrente, carecendo ainda de apreciação a ilicitude/licitude do despedimento coletivo que abrangeu o aqui Autor, o prazo de prescrição relativo ao direito à pensão complementar de reforma apenas começará a correr quando transitar em julgado a decisão que vier a ser proferida na Acção de Impugnação de Despedimento Colectivo nº 544/14.....
22- Por todo o exposto, e salvo o devido respeito, contrariamente ao entendimento vertido na douta sentença recorrida, não se verifica a prescrição dos créditos peticionados pelo Autor, ora Recorrente, na medida em que o direito que o Autor/Recorrente pretende ver reconhecido (direito a receber uma aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhe garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar de 139,60 € x 13 meses), não emerge da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho, mas assume obrigação de natureza previdencial e, por conseguinte, não tem aplicação o prazo prescricional previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho, mas antes o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, em consonância com o disposto nos artigos 307º e 309º do Cód. Civil.
23- A douta decisão recorrida violou por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 337º do Cód. do Trabalho, nos artigos 306º, 307º, 309º, 310º alínea g) do Cód. Civil e nos artigos 580º, 581º, 619º, 620º e 621º do Cód. Proc. Civil.

TERMOS EM QUE a douta decisão recorrida deve ser revogada e substituída por uma outra que declare que in casu não se verifica a excepção de prescrição e, em consequência, ordenar-se prosseguimento dos demais termos do processo até final.”
CONTRA-ALEGAÇÕES - sustenta-se a improcedência da apelação.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR [1]: prescrição dos direitos reclamados.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS PROVADOS A ACRESCER AOS QUE CONSTAM DO RELATÓRIO, RESULTANTES DE DOCUMENTO E ACORDO:

1 - O Autor foi admitido 03/01/1999 ao serviço da empresa designada por EMP01... S.A. (EMP01...) (entretanto dissolvida e liquidada) para exercer, por sua conta, ordem e interesse, a actividade profissional de engenheiro especialista.
2 - Esta sociedade, uma sociedade anónima, cujo único accionista era o Estado Português, foi constituída em 03/06/1944 e a sua dissolução verificou-se em 5 de Maio de 2015, por decisão do respectivo Conselho de Administração e o encerramento da sua liquidação verificou-se em 27/04/2018.
3 -     Por carta enviada, em 23 de Abril de 2014, recebida pelo A. no dia 30.04.2014, a empresa EMP01..., sua entidade patronal, comunicou-lhe o seu despedimento, no âmbito de um despedimento colectivo que se estendeu a mais onze (11) trabalhadores.
4 - À data do despedimento, o A. tinha a categoria profissional de engenheiro nº 4 especialista, e auferia uma remuneração base mensal de 11.801,16 € .
5 - Em 16 de Outubro de 2014, o A., conjuntamente com mais 9 colegas envolvidos naquele despedimento colectivo promovido pelos EMP01..., intentou no Tribunal de Trabalho ... uma acção comum emergente de contrato de trabalho sob o nº 544/14...., contra a identificada entidade patronal e, ainda, contra: EMP06..., LDA, EMP04... S.A. (entretanto extinta e substituída pelo Estado Português), FUNDO DE PENSÕES DOS EMP01... e EMP05... S.A.
6. - Por despacho de 21/12/2015, os R.R. da acção 544/14... foram absolvidos da instância, em consequência de ter sido julgada provada e procedente a excepção dilatória invocada pelas R.R. de erro na forma do processo.
7 - Na sequência de recurso interposto pelos, aí, A.A., por acórdão proferido em 30/06/2016 o Tribunal da Relação de Guimarães julgou a apelação parcialmente procedente, convolando-se a forma processual para Processo de Impugnação de Despedimento Colectivo, com aproveitamento da petição inicial, devendo proceder-se à apreciação da coligação à luz do preceituado nos artigos 36º e 37º do Cód. Proc. Civil.
8 - Por decisão proferida em 10/03/2022, o Mmo. Juiz em 1ª instância voltou a julgar procedente a exceção de ineptidão da petição inicial invocada pelos, aí, R.R., absolvendo-os a todos da instância.
9. Desta decisão, o A. e os demais trabalhadores interpuseram Recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães em 24/03/2022.
10 - Por acórdão proferido em 15/06/2022, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogou o despacho saneador na parte em que absolveu da instância as 1ª, 2ª e 3ª Rés, relativamente aos pedidos formulados na petição inicial sob os pontos I)- a), b) e c), II), III), IV), V) e VII), confirmando-o na parte restante, designadamente manteve a absolvição da instância relativamente ao pedido formulado por cada um dos autores referente a aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhes garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar ou o capital necessário à garantia desse pagamento.
11 - A decisão de absolvição da instância transitou em julgado em relação ao pedido acima referido, em 11.10.2022
12- O Réu EMP01... S.A., celebrou em 10/12/1987 com a Companhia de Seguros EMP02... (EMP02...) actualmente EMP03... um contrato constitutivo de um fundo designado por “Fundo de Pensões EMP01...” destinado a suportar os encargos inerentes ao pagamento do complemento de pensão de reforma por velhice ou invalidez dos trabalhados admitidos nos EMP01... até ../../2008 e do complemento de sobrevivência por óbito dos trabalhadores da referida empresa que se tenham reformado após ../../1993.
13 - Também, em caso de cessação do contrato de trabalho, os trabalhadores que se encontrassem no activo e que tivessem sido admitidos nos quadros permanentes dos EMP01... antes de 1 de Novembro de 2008, com um mínimo de 15 anos de serviço, e cujo contrato cessasse, por mútuo acordo ou por causa involuntária por parte do trabalhador, adquiriam o direito a usufruir de um beneficio calculado e definido nos termos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do anexo I do Plano de Pensões dos EMP01..., quando aplicadas a uma situação de invalidez. O benefício a atribuir é equivalente ao valor actual de uma renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma, com 13 pagamentos mensais, cujo valor foi determinado nos termos da alínea anterior, será utilizado na aquisição, a título único, de uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou de unidades de participação do fundo de pensões PPR ou de seguro de vida PPR. A subscrição deste contrato era reportada à data da cessação do vínculo laboral.
14 – 4.a. O autor nasceu em ../../1970 (44 anos de idade à data do despedimento).
15 - A EMP01..., S.A., após a sua dissolução por decisão do Conselho de Administração de 05/05/2015, entrou em liquidação, cujo encerramento se verificou em 27/04/2018 pela inscrição ..., apresentação nº ...03. As relações jurídicas de que aquela era detentora transmitiram-se, por habilitação para o Estado.
16 - O Fundo de Pensões dos EMP01..., gerido pelo EMP07... VIDA E PENSÕES, foi declarado extinto pelo Dec. Lei 62/2015 de 23/04, tendo-se operado a transferência para a Caixa Geral de Aposentações, I.P. da totalidade das responsabilidades então a cargo do Fundo de Pensões dos EMP01..., S.A. (Fundo de Pensões dos EMP01...).
17- A presente ação foi instaurada no dia 10-07-2023, tendo o Réu sido citado no dia 13.07.2023

B) DA PRECRIÇÃO DO CRÉDITOS RECLAMADOS

O tribunal a quo julgou prescritos os direitos reclamados por ter decorrido um ano a contar da data de cessação do contrato de trabalho, aplicando o prazo previsto na lei laboral para exigir créditos ao empregador (“Conclui-se, assim, que, tendo a relação laboral do A. cessado a 14 de Julho de 2014, os direitos que aqui pretende ver reconhecidos, decorrentes da existência daquela relação laboral, encontram-se prescritos, por força do disposto no artº. 337, nº. 1, do C. trabalho.”-sic).
O autor insurge-se. Os seus principais argumentos são os seguintes: ocorreu interrupção da prescrição por efeito de outra acção intentada (despedimento colectivo), onde, com referência aos pedidos relacionados com os ora reclamados, foi proferida decisão de absolvição da instância; está em causa uma relação jurídica de carácter previdencial - a pensão complementar de reforma ou benefício equivalente assegurada por apólice-, a qual, à data da propositura da acção (16/10/2014) constituía uma mera expectativa jurídica que poderia resultar num direito subjectivo do autor, caso no futuro viesse a reformar-se por velhice ou invalidez permanente pela Segurança Social; o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito nasce e pode ser exercido, ou seja, no momento da declaração de reforma do autor pela Segurança Social; ao direito em causa é aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos- 309 do Cód. Civil; quanto ao pagamento das pensões complementares resultantes da declaração de reforma pela Segurança Social, aquelas, por terem natureza periódica, estão sujeitas à prescrição do direito à sua exigibilidade desde o vencimento da primeira prestação que não seja paga, o que não é o caso dos autos - 307º, 1 do Cód. Civil.

Analisando:

A presente acção é substancialmente semelhante a outras que correm neste Tribunal da Relação, apenas diferindo ligeiramente no pedido.
No caso que ora nos ocupa o autor ainda não se reformou. Nos demais processos, os autores, tendo atingido a reforma, pedem já o pagamento de pensões complementares de reforma vencidas e as vincendas (processos nºs 2117/23.... e 2118/23...., 2113/23....).
Nos presentes autos, o autor, estando numa fase anterior, digamos assim,  pede o reconhecimento de que o A. adquiriu o direito a usufruir de um beneficio calculado e definido, equivalente ao valor actual de uma renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma em 13 pagamentos mensais” e a condenação da ré a adquirir e entregar ao autor “uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou unidade de participação do fundo de pensões PPR ou de seguro PPR, com referência à data da cessação do vinculo laboral”.
Esta nuance não altera a análise exposta nos demais processos no que se reporta à natureza do direito reclamado (laboral ou previdencial), sendo este critério que releva para a aferição da prescrição, pelo que a fundamentação das acções é essencialmente semelhante.
Sob a epígrafe “Prescrição e prova de crédito” o artigo 337º, 1, do CT refere “ - O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
Esta foi a norma aplicada pelo tribunal a quo. Nela se referem créditos com origem na violação do contrato de trabalho, na cessação do contrato de trabalho e emergentes de contrato de trabalho.
Deixando para o fim a última previsão, parece-nos linear que o direito a pensão complementar de reforma, ou o direito ao seu benefício através de renda vitalícia e/ou instrumento que o titula (aquisição e subscrição de apólice pela ré a favor do autor) não têm origem, quanto à causa e razão de ser, na cessação do contrato de trabalho, como acontece, por exemplo, tipicamente com a indemnização/compensação por qualquer tipo de despedimento, com o pagamento de proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal e outros acertos de contas devidos em razão do fim do contrato.
A causa última dos direitos ora reclamados é um evento futuro e incerto (condição de reforma). O facto de o trabalhador, desvinculado da entidade patronal, poder exigi-los a partir da cessação do contrato não altera os dados da questão em termos da natureza do crédito. É disso que estamos a falar e não do momento a partir do qual (cessação do contrato por acordo ou por acto involuntário dos trabalhadores) pode o autor reclamar o benefício de uma apólice de renda vitalícia que fica diferida para a idade normal de reforma. Primeiro caracteriza-se e afere-se a natureza do crédito, depois acha-se a norma aplicável de prescrição e, só então, se conta o respectivo prazo.
Também nos parece claro que o direito e as pensões mensais reclamadas não têm origem na violação do contrato de trabalho, como é o caso típico do atraso/não pagamento de retribuições, créditos originados em falta de formação profissional, violação do direito a férias, não pagamento de trabalho suplementar, etc.
Finalmente, a terceira causa, a mais abrangente, um género de “chapéu ou caldeirão”, os créditos emergentes de contrato de trabalho: abrange todos os créditos cuja causa seja titulada pela relação laboral.  Note-se que a norma não se destina a abranger qualquer crédito ou direito que seja exercido por alguém que, em algum tempo, teve a qualidade de trabalhador, isso corresponderia a uma extensão incompreensível do conceito e da natureza do crédito laboral. Crédito laboral tem um sentido mais específico, conexionando-se directamente a contrapartida/ benefício reclamado com a actividade laboral exercida pelo trabalhador. E é por isso que a norma faz desencadear o prazo prescricional apenas com o termo do contrato, porque, no que ao trabalhador respeita, entende-se que durante a pendência da relação laboral aquele não dispõe de inteira liberdade psicológica para exercer os seus direitos, por ser a parte mais frágil na relação contratual. Não é disso que tratamos neste processo.
Qual é então a natureza do benefício que o autor reclama?
À data dos factos estava em vigor o DL 12/2006, de 20 de janeiro que regulava a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões. Do mesmo colhem-se (2º) as seguintes definições:
“«Plano de pensões» o programa que define as condições em que se constitui o direito ao recebimento de uma pensão a título de reforma por invalidez, por velhice ou ainda em caso de sobrevivência ou de qualquer outra contingência equiparável” ;
 “ «Fundo de pensões» o património autónomo exclusivamente afecto à realização de um ou mais planos de pensões ...”;
” «Beneficiário» a pessoa singular com direito aos benefícios estabelecidos no plano de pensões ....tenha ou não sido participante - artigo 2º,al.s  a), c), g).

Ainda segundo o artigo 6º do mesmo diploma:
“1. ... as contingências que podem conferir direito ao recebimento de uma pensão são a pré-reforma, a reforma antecipada, a reforma por velhice, a reforma por invalidez e a sobrevivência, entendendo-se estes conceitos nos termos em que eles se encontrem definidos no respectivo plano de pensões.
2 - Quando complementares e acessórios das prestações referidas no número anterior, os planos de pensões podem prever ainda a atribuição de subsídios por morte.
3 - Os planos de pensões podem revestir a natureza de regimes profissionais complementares desde que cumpram igualmente o disposto na legislação respectiva.”
Do antedito resulta que o benefício reclamado pelo autor é um direito de natureza previdencial, um encargo de segurança social (complementar) que se adquire mormente com a passagem à reforma e não uma contrapartida do actividade com origem na relação laboral.
A percepção de que o regime público de Segurança Social (consagrado na CRP de 1976) não garantia aos futuros beneficiários um rendimento equiparado ao auferido durante o período activo levou à proliferação (até antes deste ser assegurado pelo sistema público) de regimes especiais e complementares destinados a assegurar (mormente através de patrimónios autónomos como Fundos de Pensões geridos por entidades externas à empregadora como seguradores e bancos) o pagamento de reformas, à margem dos sistemas públicos, como era exemplo paradigmático o caso dos bancários. O conceito de regime previdencial abrange todos estes sistemas e organismos, por, todos eles, visarem a protecção dos trabalhadores na invalidez e velhice, garantindo-lhes as correspondentes pensões.
A este propósito atente-se no sumário do ac. STJ de 12-01-2006, p. 05S3229 ”, www.dgsi:
 1.O termo «Previdência», pelo seu teor literal e pela sua inserção sistemática em capítulo intitulado «Segurança social e outras regalias», pode ser entendido com um sentido amplo, referindo-se a todos os organismos que, em geral, visam a protecção dos trabalhadores na invalidez e velhice, garantindo-lhes as correspondentes pensões.....”
A propósito de que a atribuição de uma pensão de reforma tem natureza previdencial e não salarial, veja-se também ac. STJ de 21-06-2003, p. 02S3384, www.dgsi.pt
No sentido que este é um direito diferido e que até à verificação da condição suspensiva é uma mera expectativa jurídica, veja-se ac. STJ de 15-10-2003, P. 03S281 :
“...A este respeito, diga-se que é inquestionável que este STJ tem vindo a decidir que o direito à pensão de reforma, ou ao seu complemento, é um direito "diferido", pois só se concretiza com o atingir de determinada idade, existindo anteriormente uma expectativa jurídica do seu recebimento (4).Com efeito, tem-se entendido que na vigência do contrato de trabalho, o trabalhador adquire a expectativa jurídica a uma pensão de reforma, e complemento (5), expectativa essa que se concretizará com o atingir de determinada idade: ou seja, dito de outro modo, o direito à pensão de reforma só se adquire no momento em que se mostram integralmente verificados os respectivos pressupostos.”- negrito nosso.
Diga-se, en passant, que a jurisprudência citada pelo tribunal a quo tem pressupostos totalmente diferentes, em nada se assemelhando ao caso dos autos, na medida em ali está em causa um acordo de pré-reforma e não prestações por reforma. Aliás o próprio sumário citado na decisão a quo logo revela o erro na sua invocação quando diz ” I - A pré-reforma produz uma modificação dos deveres contratuais do trabalhador e do empregador que se pode traduzir, conforme o que for acordado entre as partes, na redução ou na suspensão do contrato de trabalho. Tendo o trabalhador direito, por força do acordo de pré-reforma, a receber uma prestação pecuniária mensal, a mesma tem natureza jurídica diversa da pensão de reforma.”- RP de 21/10/2013, in www.dgsi.p, negrito nosso. Ou seja, a jurisprudência citada infirma o fundamento do tribunal a quo.
Assim sendo, em suma, a atribuição de uma pensão de reforma, ainda que complementar, ou de benefício equivalente, tem natureza previdencial. Não é um crédito laboral.
Poder-se-á objectar que neste processo o autor não reclama a pensão de reforma (ainda está no activo), mas um benefício que lhe anterior.
Mas, na verdade o direito reclamado pelo autor, beneficiário do Plano de Pensões, substancialmente traduz-se também em receber, ao abrigo desse plano, uma pensão ou complemento de pensão, quando e se se verificar o evento reforma. A apólice de renda vitalícia ora reclamada é apenas o instrumento que visa assegurar prestações complementares de reforma, caso se verifique a condição (reforma). Foi previsto no título constitutivo para o caso de, entretanto, antes desse evento, o trabalhador deixar de estar vinculado à entidade empregadora por revogação do contrato ou cessação involuntária, sendo essa a forma jurídica encontrada para, caso se verifiquem determinadas condições -reforma-, garantir no futuro tal direito ao trabalhador desvinculado.
No período que medeia até à ocorrência do facto que determina a constituição do direito ao benefício de reforma/renda vitalícia, o autor é titular de uma expectativa jurídica e não de um direito de crédito, muito menos de natureza laboral. Os instrumentos através dos quais a empregadora dá execução à obrigação de assegurar o complemento de reforma não integram o contrato de trabalho dos trabalhadores beneficiados. A aquisição do direito ao complemento de pensão de reforma e/ou renda vitalícia apenas ocorre quando, além do mais, o trabalhador passe à situação de reforma pela Segurança Social, sendo atribuível apenas a partir dessa data, não tendo correlação directa com a actividade laboral, nem sendo, consequentemente, crédito salarial.
Qual o seu prazo prescricional?
Seguramente, segundo o que vem sendo exposto, não é o prazo laboral de um ano, pois, embora o direito ao benefício derive de uma anterior relação de trabalho, aquele direito dela se autonomiza, nascendo então uma nova relação jurídica, com diferente natureza, de cobertura previdencial, quer estejamos no âmbito de esquemas sociais de natureza privada ou pública-  ac. STJ de 25-06-2002, www.dgsi.pt
Tem a jurisprudência vindo a distinguir - ao que aderimos, de um lado o direito à reforma enquanto direito unitário a receber as respectivas pensões vitalícias sujeito a um regime e, de outro lado, os direitos que dele periodicamente se desprendem, correspondentes às prestações periódicas em que a reforma se concretiza ao longo do tempo, sujeito a outro regime. O primeiro direito está sujeito ao prazo de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309º CC. O segundo referente ao direito às prestações concretas periódicas está sujeito ao prazo de prescrição de cinco anos, conforme previsto no art.º 310, alínea g), do CC.
Assim, o refere o sumário do  ac. STJ ac. de 25-06-2002:
I - Na relação previdencial de reforma, existem duas espécies de direitos: o direito à reforma, como direito unitário a receber as respectivas pensões vitalícias, e os direitos que dele periodicamente se desprendem, correspondentes às prestações periódicas em que a reforma se concretiza ao longo do tempo; a estas prestações periódicas, e aos respectivos juros legais, aplica-se o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310, alíneas d) e g), do Código Civil, aplicando-se ao direito unitário à pensão o prazo de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309 do mesmo Código.
II - Às prestações periódicas de reforma é inaplicável o regime do artigo 38 do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n. 48409, de 24 de Novembro de 1969, pois, embora o direito à pensão de reforma derive de uma anterior relação de trabalho, aquele direito dela se autonomiza, uma vez cessada tal relação, nascendo então uma nova relação jurídica, no âmbito da segurança social.”-  no mesmo sentido, ac. STJ de 21-06-2003, p. 02S3384 e, nas Relações, a mero título de exemplo, veja-se ac. RE de 26-05-2022, p. 3314/20.0T8FAR.E1.
De resto, quanto ao prazo de prescrição de cinco anos das prestações de reforma periódicas, diga-se que este é também o prazo prescricional estipulado para as prestações das pensões da Segurança Social, como se vê das sucessivas Leis de Bases da Segurança Social (13º Lei nº 28/84, de 14-08, 65º Lei 17/2000, de 08-08, 70.º Lei nº 32/2002, de 20-12 e 69º Lei nº 4/2007, de 16-01). Apenas a ele não recorremos porque o mesmo é um prazo que regula as relações de natureza administrativa (entre um organismo público investido dessa qualidade e um particular), enquanto que a relação em causa nos autos é de natureza privada.
No caso dos autos, não estando em causa prestações complementares que já se tenham vencido, mas apenas um direito a um benefício de renda vitalícia diferido para a idade da reforma equivalente a um complemento de reforma, dispõe o autor do prazo geral de 20 anos para o exercer (caso entretanto não atinga a reforma, pois então passará a poder exigir as prestações periódicas concretas), contado desde a cessação do contrato. Motivo pelo qual se torna claro que o direito não prescreveu.

III– DECISÃO

Acorda-se em conceder total provimento ao recurso revogando-se a decisão recorrida, determinando-se a remessa dos autos à 1ª instância a fim de prosseguirem a sua normal tramitação.
Custas a cargo do recorrido.
Notifique.
29-02-2024

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Vera Sottomayor


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.