Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
295/14.2T8BGC-G.G1
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: EXECUÇÃO
CAPITAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: No âmbito do processo executivo para pagamento de quantia certa, quando, para além da dívida de capital, seja igualmente pedido o pagamento de despesas, juros ou ainda indemnização devida ao credor em consequência da mora, e os valores coercivamente obtidos não cheguem para cobrir tudo o que é devido, a imputação desses valores no capital só pode fazer-se em último lugar, a não ser que o credor aceite que se faça antes.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório
1- No processo de execução para cobrança coerciva da quantia de 50.000.000$00 (equivalente a 249.398,95€), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 15,3% até integral pagamento, que a Caixa C, instaurou, no dia 22/01/1998, contra Amadeu A e outros, todos melhor identificados nos autos, veio o executado, Ernesto M, requerer a suspensão da execução e a remessa dos autos à conta, uma vez que a quantia exequenda, a seu ver, já se encontrava paga.
2- Perante este requerimento, foi determinada a elaboração de uma informação nos autos, pela Secção, com o objectivo de saber se esse pagamento já tinha ocorrido na totalidade.
3- Junta essa informação, foram as partes notificadas do seu teor, tendo a exequente reclamado, alegando, no essencial, que o critério usado não é o legalmente previsto, pois que os juros vencidos e vincendos têm de ser pagos em primeiro lugar, e, só depois, há lugar à imputação do remanescente no capital em dívida, o que não foi observado no caso presente.
Mais alega que, apenas no ano de 2004, se começam a descontar os pagamentos efetuados pelos executados no capital em divida, concluindo que, na data de elaboração da referida informação, ainda estava em dívida a quantia de 192.311,29€, a título de capital, acrescida de juros de mora à taxa legal de 15,30% até integral e efetivo pagamento, estando ainda em dívida o montante de 3.083,63€, a título de juros.
Pede, por isso, que o cálculo seja reformulado.
4- Por sua vez, os executados defendem a posição contrária, requerendo, além do mais sem interesse para a economia deste recurso, a suspensão da penhora sobre os salários e pensões de reforma e a devolução do montante penhorado em excesso aos respetivos titulares.
5- Na sequência desta reclamação, foi detectada pela secretaria uma desconformidade no cálculo elaborado, visto que o total dos juros a receber pela exequente não seria no montante de 189.447,40€, mas sim de 204.694,20€, por não terem sido somados os juros vencidos até à data da entrada em juízo da ação executiva.
6- Facultado o contraditório em relação a esta informação, foi, depois, proferido o seguinte despacho (na parte com interesse para o presente recurso):
“(…)
Compulsados os autos, verificamos que, em 22.01.1998, a exequente Caixa C intentou a presente ação executiva contra os executados para pagamento da quantia de 50.000.000$00, equivalente a € 249.398,95, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 15,3% até integral pagamento.
Em face da reclamação apresentada pela exequente, a questão que coloca ao tribunal para decidir consiste em determinar a forma de cálculo dos juros vencidos e vincendos sobre a quantia exequenda, E isto porque a exequente, na reclamação apresentada, em momento algum impugna os montantes constantes da informação efetuada pela Sra. Escriva de Direito, a fls. 4513 a 4515, relativamente às quantias penhoradas à ordem destes autos, emergentes das penhoras de salários e pensões de reforma dos executados e de venda dos veículos e do prédio penhorados nos autos.
Ora, a este respeito impõe-se referir que, de acordo com o disposto no artigo 6.°, n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26.06, o disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, aplica-se, com as necessárias adaptações, a todas as execuções pendentes á data da sua entrada em vigor.
E nos termos do n.º 2 deste normativo nas execuções instauradas antes de 15 de setembro de 2003 os atos que, ao abrigo do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei são da competência do agente de execução competem ao oficial de justiça.
Dai que no tange à ação executiva, o legislador estabeleceu a regra geral da aplicabilidade imediata do regime introduzido pelo Código de Processo Civil aprovado pela lei supra identificada, com a ressalva das situações previstas nos ns.º 2 a 4 do artigo 6.° da Lei n.º 41/2013. Pelo que é essa a lei aplicável in casu.
Nessa conformidade, mostrando-se assente o valor da quantia exequenda, da taxa de juros aplicáveis e dos montantes já penhorados nos autos, emergentes dos descontos efetuados nos salários e pensões de reforma dos executados e da venda dos bens penhorados, impõe-se determinar a forma de calcular os juros vencidos sobre o capital em divida.
Os juros correspondem a frutos civis que representam o rendimento de uma obrigação de capital.
Por essa razão, o valor dos juros varia em função do capital sobre que incide, do tempo durante o qual se mantém a privação deste pelo credor e da taxa de remuneração fixada por lei ou estipulada pelas partes.
Nas obrigações pecuniárias, a indemnização pela mora do devedor no cumprimento da obrigação reveste a natureza de juros (artigos 804.° e 806.º, n,º 1 do Código Civil).
Ora, de acordo com o disposto no artigo 716.°, n.º 2 do CPC, quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita afinal, pelo agente de execução, em face do titulo executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.
Daí, que, de acordo com este normativo (de teor equivalente ao disposto no artigo 805,º, n.º 2 do CPC, na redação anterior à Lei n.º 41/2013), verificamos que os juros vincendos são calculados a final, em ato prévio à remessa dos autos à conta.
E no que respeita à forma de cálculo dos juros vincendos nas situações em que o exequente vai recebendo por conta do produtos dos bens penhorados nos autos, na esteira da orientação sufragada nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 16.04.2012, proc, n.º 3328/07.5TVPRT-D.Pl, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.05.2012, proc. n.º 532/07.4TBRGR-A.L1-1 (disponíveis in www.dgsi.pt) e por apelo ao regime substantivo, ponderada a natureza e o fim da obrigação de juros, entendemos que a contagem de juros incide sobre o remanescente, após cada pagamento.
Na verdade, e caso assim não se entendesse e vingasse a tese sufragada pela exequente, o que sucedia era que a exequente estaria a capitalizar juros, o que apenas é admissível nos estritos termos previstos no artigo 560.° do Código Civil,
Efetivamente, em matéria de juros, vigora o princípio da proibição do anatocismo, isto é, da cobrança de juros sobre juros. A lei consagra, assim, a regra de que juro não vence juro, a menos que haja convenção posterior ao vencimento ou seja efetuada notificação judicial ao devedor para capitalizar os juros ou proceder ao seu pagamento, sob pena de capitalização. Só nestes dois casos, haverá lugar à capitalização de juros, com o limite de que só podem ser capitalizados juros correspondentes ao período de um ano (artigo 560.º, n.º 2 do Código Civil).
De igual modo, impõe-se ainda referir que, em consonância com a jurisprudência fixada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 25.03.2009 (in DR, I Série, n.º 86, de 05.05.2009), que na situação sub judice apenas se aplica mutatis mutandis, por o objeto desse arresto ser distinto do objeto dos presentes autos, face aos sucessivos descontos que foram efetuados nos autos dos salários e pensões de reforma dos executados e ainda tendo em conta o produto da venda dos veículos e do imóvel penhorados à ordem dos autos, é forçoso concluir que a quantia exequenda foi diminuindo e, como tal, o valor do capital sobre o qual incidem os juros de mora. Por essa razão, na liquidação da quantia exequenda e dos juros vincendos tem de se atender ao pagamento faseado do capital, devendo os juros vincendos ser calculados sobre o remanescente em dívida após cada pagamento.
A mais disso, e considerando o regime jurídico em vigor à data em que foi instaurada a execução - em janeiro de 1998 - Correia das Neves defendia que na penhora de vencimentos, o juro de mora devia ser sucessivamente reduzido em função das importâncias que fossem pagas, por aplicação analógica do regime previsto no Código das Custas Judiciais para o pagamento coercivo das custas em prestações (artigo 169 do CCJ – cf. Correia das Neves, Manual dos Juros - Estudo Jurídico de Utilidade Prática, 3.a Ed., pág. 344).
Nessa conformidade e em face das considerações expostas, atendendo à quantia exequenda, no montante de € 249.398,95, à taxa de juros vincendos de 15,3% desde a data de interposição da presente ação executiva, e às quantias penhoradas nos autos provenientes dos descontos efetuados nos salários e pensões de reforma dos executados e do produto da venda dos veículos e do imóvel penhorados nos autos, verifica-se que, no total e tudo contabilizado até ao ano de 2004, foi penhorado nos autos o montante global de € 547.648,64, montante esse já recebido pela exequente e manifestamente superior à quantia exequenda, acrescida de juros vincendos, e manifestamente excessivo para pagamento dos custas e encargos da execução, tal como explanado nas informações apresentadas a fls, 4513 a 4515 e 4599 pela Sra. Escrivã de Direito.
Pelo que, em face do exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, determina-se a imediata suspensão das penhoras dos salários e das pensões de reforma dos executados efetuadas à ordem destes autos até liquidação integral do julgado.
(…)”.
7- Inconformada com este despacho, dele recorre a exequente, concluindo a sua motivação recursiva nos termos seguintes:
“1ª- Em 22-01-1998, a exequente e aqui recorrente, Caixa C intentou a presente ação executiva contra os executados para pagamento da quantia de 50.000.000$00, equivalente a 249.398,95€, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 15,3% até integral pagamento.
2ª- O valor dos juros vencidos- em 23-01-1998 (data da entrada da execução) era quantia de 15.246,79€, isto é, desde o incumprimento dos executados, até à cobrança coerciva da dívida, (instauração da presente execução.
3ª- Com o incumprimento por parte dos executados, e depois com a instauração da presente execução surgiram dois créditos distintos para a exequente, cfr. artigo 561º do C.Civil, o crédito do capital, 249.398,95€ e o crédito dos juros, juros vencidos na data da entrada da ação, 23-01-1998 no valor já quantificado de 15.246,79€ e os juros vincendos desde essa data á taxa de 15,30%, até efetivo e integral pagamento.
4ª - O artigo 7850 do C.Civil, que ainda não está revogado, refere no n° 1: “... a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros (sublinhado nosso) e do capital.” e no nº 2 prescreve “A imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, (sublinhado nosso) ....”.
5ª - A sra. Escrivã a fls. 4513 a 4515 faz a liquidação da execução e refere: que de juros vincendos a exequente tem a receber a quantia de 189.447,40€, mais a quantia exequenda de 249.398,95€, num total de 438.846,35, portanto como os executados pagaram de descontos de salários, pensões de reforma e do produto da venda dos veículos e da venda do imóvel, dá o montante global de 547.648,64, quantia já recebida pela exequente, portanto tem que devolver a quantia de 108.802,29€.
6ª - A sra. Escrivã a fls. 4599, veio dizer que afinal se enganou, no cálculo dos juros, esquecendo-se dos juros vencidos no valor de 15.246,79€, portanto a exequente tem a receber de juros não a quantia de 189.447,40€, mas a quantia de 204.694,19€.
7ª - A exequente reclamou das contas apresentadas pela srª. Escrivã, conforme melhor consta do requerimento de referência na 15520055 também supra transcrito, e exemplo do que fez também no processo execução ordinária que corre termos no Tribunal da Comarca de Mogadouro, com o nº 35/1995, em que foi dada razão á exequente e as contas refeitas pela sra. Escrivã, cfr. docs. 1, 2 e 3.
8ª - No entanto a meritíssima Juíza “a quo” decidiu de acordo com a informação da sra. escrivã a fls. 4513 a 4515 e 4599 e não conforme a reclamação da exequente, requerimento de referência na 15520055.
9ª - O douto despacho de que se recorre, refere: “ ... verifica-se que, no total e tudo contabilizado até ao ano de 2004, foi penhorado, nos autos o montante global de € 547.648,64, montante esse já recebido pela exequente e manifestamente superior à quantia exequenda, acrescida de juros vincendos, e manifestamente excessivo para pagamento das custas e encargos da execução”, que não se pode concordar.
10ª - Como facilmente se pode verificar pelas contas apresentadas a fls. 4513 a 4515 dos descontos efetuados nos salários e pensões de reforma dos executados e do produto da venda dos veículos e do imóvel penhorados até 2004, só dá a quantia de 317.403,53€ e não a quantia de 547.648, 64 €.
11ª- Por isso, não entende a exequente, como é que, sendo a quantia exequenda no valor de 249.398,95€, com uma taxa de juro de 15,30% ao ano, dá de juros vincendos, durante estes anos todos, nas contas da sra. escrivã a quantia de 189.447,40 €, pergunta-se dos descontos que os executados fizeram que montante pagou os juros e que montante foi abatido no capital? Que critérios estiveram na base dessa distribuição?
12° - O n° 2 do artigo 712º do C.P.civil, não se aplica aos presentes autos pois ele rege, tal como consta do cabeçalho “Liquidação”, para as execuções onde a prestação é ilíquida o que não é o caso, pois esta execução, tem subjacente uma prestação bem líquida, capital 50.000.000$00, ou sejam 249.398,95 €, que vence juros de mora, à taxa contratada, a que acresce por incumprimento a sobretaxa da mora, num total de 15,30%, capital e taxa de juros que nunca os executados puseram em causa, aceitando-a, pois jamais deduziram embargos de executados, ou oposição, por não concordarem com tais valores. Assim, em nossa modesta opinião o prescrito no n° 2 do artigo 712º do C.P.Civil, não se aplica aos presentes autos, porquanto a prestação sempre foi líquida.
13ª- A exequente não aceita como é óbvio é como as contas foram feitas, pois os juros vencidos eram 15.246,79€, e os juros vincendos até 31-12-2004 foram 264.651,73 €. Neste ano, como supra se referiu, foi liquidado o crédito dos juros e o remanescente abatido no capital, porém ainda ficaram em dívida de capital 206.253,65 €, que continuou a vencer juros á taxa de 15,30%, até efetivo e integral pagamento.
14ª- Os juros vincendos do capital cm dívida até 26-11-2013, altura em que a sra. Escrivã fez a conta, somou de juros vincendos a quantia de 275.302,52 €. Assim temos que o capital principal, atento os anos que está em dívida e atento que o valor descontado pelos executados, mal pagou o crédito dos juros, como se pode constatar fazendo as contas como têm que ser feitas e não como as fez a escrivã e foram subscritas pela meritíssima juíza, os juros vincendos até aquela data estão calculados em 539.954,25€ , pois as quantias que os executados continuam a descontar, mal chegam para pagar o crédito dos juros, situação que a exequente não tem culpa nenhuma, pois a obrigação de pagar é dos executados.
15ª- O tribunal com estas contas acaba por premiar o incumprimento dos executados, pois não tivesse a exequente proposto a presente execução e penhorado os salários e reformas, os executados, não pagavam um tostão á exequente. Porque incumpriram é que existem os juros de mora (única maneira de indemnizar o credor), cfr. artigo 806º nº1 do C.Civil.
16ª - As contas que fez a sra. Escrivã, têm que ser feitas obedecendo ao prescrito no artigo 785º do C.Civil, que o cálculo dos juros, que não tem nada que saber, deve ser feito multiplicando o capital em dívida pela taxa de juro e os descontos dos executados, pagam primeiro este (juro) e se sobrar, o restante é abatido no capital.
17ª- Para se aplicar as regras que a meritíssima refere no douto despacho, então todo o dinheiro que os executados pagavam, era imputado no capital, e a exequente não tinha como ser indemnizada dos prejuízos que teve com a falta do capital que emprestou e que os executados não pagaram (parece que o incumprimento, premeia o devedor).
18ª- Com as contas que foram feitas pela Sra. Escrivã e dadas como boas pela meritíssima juíza “a quo”, a exequente ainda é penalizada por ter estado estes anos todos sem receber o crédito que emprestou aos executados, e que só foi recebendo porque propôs a presente execução, é que a Exequente é uma instituição de crédito, que empresta o dinheiro para ter lucro e não prejuízo.
19ª- Assim, em cumprimento e respeito pelo prescrito no artigo 785º do C.Civil os descontos feitos pelos executados, devem ser imputados em 1º lugar aos juros e depois ao capital, e conforme a exequente apresentou na reclamação requerimento ref. 15520055), apenas calculou os juros ano a ano, sobre o capital inicial em dívida, 249.398,95€, portanto nem se capitalizam os juros, nem há juros de juros, há apenas um crédito de juros, que não sendo pago, vai acumulando.
20ª- No ano de 1999, em 1 de Janeiro há um crédito de juros de 37.830,79€, e o capital 249.398,95€, continua a vencer juros á taxa de 15,30%, que dá até 31-12-1999 o total de 38.158,03 €. Ora os executados nesse ano descontaram de salários 22.588,23€, pergunta-se pagaram os juros desse ano, NÃO, então o crédito dos juros aumenta e em 1 Janeiro de 2000, o crédito de juros já é de 53.400,59€ e o capital principal que é o mesmo, vence juros até 31-12-2000 de 38.158,03€, e assim sucessivamente como foi apresentado pela exequente.
21ª- É que os descontos que os executados fizeram, não podem ser descontados no capital, pois enquanto houver um crédito de juros é esse que é pago em 1º lugar. Para que isso não acontecesse os executados tinham que descontar muito mais, pois com as contas que fez a exequente no requerimento de referência 15520055, jamais como referiu a meretíssima juíza, no douto despacho foram calculados juros de juros, pois os juros que a exequente calculou, foi sempre com base no crédito de capital principal, que só no ano de 2004, com os descontos dos vencimentos desse ano e com a venda dos carros e do imóvel, é que além de liquidarem o crédito dos juros que existia até essa data, foi abatido no Capital em dívida o restante, ou seja nesse ano os executados pagaram a quantia de 167,918,05€, uma parte para o crédito dos juros que era de 124.772,75€, sendo o remanescente, e porque já não havia crédito de juros, abatido no capital,
22ª- O douto despacho de que se recorre, violou de forma clara e nítida o prescrito nos 561°, 798°, 804º 805º nº 1 e nº 2 al. a), 806.º nº 1 e 785.º, todos do Código Civil.
23ª- Salvo melhor opinião e com todo o respeito, o prescrito no artigo 716° nº 2 do C.P.Civil, que não se aplica ao caso dos autos, não está em “sintonia” com o prescrito nº 1 do artigo 806° do C. civil”.
8- Em resposta, o executado, Amadeu A, defende que este recurso é inadmissível por ainda não ter sido proferida decisão final no processo principal, nem apurados os montantes totais aí depositados.
Por outro lado, defende que a recorrente não tem legitimidade para recorrer ou estar em juízo, por ter sido extinta.
No mais, pugna pela manutenção do julgado, sem prejuízo do apuramento de todos os montantes penhorados à ordem do referido processo.
9- Preparada a deliberação, importa tomá-la:
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II- Questões Prévias
Defende o Apelado, Amadeu A, como vimos, que a Apelante não pode estar por si em juízo, por ter sido extinta.
Todavia, nem apresenta qualquer prova nesse sentido, nem há notícia de que tenha suscitado esta questão perante a instância recorrida, anteriormente.
Deste modo, não há qualquer fundamento fáctico ou jurídico para julgar procedente a referida exceção.
Num outro plano, defende também o mesmo Apelado que o presente recurso é inadmissível por ainda não ter sido proferida decisão final no processo principal, nem apurados os montantes totais aí depositados.
Mas, a nosso ver, não é assim.
Efetivamente, nos termos do n.º 4 do artigo 853.º do Código de Processo Civil, “[s]obem imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, os recursos interpostos nos termos dos n.ºs 2 e 3 de decisões que não ponham termo à execução nem suspendam a instância”.
Ora, a decisão recorrida não suspendeu a instância mas apenas a continuação das penhoras de vencimentos e pensões de reforma, sendo certo, em qualquer caso, que a impugnação daquela decisão apenas com a decisão final poderia determinar a sua inutilidade em termos prático-jurídicos.
Assim, considerando o disposto nos artigos 644.º, n.º 2 al. h) e 853.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 4, do Código de Processo Civil, entende-se que o presente recurso foi bem admitido, para subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
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III- Mérito do recurso
1- O objecto dos recursos, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, nº 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Assim, neste enquadramento, a única questão a decidir neste recurso é a de saber qual o critério de imputação do cumprimento a seguir, no que toca aos juros reclamados pela exequente.
*
2- Para decidir esta questão, além dos factos constantes do relatório supra transcrito, julgam-se ainda provados, com base na documentação junta a estes autos, os seguintes factos:
a) Na instância recorrida procedeu-se, no dia 26/11/2013, ao seguinte cálculo de juros:
“Quantia exequenda: …… 249.398,95€
Juros vencidos: …………… 15.246,79€

Juros vincendos desde 23.01.1998, à taxa de 15,30 % cfr PI
Qtª exequenda:........................ 249.398,95€
Descontos de 1998:……….... 13.169,55€
Para cálculo de juros:……… 236.229,40€
Juros de 1998…………… 33.865,59€
Juros vencidos:…………… +15.246,79€ Total:…………………… 49.112,38€ A receber de juros: 49.112,38€

Qtª exequenda:........................ 249.398,95€
Descontos de 1999:……….... -22.588,23€
Para cálculo de juros:……… 226.810,72€
Juros de 1999…………… 34.606,97€ A receber de juros: 34.606,97€

Qtª exequenda:..........................226,810,72€
Descontos de 2000:............ -22.834,71€
Para cálculo de juros:................203,976,01€
Juros de 2000: ..………… 31.208,33€ A receber de juros: 31.208,33€

Qtª exequenda: ……………. 203.976,01€
Descontos de 2001:………. 20.149,92€
Para cálculo de juros:……… 183.826,09€
Juros de 2001:……………. 28.084,34€ A receber de juros: 28.084,34€
Qtª exequenda:…………….. 183.826.09€ .
Descontos de 2002:............. 30.476.21€
Venda de carros:............... + 5.685,79€
Total:............................. 36.162,00€ .
Para cálculo de juros: ………. 147.664,09€ .
Juros de 2002: …………….22.530,71€ A receber de juros: 22.530,71€

Qtª exequenda:…………… 147.664,09€
Descontos de 2003: ……….. -40.267,56€
Para cálculo de juros:……… 107.396,53€
Juros de 2003:………….. 16.386,65€ A receber de juros: 16.386,65€

Qtª exequenda……………….107.396,53€
Venda de chiqueiro………….-131.000,00€
Saldo de…………………… 23.603,47€
Descontos de 2004…………. + 36.918,05€
Total do saldo para cobrança de juros 60.521,52€

Juros (até 16.06.2004);….. A receber de juros : 7.518,05€

A RECEBER PELA EXEQUENTE:
De quantia exequenda:………… 249.398,95€
De juros:………………………. +189.447,40€
TOTAL: ……………………… 438.846,35€

A EXEQUENTE JÁ RECEBEU - 547.648,64€
Recebeu a mais………………….. 108.802,29€

Crédito reclamado Pº nº 27/1998-E:.. 9.342,79€
As dívidas de fls. 9, estão pagas, cfr informação prestada pela repartição de Finanças

IVA (Fls.11) ……………. 3.951,82€
Juros de mora:………….. 493,01€
Custas :………………………... 54,13€ ……..4,498,96€
IVA (FLS. 11)……………. 1.496,40€
Juros de mora: …………… 635,44€ .
Custas: …………………… 38,10€ 2.169,94€

IVA (FLS. 12) …………… 1.496,40€
Juros de mora: …………… 635,44€ .
Juros de mora: ………….. 38,10€ 2.169,94€

IVA (FLS. 12) ......... 1.496,40€
Juros de mora:......................... 575,60€
Custas :....................................... 38,10€ 2.110,10€
Total: …………………. 10.948,94€

Custas das contas (fls.1290-4295): 1.758,77€
RESUMO:
A RECEBER PELA EXEQUENTE:
De quantia exequenda……………. 249.398,95€
De juros:…………………………. 189.447,40€
TOTAL: ………………………… 438.846,35€

A EXEQUENTE JÁ RECEBEU: …. 547.648,64€
Recebeu em excesso: ……………… 108.802,29€

Reclamação Créditos: …………….. 10.948,94€
Custas: ……………………………. 1.758,77€
SALDO NO PROCESSO: ……….. 74.677,40€

A exequente recebeu:
Em precatórios cheques: ………….. 225.190,08€
Em Notas dep. autonomo: ………… 322.458,56€

b) Posteriormente, no dia 24/04/2014, a autora deste cálculo reconheceu que no mesmo havia um erro no total dos juros a receber pela exequente, a qual, em vez de 189.447,40€, tinha a receber 204.694,20€, dado que não tinham sido contabilizados os juros vencidos até à data de instauração da execução.
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3- Fundamentação jurídica
Como vimos, nada mais se discute neste recurso que não seja o critério a seguir na imputação do cumprimento coercivo, no que toca aos juros reclamados pela exequente.
Na decisão recorrida entendeu-se que esse critério deve passar pela imputação, em primeiro lugar, dos valores coercivamente arrecadados ao capital em dívida, e, só depois, aos referidos juros. Critério que é apoiado pelo Apelado, Amadeu A.
Mas a Apelante defende, justamente, o contrário; ou seja, que essa imputação deve começar pelos juros e, só depois de assegurado o pagamento dos mesmos, pode prosseguir para o capital.
De modo que, no essencial, é esta divergência que se impõe dirimir.
O primeiro dado a considerar, para esse efeito, é a natureza e finalidade da ação onde se suscitou esta problemática. Trata-se, com efeito, de uma execução para pagamento de quantia certa, através da qual a exequente pretende que lhe seja assegurada a satisfação do direito de crédito exequendo, resultante de um contrato de mútuo.
Por conseguinte, essa satisfação, salvo no caso de existirem normas imperativas em sentido diverso, tem de ser assegurada nos termos em que o seria no âmbito do cumprimento voluntário e pontual.
Não faria, de facto, sentido que, inexistindo aquelas normas, o credor vítima de incumprimento por parte do devedor fosse penalizado por recorrer aos meios de cobrança coerciva judicialmente disponíveis. Se assim fosse, a lei adjectiva não estaria ao serviço da substantiva, nem serviria, consequentemente, o direito e a justiça.
Daí que a primeira averiguação a fazer seja no sentido de saber se no processo executivo há alguma norma que imponha um regime de imputação do cumprimento diverso daquele que vigora para o cumprimento voluntário extrajudicial das obrigações em geral.
Ora, com referência à lei actual, a resposta só pode ser negativa.
É verdade que o artigo 169.º do Código das Custas Judiciais previa que se o pagamento de custas fosse coercivamente obtido em prestações, os juros de mora deveriam ser sucessivamente reduzidos em função das importâncias que entretanto fossem pagas. E, com base neste preceito, havia doutrina (1) e jurisprudência (2) que defendia ser aplicável, por analogia, o mesmo regime às demais execuções de natureza civil, designadamente quando a penhora recaísse em vencimentos ou outras prestações periódicas, bem como no caso de consignação de rendimentos.
Mas, actualmente, não vigorando já aquele preceito (cfr. artigo 25.º, n.º 2, al. a) do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02), nem sendo este um processo destinado à cobrança de custas, rege, para o procedimento de liquidação em análise, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26/06, pois que, à data daquele procedimento (26/11/2013), já estava em vigor e era o aplicável (artigo 6.º, n.º 1, da referida Lei n.º 41/2013).
Pois bem, dispõe, a esse propósito, o artigo 716.º, n.º 2, daquele Código, que “[q]uando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis”.
Trata-se de uma norma que corresponde, no essencial, à que já vigorava no regime processual civil imediatamente anterior (artigo 805.º, n.º 2, do Código de Processo Civil então em vigor), e que pretendeu, no fundo, desonerar o exequente da obrigação de liquidação dos juros vincendos, no caso dessa liquidação estar dependente apenas de simples calculo aritmético, como sucedia no regime instituído no Código de Processo Civil de 1939 (artigo 805.º). Como assinala Eurico Lopes Cardoso , “sempre que os juros continuassem a vencer-se depois de proposta a ação executiva – e é o que sucede geralmente -, era pura inutilidade a conta dos juros vencidos que o exequente fazia no requerimento inicial. Tal conta deixava logo de ser exata; já o não era no próprio momento da citação do executado. Por outro lado, não dispensava a conta que a secretaria tinha de fazer a final, relativamente aos juros vencidos depois daquele requerimento”.
Por isso mesmo se instituiu a conta final dos citados juros, que hoje não é feita necessariamente, pela secretaria, mas, mais genericamente, pelo agente de execução.
Mas essa conta, é importante que se diga, nem institui um novo regime de imputação do cumprimento, nem estabelece qualquer regra específica para a mora. Como salienta F. Correia das Neves (4) em relação ao regime processual civil anterior, “…do simples facto de os juros se contarem a final não se poderá concluir que eles, necessariamente, hajam de ser lançados até esse momento”.
Por outro lado, como já dissemos, inexistindo actualmente qualquer norma imperativa em sentido diverso, também não se pode retirar da norma transcrita qualquer regime de imputação do cumprimento distinto daquele que vigora para as obrigações em geral, quando são voluntaria e extrajudicialmente cumpridas.
Ora, nestas obrigações, podemos distinguir três espécies de imputação do cumprimento: imputação por acordo; imputação pelo devedor; e, imputação legal (5).
A imputação por acordo é aquela cujo regime, naturalmente, prevalece, em caso de consenso. Até por decorrência do princípio da liberdade contratual (artigo 783.º, n.º 2, do Código Civil).
Na falta de acordo, impera a vontade do devedor até a lei lho consentir; isto é, se não houver limitações legais, designadamente destinadas a tutelar o interesse do credor (artigo 783.º, n.º 1, do Código Civil).
E, no caso de falta ou ineficácia do acordo das partes ou da declaração do devedor, a imputação deve ser feita em conformidade com os critérios legais de natureza supletiva.
Isto, para a hipótese de existirem várias dívidas homogéneas que o devedor não se proponha satisfazer na totalidade.
Mas, havendo uma única dívida, se ela for de capital acompanhada dos respetivos encargos e o devedor não se propuser saldá-la integralmente, o regime não é substancialmente distinto.
Quando assim é, ou seja, “[q]uando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital”. É o que estipula o n.º 1 do artigo 785.º, do Código Civil.
E acrescenta o n.º 2 que: “A imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes”.
Neste tipo de dívidas, pois, o devedor não pode, contra a vontade do credor, imputar o pagamento na dívida de capital, se também está vinculado ao pagamento de outros encargos dessa mesma dívida e a soma entregue não é suficiente para saldar integralmente todas as referidas prestações. Ou dito por outras palavras, “[n]a falta de acordo entre os interessados, e na falta de designação do solvens, a prestação que não chegue para cobrir a dívida e todos os encargos acessórios presumir-se-á feita por conta, sucessivamente, das despesas com a coisa, dos juros moratórios, dos juros contratuais ou compensatórios e do capital.
O solvens pode afastar-se desta ordem, na designação que faça; o que não pode, porém, é imputar a prestação no capital, sem acordo do credor, antes de estarem extintos os encargos acessórios” (6).
E o mesmo critério deve valer para a ação executiva.
Na verdade, como já dissemos, não há qualquer razão para o credor ser penalizado por se prevalecer dos meios de cobrança coerciva que a lei coloca ao seu dispor. E, assim, na ausência de consentimento do credor, não pode o tribunal desviar-se do apontado critério. Não tem fundamento legal para o efeito.
Pois bem, tendo presentes estas regras, verificamos que, no caso presente, as mesmas não foram respeitadas. Imputaram-se os valores coercivamente obtidos na execução primeiramente ao capital e, consequentemente, reduziu-se o montante gerador de juros, sem que para tal a exequente nisso tivesse consentido.
Ora, se nem o devedor o pode fazer nestas circunstâncias, não vemos também fundamento jurídico para o tribunal assim proceder oficiosamente.
Daí que o cálculo de juros sancionado pelo despacho recorrido não se possa manter em vigor, devendo, nessa medida, este último ser revogado.
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IV- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, na parte impugnada.
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- Porque decaiu na sua pretensão recursiva, as custas deste recurso serão pagas pelo Apelado, Amadeu A – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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(1) F. Correia das Neves, Manual dos Juros, Almedina, págs. 344 e 345.
(2) Ac. RP de 16/04/2012, Proc. 3328/07.5TVPRT-D.P, consultável em www.dgsi.pt. Seguiu o mesmo critério de imputação o Ac. RL de 21/05/2012, Proc. 532/07.4TBRGR-A.L1-1, consultável no mesmo endereço electrónico.
(3) Manual da Acção Executiva, 3ª Edição (Reimpressão), Almedina, pág. 199.
(4) Ob cit., pág. 341.
(5) Neste sentido, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª Edição (Reimpressão), Wolters Kluwer/Coimbra Editora, págs. 226 a 228.
(6) Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 5ª ed., Almedina, pág. 57, nota 1.