Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5398/23.0T8VNF.G1
Relator: LUÍS MIGUEL MARTINS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
PAGAMENTO POR TERCEIRO
MODO DE ILISÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/04/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A parte que impugne a decisão da matéria de facto não está dispensada de efetuar a análise crítica da prova, já que pretendendo contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal terá de apresentar razões objetivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados e elencar documentos.
II - As prescrições presuntivas, suportando-se na presunção do cumprimento, provocam a inversão do ónus da prova nos termos do disposto no art.º 344º, nº1 do Código Civil, ficando o devedor desonerado de comprovar o mesmo, mas podendo o credor ilidir essa presunção, através da demonstração do incumprimento por parte daquele, mas apenas pela confissão, expressa ou tácita do devedor.
III - O cumprimento da obrigação pode ser invocado como tendo ocorrido por ato do devedor ou de terceiro, nenhuma distinção havendo a fazer para o funcionamento normal do regime legal da prescrição presuntiva.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
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I. Relatório (também com base na decisão recorrida)

Nos presentes autos de ação declarativa com processo comum, veio a autora HOSPITAL PRIVADO .... – HOSPITAL PRIVADO ..., S.A., com sede na Rua ..., ..., ... EMP01..., pedir a condenação do réu AA, residente em Rua ..., ... Pousada ..., no pagamento de €5.561,52.
Alega para o efeito que prestou ao réu diversos serviços de caráter médico, tendo os mesmos sido pagos apenas parcialmente pela seguradora, ao abrigo do contrato celebrado com o réu, e imputando o remanescente do pagamento ao réu.
Mais alega que o réu, interpelado para o efeito, nada liquidou.
Citado o réu, veio defender-se exclusivamente por exceção, alegando o pagamento pela seguradora e a prescrição presuntiva, alegando o decurso de mais de dois anos entre a prestação de serviço e respetiva cobrança.
Notificada, veio a autora responder, pugnando pela improcedência da matéria de exceção alegada.
Foi proferido despacho saneador, relegando a matéria de exceção invocada pelo réu para sentença, dispensando a fixação do objeto do litígio e dos temas da prova e designando data para audiência final.
Teve lugar audiência final, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Por todo o exposto, o Tribunal julga a presente ação procedente, e condena o réu AA no pagamento à autora da quantia de €5.561,52 (cinco mil quinhentos e sessenta e um euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos desde a data de propositura da ação e vincendos até efetivo e integral pagamento, à taxa legal.”.
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Inconformado com esta decisão, o réu interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

“A) A análise crítica dos meios de prova produzidos - depoimentos das testemunhas e documentos particulares - impõem uma alteração da matéria de facto assente na decisão recorrida. Art. 607º do CPC.
B) O Tribunal deve atender a todas as provas produzidas sobre os factos alegados e pronunciar-se sobre as questões suscitadas.
C) O depoimento da testemunha BB, evidenciado e transcrito, em conjugação com os documentos realçados impõem a alteração da factualidade provada, e, assim, dar como provado que:
“A seguradora EMP02... assegurou o pagamento integral dos serviços
prestados pela autora ao réu”
D) O depoimento da testemunha, gravado na audiência de julgamento de 25-02-2025, nas passagens evidenciadas, e os documentos ora realçados são suficientes para a alteração da decisão sobre a matéria de facto.
E) Constam dos autos todos os elementos que permitem a alteração da factualidade assente pelo Tribunal ad quem. Art. 662º do CPC
F) O Apelante discorda da decisão de mérito porquanto o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação da lei face à invocada exceção da prescrição do crédito reclamado.
G) Não carecia o R/Apelante de fazer prova do pagamento que invocou.
H) A prescrição presuntiva do art. 317º al. a) do CC, funda-se na  presunção de cumprimento e verifica-se após o decurso de 2 anos contados da prestação dos serviços.
I) Apesar de se tratar de presunção iuris tantum, o credor só poderia ilidir essa presunção através de confissão expressa do devedor originário ou por confissão tácita. Cfr. arts. 313º e 314º do CCivil e Acórdãos citados.
J) A douta sentença violou as disposições legais citadas e deve ser revogada, como é de
JUSTIÇA”.

A autora apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
1. A prova produzida em primeira instância não impõe decisão diferente, pelo que inexistem fundamentos para alterar a matéria de facto dada como provada.
2. E quanto à matéria de direito, a prescrição invocada, ilidível, ficou manifestamente afastada atento não só o acervo documental junto aos autos, mas também o teor dos depoimentos prestados
3. Finalmente, nas conclusões o recorrente omite os concretos meios probatórios, com indicação do registo ou gravação realizada, e que impunham decisão diferente, pelo que, também por isto, o recurso sempre terá de ser improcedente.
4. O recorrente pretende dar como provado a matéria de facto dada como não provada em a), invocando como fundamento o depoimento da testemunha BB a qual tem uma relação laboral com o recorrente e de manifesta proximidade/afinidade.
5. Sucede que as testemunhas CC e DD têm conhecimento directo dos factos atentas as suas funções profissionais.
6. Atenda-se ao que depoimento da testemunha CC ( 09:53-10:13) Diligencia_5398-23.0T8VNF_2025-02-25_09-53-35: 00:05:02
A:Neste caso aqui, relativamente ao Dr.º AA, tem ideia do que é que foi feito, o que é que…
T: Depois mediante a emissão deste termo nós facturamos ao cliente… eu não lhe sei precisar valores exactos, eu sei que a factura na altura eram onze mil e tal euros, imputamos 10% directamente ao cliente, mais trezentos e setenta e cinco euros, estaria mil e poucos euros.
A: Mas nós estamos aqui no ano 2018, quando ocorreu. Quando foi feita a factura para o cliente, essa factura que nos está a dizer, isso foi em que ano?
T: 2018.
00:05:37
A: Em 2018, e o que é que aconteceu?
T: O Sr.º AA pagou, o senhor regularizou esse valor e nós enviamos o remanescente directamente para a EMP02....
A: Para a EMP02...?
T: Sim.
A: E depois disso, o que é que aconteceu?
T: Depois disso, foi tudo pelo correio, o cliente pagou.- depois no ano, cerca do ano 2020 recebemos uma informação da EMP02... dando-nos indicação que, pronto, que teriam… estavam a devolver a factura ao hospital porque o senhor não teria plafond suficiente para cobrir todas as despesa que nós imputamos directamente naquele no, no ano de 2018 à EMP02.... Foi-nos também transmitido que essa informação foi transmitida directamente ao Sr.º AA. Nós tentamos também refutar um bocadinho, tipo, agora passado estes anos vamos facturar directamente ao cliente o remanescente, e pronto. A indicação que a EMP02... nos deu na altura foi que, portanto, o segurado tinha conhecimento de toda esta situação. Portanto creditamos a factura à EMP02... e emitimos uma factura directamente ao Sr.º AA.
7. Resulta inegável que o plafond da apólice de seguro contratada pelo recorrente com a EMP02... foi ultrapassado, facto esse do seu conhecimento.
8. E mais confirma a mesma testemunha:
00:07:34
A: Mas então o que é que a companhia de seguros invocou para alterar essa ordem de pagamento?
T: Que tinha a anuidade, portanto, o plafond desse ano do cliente tinha esgotado.
A: E de onde é que resulta essa informação?
T: A companhia de seguros transmitiu essa informação. Porque é assim, o senhor também teve vários internamentos.
A: O contrato de seguro do Dr.º AA com a EMP02...…
T: Isso tem a ver com a condições que o cliente… da apólice que o cliente assinou com a companhia de seguros e que, não é, o contrato que fez entre ele e a companhia de seguros.
A: Portanto, o Dr.º AA tem conhecimento prévio de qual era o limite que tinha de anuidade?
T: Sim.
:A: Pode não ter verificado, mas teve conhecimento?
00:08:15
T: Sim.
00:11:07
A: No que respeita à facturação, contabilidade de um hospital com a EMP02..., de alguma forma vocês explicam aos clientes: olhe nós facturamos, anulamos, deixamos de facturar… a forma como se processa?
T: Sim, comunicamos e com o Sr. AA nós também contactamos o Sr.º AA. O nosso departamento de cobranças também tentou cobrar a factura e inclusive eu própria também enviei email ao Sr.º AA a explicar o que é que aconteceu e referi que a companhia de seguros já tinha transmitido essa informação directamente ao Sr.º AA.
A: E sabe se o Dr.º AA em algum momento disse, pelo menos a si, que iria tentar responsabilizar a EMP02...? Ele directamente responsabilizar a EMP02... por este valor?
T: Não.
9. Inexistindo quaisquer dúvidas de que o valor reclamado nos autos não foi pago, desde logo atento o que a testemunha CC refere:
00:12:10
A: Olhe, então relativamente a este valor que está aqui peticionado, não tem dúvidas de que isto não foi pago?
T: Sim.
A: Nem pelo Dr.º AA nem pela EMP02...?
T: Sim. Inclusive existe os documentos, existe, há a nota de crédito directamente à companhia de seguros e foi emitida uma factura directamente ao Sr.º AA, no ano 2020 e não há nenhum recibo dessa factura.
10. Para além do mais, a testemunha DD (10:13-10:29), Diligencia_5398- 23.0T8VNF_2025-02-25_10-13-58, também confirma a falta de disponibilidade de plafond junto da EMP02...:
02:35
A: Porque é que o hospital reclama este valor ao Dr.º AA e não há companhia de seguros uma vez que este doente tinha um contrato de seguro para o qual transferia a responsabilidade de pagamento para a EMP02...? Porque razão é que hospital não reclama este valor à EMP02... mas sim ao Dr.º AA?
T: A factura inicial em 2018 foi tirada por mim, fui eu que emiti a factura desse internamento, com base numa autorização dada pela companhia de seguros. O processo foi facturado, foi enviado para a companhia e à posteriori eles enviaram-nos um novo documento, um novo termo de responsabilidade onde nos informaram que o senhor não tinha mais capital disponível naquela anuidade da apólice e que então o valor teria de ser imputado ao cliente. Essa refacturação já não fui eu que fiz, mas quem trata dos recebimentos por parte dos seguros.
11. Mais confirmando que o recorrente teve conhecimento de que a seguradora recusou assumir o pagamento integral dos serviços prestados
10:13
A: Quando tiveram conhecimento dessa informação por parte da companhia de seguros, foi-vos dada também alguma indicação que o cliente deles estava esclarecido, que tinham falado com ele?
T: Sim, temos a indicação através de um email da companhia que já tinham notificado do o senhor, que iriam devolver a facturar para ser cobrado o valor remanescente.
12. Assim, da prova produzida resulta que a seguradora EMP02... não procedeu ao pagamento dos serviços que a recorrida prestou ao recorrente (e que este nunca questionou), e que o recorrente recusa pagar, motivo pelo qual o valor peticionado nos presentes autos está em dívida.
13. Mesmo “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”, cfr. Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 609.
14. Mais, já em 14/01/2020, cfr página 160 do email junto aos autos em 13/02/2025 com ref.ª Citius 17372316 e cujo teor não foi impugnado, a seguradora refere:
From: EE (EMP02...)
Sent: 14 de janeiro de 2020 16:54
To: 'FF' <..........@.....>
Cc: EMP03... - Gestão Vendas <..........@.....>; GG (EMP02...) <..........@.....>
Subject: RE: ### MUITO URGENTE ### FW: Fatura ...96 Aut. 2L... ...56 e ...33 - Convenção 873 - HOSPITAL ... – CLIENTE ...29 AA (... ...05) - AUT ...
Boa Tarde Dra. FF,
Relativamente a este processo, o Departamento responsável pelas autorizações (DGS) informa que já esclareceu o cliente relativamente ao internamento referente ao processo 2L... (Março/2018), e que da fatura de € 11.803,54 apenas podemos assumir o valor disponível na anuidade, pelo que ficará a seu cargo o valor remanescente de € 4.881,11 que será apresentado pelo EMP04... para pagamento.
Deste modo, voltamos a confirmar o nosso pedido do passado dia 9.
Ficamos na expetativa das vossas breves notícias.
Cumprimentos,
EE
DRC – Departamento de Redes Convencionadas
EMP02..., SA.
Tel. ...35 - Ext. ...48
Tlm. ...40
CONFIDENCIALIDADE:
Esta mensagem (e anexos) dirige-se exclusivamente ao seu destinatário e está sujeita a  dever de confidencialidade.
Se recebida por engano, avise, por favor, o remetente e elimine a mensagem e anexos.
...:
This message (and any attached files) is intended only for the addressee(s) named and is subject to
15. Concluindo-se, forçosamente, que o recorrente tem a obrigação de pagar a quantia de €4.881,11 (referente à factura no valor de €11.803,54 e cujo pagamento a EMP02... apenas assumiu parcialmente).

Sem Conceder,
16. A prescrição presuntiva invocada pelo recorrente sustenta-se numa presunção de pagamento.
17. Presunção esta ilidível e que se encontra desde logo afastada porque o recorrente nunca invocou o pagamento do crédito.
18. O recorrente invocou o pagamento por terceiro (da EMP02...), pagamento esse que nunca foi realizado conforme resulta da prova produzida.
19. “Para poder invocar coerentemente a prescrição presuntiva, o réu deve alegar que deveu, mas já pagou. Se o réu alegar que nunca deveu, não tem sentido invocar este tipo de prescrição. Se o réu acaba por impugnar a obrigação, ou a prestação dos serviços em concreto, ou vicissitudes relacionadas com as facturas, nada lhe vale invocar a prescrição presuntiva, pois em momento algum alega o cumprimento por forma a beneficiar da prescrição, ou mais concretamente da inversão do ónus da prova que tal prescrição lhe facultaria” – RODRIGUES BASTOS, Notas ao CC, Vol. II, 78:
20. E mesmo que assim não fosse entendido, até nas prescrições presuntivas o credor pode ilidir a presunção do cumprimento através da demonstração do incumprimento por parte do devedor (Ac. STJ de 03/04/2025, proc. nº 1703/19.1T8PVZ-E.P2.S1).
21. A primeira instância considerou que “O réu concretiza tal alegação; porém, não alega que haja pago pessoalmente, mas sim que a prestação foi liquidada por terceiro – no caso, por seguradora com quem havia contratado seguro de saúde.”, e bem!
22. Ora, não existindo qualquer prova de que o recorrente ou quem quer que seja em seu nome haja procedido ao pagamento dos valores solicitados pela recorrida, a presunção invocada não pode proceder.
23. Consequentemente, não tendo o recorrente demonstrado que a seguradora procedeu ao pagamento da quantia em dívida, a presunção encontra-se afastada.
24. Deve assim, a sentença em recurso manter-se ipsis verbis
TERMOS em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente, assim se fazendo a devida e desejada Justiça!”.
*
O recurso foi admitido como de apelação a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir
*
II. Questões a decidir

Considerando a delimitação que decorre apenas das conclusões formuladas pela recorrente, que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635.º, n.ºs 4 e 5 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, cumpre indagar:
- Se deve ser alterada a matéria de facto e em tal caso ser julgada improcedente ação por ficar provado o pagamento;
- Se em caso de não se alterar a matéria de facto, deve ser considerada procedente a exceção de prescrição.
*
III - Factos dados por provados e não provados na sentença recorrida.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:
“1) A autora é uma sociedade comercial anónima, cujo objeto social consiste na gestão e prestação de serviços de saúde, diagnóstico e terapêutica em todas as suas vertentes, serviços de formação, desenvolvimento profissional e de investigação e gestão de cantinas e bar em ambiente hospitalar.
2) Durante o ano de 2018, o réu foi submetido a diversas intervenções cirúrgicas realizadas pela autora, com internamento hospitalar nas instalações da mesma, bem como a tratamentos médicos e consumo de produtos medicamentosos, tudo a sua solicitação e com o seu consentimento expressamente prestado.
3) Serviços clínicos esses que exigiram o internamento do réu, em quarto particular nos seguintes períodos temporais:
i. Entre 29 de Março de 2018 e 04 de maio de 2018;
ii. Entre 28 de Novembro de 2018 e 13 de dezembro de 2018.
4) No que diz respeito ao período temporal entre 29/03/2018 e 04/05/2018, a autora prestou ao réu os cuidados médicos e utilizou os equipamentos melhor discriminados nas faturas juntas como doc. 1 com a petição inicial, cujo teor integralmente se dá por reproduzido.
5) Os serviços e equipamentos utilizados totalizaram €13.490,04, quantia esta à qual foi deduzido o valor da franquia no valor de €375,00, bem como da percentagem de 10% no valor de €1.311,50, já pagas pelo réu, à referida data, resultando no valor de €11.803,54.
6) O réu declarou à autora ser beneficiário de seguro de saúde contratado com a empresa EMP02..., S.A., com a apólice ...58, que cobriria as despesas de saúde a que teria direito.
7) Ao abrigo dos termos do contrato de seguro celebrado com a ré, a companhia de seguros EMP02..., por referência ao internamento ocorrido no hiato temporal identificado em 3)-ii, apenas se responsabilizou e pagou €6.922,43 dos €11.803,54 faturados pela autora.
8) Em consequência, a autora procedeu à emissão da nota de crédito ...99, em 28/02/2020, a favor da EMP02..., no valor de €4.881,11, e da fatura ...95, emitida a 28/02/2020 ao réu e com vencimento na mesma data, no valor de €4.881,11, correspondente aos serviços cujo pagamento não foi assumido pela seguradora.
9) A autora esclareceu todo o sucedido ao réu.
10) O réu, apesar de diversas vezes ter sido interpelado para regularizar o pagamento da dívida, até à data não o fez.
11) A autora solicitou ao réu o pagamento em 26/03/2020, 23/04/2021, 08/05/2022, e 20/04/2023.
12) O réu recusa pagar o montante em dívida, alegando que a responsabilidade do pagamento cabe à seguradora.”.
Na sentença recorrida foi considerado como não provado que:
“a) A seguradora EMP02... assegurou o pagamento integral dos serviços prestados pela autora ao réu.”.
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IV - Do objeto do recurso.

1. Da propugnada alteração da matéria de facto.
Cabe aqui apreciar se se mostram preenchidos os pressupostos para a reapreciação da matéria de facto e neste caso indagar se o Tribunal cometeu algum erro da apreciação da prova e assim na decisão sobre a matéria de facto.
A este propósito, temos que o recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, quanto à matéria que foi dada como não provada e que no seu entender deveria ter sido dada como provada.
Mas será que tal, juntamente com as transcritas conclusões, é bastante para que se mostrem cumpridas as exigências formais previstas no supra transcrito art. 640.º, nº 1, do Código Processo Civil?
Há, assim, que primeiramente sindicar se o recorrente cumpriu os requisitos de ordem formal que permitam apreciar a impugnação que faz da matéria de facto, designadamente se indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente analisados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões, se especifica na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, impõem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos. 

Abrantes Geraldes em “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª edição, 2018, Almedina, págs. 165 e 166, resume as obrigações impostas ao recorrente que impugne a matéria de facto nos seguintes termos:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. a), ou mesmo a produção de novos meios de prova nas situações referidas na al. b).(…);
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.”.
 Sobre a interpretação do artigo 640.º do Código de Processo Civil, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, perfilhado pelo Acórdão desta Relação, de 19/01/2023, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, o seguinte:
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Diz-se também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/2/ 2015, acessível em www.dgsi.pt, que:
“(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto”. (...) Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC”. (…) É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC. (…) “…Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada.”.

Refere ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/10/2019, disponível no mesmo sítio, que:
“I- Os recorrentes que pedem na apelação a reapreciação da matéria de facto e não indicam os meios de prova e as passagens das gravações dos depoimentos que, no seu entender, impõem decisão diversa da proferida, não cumprem os ónus de alegação previstos no art. 640º, n.º 1 do CPC”, e onde se concretiza que: “Segundo o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, a impugnação da decisão de facto não tem por fim uma reapreciação global, pelo Tribunal da Relação, da prova valorada no Tribunal de 1.ª Instância. Incumbe, por isso, ao Recorrente um especial ónus de alegação no que toca à delimitação do objeto do recurso e à sua fundamentação. Não observa, por conseguinte, esse ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a elencar documentos, omitindo a referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado.”.
Acresce salientar que a crítica de quem impugna a convicção do Tribunal, sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência, não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção sobre a prova produzida. Ou seja, não basta afirmar ou transcrever aquilo que foi afirmado pelas testemunhas, para se concluir que um determinado facto foi ou não incorretamente julgado. Na verdade, a parte que impugne a decisão da matéria de facto não está dispensada de efetuar a análise crítica da prova, já que pretendendo contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal terá de apresentar razões objetivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados (Cfr. neste sentido o Acórdão da Relação de Guimarães de 11/07/2017 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 26/09/2019, consultáveis em www.dgsi.pt).
 No caso em apreço, constata-se que o apelante, nas suas alegações e conclusões do recurso, considera que a matéria de facto dada por não provada devia ser dada como provada, indicando para o efeito os concretos elementos probatórios (o depoimento da testemunha por si arrolada e prova) documental) e a decisão que no seu entender devia ser tomada, ou seja que  a seguinte matéria constante do factos não provados passasse a constar dos factos provados:
“A seguradora EMP02... assegurou o pagamento integral dos serviços prestados pela autora ao réu.”.
Porém, limitou-se a discordar da apontada matéria de facto, sem apresentar as razões pelas quais deve ser colocada em crise a motivação explanada na decisão recorrida, ou seja, sem fazer uma apreciação crítica dessa motivação esgrimindo razões objetivas para contrariar a relevância dada aos meios de prova considerados na motivação do Tribunal recorrido, ignorando por completo essa motivação, limitando-se a de uma forma estéril sem qualquer dialeticidade a transcrever trechos do depoimento da testemunha por si arrolada e a elencar documentos.
A motivação da decisão recorrida foi a seguinte, no que a esta matéria concerne:
“Dos factos provados, alegados pela autora e não impugnados pelo réu, constata-se que foi com efeito celebrado um contrato de seguro entre o réu e a seguradora EMP02..., pelo qual esta entidade se comprometeu assim ao pagamento de despesas de saúde incorridas pelo réu.
Porém, conforme se extrai da matéria de facto provada, com assento na prova documental junta aos autos, mormente as faturas e notas de crédito juntas com a petição inicial e as comunicações da EMP02... juntas a ref.ªs ...85 de 15/01/2024 e ...16 de 13/02/...45, a própria seguradora comunicou à autora, expressamente, que apenas liquidaria parcialmente os valores por esta exigidos, face aos termos e plafond contratado pelo réu.
Ora, a obrigação pode ser cumprida por terceiro, interessado ou não no respetivo cumprimento, nos termos do artigo 767.º do Código Civil; em consequência, o Tribunal tem por legítimo que, para sustentar a prescrição presuntiva, o devedor tanto possa arguir o pagamento por si próprio, como o pagamento por terceiro.
Contudo, se resulta dos autos, de forma inequívoca e clara, que o terceiro responsável pelo pagamento (no caso, obrigado ao mesmo por força do contrato de seguro) admite e recusa o pagamento – sendo que a EMP02... expressamente comunica à autora que não irá liquidar qualquer montante acima de €6.922,43, negando a sua responsabilidade pelo pagamento do remanescente – não se tem por legítimo que o devedor possa valer-se de um pagamento notoriamente inexistente e negado pelo terceiro obrigado.
(…)
Dispõe o artigo 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil que, na fundamentação da sentença, o juiz deve julgar quais são os factos provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações retiradas dos factos instrumentais e especificando os elementos decisivos para a sua convicção; por outro lado, deverá o juiz tomar em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito.
No caso, o réu não nega a grande maioria da matéria de facto alegada pela autora, mormente no que concerne aos serviços prestados e respetivo âmbito temporal, bem como os preços devidos e interpelação para pagamentos.
Invocou apenas o pagamento integral dos mesmos da parte da seguradora com quem havia celebrado um contrato de seguro; porém, conforme já se foi adiantando supra na análise da verificação ou não da exceção de prescrição presuntiva, a documentação remetida pela seguradora do réu à autora, junta a ref.ªs ...85 de 15/01/2024 e ...16 de 13/02/...45, secundada pelas explicações claras e precisas das funcionárias da autora ouvidas em audiência, levam rapidamente à conclusão de que a EMP02... apenas pagou parcialmente os valores que lhe foram solicitados pela autora, alegando que o plafond contratado pelo réu se mostrava excedido.
Deste modo, não existe qualquer prova de que o réu ou quem quer que seja em seu nome haja procedido ao pagamento dos valores solicitados pela autora.”.
Conforme resulta do texto da motivação, a convicção do Tribunal, em relação  à matéria de facto não provada que o apelante pretende ver como provada, assenta em prova documental mas conjugada com prova testemunhal, sendo que nas suas alegações e conclusões de recurso, o recorrente não faz a análise crítica da valoração da prova pelo Tribunal recorrido, sendo inclusivamente completamente omissa quanto à valoração que Tribunal faz das testemunhas funcionárias da apelada e sem qualquer indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida.
Por seu turno, o Tribunal recorrido, na sua motivação, explicitou de forma densa, clara e explicativa, as razões para considerar a factualidade provada e não provada nos termos em que o fez.
Incumbia ao apelante, com vista ao cumprimento do ónus concretizar a discordância quanto à decisão de facto proferida, argumentar no sentido de que os meios de prova produzidos no processo e valorados pelo Tribunal, apreciados em conjunto e de forma crítica, impunham uma convicção diversa, o que não fez de todo, cingindo-se a elencar documentos e a transcrever trechos de um depoimento que supostamente teriam a virtualidade de fazer triunfar a sua versão dos factos agora apresentada.
Teria, pois, o apelante de argumentar no sentido de fazer claudicar a argumentação expendida pelo Tribunal recorrido alicerçado nos concretos meios probatórios a que conferiu relevância, em vez de comodamente se confinar aos documentos por si apresentados e ao depoimento da testemunha por si arrolada.
Ora, a apelante omitiu o comportamento argumentativo que se lhe impunha no sentido de que os meios de prova produzidos no processo e valorados pelo Tribunal, apreciados em conjunto e de forma crítica, impunham uma convicção diversa.
 Deste modo, não tendo o recorrente observado o disposto no art. 640.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, tal significa desde logo a rejeição do recurso, na parte relativa à impugnação da matéria de facto.
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2. Da verificação da prescrição presuntiva.

No caso dos autos está em causa celebração de um contrato de prestação de serviços médicos entre as partes, ao qual são aplicáveis as regras previstas nos artigos 1154.º e seguintes do Código Civil, cuja execução se consubstanciou em diversas intervenções cirúrgicas realizadas pela autora, com internamento hospitalar nas instalações da mesma, bem como  tratamentos médicos e consumo de produtos medicamentosos, mediante o pagamento de determinadas importâncias.
Trata-se de um contrato misto, combinado, que integra um contrato de prestação de serviços médicos e um contrato de internamento (hospedagem e prestação de serviços paramédicos).

Ao caso é aplicável o disposto no art 317.º, n.º1 al. a), parte final, do Código Civil, que estabelece que:
“Prescrevem no prazo de dois anos:
a) Os créditos dos estabelecimentos que forneçam alojamento, ou alojamento e alimentação, a estudantes, bem como os créditos dos estabelecimentos de ensino, educação, assistência ou tratamento, relativamente aos serviços prestados;”.
Ficou assente que estes serviços foram prestados até dezembro de 2018 (e não fevereiro de 2020, conforme certamente por lapso se diz na decisão recorrida), tendo a ação dada entrada em juízo em 8 de setembro de 2023, tendo a citação ocorrido em 15 de setembro de 2023, pelo que se mostra largamente superado o prazo prescricional de dois anos, pois que nos termos do artigo 323.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, o prazo da prescrição presuntiva apenas se interrompe com a citação do devedor, ou, se a delonga não for imputável ao requerente, no prazo de cinco dias após a propositura da ação, como sucede no caso vertente.
Nestes termos, há tão só de indagar se para além do requisito temporal coincidem os demais requisitos para que se possa julgar extinto o direito invocado pela demandante.
 O referido art. 317.º, até pela sua inserção sistemática, estabelece uma prescrição presuntiva que, de acordo com o artigo 312.º ainda do mesmo diploma legal, se alicerça na “presunção de cumprimento”.
Tal presunção fundamenta-se no facto de as obrigações a que respeitam serem, por via de regra, cumpridas num prazo bastante curto e geralmente não se exigir quitação, ou, pelo menos, não ser esta conservada por um período longo.
Assim, decorrido o prazo legal, presume a lei que o pagamento foi efetuado, ficando o devedor dispensado da prova do mesmo, pelas dificuldades que essa prova lhe traria (cfr. Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed., pág. 820).
Ao contrário do que sucede com a prescrição ordinária, a prescrição presuntiva faz apenas presumir o cumprimento pelo decurso do prazo e tem por objetivo proteger o devedor contra o risco de ser obrigado a satisfazer duas vezes a mesma dívida que, pela sua natureza, não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante certo tempo (cfr. Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 103.º, pág. 254, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., 1987, págs. 281 e282, Rita Canas Silva, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume I, 2017, pág. 383 e José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, 3ª ed., 2019, pág. 120).
Ou seja, “as prescrições presuntivas baseiam-se numa presunção de que as dívidas visadas foram pagas. De um modo geral, elas reportam-se a débitos marcados pela oralidade ou próprios do dia-a-dia. Qualquer discussão a seu respeito ou ocorre imediatamente, ou é impossível de dirimir em consciência” (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, tomo IV, pág. 181).
A presunção de pagamento por parte do devedor faz incidir o ónus da prova do não pagamento sobre o credor.
Ou seja, existindo a presunção de pagamento a favor do devedor pelo decurso do prazo, competirá ao credor ilidir essa presunção mediante prova em contrário, demonstrando que aquele não pagou, embora nos estritos termos gizados nos arts. 313.º e 314.º do Código Civil.
Na verdade, visando as prescrições presuntivas conferir proteção ao devedor que paga uma dívida e dela não exige ou não guarda quitação, não poderia admitir-se que o credor ilidisse a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova. Por isso, exige-se que os meios de prova do não pagamento provenham do próprio devedor (cfr.  Pires de Lima e Antunes Varela, ob. op. cit., pág. 282 e Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ n.º 106, pág. 55).
Estes específicos meios de prova suscetíveis de ilidir as prescrições presuntivas consistem na confissão judicial do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão ou na confissão extrajudicial, só relevando neste caso quando esta for realizada por escrito, conforme ressalta do art. 313.º do Código Civil.
A confissão judicial pode não só ser expressa, mas também tácita, de acordo com o art. 314.º do Código Civil (cuja epígrafe é “Confissão tácita”), que rege que:
“Considera-se confessada a dívida, se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.”.
Ou seja, se o devedor assumir em tribunal uma posição que seja contrária à invocada presunção de cumprimento, estará a confessar a existência da dívida.
Em suma, as prescrições presuntivas, suportando-se na presunção do cumprimento, provocam a inversão do ónus da prova nos termos do disposto no art.º 344º, nº1 do Código Civil, ficando o devedor desonerado de comprovar o mesmo, mas podendo o credor ilidir essa presunção, através da demonstração do incumprimento por parte daquele, mas apenas pela confissão, expressa ou tácita do devedor.
 Sublinhe-se que tem vindo a ser entendido que a incongruência da posição do devedor com a presunção de cumprimento conducente à confissão tácita dá-se, por exemplo, quando aquele discute a existência, o montante, a remissão da sua fixação para o tribunal, o vencimento ou outras características da dívida; quando (o devedor) invoca a compensação de créditos ou outra forma de extinção da obrigação diferente do cumprimento; quando invoca a gratuitidade dos serviços prestados; a contestação da solidariedade da dívida, reivindicando o benefício da divisão, quando invoca a invalidade do contrato donde emerge a dívida e quando não impugna a alegação de falta de pagamento, feita pelo credor (cfr., v.g., os recentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3/4/2025 e da Relação de Guimarães de 18/9/2025 e a doutrina e jurisprudência aí recenseada, consultáveis em www.dgsi.pt).
Terá assim o devedor para fazer espoletar a presunção de cumprimento de alegar o pagamento.
Como judiciosamente observa Rodrigues Bastos, em Notas ao Código Civil, Vol. II, pág. 78, para poder invocar coerentemente a prescrição presuntiva, o réu deve alegar que deveu, mas já pagou. Se o réu alegar que nunca deveu, não tem sentido invocar este tipo de prescrição. Se o réu acaba por impugnar a obrigação, ou a prestação dos serviços em concreto, ou vicissitudes relacionadas com as faturas, nada lhe vale invocar a prescrição presuntiva, pois em momento algum alega o cumprimento por forma a beneficiar da prescrição, ou mais concretamente da inversão do ónus da prova que tal prescrição lhe facultaria (cfr. ainda a este propósito, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 11/10/2018, consultável em www.dgsi.pt).
Volvendo ao caso concreto, temos que há muito se mostram decorridos os dois anos do prazo prescricional, nem sequer tal sendo objeto de discórdia entre as partes.
Na decisão recorrida entendeu-se, em suma, que sendo invocado o pagamento da dívida por terceiro, que seria adequado para sustentar a prescrição presuntiva, mas tendo vindo esse terceiro a dizer que o pagamento não tinha sido por si realizado, ilide frontalmente essa presunção de pagamento.
Apreciando.
O réu, na sua curta e assertiva contestação esgrimiu que a importância reclamada pela autora havia siso liquidada pela seguradora com quem havia celebrado um seguro de saúde e concomitantemente invocou a prescrição de tal obrigação:
“1- A A. prestou serviços ao R. ao abrigo do contrato de seguro da EMP02..., SA, conforme consta da fatura junta com a P.I.. Doc 1
2- A A. tratou diretamente com a EMP02... o recebimento do valor dos serviços prestados.
3- A EMP02... efetuou o seu pagamento à A.
4- Em todo o caso, atenta a data invocada na P.I. quanto a tais serviços, prestados durante no ano de 2018, resulta claro que já prescreveu a dívida reclamada, o que expressamente se invoca.
Nestes termos deve a ação improceder.”.
Como julgamos claro, nada obsta que a obrigação possa ser cumprida pelo devedor ou por terceiro, como aliás ressalta do art. 767.º do Código Civil, que dispõe precisamente que:
“A prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação.”.
Nessa esteira, nenhuma distinção existe a tal respeito na figura das prescrições presuntivas, podendo assim o cumprimento da obrigação ser invocado como tendo ocorrido por ato do devedor ou de terceiro.
De facto, de acordo com o art. 312.º do Código Civil, integrado na subsecção III, da Secção da II Prescrição, que tem a epígrafe “Fundamento das prescrições presuntivas diz que:
“As prescrições de que trata a presente subsecção fundam-se na presunção de cumprimento.”.
Nenhuma razão há, pois, para distinguir a invocação da prescrição presuntiva estribada no pagamento, quer este tenha sido feito pelo próprio devedor quer por terceiro interessado ou não no cumprimento da obrigação.
Na decisão recorrida, mostrando resistência à figura da prescrição, entendeu-se, salvo o devido respeito, sem qualquer base legal, que no caso de o cumprimento da obrigação ter sido realizada por terceiro a negação do pagamento por parte do terceiro ilide esta presunção, passando a incumbir a prova ao devedor adstrito à obrigação de pagamento.
Tais considerações para além de, salvo o devido respeito, confundirem a verificação dos pressupostos da presunção prescritiva com a sua ilisão, obnubilam o que a lei estabeleceu a este propósito.
No caso vertente, não é questionado que se verificam os pressupostos da invocação da exceção de prescrição presuntiva fundada no cumprimento da obrigação, consubstanciada no pagamento dos serviços prestados, por terceiro, no caso a seguradora com quem o réu tinha celebrado um seguro de saúde.
Como antes já se referiu, segundo o disposto no art. 313.º nº1 do Código Civil:
“A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor.”.
Não é, pois, admissível qualquer outra prova que não a confissão, designadamente documental ou testemunhal.
O credor fica assim sujeito ao ónus de obter ou apresentar a confissão da dívida por parte do devedor, pela forma prevista nos artigos 313.º e 314.º do Código Civil, só assim podendo ter sucesso na sua pretensão.
Todas as razões supra aduzidas para a existência desta figura valem na íntegra para os caso em que é alegado que a dívida foi liquidada por terceiro e este terceiro nega essa liquidação. Nenhuma diferença substancial existe com aqueles casos em que o devedor invoca que ele próprio liquidou a dívida, mas existem testemunhas que dizem o oposto e há igualmente prova documental em sentido contrário.
A este propósito veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa, de 24/4/2014, consultável em www.dgsi.pt, em que numa situação com similitudes com a presente, nenhuma distinção estabelece pelo facto de ter sido alegado, sem sede depoimento de parte que o pagamento foi feito por terceiro, inexistindo neste caso qualquer particularidade que obste à aplicação das sobreditas regras legais. Tal não consubstancia qualquer ato incompatível com a presunção de cumprimento.
Consta o seguinte do sumário de tal aresto, que sufragamos na íntegra:
“I) As prescrições presuntivas são presunções de pagamento fundadas em obrigações a que respeitam serem habitualmente cumpridas em prazo curto e não sendo costume exigir-se quitação.
II) Findo o prazo, o direito não se extingue, como é próprio das verdadeiras prescrições, constituindo-se unicamente em benefício do devedor uma presunção « iuris tantum » de pagamento.
III) A presunção de pagamento em que as prescrições presuntivas se baseiam só pode ser ilidida por confissão, expressa ou tácita decorrente da recusa a depor ou a prestar juramento ou da prática em juízo de atos incompatíveis com a presunção.
IV) Tendo o requerido alegado ter pago a dívida vindo a esclarecer em depoimento de parte que foi seu filho quem efetuou o pagamento, não se verifica comportamento incompatível com a presunção.”
No caso em apreço, as considerações efetuadas na sentença recorrida poderiam quando muito ser consideradas de iure constituendo, estabelecendo limites à invocação da exceção de prescrição, sendo, porém, que no direito constituído não existe qualquer limitação na invocação que o pagamento foi feito por terceiro e nessa medida se descaracterizando o regime de prescrição presuntiva estabelecido legalmente, nos termos que supra deixámos descritos.
 Em face do exposto, temos que tendo sido invocado o pagamento da importância reclamada pelo apelante e invocada concomitante a prescrição presuntiva e não tendo sido a presunção ilidida nos termos que a lei prescreve, através da confissão expressa ou tácita, procede assim o recurso, por se considerar verificada a exceção perentória extintiva da prescrição presuntiva, prevista na alínea a) do artigo 316.º do Código Civil, absolvendo-se o apelante do pedido.
As custas da ação e do recurso deverão ser suportadas pela apelada, nos termos do art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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IV. Decisão

Perante o exposto, decide-se julgar procedente o recurso interposto, julgando-se verificada a exceção de prescrição, absolvendo-se do pedido o apelante e assim se revogando a decisão apelada.
Custas da ação e do recurso pela apelada.
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Guimarães, 4 de novembro de 2025

Relatos: Luís Miguel Martins
Primeira Adjunta: Margarida Pinto Gomes
Segunda Adjunta: Anizabel Sousa Pereira