Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
307/16.5T8PVL.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: SEGURO DE GRUPO
RESOLUÇÃO
COMUNICAÇÃO AOS CÔNJUGES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

. Ao contrato de seguro de grupo, ao qual os AA. aderiram em 1995, são aplicáveis as normas constantes do Código Comercial (artº 425º e ss) e, na sua falta, as normas do Código Civil e ainda quanto ao pagamento dos prémios de seguro, por se tratar de um seguro de vida, o Decreto de 21.10.1907, além das condições gerais, especiais e particulares contratadas.

.Tratando-se o contrato de seguro de grupo de uma relação tripartida, e tendo sido dois os aderentes, à data marido e mulher, a resolução tinha que ser comunicada aos dois e ainda à tomadora do seguro para produzir os seus efeitos.

.É sobre a entidade seguradora que recai o ónus da prova das referidas comunicações.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

(…) vieram instaurar ação declarativa sob a forma comum contra (…) – Companhia de Seguros S.A. e (…), pedindo a condenação da 1ª R. (…) - Companhia de Seguros, S.A., a indemnizar a 2ª R. (…)., no montante a esta devido pelos AA., à data do sinistro, a título de mútuo com hipoteca, que se cifra em € 21.600,00 (vinte e um mil e seiscentos euros), acrescido dos respectivos juros remuneratórios e a condenação da 2ª R. (…)., a entregar-lhes a título de compensação, o montante de € 14.400,00 (catorze mil e quatrocentos euros), acrescido de juros remuneratórios, pelo pagamento das prestações mensais efectuados pelos AA., desde a data do sinistro até à data da entrada da presente acção.

Subsidiariamente pedem que se declare o direito dos AA. à declaração de extinção da sua obrigação para com a 2ª R., (…) S.A., por compensação e o direito dos AA. à condenação da 2ª R. (…) a devolver-lhes as prestações pagas entre a data do sinistro e a data da entrada da presente acção, no valor de € 14.400,00 (catorze mil e quatrocentos euros), acrescida dos respectivos juros remuneratórios.
As RR. contestaram.

Realizada audiência final foi proferida sentença com o seguinte teor dispositivo:

“ Condeno a 1ª (…) Companhia de Seguros S.A. (i.) na liquidação à (…). de todas as importâncias vencidas desde a data do evento (doença – AVC isquémico) até à satisfação integral do mútuo celebrado pelos AA. com a (…) ou (ii.) no pagamento aos AA. de todas as quantias que, desde a data do evento, eles entregaram à (..). em cumprimento do referido mútuo e na liquidação por parte da 1ªR. (..) – Companhia de Seguros S.A. à (…). das importâncias que ainda não tenham sido pagas pelos AA., ou seja, no remanescente, até ao cumprimento integral do mútuo em causa, em qualquer caso, a liquidar em execução de sentença.
Absolvo do pedido a 2ª R. (…).

A R. (…) não se conformou e interpôs o presente recurso, concluindo as suas alegações do seguinte modo:

.1. O recurso quanto à matéria de facto:

Perante a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento (depoimento das testemunhas (…)); ainda perante os documentos junto aos autos (Apólice de seguro relativa aos AA, Condições Particulares, Gerais e Especiais da Apólice, Cartas de 16/01/2006 e 16/02/2006), não só não podia o Tribunal a quo dar como provados os factos constantes dos nºs 14, 21 e 24 da factualidade provada na D. sentença recorrida; como ainda, devia dar como provado o facto constante e elencado na factualidade não provada constante da decisão recorrida - págª 7ª da D. sentença proferida: “o A. marido tenha recepcionado e tomado conhecimento carta registada enviada pela 1ª R. (..) no dia 16.01.2006.”

2.Nos termos do artº 640, nº 1, alíneas a,b e c) do C.P.C., entende e defende a ora Recorrente que o facto constante na referida págª 7ª dos “factos não provados” e que se transcreve “o A. marido tenha recepcionado e tomado conhecimento carta registada enviada pela 1ª R. Seguradora ... no dia 16.01.2006.”, deve ser dado como provado no sentido de que os AA. recepcionaram e tomaram conhecimento da carta registada enviada pela 1ª R. (…) no dia 16.01.2006.

3.De igual modo, nos termos do artº 640, nº 1, alíneas a, b e c) do C.P.C., entende e defende a ora Recorrente que os factos constantes dos nºs 21 e 24 da factualidade provada devem ser dados como não provados, por não corresponder em verdade, uma vez que do depoimento das testemunhas (…) foi reiteradamente esclarecido e explicado ao Tribunal as dificuldades económicas que os AA. atravessavam, ao ponto de inúmeras vezes, o familiar (…) ser abordado para “empréstimo de dinheiro”, para fazer face às despesas e carência de trabalho que a empresa enfrentava, sabendo de antemão (os AA.) que a conta bancária não tinha provisionamento; aliás, quanto ao saldo bancário e falta de provisionamento respectivo, as duas testemunhas (…) colaboradores da Caixa ... exaustiva e pormenorizadamente explicaram os procedimentos instituídos pela entidade bancária na presença de falta de provisionamento das contas e os contactos obrigatórios e constantes que efectuam junto dos Clientes, como foi o caso presente, alertando para o efeito e advertindo dos efeitos desse estado.

4.Nas conclusões descritas quanto à matéria de facto em que alicerçou a sua convicção, o Tribunal a quo admite ainda que, a falta de pagamento de parte dos prémios foi reconhecida pelos próprios AA. (pois isso faz parte da causa de pedir), constituindo então uma notória contradição: se os AA reconhecem a falta de pagamento dos prémios de seguro, então tinham conhecimento e não podiam ignorar que a apólice de seguro que subscreveram estaria há muito anulada…
Foi considerado provado que os AA deixaram de pagar os prémios de seguro em consequência de a sua conta bancária através da qual era efectuado o pagamento (por débito directo) não estar provisionada para o efeito.
Este reconhecimento contradiz em pleno e totalmente os factos considerados como provados sob o nº 21 e 24.

5. Entende e defende a ora recorrente absolutamente inaceitável a invocação do desconhecimento da condição em que se encontravam os contratos, quer de mútuo, quer de seguro, sendo inadmissível o teor dos factos considerados nos pontos 21 e 24, pois há muito tempo que se verificava a falta de provisionamento, sendo a conta bancária comum e titulada por ambos AA, não podendo ignorar os contactos estabelecidos pelos funcionários da Caixa ... com vista a regularização do respectivo saldo.

6.As testemunhas (…) prestaram, perante o Tribunal a quo, o depoimento comum que nada sabiam quanto ao (in)cumprimento das obrigações dos AA perante as co-RR, quer se tratasse do contrato mútuo quer se tratasse do contrato de seguro subjacente aquele, apenas referindo o que lhes tinha sido dito ou não dito pelos AA.
Quanto ao estado do contrato de seguro nos dois anos prévios ao acidente de que o A. (…) foi vítima (AVC isquémico) de nada sabiam estas testemunhas, apenas valorizando o contexto sócio-económico da família e que eram do conhecimento dos mesmos, pois tinham sido inclusivamente confrontados com as sérias dificuldades económicas dos AA., prestando, deste modo, depoimento indirecto sobre os factos aqui assinalados sob os nºs 14, 21 e 24.

7. De acordo com a adesão nº … respeitante a Apólice nº … a mesma considera-se una, correspondendo ao mesmo contrato de empréstimo e equivalendo os AA., a “pessoa segura principal” e “pessoa segura relacionada”, casados entre si, e com interesse comum, sendo como tal, a conta bancária aí identificada titulada por ambos AA, tal como confessaram os mesmos e o Tribunal a quo considerou provada, declaração que não pode ser ignorada ou invocada o seu desconhecimento quanto à (ir)regularidade de saldo ou provisão pelos mesmos, já que era dessa mesma conta que se debitavam os prémios de seguro, constituindo um “lugar comum” actualmente o acesso facilitado aos seus titulares, a informação detalhada, nomeadamente por uma qualquer consulta junto de uma estação ATM – vulgo, “multibanco” e / ou extracto bancário.

8.Com todo o respeito, não se admite a decisão do Tribunal a quo ao considerar provado que só posteriormente ao fatídico episódio de doença acometida ao A. … , ambos tivessem conhecimento de que o seguro estava anulado por falta de pagamento do prémio por falta de provisão na respectiva conta bancária, para fazer face às obrigações contratuais, pois bastaria conferir os necessários débitos mensais, mediante consulta do extracto bancário.

9.Não pode a ora Recorrente aceitar que os AA., sendo ambos titulares da conta bancária através da qual, por débito directo, eram pagos os prémios de seguro mensalmente, aleguem o desconhecimento da anulação da apólice, pois de antemão também sabiam que não tinham provisão na referida conta para o efeito, sendo bastante e suficiente o depoimento das testemunhas acima identificadas para o Tribunal ad quem considerar que os AA bem sabiam da falta de provisão bancária, tendo inclusivamente recorrido aos seu familiares mais próximos para empréstimo de dinheiro para fazer face as suas obrigações. O A. marido era empresário, sendo exigível, pela sua actividade profissional, o controlo eficaz das contas bancárias.

10.Esta situação de incumprimento prolongou-se durante dois anos! E assim seria, ad eternum, não fora o A. marido sofrido o AVC isquémico em 2008!
Não foram dois dias ou dois meses – esta situação verificou-se durante dois anos !!, sendo absolutamente improvável e inaceitável que durante 24 meses consecutivos – quer o A. marido, quer a A. esposa, desconhecessem que o saldo da sua conta bancária não tinha provisão - mês após mês – para pagamento quer da prestação mensal do mútuo quer do seguro ao mesmo subjacente. Afinal, tratava-se de habitação da família!

11. De igual modo sabiam e não podiam desconhecer que a referida conta não tinha o saldo necessário para fazer face ao cumprimento do contrato de seguro assim como do contrato de mútuo celebrado com a co-R., (…), uma vez que foram devidamente alertados para o efeito, como bem referiram as testemunhas (…), regularmente a conta bancária em causa, de ambos AA, enfrentava problemas de provisionamento, havendo prestações do contrato mútuo em atraso, tal como no pagamento do prémio de seguro, constituindo uma obrigação da entidade bancária, na falta de provisionamento das respectivas contas, avisar pelo meio mais expedito os seus titulares com vista a regularização rápida, o que foi feito, quer por carta quer por diversos telefonemas.

12. Também constataram, no processo físico existente na (…), as cartas remetidas pela ora recorrente avisando da falta de pagamento do prémio de seguro e das suas consequências, quer dirigidas aos AA. quer dirigidas à entidade bancária, explicando ainda qual o modo de pagamento - débito bancário da mesma conta, sendo debitadas as prestações do mútuo e o prémio de seguro mensal, ainda que em momentos distintos. Quanto ao acesso à informação do estado em que se encontrava a sua conta bancária, explicaram ainda que através de um extracto mensal dirigido aos Clientes e/ou por consulta à própria caderneta, de posse dos AA. para consulta de saldos/movimentos, ficariam sempre e a qualquer momento com disponibilidade dessa informação.

13.Peremptoriamente relataram as testemunhas (…) que, no caso presente, obedecendo aos procedimentos há muito instituídos pela (…)., por diversas vezes foram efectuados telefonemas a alertar para o incumprimento verificado na referida conta bancária, decorrendo do próprio contrato, a obrigatoriedade de os AA. manterem a conta provisionada, sob pena de agravamento do próprio spread do contrato mútuo, o que não acontecia, estando em atraso o próprio empréstimo e o prémio de seguro, e clarificaram ainda de forma assertiva os procedimentos a que a co-R, a (…). está obrigada, fazendo o envio de diversos avisos para os Clientes na sequência dos alertas gerados informaticamente, aquando da falta de provisionamento da conta bancária em causa e, não obstante a correspondência, contactam telefonicamente os Clientes, procedimento este que se reitera quanto ao prémio de seguro, após o alerta recebido da seguradora; aliás, procedimento que se repete pela falta de pagamento de prestações do empréstimo, tal como aconteceu com o prémio de seguro.

14.Não obstante, a Instâncias do Sr. Dr. Juiz foi claramente explicado e confirmado que, no caso presente, nos dois anos que antecederam o acidente do A. marido, a conta bancária dos AA. esteve sem provisão, no mínimo 3 a 4 meses para que ocorresse a falta de pagamento do prémio do seguro. Tanto mais que o Tribunal a quo considerou, e bem, que os AA. não pagaram nas datas de vencimento (ou seja, mensalmente) os prémios de seguro da sua apólice entre os meses de novembro de 2005 a fevereiro 2006, por falta de saldo na referida conta, nem tão pouco o fizeram até 28 de outubro de 2008, data do acidente sofrido pelo A. marido – factos nºs 13 e 17 da factualidade provada (págª 4ª e 5ª da sentença).

15.Pelo que, se rejeita o facto de o Tribunal a quo considerar que os AA. apenas tivessem tido conhecimento do incumprimento dos contratos, quer o mútuo (prestações em atraso), quer o de seguro (anulado por falta de pagamento em 2006) somente em 2008 e por virtude do acidente ocorrido com o A. marido nesse ano(!), impondo-se uma alteração na matéria de facto tida por assente, devendo considerarem-se os factos nºs 21 e 24 como não provados, e como provado o facto nº 14, o que se requer.

16.A própria A., (..) reconheceu a anulação do contrato de seguro em 2006 ao subscrever um seguro novo em 2009.

17.Entende a ora recorrente que deve ser dado como provado o facto de o A. marido ter recepcionado e tomado conhecimento da carta registada enviada pela 1ª R. (…) no dia 16.1.2006. (§ 4 págª 7).
Pelo depoimento das testemunhas (…) apenas foi o Tribunal a quo, esclarecido quanto ao contexto sócio-económico da família dos AA., uma vez que partilhavam o seio familiar e sabiam das dificuldades que atravessavam, nomeadamente decorrentes da actividade profissional do A. marido, tendo sido inclusivamente confrontados com pedidos de ajuda financeira pelos mesmos. No depoimento prestado, ambos, revelaram nada saber quanto ao (in)cumprimento das obrigações dos AA perante as co-RR, quer se tratasse do contrato mútuo quer se tratasse do contrato de seguro subjacente aquele, apenas referindo o que lhes tinha sido dito ou não dito pelos AA. E, ainda menos sabiam o que se passara nos dois anos prévios ao acidente de que o A. (…) foi vítima (AVC isquémico).
Estamos perante depoimento indirecto de factos que só os próprios AA podiam conhecer e confessar – artº 454º, nº 1 do C.P.C.

18.Atenta a factualidade dada como provada, nomeadamente sob os nºs 15 e 16 (págª 4ª e 5ª) e “conclusões” da págª 11ª da sentença, o Tribunal a quo, considerou e muito bem, o envio de carta registada aos AA., com data de 16.01.2006, avisando que, por falta de provisionamento da respectiva conta bancária não tinha sido possível efectuar a cobrança dos prémios de seguro da apólice subjacente ao contrato mútuo. Tal carta, em suma, foi dada a possibilidade aos AA. de optarem por uma outra forma de pagamento, em alternativa, mediante cheque ou vale postal.
Alertava ainda os AA para as consequências inerentes a falta do pagamento do prémio, culminando na anulação do respectivo contrato, indicando a data para o devido efeito, concedendo ainda o prazo para a regularização, caso assim optassem, concluindo que, atento o interesse da entidade bancária no contrato, a mesma seria informada daquela carta enviada aos AA., o que aconteceu em 16.02.2006 (facto nº 16).

19.A testemunha (…) confirmou os procedimentos instituídos, nomeadamente as tentativas prévias de boa cobrança por débito na conta indicada pelas pessoas seguras na respectiva adesão (três tentativas), e só depois de infrutífero resultado, o envio da correspondência de 16.01.2006 dirigida aos AA., por carta registada (registo simples) avisando que os débitos tinham sido interrompidos em 2005 por falta de provisão na conta bancaria indicada, com vista a necessária regularização. Tal comunicação é dada a conhecer à entidade bancária considerando-se também esta avisada, atenta a sua qualidade, com vista à sua eventual substituição ou regularização ou não dos prémios que entretanto não foram pagos pelos aderentes da apólice de seguro, o que aconteceu em 16.02.2006.

20.A carta dirigida aos AA. foi remetida por correio registado – registo simples, não tendo merecido rejeição ou devolução quer por parte dos serviços Correios quer por parte dos próprios visados - os AA. Sob esta mesma questão do envio da correspondência adequada, depôs a testemunha (…), o qual, resumidamente, confirmou perante o Tribunal a quo o envio e o modo de envio da correspondência de 16.01.2006 e 16.02.2006, aos AA. e à co-R. (…)., não tendo sido devolvida pelos Correios ou tido conhecimento de qualquer rejeição pelos destinatários respectivos. Foram assim confirmados o envio das cartas endereçadas pela ora recorrente, formalismo ao qual estava obrigada de acordo com as condições gerais e especiais da Apólice.

21.Entende a ora recorrente que o Tribunal ad quem terá forçosamente de considerar provado a recepção na devida caixa de correio e sem que merecesse qualquer devolução, observação ou objecção por parte dos serviços dos Correios ou dos destinatários, a correspondência endereçada pela seguradora em 16.01.2006, por corresponder esta à verdade, impondo-se a necessária alteração à matéria de facto elencada na D. sentença proferida.
22.Em face ao disposto no artº 662º do C.P.C., requer a ora recorrente a alteração da matéria de facto nos termos acabados de expor, como se conclui:

- quanto aos factos nº 21 e 24 dos factos tidos por provados da fundamentação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, devem os mesmos dar-se como não provados; e,
- quanto ao facto nº 14, deve dar-se como provado, impondo-se a necessária alteração para
a (…) S.A. informou os AA da inexistência de saldo na referida conta naquele período (novembro de 2005 a Fevereiro de 2006) para o pagamento do valor dos referidos prémios de seguro”,
uma vez que os AA., ambos detentores e titulares da conta bancária na co-R. (…)., há muito sabiam da falta de provisão da mesma, tendo sido alertados devidamente pela respectiva entidade bancária.
- já quanto ao facto constante da matéria considerada não provada (parágrafo 4º, págª 7ª) deverá dar-se como provado que:
os AA receberam a carta remetida pela seguradora (…) em 16.01.2006, tomando conhecimento do respectivo conteúdo.”

É o que se requer nos termos do artº 662º do C.P.C.

23.O recurso quanto à matéria de direito:

A proceder o que se defende nas conclusões acima elencadas, a ora Recorrente – manifestamente – terá de ser absolvida do pedido; forçosamente, terá o contrato de seguro considerar-se nulo e de nenhum efeito desde 15.02.2006, por falta de pagamento, cessando a sua vigência e consequentemente, a inoperância de quaisquer garantias contratuais.

24.Importa referir que o contrato de seguro é a convenção por virtude da qual uma das partes (segurador) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (segurado) a assumir um risco ou conjunto de riscos e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização ou um montante previamente estipulado.
Ao segurado exige-se-lhe, no mínimo, que cumpra a obrigação que lhe está imputada – o pagamento do prémio, nos termos definidos pela respectiva apólice e à seguradora incumbirá o dever de satisfazer os compromissos tipificados no mesmo contrato.
É um contrato sinalagmático, impondo-se para ambas as partes deveres e obrigações reciprocas.
A provarem-se e a não se provarem os factos acima referidos, nos termos expostos, a acção tem de ser julgada improcedente, atento o disposto no artº 397º do Códº Civil, que assim se mostra violado, pois a ora recorrente cumpriu a obrigação a que se encontra vinculada.

25.Foi considerado provado na D. sentença proferida pelo Tribunal a quo, o não pagamento dos prémios por parte dos AA. (segurados) à sua seguradora, de forma reiterada, não obstante terem sido contactados pela entidade bancária alertando-os da situação de falta de provisionamento da respectiva conta e do incumprimento das prestações do contrato de mútuo, bem como, do prémio de seguro, culminando na anulação do contrato por falta de pagamento em 15.02.2006. A Recorrente informou os AA. das tentativas de boa cobrança dos prémios de seguro em falta junto da instituição bancária, das modalidades alternativas possíveis para efectivarem o pagamento dos prémios em atraso com vista à regularização e, obviamente, nas consequências da falta desse pagamento, sendo que, a manter-se o mesmo (falta de pagamento) o respectivo contrato iria anular em 15.02.2006, como o foi.
Por outro lado, a (…) encetou todos os procedimentos instituídos, nomeadamente por contacto telefónico para alertar os AA..

26.De acordo com o artº 6º, nº 4 das Condições Gerais da Apólice, a Seguradora estava obrigada ao envio de carta registada ao Segurado, entenda-se, pessoa segura principal, para proceder ao pagamento no prazo concedido na mesma. Findo esse prazo, o contrato cessa sem que o segurado tenha direito a qualquer reembolso, por falta de pagamento dos prémios, de acordo com o artº 5º, nº 3 das condições especiais da apólice.

27.Foi considerado provado que a (…). comunicou e esclareceu os AA. no momento de subscrição do seguro, das clausulas do contrato de seguro e relativas as consequências do não pagamento do prémio ou outras, não se aceitando a alegação de que os AA desconheciam os efeitos do não pagamento do prémio do seguro. A este propósito “os AA. alegam que não foram interpelados para pagamento de prémios em atraso” (…). (sublinhado nosso).

28.No texto Jurisprudencial recente, pronunciou-se o Tribunal de Relação do Porto em Acórdão de 23.11.2017, referindo que a norma não consagra qualquer requisito específico sobre a modalidade de envio postal, sendo que a ora recorrente cumpriu cabalmente as obrigações a que estava vinculada, não lhe sendo exigível qualquer outro formalismo que não fosse o envio de carta registada, pois assim estipulava o contrato, liberdade consagrada nos termos do artº 405º do Códº Civil.

29.Basta, para exercício do seu direito, somente alegar, tout cour?
Defende a ora recorrente a posição de que não é razoável nem admissível que, ao fim de dois anos sem cumprir as suas obrigações (pois não pagaram o prémio respectivo), os AA. invoquem e exijam uma contra-prestação à sua seguradora, da qual não ignoram não ter direito, ao não terem pago nem cumprido com a sua obrigação?!

30.Perante a inércia e incúria dos AA, ficam os contratos ad eternum sem o cumprimento das suas obrigações?
E, para tanto, reitera-se, basta alegar?
Nenhuma prova foi feita em sede de audiência de julgamento quanto ao recebimento ou não da correspondência de 16.01.2006, pois os AA., de viva voz e em Juízo, não declararam ter recebido ou não a carta enviada pela seguradora, sendo estes os únicos que o poderiam ter confessado, tratando-se de facto do seu único e exclusivo conhecimento, na qualidade de receptores / destinatários da correspondência, pelo que só estes poderiam confessar, nos termos do artº 454º, nº 1 do CPC, o que não aconteceu.

31.Reitera-se que do depoimento gravado das testemunhas (…), estes apenas ouviram dizer – ou seja, foi-lhes dito – e assim os mesmos reproduziram em audiência o que lhes tinha sido dito, não tendo estes conhecimentos directo dos factos, como acima se disse.
Dos diversos depoimentos ouvidos e gravados, percebeu-se que se tratava de uma situação reiterada e que se manteve ao longo de vários meses, tendo o A. marido recorrido a ajuda financeira de familiares mais próximos, atenta a situação da sua actividade profissional. E necessitando dessa ajuda, não ignorava que não tinha provisionamento na conta bancária, estando em incumprimento para as demais obrigações a que estava vinculado.
Alegar o desconhecimento, como alegou, estará naturalmente a actuar em abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”.

32.E invocar a falta de interpelação, não corresponde à verdade, como vimos.
A carta registada remetida pela seguradora, ora Recorrente tornou-se eficaz assim chegou ao destinatário (não foi rejeitada, nem devolvida, como já se provou), ignorando a ora Recorrente se por culpa dos próprios AA não a receberam, não sendo necessário o seu assentimento, nos termos do artº 224º, nº 1 e 2 e artº 436º do Códº Civil.

33.Com o devido respeito, a D. sentença proferida pelo Tribunal a quo não fez a correcta análise da matéria de facto provada e do direito aplicável, pois o direito de que os AA. se arrogam não existe, seja porque o contrato de seguro já se encontrava anulado por falta de pagamento há mais de 2 anos à data do acidente acometido ao A. António em 2008, seja por constituir um flagrante e inaceitável abuso de direito, nos termos do artº 334º do Códº Civil.

34.No caso, a verdade material sobrepor-se-á à verdade formal, princípio que se invoca.
Pela atitude e comportamento absolutamente contraditórios, os AA. excederam manifestamente os limites impostos pela boa-fé, invocando e exercendo um direito, o qual sabem não lhes ser legítimo, por violação das suas obrigações contratuais.
Pela incúria ou indisponibilidade financeira que se prolongou durante dois anos, não será a ora Recorrente responsável, nem forçada ao “efeito repristinatório” dos contratos que os AA. invocam e accionar a(s) garantia(s) contratual(is) por virtude de doença do A. marido. É, por isso, manifesta a violação dos limites impostos pela boa fé, nos termos do artº 334º do Códº Civil.

35. Poder-se-á admitir a posição dos AA., em total incumprimento reiterado das suas obrigações contratuais, virem reclamar em juízo o exercício de um direito, excedendo os limites impostos pela boa-fé, pois não ignora o seu incumprimento?
Naturalmente que não.

Assim,
36.apelando à justiça do caso concreto, entende a ora Recorrente que o contrato subjacente aos presentes autos deve ser considerado nulo e de nenhum efeito desde 15.02.2006, por falta de pagamento das correspondentes adesões, tendo cessado nessa mesma data, impondo-se a revogação da D. sentença proferida pelo Tribunal a quo, impondo-se a revogação da D. sentença proferida e a necessária absolvição da seguradora, ora Recorrente.

Os AA. contra-alegaram, tendo formulado as seguintes conclusões:

I – QUANTO À MATÉRIA DE FACTO IMPUGNADA

A. O Tribunal a quo, quanto à apreciação da matéria de facto, esteve irrepreensível. A prova testemunhal foi globalmente analisada e corroborada por outros elementos probatórios, quer periciais, quer documentais.
B. A Recorrente pretende infirmar a decisão recorrida estribada tão-só na apreciação parcelar e fragmentada da prova testemunhal, com o fito de lhe atribuir um sentido e alcance que não têm, e ainda sem qualquer consideração para com os demais meios probatórios.
C. A Recorrente não procedeu à explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios, integralmente apreciados, ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, e com base (só) neles apontar eventuais erros de julgamento.

Quanto aos factos provados n.º 14, 21 e 24

- Facto provado n.º 14

D. Resulta do depoimento da testemunha … que a (…), S.A. teve, apenas, em atenção a recuperação e regularização do crédito à habitação, o qual havia sido incumprido pelos Recorridos.
E. Quanto aos prémios de seguro, em ponto algum do depoimento da referida testemunha é mencionado que a (…) S.A. transmitiu aos Recorridos a falta de pagamento dos prémios de seguro. Bem pelo contrário. A verdade é que a (…), S.A. sempre se mostrou absolutamente indiferente relativamente ao pagamento dos prémios de seguro. Prova disso é o depoimento da testemunha (…), que descreve o modus operandi daquela instituição de crédito, no caso de incumprimento do crédito à habitação com seguro de vida associado e quando as prestações mensais daquele crédito são debitadas na mesma conta bancária do prémio de seguro.
F. Segundo esta testemunha (depoimento gravado da testemunha (…), em instâncias do Mmo. Dr. Juiz entre os 20.30 min. aos 23.00 min.), o banco absorve todos os montantes depositados naquela conta bancária até à regularização integral do crédito, sem qualquer preocupação com os prémios de seguro. Perante este procedimento, e atendendo às dificuldades económicas sentidas pelos Recorridos naquela altura, circunstância conhecida pela (…), não se poderá concluir outra coisa senão a displicência e desprezo deste banco em relação ao pagamento dos prémios de seguro.
G. Sem recurso a outro meio probatório, designadamente documental, como carta registada com Aviso de Receção, não se pode concluir que a (…) informou os AA., ora Recorridos, da insuficiência de saldo na conta para pagamento do prémio de seguro e quais as suas consequências.

- Facto provados n.º 21 e 24

H. Não há qualquer elemento probatório que indique que os Recorridos tiveram conhecimento do “cancelamento” do contrato de seguro em momento anterior.
I. É facto incontroverso que os Recorridos só tiveram conhecimento do “cancelamento” do contrato de seguro com a participação do sinistro, em novembro de 2008.
J. As Rés, em momento algum, alegaram que os AA. tiveram conhecimento do mencionado “cancelamento” em momento anterior (em 2006 – cfr. conclusão 15 do Recurso apresentado), por conseguinte, não integrou o objeto do julgamento, não podendo, irremediavelmente, ser considerado no presente Recurso.
K. O contrato de seguro foi exigido pela Ré (…) S.A. como condição necessária para a concessão de crédito.
L. Foi a (…) S.A. quem mediou a celebração desse contrato de seguro.
M. No momento do incumprimento do contrato de empréstimo, a (…) S.A. promoveu a regularização do mesmo.
N. Os Recorridos são cidadãos com habilitações básicas.
O. Atendendo às regras de experiência comum, e às circunstâncias do presente caso, o razoável é concluir que no momento da regularização do contrato de crédito, estariam igualmente contemplados os prémios de seguro, porquanto, os recorridos julgaram sempre que o contrato de empréstimo e o contrato de seguro associado, integrariam um só contrato e uma só prestação.
P. Sempre assim foi até novembro de 2008, quando a Recorrente mulher se dirigiu a (…), S.A. para comunicar o sinistro.
Q. Não se vislumbra qualquer erro de julgamento relativo aos factos provados n.º 14, 21 e 24, que justifique a sua alteração. Bem pelo contrário, a convicção do Tribunal a quo, assenta num raciocínio lógico com pleno respeito pelas regras de experiência comum.

Entende a Recorrente que deveria ser dado como provado que:

“O A. Marido tenha rececionado e tomado conhecimento da carta registada enviada pela 1ª Ré (…) no dia 16.1.2006”.
R. As interpelações admonitórias têm como desiderato a constituição do devedor em mora ou converter a mora em cumprimento definitivo, e consequentemente fundamente uma eventual resolução contratual.
S. Ambas são declarações receptícias.
T. Nas declarações receptícias, os seus efeitos só se produzem com a recepção, pelos destinatários, das mesmas, cabendo à parte a quem aproveita tal facto de o alegar e provar – a Recorrente.
U. A Recorrente não provou a recepção de qualquer interpelação e subsequente resolução contratual.
V. Esta juntou, apenas, cópia das cartas sem que tivesse produzido qualquer outra prova complementar, nomeadamente a apresentação dos respetivos talões de registo e os avisos de receção, uma vez que só estes meios seriam admissíveis e idóneos para demonstrar a receção das mesmas.
W. Posto isto, não poderia o Tribunal a quo decidir com justiça de outra forma, devendo manter-se como não provado o facto de o A. marido não ter recepcionado qualquer interpelação endereçada pela Recorrente, em 16/1/2006.

II – RECURSO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO

X. No caso sub judice está em causa um contrato de seguro de grupo do ramo vida, no qual a Recorrente figura como seguradora, a interveniente (…), S.A., como tomador do seguro e os Recorridos, como segurados.
Y. Nestes tipos de contrato, associados a um crédito à habitação, a interpelação admonitória, assume um papel relevante para efeitos do Decreto-lei n.º 142/00, de 15 de julho.
Z. No âmbito do predito diploma legal, a falta de pagamento do prémio do seguro de vida não resolve automaticamente o contrato em causa. Ao contrário de outros seguros, este – seguro de vida – não se encontra sujeito ao regime do Decreto-Lei n.º 142/00 de 15 de Julho, nos termos do seu artigo 1º, n.ºs 1 e 2, devendo a resolução do mesmo operar de acordo com o regime geral, previsto no Código Civil.
AA. Curiosamente, o seguro de vida, pelo interesse que encerra, assume tal relevância jurídico-económica, que o legislador o excecionou do regime especial de resolução automática, coincidindo com o regime geral.
BB. Assim, o substrato axiológico supedâneo ao regime de não cumprimento está o princípio da prioridade do cumprimento sobre a resolução do contrato.
CC. Significa que, constituindo-se o devedor em mora, o credor deverá fixar novo prazo razoável para que aquele possa cumprir, é o chamado sistema de prazo suplementar (Cf. Artigo 808º, n. º1 do CC).
DD. A resolução contratual, quando não convencionada pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal (Cf. artigo 432º, n.º 1, do CC), recaindo sobre a parte que resolve o contrato o ónus de alegar e provar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual.
EE. O fundamento da resolução, como decorre dos artigos 801º, n.º 2, e 802º, n.º 1, do CC, é a impossibilidade de cumprimento da prestação determinativa do incumprimento definitivo.
FF. O incumprimento do contrato pode verificar-se, designadamente, pelo comportamento do devedor que exprima, inequivocamente, a vontade de não querer cumprir o contrato, por não ter sido observado o termo das obrigações de prazo fixo absoluto, por, em caso de mora, o credor perder o interesse que tinha na prestação ou quando esta não for realizada no prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor (Cf. artigo 808º, n.º 1, do CC).
GG. No caso vertente, a Recorrente não concedeu qualquer prazo suplementar para que os Recorridos cumprissem qualquer obrigação e tão pouco resolveu qualquer contrato.
HH. Na senda do predito, quer a interpelação admonitória, quer a resolução contratual são declarações receptícias, cujos efeitos se produzem apenas com o conhecimento pelo destinatário do seu conteúdo.
II. Esse momento, nas declarações receptícias, ocorre logo que o destinatário da declaração tome seu conhecimento ou lhe chegue ao poder, nos termos do artigo 224º, n.º1, 1ª alternativa.
JJ. Neste sentido, e com as devidas adaptações, decidiu o TRG, no processo n.º 213/14.0TBFAF, que “a resolução do contrato de mútuo por parte da exequente, fica dependente da comunicação pelo banco à mutuária, através de carta registada com aviso de receção, produzindo efeitos a partir daquela data”.
KK. No caso em escrutínio ficou cabalmente demonstrado que, a Seguradora, ora Recorrente, não logrou provar a recepção, pelos Recorridos, de qualquer interpelação ou declaração resolutiva.
LL. A tutela dos consumidores é expressamente referenciada tanto no TFUE (artigo 196º do Tratado sobre o funcionamento da UE), como na Carta dos Direitos Fundamentais da UE (artigo 38º CDFUE)..

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a decidir são as seguintes:

. se há contradição entre os factos dados como provados no ponto 13 e os factos dados como provados nos pontos 21 a 24,
.se os factos constantes dos pontos 14, 21 e 24 dados como provados deveriam ter sido dados como não provados;
. se os factos dados como não provados no paragrafo 4º - O A. marido tenha recepcionado e tomado conhecimento da carta registada enviada pela 1ª R. (…) no dia 16.01.2006 - deveriam ter sido dados como provados;
. se a ação deve improceder, ainda que a matéria de facto não seja alterada e se os AA. agem em abuso de direito.

III – Fundamentação

Na primeira instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

1. OS FACTOS PROVADOS

1. Os AA., em 27 de Julho de 1995, celebraram com a 2ª R. (…), S.A., contrato de mútuo com hipoteca para aquisição de habitação, no valor de nove milhões de escudos.
2. Apesar de não ser, à data, obrigatória a subscrição de seguro associado ao referido mútuo, entre os AA. e a 2ª R. (…) S.A. foi acordada a celebração de um contrato de seguro do Ramo Vida.
3. Em 1 de Agosto de 1995, os AA. subscreveram duas propostas de seguro do Ramo Vida perante a 1ª R. (…) – Companhia de Seguros, S.A., mediante a apólice n.º (…), associada ao referido mútuo, em que interveio como tomadora e assumiu a qualidade de beneficiária a 2ª R. (…)., seguro esse sujeito às condições gerais, particulares e especiais constantes dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas.
4. O capital seguro correspondia ao valor da referida quantia mutuada.
5. Os prémios mensais eram pagos, por autorização dos AA., mediante débito directo na conta nº (…) titulada pelos AA.
6. Aquando da adesão dos AA., um colaborador do tomador, (…) S.A., explicou aos AA. as principais cláusulas do referido seguro nomeadamente, entre outras, as relativas aos riscos assegurados, às condições em que se considerava que ocorria uma situação de incapacidade ou de invalidez permanente cobertas pelo seguro, e às consequências da falta de pagamento do prémio.
7. Aos AA. foi entregue toda a documentação relativa ao referido contrato de seguro.
8. O artigo 1º, nº 2, das condições especiais do referido seguro é do seguinte teor:

“GARANTIA
O Segurador garante o pagamento do capital seguro ao Beneficiário designado, quando ocorrer um dos seguintes eventos:
(…)
2. Invalidez Total e Permanente da Pessoa Segura, devido a doença.”
9. O artigo 2º, nº 3, das condições especiais do referido seguro é do seguinte teor:

“DEFINIÇÕES
(…)
3. INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA
A Pessoa Segura é considerada em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de doença susceptível de constatação médica objectiva, fique total e definitivamente incapacitada de exercer qualquer profissão e necessita de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar actos da vida diária.”
10.O art. 5º, nº 3, das condições especiais do referido seguro é do seguinte teor:

“CESSAÇÃO DO CONTRATO
Os efeitos do contrato cessam, sem que o Segurado tenha direito a qualquer reembolso, quando se verificar, pelo menos, uma das seguintes condições:
(…)
3. Por falta de pagamento dos prémios dentro dos prazos previstos no nº 4 do artigo 6º das Condições Gerais´.”
11. O artigo 6º, nº 4, das Condições Gerais do referido seguro é do seguinte teor:

“PRÉMIO
(…)
4. Na falta de pagamento do prémio nos trinta dias seguintes à data do respectivo vencimento, o Segurador avisará o Segurado, por carta registada dirigida ao seu domicílio, para proceder ao pagamento no prazo de oito dias a contar da data do registo desta carta. Decorrido esse prazo, sem que o segurado tenha efectuado o pagamento, o Segurador procederá de acordo com o estabelecido nas Condições Especiais.”
12.O artigo 7º, nº1, das Condições Gerais do referido seguro é do seguinte teor:

“CONDIÇÕES DE EXIGIBILIDADE DAS IMPORTÂNCIAS SEGURAS
1. As importâncias seguras só poderão tornar-se exigíveis após a apresentação dos seguintes documentos:
(…)
RISCO DE INVALIDEZ
- Atestado detalhado, passado por médicos que tratam e ou trataram a Pessoa Segura, indicando as circunstâncias, causas, início, natureza, evolução e provável duração do estado de invalidez.
- Relatório circunstanciado sobre a actividade exercida pela Pessoa Segura na data da ocorrência do estado de invalidez.”
13. Os AA. não pagaram nas respectivas datas de vencimentos os prémios mensais de Novembro de 2005 a Fevereiro de 2006, no valor total de € 71,89, por falta de saldo na referida conta.
14. A (…) S.A. não informou os AA. da inexistência de saldo na referida conta naquele período (Novembro de 2005 a Fevereiro de 2006) para o pagamento do valor dos referidos prémios de seguro.
15. Em consequência da falta de pagamento dos referidos prémios, a 1ª R. (…) enviou ao A. marido, (…) carta registada, datada de 16.1.2006, no essencial, com o seguinte teor:
“(…)
Lisboa, 16.1.2006
(…)
(…)
Beneficiário Interventor: (…)
Valor em dívida: € 54,19 Data da anulação: 15.2.2006
(…)
Assunto: FALTA DE PAGAMENTO DOS PRÉMIOS – Anulação da Adesão
Informamos V. Exa. que não conseguimos concretizar a cobrança dos recibos de prémio em dívida relativos à sua adesão à apólice indicada, pelo que solicitamos o provisionamento da sua conta bancária ou, em alternativa, o envio de cheque ou vale postal (…)
Nos termos das condições da apólice, procederemos à anulação da sua adesão, na data acima indicada se, no prazo de 30 dias a contar da presente, os recibos de prémios em dívida não tiverem sido pagos.
Dado o seu interesse no contrato, informaremos também o Beneficiário interventor acima indicado.
(…)”
16. Após, a 1ª R. (…) enviou à 2ª R., (…) S.A., carta datada de 16.2.2006, no essencial, com o seguinte teor:
“ (…)
À:
(…)
CENTRO DE DECISÃO PÓVOA DE LANHOSO
Lisboa, 16.2.2006
Informamos que resultaram infrutíferas todas as diligências realizadas com vista à cobrança dos prémios em dívida, relativos às Apólices e Pessoas Seguras abaixo indicadas, nas quais V. Exa. tem interesse como Beneficiário Interventor.
Nos termos das condições da Apólice, procederemos à ANULAÇÃO, das adesões na(s) data(s) abaixo indicada(s) se, no prazo de 15 dias a contar da presente, os recibos de prémio em dívida não tiverem sido pagos.
(…)
Data da anulação – Valor em dívida
15/02/2006 € 71.89
(…)”
17. Os AA. até ao dia 27 de Outubro de 2008 não pagaram quaisquer outros prémios de seguro relativos ao referido contrato.
18. No dia 27 de Outubro de 2008, o A. (…) sofreu um AVC isquémico de que resultou, no essencial, plegia espástica do membro superior direito e hemiparesia espástica do membro inferior direito, com situação clínica estabilizada desde 20.4.2010, que lhe determinou uma Incapacidade Permanente Parcial de 75% e uma incapacidade absoluta para toda e qualquer profissão, necessitando do apoio permanente de terceira pessoa nas actividades da vida diária.
19. Após a referida estabilização clínica, o A. apresentou-se, a 15.7.2010, a junta médica (ARS Norte) que lhe atribuiu, mediante “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso”, uma “incapacidade permanente global” de 77%.
20. Em consequência do referido evento, a A. (…9, em Novembro de 2008, dirigiu-se à agência da 2ª R., (…), na Póvoa de Lanhoso, a fim de lhe comunicar tal ocorrência.
21. Foi-lhe, nessa altura, comunicado que o referido seguro de vida já não estava em vigor por falta de pagamento de prémios de seguro e que teria que continuar a pagar as prestações do respectivo mútuo.
22. Foi-lhe, nessa altura, também sugerida a subscrição em nome dela de nova apólice de seguro, junto da 2ª R.
23. A 25 de Fevereiro de 2009, a nova proposta apresentada pela A. mulher foi aceite pela 1ª R. Seguradora (…) após o pagamento, a 2.1.2009, da supra referida quantia de € 71,89, correspondente, na tese da 1ª R. (…), aos prémios em atraso de Novembro de 2005 a Fevereiro de 2006 devidos até essa data de Fevereiro de 2006, e ainda na tese da 1ª R. Seguradora ..., da “anulação” da supra mencionada apólice.
24. Os AA. só tomaram conhecimento da cessação do referido contrato de seguro, quando a A. (…) se deslocou à (…) para comunicar o sinistro na data referida supra (Novembro de 2008).
25. Os AA. não comunicaram à 1ª R. (…) a ocorrência do AVC isquémico referido supra.
26. O A. marido, depois da data em que sofreu o referido AVC, continuou sem pagar qualquer outro prémio relativo ao referido contrato de seguro, com excepção da parte que lhe dizia respeito no valor pago pela A. mulher à 1ª R. Seguradora ... no supra referido montante de € 71,89.
27. Os AA. continuaram a pagar as mensalidades relativas aos referido mútuo bancário à 2ª R., (…) S.A., não se tendo apurado o montante pago a esse título desde a data do AVC sofrido pelo A. marido até ao dia de hoje.

2. OS FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram os demais factos alegados nos articulados, que estejam em contradição ou em oposição com os referidos supra, para além dos que são totalmente irrelevantes, destacando-se, entre outros, os seguintes:

- Os AA. estivessem convencidos até à data em que ocorreu o AVC de que os prémios estavam a ser pagos por débito directo na conta indicada.
-O valor das prestações mensais pagas pelos AA. à (…)., em cumprimento do contato de mútuo, desde a data do AVC que o A. marido sofreu até à data de hoje.
-A (…) S.A., como tomadora, não tivesse informado e esclarecido os AA. do conteúdo das cláusulas do contrato de seguro relativas às consequências do não pagamento do prémio ou outras.
-O A. marido tenha recepcionado e tomado conhecimento da carta registada enviada pela 1ª R. (..) no dia 16.1.2006.
-A 1ª R. (…) tenha enviado à A. mulher idêntica carta à que enviou ao A. marido.
- A A. mulher quando celebrou o segundo contrato de seguro - e ao pagar a quantia de € 71,89 - estivesse convencida de que estaria a produzir qualquer efeito contratual (relativamente ao originário contrato de seguro ou a um novo contrato de seguro) em relação ao A. (…) e que a tomadora, (..)S.A., tivesse sequer tentado convencê-la disso.

Da impugnação da matéria de facto

A Relação pode alterar a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa (artº 662º, nº 1 do CPC).

A apelante deu de modo satisfatório cumprimento ao disposto no artº 640º do CPC.

Começa a apelante por referir que há contradição entre os factos dados como provados no ponto 13 - os AA. não pagaram nas respectivas datas de vencimentos os prémios mensais de Novembro de 2005 a fevereiro de 2006, no valor total de 71,89 por falta de saldo na referida conta- e os factos dados como provados nos pontos 21 a 24, nos quais foi dado como provado que em novembro de 2008, foi comunicado à A. que o seguro de vida já não estava em vigor e que teria de continuar a pagar as prestações do respectivo mútuo, tendo sido só nessa data que os AA. tomaram conhecimento da cessação do contrato.

Ora, não se vislumbra a invocada contradição. Embora os pagamentos tivessem cessado, não significa como consequência directa, que as partes tivessem tido conhecimento da cessação do contrato, por resolução. Uma situação é a falta do pagamento pontual dos prémios, outra diferente, é a comunicação pela entidade seguradora da intenção de fazer cessar o contrato, se os prémios se mantiverem por pagar.

Vejamos de seguida, a pretendida alteração da matéria de facto:

A apelante alicerça a sua pretensão de alteração da matéria de facto no depoimento de (…) ou seja, no depoimento de todas as testemunhas que prestaram depoimento na audiência final. Alega que as testemunhas (…) nada sabiam sobre a receção ou não receção da carta contendo a interpelação admonitória, apenas tendo conhecimento das dificuldades económicas que os AA. atravessavam.

Diz a apelante que tem dificuldade em aceitar que os AA. não soubessem que o contrato de seguro tivesse sido resolvido, porquanto sabiam que não o estavam a pagar.

Procedemos à audição integral da prova produzida.

Prestaram depoimento:

(…) – cunhada da A., e que acompanhou a A. numa deslocação à Caixa ..., na qual ela pretendeu participar o sinistro, de modo a não ter de continuar a suportar as prestações do crédito, em consequência da incapacidade que afectou o A. e que tem conhecimento das dificuldades económicas que os AA. atravessavam;
(…) – cunhado da A. e irmão do A., que conhece as dificuldades económicas que os AA. Atravessavam, por falta de trabalho do A. que era o principal suporte do agregado familiar e que chegou a prestar-lhes auxílio económico.
(…), trabalhador da (…) que informou a A. que o seguro de vida tinha sido anulado por falta de pagamento, sugerindo-lhe que fizesse um novo para a eventualidade de lhe sobrevir uma incapacidade como aconteceu com o A.. Por força do exercício das suas funções, conhecia que os AA. não tiveram provisão suficiente na conta de que eram titulares na (..), tendo deixado de pagar as prestações do crédito e o prémio do seguro. Sabia que o contrato de seguro tinha cessado por falta de pagamento pela correspondência enviada pela (…) onde tal era comunicado à (…), tomadora e beneficiária do contrato.
(..) - trabalhador da (…), que tem conhecimento de alguns factos por ter consultado o histórico do processo e por lhe ter sido transmitido na ocasião por um colega e que depôs no mesmo sentido da testemunha (…).
(…) – trabalhador da R. (…) que trabalha no Ramo Vida e que explicou qual o procedimento habitual que a R. segue quando os prémios não são pagos e que declarou que o contrato de seguro foi considerado “anulado” em 16/02/2016.
(…) - trabalhador da R. (…) que declarou que não foi participado à R. qualquer sinistro relativamente às apólices em causa e referiu que não foi devolvida à R. a carta remetida à pessoa segura principal, interpelando-o para pagar, sob pena de resolução, tendo confirmado o doc. nº 1 junto com a contestação – carta da R. (…), dirigida ao A., datada de 16.01.2006, a comunicar a anulação da adesão, em 15.02.2006, no prazo de 30 dias a contar da data da carta, se até essa data os prémios em dívida não tivessem sido pagos.

Na análise da prova, seja na 1ª, seja na 2ª instância, a qual está dotada de verdadeiros poderes de reanálise da matéria de facto, devendo criar a sua própria convicção, há que ter presente que para a prova de um facto não se exige a certeza inelutável de que o mesmo se verificou. Se a certeza absoluta fosse exigida, muitas das vezes, os tribunais acabariam por não fazer justiça. Só no caso do julgador, depois de conjugar toda a prova que foi produzida e independentemente da parte que a produziu e de a valorar à luz das regras da experiência e da lógica, não conseguir superar a dúvida sobre a verificação de um determinado facto, é que deverá considerar tal facto como não verificado.

Os factos impugnados pela apelante são os factos constantes dos pontos 14, 21 e 24 dos factos provados e o parágrafo 4º dos factos não provado.

Pontos 14 e 21, cuja redacção é a seguinte:

14. A (…) S.A. não informou os AA. da inexistência de saldo na referida conta naquele período (Novembro de 2005 a Fevereiro de 2006) para o pagamento do valor dos referidos prémios de seguro.
21. Foi-lhe, nessa altura, comunicado que o referido seguro de vida já não estava em vigor por falta de pagamento de prémios de seguro e que teria que continuar a pagar as prestações do respectivo mútuo.

Face à prova produzida constatou-se que a A. compareceu na (…) com a intenção de ver accionada a garantia de invalidez total e definitiva face à incapacidade que afectou o A.. E é nessa altura que lhe é comunicado pela testemunha (…) que a apólice tinha sido anulada, por falta de pagamento dos prémios. Nenhuma prova foi produzida que pusesse em causa as declarações da testemunha (…) que acompanhou a A., tendo a sua versão dos factos sido corroborada pela testemunha (…) que confirmou a presença da A. nas instalações da (…) e que declarou ter na ocasião informado à A. que o contrato de seguro já não se encontrava em vigor, pelo que se mantém inalterado o ponto 14 dos factos provados.

Igualmente nenhuma prova foi produzida no sentido de que os apelados tinham sido informados da falta de cobertura da conta para pagamento do prémio do seguro. A testemunha (…) referiu contactos com os AA., mas foi para outros fins: obter a declaração de rendimentos dos AA. para efeitos fiscais, documento que era exigido aos mutuários que beneficiavam, como os AA., de crédito bonificado, pelo que se mantém inalterado o ponto 21.

Relativamente ao ponto 24 e parágrafo 4ª dos factos não provados, cuja redacção é a seguinte:

24. Os AA. só tomaram conhecimento da cessação do referido contrato de seguro, quando a A.(…) se deslocou à (…) para comunicar o sinistro na data referida supra (Novembro de 2008).
Parágrafo 4º dos factos não provados: o A. marido tenha recepcionado e tomado conhecimento da carta registada enviada pela 1ª R. Seguradora ... no dia 16.01.2006.

O Mmo Juiz a quo não deu como provado que a carta de 16 de Janeiro de 2016 foi recebida pelos AA.. Consignou a seguinte motivação: “a carta de interpelação registada foi enviada pela 1ª R. seguradora ao A. marido mas nenhuma prova consistente se fez que ela chegou ao seu destinatário, não sendo manifestamente suficiente – na ausência de aviso de recepção devidamente assinado – o depoimento das testemunhas que afirmam ser esse o procedimento da seguradora ou que é isso que se fez noutros casos”.

O Mmo Juiz a quo entendeu que não foi feita prova de que a carta foi recepcionada, por não ser suficiente os depoimentos prestados pelos trabalhadores da Ré (…) na ausência de um aviso de receção devidamente assinado.

Não entendemos que só a junção de um aviso de recepção devidamente assinado, possa provar a recepção de uma carta, nem a lei o exige, como se verifica da disciplina consagrada no artº 224º, nºs 1 e 2 do CC, nem do artº 33º do Decreto de 21.10.1907 que versa sobre a falta de pagamento dos prémios de seguro do ramo Vida, como melhor se explicitará infra. Teria sido mais cauteloso, por parte da 1ª R., tendo em conta que pretendia a resolução do contrato, ter enviado carta registada com aviso de receção, mas a lei não o impõe, pelo que não pode o tribunal exigir o aviso de receção para dar como provado tais factos.

A receção poderá ser provada por outros meios de prova, designadamente por testemunhas ou até por recurso a presunções judiciais.

As testemunhas ouvidas em audiência não sabiam se a carta tinha sido ou não recebida pelos AA. As testemunhas arroladas pelos AA., sabiam apenas o que a A. lhes tinha contado e as testemunhas da 1ª R. conheciam apenas o procedimento que tinha tido lugar e o que geralmente é desenvolvido.

Deveria o tribunal a quo mediante o recurso a presunções judiciais dar como provado que, pelo menos, o A. marido, recebeu a carta que lhe foi remetida pela 1ª R.?

Presunções são as ilações, em matéria de facto, que o julgador retira dos factos provados, com recurso às regras e da lógica e do normal acontecer (artº 349º do CC).

A prova por presunção foi consagrada pelo legislador por se tornar imperioso um esforço lógico, jurídico e intelectual, reflectindo sobre facto ou factos indiciários, para alcançar a realidade de um outro, em ligação próxima, não distante, sob pena de se cair na impunidade.

No caso, o tribunal a quo apenas deu como provado no ponto 15 que, em consequência da falta de pagamento dos prémios, a 1ª R. (…) enviou ao A. marido, (…), carta registada datada de 16.01.2006, advertindo-o que não conseguira obter pagamento e que se o pagamento da quantia de 54,19 não fosse efectuado até 15 de Fevereiro de 2006, procederia nessa data à anulação do seguro.

Nada mais foi dado como provado, nomeadamente, que a carta não foi devolvida, o que nenhuma das RR. alegou, embora tal tivesse sido referido pela testemunha (…).

A carta remetida pela 1ª R., datada de 16.01.2016, foi enviada para Lugar (…), ….

A morada que consta na proposta de adesão é a seguinte: (..), …, localidade de …, concelho de Póvoa do Lanhoso.

Comparando a morada constante da proposta de adesão com a morada constante da carta remetida ao A. constata-se que na proposta não consta qualquer número e na carta remetida, embora se faça constar S/N, o que corresponde à abreviatura de sem número, fez-se constar à frente, o nº 1, que poder ser gerador de algumas dúvidas e a seguir ao Código postal consta a localidade de …, sendo que a morada dos RR. é em (…), localidade que tem código postal. Não há assim correspondência total entre a morada constante da proposta de adesão e a morada para a qual foi remetida a carta. E na ausência dessa correspondência, não pode funcionar a presunção judicial.

O facto de pelo menos o A. ter que ter conhecimento de que os prémios não se encontravam a ser pagos, pois que seria o membro do casal que supervisionava os pagamentos, ainda que não tivesse sido dado como provado que tivesse sido alertado pela entidade bancária desse incumprimento, tal não permite concluir que tivesse conhecimento que a entidade seguradora tinha procedido à resolução do contrato. A resolução dependia da iniciativa da entidade seguradora. Também as prestações do empréstimo bancário estiveram em dívida e, no entanto, os AA. mantiveram-se a viver na residência dada em garantia ao banco. Não cremos ser ilógico perspectivar que os apelados pensassem que, quando pagassem as prestações do empréstimo em falta, fosse regularizado o incumprimento dos prémios, dada a ligação entre ambos os contratos, como defendem os apelados nas contra-alegações. A deslocação da A. À (…) para participar o sinistro também reforça o entendimento de que não sabiam da resolução.

Neste circunstancialismo, entendemos que não se pode concluir pela existência de erro ao dar-se como provados os factos constantes do ponto 24 e no parágrafo 4º dos factos não provados, mantendo-se os factos dados como provados e não provados.

Do Direito

Não suscita dúvidas que como segurados e a R., como entidade seguradora, tendo a (…), S.A., como tomadora, foi celebrado um contrato de seguro de grupo do ramo vida.

O sinistro em causa nestes autos ocorreu antes da data da entrada em vigor do Decreto-Lei 72/2008, de 16 de Abril que aprovou o novo regime jurídico do contrato de seguro, revogou expressamente os artºs. 425º a 426º do Código Comercial, e 11º, 30º, 33º e 43º, corpo, 1ª parte, do Decreto de 21.10.1907 (revogação operada pelo art. 6º, nº2, al.b)) e entrou em vigor a 1 de janeiro de 2009.

O nº 2 do artº 2º do DL 72/2008 dispõe que o regime jurídico do contrato de seguro não se aplica aos sinistros ocorridos entre a data da entrada em vigor do presente decreto-lei e a data da sua aplicação ao contrato de seguro em causa. É o próprio diploma que expressamente afasta do seu âmbito de aplicação os sinistros ocorridos em momento anterior (no sentido defendido no Ac. do STJ de 24.04.2014, proferido no proc. 6659/09 e Ac. do TRE de 26.01.2011, proferido no proc. 79/10.)

Assim, o contrato de seguro de grupo em causa nestes autos, ao qual os AA. aderiram em 01.08.1995, rege-se pelas estipulações, gerais e especiais, e, na sua falta pelas disposições do Código Comercial (artº 425º e ss do C. Com) e ainda, na sua insuficiência, pelas normas do Código Civil A falta de pagamento dos prémios de seguro tem sido objecto de diversa regulamentação - DL nºs 162/84, de 18 de Maio, 105/94, de 23 de Abril e, por último, 142/2000, de 15 de Julho, alterado e republicado pelo DL nº 122/2005, de 29 de Julho – os quais não são aplicáveis ao caso particular dos seguros de vida. Todos os diplomas expressamente os excluem do seu âmbito de aplicação. Relativamente os prémios do seguro ramo vida, até à entrada em vigor do Decreto Lei 72/2088, manteve-se em vigor o disposto no artº 33º do Decreto de 21.10.1907 (preceito revogado pelo artº 6º, nº 2, b) do DL 72/2008).

Os contratos de seguro celebrados na vigência do DL 72/2008 ou que se mantinham em vigor à data do início da sua vigência, regem-se pelo princípio da liberdade contratual, com os limites indicados na lei (artº 11).

No contrato de seguro de grupo: o banco – mutuante - é o tomador do seguro – entidade que celebra o contrato de seguro com a seguradora – no caso o 2º R. - sendo responsáveis pelo pagamento do prémio em parte ou na totalidade os segurados/mutuários do crédito concedido (seguro de grupo contributivo) ou exclusivamente o tomador do seguro (seguro de grupo não contributivo). Os segurados são aqueles cujos riscos de vida, saúde ou integridade física tenha sido aceite pela seguradora depois da recepção das declarações de adesão ao grupo (artºs 1 b, g) e h) do DL nº 176/95, de 26 de Julho).

O banco é beneficiário até ao limite do capital seguro e é para ele que reverte a prestação a que o segurador, por força do contrato, se vincula – excepto, se o capital seguro exceder o valor que lhe é devido, caso em que o excesso reverterá para o segurado ou, em caso de morte deste, para os seus herdeiros.

O processo da formação do contrato de seguro de grupo ocorre em dois momentos diferentes: primeiramente é celebrado um contrato entre o segurador e o tomador do seguro; num momento posterior, efectuam-se as adesões dos membros do grupo, com as quais surge o segurado, qualidade que o tomador do seguro não tem.

A partir da adesão de um dos membros do grupo, constitui-se entre os vários intervenientes – segurado, tomador do seguro e segurador – uma relação trilateral, passando o contrato a regular os interesses de todas estas três partes (cf. se defende no Ac. do TRL de 31.03.2011, proferido no proc. 3298/07).

Atendendo aos factos considerados provados, constata-se que os AA., na qualidade de pessoas a segurar, aderiram ao contrato de seguro do ramo vida - grupo da Ré “(…)”, titulado pela apólice n.º …, tendo por tomador do seguro / beneficiário a “…” e como coberturas a morte e a invalidez total e permanente por doença e acidente, associado ao contrato de crédito à habitação, conforme propostas de adesão subscritas a 05.09.95 e juntas a fls.20 dos autos.
Por via de tal adesão, os AA. vincularam-se a efectuar o pagamento do prémio.

Se atentarmos nos documentos juntos a fls 20 constata-se que em ambos os formulários, designados Seguros-Crédito à Habitação, ramo vida –seguro de grupo consta a data da celebração da escritura de compra e venda e mútuo, foram ambos preenchidos na mesma data e na proposta de adesão do A., consta “pessoa segura principal” e na proposta da A. “pessoa segura relacionada”, estando identificada como pessoa segura principal o ora A., sendo a conta a debitar, em ambas as propostas, a mesma.

Quem pretende invocar a resolução do contrato é que tem de provar os seus pressupostos, nomeadamente a comunicação da resolução e a data em que esta declaração, segundo o princípio aplicável à eficácia das declarações de vontade recipiendas, produziu efeitos, pelo que é sobre a entidade seguradora R. que recai este ónus. O artº 33º do Decreto de 1907 não exigia a remessa de carta registada com aviso de receção, mas apenas de carta registada. Dispõe-se no indicado art. 33º o seguinte: “O contrato de seguro de vidas somente poderá considerar-se insubsistente por falta de pagamento do premio, quando o segurado, depois de avisado por meio de carta registada, não satisfaça a quantia em divida no prazo de oito dias ou noutro, nunca inferior a este, que porventura se ache estipulado na apolice. § único: O prazo a que se refere o presente artigo contar-se-á do registo da carta, a qual será redigida para a última residência do segurado, que conste dos registos e documentos da sociedade seguradora”.

E, de acordo com a cláusula 6ª, nº 4 das condições gerais da apólice, na falta de pagamento do prémio nos 3 dias seguintes à data do respectivo vencimento, o Segurador avisará o Segurado, por carta registada dirigida ao seu domicílio, para proceder ao pagamento no prazo de 8 dias, a contar da data do registo desta carta (texto que correspondia ao texto do artº 33º do Decreto de 21.10.1907). Decorrido esse prazo, sem que o segurado tenha efectuado o pagamento, o segurador procederá de acordo com o estabelecido nas condições especiais (fls 47). Na cláusula 5ª das condições especiais está prevista a cessação do contrato, quando se verificar, designadamente, falta de pagamento dos prémios dentro dos prazos previstos no nº 4 do artº 6º das Condições Gerais.

Sendo indiscutível que os requeridos entraram em mora no cumprimento – ponto 13 dos factos provados - , cumpre aferir se tal mora foi convertida em incumprimento definitivo, através da adequada interpelação admonitória (cf. Artº 33º do Decreto de 21.10.1907, Cláusula 5º, nº 4 das condições gerais e 5º, nº 3 das condições especiais do contrato de seguro e artº 808, nº 1, do Cód. Civil), pressuposto da resolução do contrato. A interpelação para o cumprimento deve conter a intimação para o cumprimento, a fixação do prazo peremptório para o cumprimento e a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente incumprida se o cumprimento não se verificar no prazo adicional determinado,

A interpelação admonitória, sendo receptícia, segundo a teoria da recepção, vertida no art. 224 do Cód. Civil, só é eficaz quando chega à esfera de acção do destinatário, isto é, quando este passa a estar em condições de a conhecer. No caso vertente, a R. não logrou provar que a comunicação chegou ao conhecimento do destinatário.

Mas, ainda que se tivesse considerado que o A. marido recepcionou a carta remetida pela (…), a pretensão da apelante teria de improceder, por não ter sido dirigida a declaração de resolução também à A.. No caso, embora os AA. fossem ambos segurados, a recorrente apenas fez a comunicação da intenção de resolução do contrato de seguro, mantendo-se a conduta incumpridora, ao A.. Na verdade, quem aderiu ao seguro foram ambos os AA. e não apenas o A., não sendo indiferente a qualquer dos dois segurados o conhecimento de que os prémios estavam em dívida, pois que, como devedores do mesmo empréstimo, em caso de sinistro, sem que a seguradora seja chamada a responder, em virtude da resolução do contrato, ambos os devedores continuarão vinculados ao pagamento do empréstimo.

O empréstimo concedido pela (…) destinou-se a fornecer aos AA. os meios financeiros para a aquisição de habitação própria permanente, por não disporem do montante global necessário, sendo que o seguro de vida que contrataram com a 1ª Ré, associado a esse negócio, se destinou a assegurar que, em caso de falecimento de um dos cônjuges, ou, por via de incapacidade total e definitiva, o sobrevivo ou ambos não se vissem sujeitos à contingência de não poderem suportar os encargos bancários pondo em causa a estabilidade da própria morada de família, para além da garantia que constitui para a entidade mutuante, de que o capital emprestado lhes será reembolsado.

Afigura-se-nos que jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça relativa à resolução do contrato de seguro de vida conexo com o contrato de mútuo bancário, tendo como aderentes ambos os cônjuges, tem vindo a exigir que a declaração de resolução enquanto declaração receptícia (art. 436º, nº 1, do CC) seja dirigida a ambos os segurados. Nesse sentido os Ac. do STJ de 31.01.2007, proc. 4485/06, de 25/06/2015, Ac. do STJ de 24/02/2015, proferido no proc.1336/12, de 25.06.2015, proc. n.º 1331/10.7TBABF.S1, acórdão de 27/10/2015, proc. nº 243/11.1TBPNI.C1.S1 e ainda Ac. de 03.11.2016, proc. nº 3248/09.9TBVCD.S1, no qual se defendeu que “constituía, por isso, facto da maior relevância para a A. que, verificando-se os pressupostos da resolução do contrato pela seguradora, a respectiva declaração lhe tivesse sido dirigida. Não pode afirmar-se que, no caso dos autos, a A. fosse apenas beneficiária do seguro não lhe assistindo o direito a invocar que a resolução do contrato não lhe foi comunicada. Na verdade, a A. é simultaneamente beneficiária e parte do contrato de seguro, com os mesmos direitos que o falecido marido”. No sentido de que ainda que não tenha sido dirigida comunicação a um dos segurados, desde que ambos tenham tido conhecimento da declaração de resolução, esta é eficaz plenamente relativamente aos dois, o Ac. do STJ de 14.12.2017, proc. nº 209/13.7TBMGR.C1. S2. Também no sentido defendido, ao nível da jurisprudência dos tribunais da Relação, Acs. do TRP de 04.02.2014, proferido no proc. 90/11, do TRC de 11/03/2014, proferido no proc. 1336/12, do TRL de 08/11/2012 – proc. nº 428/11 e do TRG de 14/01/2010, proferido no proc.762/07.

E ao alegarem o desconhecimento, agem os AA. em abuso de direito?

A apelante apenas invocou o abuso de direito, em sede de recurso. Todavia, tem –se entendido que o abuso de direito é de conhecimento oficioso, pelo que não está vedado ao tribunal de recurso o conhecimento de esta questão nova.

Mas, não tendo a resolução produzido o seu efeito, não se vislumbra como é que a actuação dos AA. pode ser considerada ilegítima e exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (artº 334º do CPC).

Deve assim a sentença ser confirmada.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
Guimarães, 4 de Abril de 2019

Helena Maria carvalho Gomes Melo
Pedro Alexandre Damião e Cunha
Maria João Marques Pito Matos