Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4993/18.3T8GMR-A.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: AVALISTA
PACTO DE PREENCHIMENTO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE COMUNICAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Se o avalista opta por lançar mão da invalidade da cláusula que integra pacto de preenchimento em que interveio, com a respectiva exclusão do contrato, autoexclui-se da intervenção no acordo de preenchimento e, consequentemente, do posicionamento que detinha no campo das relações imediatas com a beneficiária da letra, a coberto das quais poderia invocar e fazer valer a excepção do preenchimento abusivo.
II- Não pode é pretender, com base na nulidade arguida e declarada, vir, depois, valer-se do pacto de preenchimento, como se válido fosse, para invocar ter sido abusivo tal preenchimento.
III- O facto de não ter intervindo como outorgante no contrato-quadro, não é o avalista sujeito desses deveres de informação ou comunicação, por parte da Exequente.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – Relatório

A. M., residente na Rua …, intentou contra X Comércio e Aluguer de Automóveis e Equipamentos, Lda., com sede em …, Edifício .., Porto Salvo, oposição à execução mediante embargos de executado, peticionando que se julgue procedente a sua oposição, ordenando-se a extinção da execução apensa quanto ao mesmo.
Para tanto, alegou, em síntese, que ao embargante, avalista da letra dada à execução, não foi dada cópia do contrato ou do pacto de preenchimento celebrado entre as partes, não tendo sido informado do teor das cláusulas apostas nos mesmos, não constando que a exequente tenha efectuado o pagamento do imposto de selo.
Mais alegou que a letra foi preenchida com inobservância do pacto de preenchimento, verificando-se um preenchimento abusivo da mesma, o embargante não negociou com a exequente as cláusulas do contrato de crédito, não tendo consciência das obrigações constantes do contrato que assinava, não tendo a exequente comunicado e esclarecido a posição do embargante, devendo as cláusulas considerar-se excluídas do contrato celebrado com o executado.
Mais alegou não se recordar de ter assinado o contrato e a letra dada à execução, só o podendo ter feito em erro e sem consciência do aval que prestava, não tendo sido entregue ao embargante qualquer duplicado dos documentos assinados.
*
A exequente veio apresentar contestação, impugnando parte da factualidade alegada pelo executado, mais alegando que se verifica uma cumulação de causas de pedir substancialmente incompatíveis, uma vez que o embargante tanto afirma não se lembrar de ter assinado o título executivo, tal como o contrato, e também alega que não os assinou, sendo estas versões incompatíveis.
Mais alegou que celebrou com a sociedade A. B., Lda., um contrato – quadro de Aluguer Operacional de Automóveis, obrigando-se a exequente a prestar serviços e a referida sociedade a pagar o preço, e para garantia do pagamento de todas as responsabilidades actuais e futuras de tal contrato, a sociedade referida, em 23.04.2014, aceitou um pacto de preenchimento e uma letra em branco, os quais foram avalisados, entre outro, pelo embargante.
Alegou ainda que o pacto de preenchimento e respectiva letra foram explicados antes da assinatura, os veículos foram entregues à exequente, após denuncia do contrato por parte da sociedade cliente, tendo a letra sido preenchida de acordo com os valores em dívida, calculados tendo em conta o contratado entre as partes.
Mais alegou que sociedade foi declarada insolvente, os avalistas foram interpelados para o pagamento, o pacto de preenchimento foi negociado entre as partes, não estando sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, mas o seu teor também não é complexo, sendo que a obrigação cambiária sempre se manteria.
Alegou ainda que efectuou o pagamento do imposto de selo, mas inexiste qualquer consequência para a alegada falta de pagamento, inexistindo qualquer preenchimento abusivo da letra.
Terminou pedindo que a oposição à execução mediante embargos de executado deduzida seja julgada improcedente.
*
Foi realizada a audiência prévia, proferido despacho saneador, onde se julgou a instância válida e regular, procedendo-se à fixação do objecto do litígio e dos temas da prova.
*
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou os embargos de executado totalmente improcedentes e, em consequência, determinou o prosseguimento da instância da acção executiva.
*
II. O Recurso

Não se conformando com a decisão proferida veio o embargante apresentar recurso, nele formulando as seguintes conclusões:

1. Tal como doutamente se verte na sentença ora recorrida o Recorrente: ”alegou, em síntese, que ao embargante, avalista da letra dada à execução, não foi dada cópia do contrato ou do pacto de preenchimento celebrado entre as partes, não tendo sido informado do teor das cláusulas apostas nos mesmos, não constando que a exequente tenha efectuado o pagamento do imposto de selo.
2. Mais alegou que a letra foi preenchida com inobservância do pacto de preenchimento, verificando-se um preenchimento abusivo da mesma, o embargante não negociou com a exequente as cláusulas do contrato de crédito, não tendo consciência das obrigações constantes do contrato que assinava, não tendo a exequente comunicado e esclarecido a posição do embargante, devendo as cláusulas considerar-se excluídas do contrato celebrado com o executado.
3. Resulta ainda dessa mesma peça processual que o Tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos:
a) A exequente tenha entregue ao embargante uma cópia do contrato ou do pacto de preenchimento.
b) A embargada comunicou, informou e esclareceu o embargante das cláusulas do contrato ou da sua posição contratual.
c) O embargante assinou a letra em erro e sem consciência do aval que estava a prestar.
4. Quer isto por dizer que o Tribunal a quo entendeu, a nosso ver bem, que não resulta da prova produzida que o Recorrente tivesse tido acesso à cópia do contrato génese da letra em causa, do seu teor, nem que a Recorrida lhe tivesse minimamente esclarecido do alcance do seu conteúdo.
5. De salientar que nos termos legais incumbia à Recorrida a prova de que comunicou e esclareceu o Recorrente do alcance desse mesmo contrato.
6. De resto o próprio Tribunal a quo esclarece de forma clara tal ónus concluindo de forma inequívoca que a Recorrida: “não demonstrou que aquando da celebração do contrato cumpriu os deveres de comunicação e informação a que estava obrigada, pelo que tem de se considerar excluídas as cláusulas contratuais gerais.- pag.25.
7. Nesse sentido consta na douta decisão ora recorrida nas suas páginas 21 e 22 que: “Dispõe o artigo do DL 446/85, de 25.10:
“1. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. 2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.

Por seu turno, preceitua o artigo 6º:

1. O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
2. Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

Nos termos do artigo do citado diploma legal: “Consideram-se excluídas dos contratos singulares:

a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art.º 5º;
b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo; (…) E ainda de harmonia com o artigo 9º:
1. Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.
2. Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa .
8. Ainda na esteira da mesma peça processual agora na sua página 25 ressalta que: “No caso em apreço, o embargante limitou-se a alegar que a exequente não lhe explicou as cláusulas constantes do contrato em causa nos autos, nem o esclareceu da sua posição contratual.
Refira-se que está em causa um contrato de aluguer, celebrado em Abril de 2014 o contrato-quadro, cerca de quatro anos (com referência à data da execução), celebrado por documento particular.
Ou seja, o contrato de aluguer foi celebrado com observância das formalidades e solenidade legalmente exigidas, afigurando-se-nos, também, que as cláusulas que integram o contrato celebrado, nos pontos essenciais, não parecem complexas, não sendo de difícil compreensão para o contraente dotado de capacidade média que tivesse o cuidado de as analisar com um mínimo de atenção, nomeadamente a que se refere às consequências do incumprimento do contrato.
Sucede que não resultou demostrado que a exequente entregou uma cópia do contrato ao embargante ou que comunicou, informou e esclareceu o embargante das cláusulas ou da sua posição contratual.
No que respeita à cópia do contrato, não se tratando de nenhum contrato de crédito, não é aplicável o disposto no Decreto-lei 133/2009, de 02.06, não se descortinando qualquer nulidade.
relativamente ao contrato celebrado, o embargante interveio no mesmo na qualidade de prestador de aval na letra dada à execução.
Atento o teor do contrato, consideramos que se trata de um verdadeiro contrato de adesão.- sublinhado de nossa lavra.
9. Salvo o devido respeito por opinião diversa o Recorrente entende que a posição supra descrita do Tribunal a quo não merece qualquer reparo devendo inclusive ser louvada pela sua clareza e lucidez.
10. Contudo a Recorrente não aceita, nem pode aceitar, é a consequência jurídica alcançada pelo Tribunal a quo tendo por base essa mesma posição.
11. De facto se por uma lado o Tribunal a quo entende que o contrato de crédito subscrito pelo Recorrente onde constam as cláusulas de preenchimento da preferida letra é nulo, por outro defende que essa nulidade não tem nenhuma consequência…
12. Para consubstanciar tal posição o Tribunal a quo refere: “Todavia, não se consegue alcançar como é possível invocar o preenchimento abusivo, ou seja, que o exequente desrespeitou os termos em que lhe estava autorizado o preenchimento, mediante acordo com o sacador e o avalista, se, a montante, se não aceita a existência ou eficácia de tal acordo, no caso por excluído do contrato e acordo outorgados entre as partes...
13. Referindo ainda que: “Se, em substituição do pacto inválido e excluído nenhum outro se invoca, como obrigação desrespeitada no acto de preenchimento da letra então não objecto sobre o qual possa ser alegado e discutido preenchimento abusivo, carecendo o avalista de fundamento para discutir uma eventual excepção.
14. Ou seja, na tese do Tribunal a quo este não consegue alcançar como é que o Recorrido invocando que não deu qualquer instrução/autorização para o preenchimento da referida letra uma vez que o contrato onde consta tal ordem é nulo, pode invocar o conceito de preenchimento abusivo desse título de crédito. Ou seja, na tese do Tribunal a quo este não consegue alcançar como é que o Recorrido invocando que não deu qualquer instrução/autorização para o preenchimento da referida letra uma vez que o contrato onde consta tal ordem é nulo, pode invocar o conceito de preenchimento abusivo desse título de crédito.
15. Com base neste entendimento do Tribunal a quo um contrato que é nulo, e que por essa razão não pode criar obrigações no Recorrido nomeadamente a sua assunção como avalista, pouco ou nada interessa para a letra subscrita extamente como avalista.
16. O Tribunal a quo não pode olvidar que se o contrato é nulo, não existe a condição de avalista do recorrido, pois essa obrigação decorre em primeira linha desse contrato, sendo que por essa razão não pode existir título de crédito que lhe confira essa qualidade de avalista.
17. Além do mais é forçoso concluir que se o contrato onde está vertido a forma de preenchimento da referida letra é considerado nulo, não existe qualquer instrução para esse preenchimento, pelo que tendo a Recorrida preenchido como bem entendeu esse título de crédito fê-lo de forma abusiva.
18. Por outro lado, como tão bem vertido nas conclusões do recurso apresentado no processo nº 4720/10.3T2AGD-A.C1 e que foi alvo do crivo do Supremo Tribunal de Justiça, que com as necessárias adaptações se irá parcialmente transcrever:
19. não tem razão o Tribunal recorrido quando, numa segunda Iinha de argumentação tendente a sustentar a decisão recorrida, defende que o Opoente avalista não se poderá situar ao nível das relações imediatas e, nessa medida, não poderá invocar a exceção do preenchimento abusivo, uma vez que tal entendimento contraria frontalmente a doutrina e jurisprudência maioritárias, como se poderá observar, a título de exemplo, nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça datados de 31.03.2009 (proc.. 08B3815), de 23.04.2009 (Proc. n.º 08B3905) e de 17.02.2011 (Proc. n.º 1458/056.7TBVFR-A.P.S1) que poderão ser consultados relativamente a esta matéria e para cuja argumentação, por questões de economia processual, remeteremos, dando a mesma como inteiramente reproduzida.
20. O título executivo em causa nos presentes autos foi preenchido pelo Recorrida de forma manifestamente abusiva, uma vez que legitimidade alguma tinha o mesmo para proceder a tal preenchimento, daqui resultando necessariamente a insusceptibilidade de tal título executivo ser usado contra o ora Recorrente.
21. Não obstante os propalados princípios da autonomia e da abstração dos títulos de crédito, que não se contestam em abstrato, a verdade é que, no presente caso, apenas estamos perante um título de crédito, porque o Recorrido procedeu ilegitimamente e de forma abusiva ao preenchimento do mesmo, havendo, nessa medida, um vício a montante que impede que se possa considerar o mesmo como legitimamente e constituído, e, não tendo tal título cambiário sido legítima e legalmente constituído, ser-lhe-ão inaplicáveis os princípios referentes aos títulos cambiários, nomeadamente os princípios da autonomia e da abstração.
22. Tendo sido o contrato de crédito celebrado pelo Recorrido declarado nulo e tendo sido a Ietra preenchida ao abrigo de um pacto de preenchimento constante desse contrato que ora se reporta como nulo, sendo nessa medida tal preenchimento da letra manifestamente abusivo, então, dúvidas não poderão restar de que estaremos perante uma situação de inexequibilidade do título para com o Recorrente o que deverá determinar a extinção da execução contra si intentada;
23. O aval assumido foi dado precisamente na letra que foi objeto de execução enquanto título executivo, pelo que, naturalmente, estando o título cambiário do qual consta o aval fulminado pela invalidade já suficientemente descrita e analisada, necessariamente a mesma invalidade afetará o aval dado, aliás como resulta do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 17/02/2011 e relativo ao Processo n.º 1458/056.7TBVFR-A.P.Sl, onde se estabeleceu que "não se provando que os embargantes conheciam os termos do pacto de preenchimento as livranças assumem a natureza de titulas incompletos não valendo como tais, o que se pode aliás inferir do estatuído no artigo 10º e 779 da LULL ".
24. Em questão idêntica pronunciou-se o Acórdão proferido pelo STJ em 13 de Abril de 2011, relativa ao Processo n.º 2093/04.2TBSTB-A LI.S1 (…), o qual, tendo "julgada procedente a invocação do preenchimento abusivo do Iivrança" determinou que não estaria "o documento invocado como titulo executivo provido dessa característica", pelo que a oposição tem de ser julgada como procedente" e, nessa medida, declarou-se "extinta a execução quanto ao recorrente";
25. Decidindo nos termos do douto Acórdão ora em recurso, o Tribunal a quo violou o disposto nos artºs.,, 62º e 82º do DL 446/85, bem como violou o disposto nos arts. 10º e 77ºº da LULL, dos quais fez uma incorrecta interpretação e aplicação ao caso concreto.

DOS FACTOS INCORRECTAMENTE JULGADOS

26. Por outro lado e sem prescindir, ainda que entendesse que o Recorrente não poderia lançar mão do instituto do preenchimento abusivo nos termos supra descritos sempre seria forçoso concluir que no mínimo o fez com erro nos ternos do artigo 247º do C.C..
27. De facto se o contrato onde subjaz a qualidade avalista do Recorrente deixa de existir por nulidade deixa igualmente de existir alguma razão para este ter assumido a qualidade de avalista.
28. Nesse sentido ao subscrever a letra em questão fê-lo tendo por base um pensamento erróneo no sentido em que o contrato onde assumiu tal posição é nulo e inexistente, deixando por essa razão de ter qualquer motivo para assumir a posição de avalista.
29. Pelo que o Tribunal a quo violou o disposto no artigoº 247º do código civil, do qual fez uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto.
30. Neste sentido não poderia o Tribunal a quo dar como não provado o facto “ c) O embargante assinou a letra em erro e sem consciência do aval que estava a prestar” ,na medida em que considerou o contrato subjacente a esse mesmo aval como nulo.
31. De facto se o contrato onde está assumida a assunção de avalista por parte do Recorrente é considerando nulo inexiste qualquer razão para que em plena consciência este tenha subscrito a referida letra.
32. Pelo exposto tendo o Tribunal a quo declarado, e bem, o contrato de crédito de onde resulta a assunção de avalista do Recorrente como nulo deve obrigatoriamente dar como provado que “O embargante assinou a letra em erro e sem consciência do aval que estava a prestar.

NESTES TERMOS, Concedendo provimento ao presente recurso e revogando o douto acórdão impugnado, farão V. Exas a habitual JUSTIÇA!
*
A embargada veio apresentar as suas contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:

1. O douto Tribunal a quo julgou improcedentes os embargos de executado, apresentados pelo Recorrente;
2. Não obstante o total vencimento da ora Recorrida, entende a mesma que o Tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, ao qualificar o pacto de preenchimento objeto dos presentes autos como um contrato de adesão e ao declarar a sua invalidade, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro;
3. Concomitantemente, vem a Recorrida requerer a ampliação do âmbito do presente recurso para conhecimento do fundamento relativo à não qualificação do pacto de preenchimento como contrato de adesão;
4. O douto Tribunal a quo, para decidir acerca do eventual incumprimento, pela Recorrida, dos deveres de comunicação e informação de cláusulas contratuais gerais, concluiu que o pacto de preenchimento em causa corresponde a um contrato de adesão, sem que apresentasse qualquer fundamentação;
5. O julgamento dos ditos deveres pressupõe a análise prévia da questão de se saber o contrato em causa corresponde a cláusulas contratuais gerais ou não;
6. Trata-se de uma questão que não foi alegada pelo Recorrente devidamente, não fornecendo o mesmo os factos essenciais respetivos e os devidos meios de prova, bem como não analisada pelo Tribunal de primeira instância;
7. Entende a Recorrida que o pacto de preenchimento em causa não é um contrato de adesão.
8. A celebração, entre as partes outorgantes, do contrato de adesão foi precedida de negociação entre as respetivas partes, nos termos das quais se discutiram os aspetos relativos à data de vencimento, modo de determinação da quantia em dívida, constituição de avalista, entre outros;
9. Da leitura do pacto de preenchimento em causa não é possível concluir, sem mais, que o mesmo corresponde a um contrato de adesão, conforme tem vindo a ser entendido pela jurisprudência;
10. As próprias natureza do pacto de preenchimento e cláusulas que o compõem permitem concluir que o mesmo não é um contrato de adesão;
11. Na verdade, o pacto de preenchimento é um contrato que tipifica o modo de regulação da relação cambiária, que, por sua vez, tem de obedecer às normas legais constantes da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças, que se traduzem em cláusulas típicas impostas pelo legislador;
12. O artigo 3.ª, alínea a) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, exclui do seu âmbito de aplicação as cláusulas típicas impostas pelo legislador, pelo que, demonstrado que está que as cláusulas constantes do pacto de preenchimento em causa correspondem às referidas cláusulas típicas, entende a Recorrida que nunca poderia ter sido aplicado o referido Decreto-Lei;
13. Como tal, deveria o Tribunal a quo concluído que o pacto de preenchimento em causa não era um contrato de adesão, sendo inaplicável o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro;
14. Paralelamente, o Recorrente invoca erro de julgamento quanto à matéria de direito, por entender que mal andou o Tribunal a quo a considerar que a nulidade do pacto de preenchimento – que se admite sem se conceder – não exclui a responsabilidade do avalista pela liquidação da dívida, devendo ser lícito ao mesmo invocar a exceção de preenchimento abusivo do título, com base no valor alegadamente indevido;
15. A ora Recorrida discorda da fundamentação e conclusões apresentadas pelo Recorrente, considerando que o mesmo apresenta propositadamente uma confusão de conceitos, de forma a obter um efeito que lhe seja favorável;
16. Contrariamente ao que parece entender o Recorrente, o aval e o pacto de preenchimento são figuras jurídicas que não se confundem e que são independentes entre si, podendo haver constituição de aval sem pacto de preenchimento e vice-versa;
17. Tratando-se de figuras autónomas entre si, resulta inequívoco que a invalidade do pacto de preenchimento não significa a exclusão da responsabilidade do avalista;
18. Ademais, excluído que está o pacto de preenchimento – o que se admite sem se conceder – entende a Recorrida quem bem andou o Tribunal de primeira instância ao decidir que o Recorrente autoexcluiu-se do pacto de preenchimento, já não lhe sendo possível invocara excepção de preenchimento abusivo;
19. O preenchimento abusivo corresponde a uma exceção com um escopo muito amplo e que tanto se pode reportar ao pacto de preenchimento em si mesmo, como pode implicar a análise da relação subjacente;
20. Ficou demonstrado, na instância declarativa, que o Recorrente não é parte na relação subjacente, pelo que não pode invocar vícios resultantes da mesma;
21. Ao invocar o preenchimento abusivo em razão do valor, o Recorrente está a reportar-se a um alegado incumprimento da relação subjacente, pelo que não podia invocar a exceção de preenchimento abusivo nos termos em que o fez;
22. Ainda que assim não fosse, a alegada nulidade do pacto de preenchimento – que se admite por mero dever de patrocínio – significou a exclusão do pacto de preenchimento, pelo que, conforme decidido em primeira instância, o Recorrente deixou de ter algo contra o que invocar o preenchimento abusivo;
23. Por conseguinte, entende a Recorrida que bem andou o Tribunal a quo a decidir que a nulidade do pacto de preenchimento impossibilitava a invocação, pelo Recorrente, do preenchimento abusivo;
24. O Recorrente invoca ainda erro de julgamento quanto à matéria de facto, por entender que o facto não provado, constante da alínea c) do elenco de factos não provados, devia ter sido dado como provado;
25. Não obstante, o Recorrente invoca que deveria ter sido dado como provado que o mesmo incorreu em erro, pois, ao assinar a letra e o pacto preenchimento, fê-lo pensando que estava a assinar um pacto inválido;
26. A Recorrente considera que o Recorrente não só invoca factos contraditórios entre si, como não cumpre as regras do artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, devendo ser rejeitadas as suas alegações;
27. Não obstante o facto de o Recorrente pretender que sejam dados como provados factos contraditórios entre si, entende a Recorrida que aquele não logrou demonstrar meios probatórios que obrigassem a decisão diversa da proferida;
28. Considera a Recorrida que, da prova produzida em juízo, não resulta que o Recorrente incorreu em erro, seja em que situação for;
29. A Recorrida entende que, tal como decidido pelo Tribunal a quo, ainda que o Recorrente tivesse incorrido em erro, o regime do aval é do senso comum, pelo que lhe incumbia ter consciência das obrigações que sobre si impendiam;
30. Não tendo o Recorrente logrado fazer prova da veracidade do facto dado como não provado, constante da alínea c) do elenco da matéria de facto não provada, deve manter-se inalterada a matéria de facto.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser admitida a ampliação do objeto do recurso ao fundamento referente à não qualificação do pacto de preenchimento como contrato de adesão.
Caso assim não se entenda, não deve ser dado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença proferida, em conformidade com o alegado e fundamentado.
Assim se fará a acostumada justiça.
*
O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata nos autos e efeito devolutivo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
III. O objecto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos art.º 608.º, nº. 2, 635.º, nº. 4 e 639.º, nº. 1, todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013, de 26/6.
Face às conclusões das alegações de recurso, há que decidir sobre a impugnação da matéria de facto, e, consequentemente, sobre a verificação de erro em que o Recorrente diz ter ocorrido ao subscrever o título executivo, bem como, por último, apurar sobre a sua inexequibilidade, face ao seu preenchimento abusivo.
*
Fundamentação de facto

Factos provados

- O exequente é portador de um impresso uniformizado destinado a servir como letra no valor de € 34.831,98, emitida em 30.07.2018 e com vencimento em 06.08.2008, onde figura aposta no local destinado ao sacador A. B., Lda., constando do verso, depois das expressões “Bom por aval”, entre outra, a assinatura do executado A. M..
- Exequente e a sociedade sacador A. B., Lda. celebraram um acordo identificado como “contrato quadro de aluguer operacional de automóveis nº 27323”, mediante o qual a exequente se obrigou a prestar à sociedade os serviços nele discriminados, designadamente a colocação à sua disposição de veículos automóveis, bem como a gestão dos respectivos custos de manutenção e reparação.
- A sociedade obrigou-se a pagar os respectivos preços de aluguer, de cada um dos contratos individuais de aluguer e administração que viessem a ser celebrados, bem como o cumprimento de outras obrigações constantes dos referidos contratos, de acordo com a cláusula 5ª do contrato-quadro.
- No âmbito do contrato supra identificado, a exequente e a sociedade A. B., LDA. celebraram 3 (três) contratos individuais de aluguer e administração:
i) Contrato individual de aluguer e administração anexo ao contrato nº 27323, relativo ao veículo de marca Mitsubishi, modelo Canter (TF) 3C13 FEBO01GL4SEAS 130 cv 2p, com a matrícula PA, pelo prazo de quarenta e oito (48) meses, com início em 15/10/2014 e termo em 14/10/2018.
ii) ii) Contrato individual de aluguer e administração anexo ao contrato nº 27323, relativo ao veículo de marca Mitsubishi, modelo Canter (TF) 3C13D FEBO01EL4WEAS 130 cv 4p, com a matrícula PA, pelo prazo de quarenta e oito (48) meses, com início em 15/10/2014 e termo em 14/10/2018.
iii) Contrato individual de aluguer e administração anexo ao contrato nº 27323, relativo ao veículo de marca Mitsubishi, modelo Canter (TF) 3C13 FEBO01GL4SEAS 130 cv 2p, com a matrícula OZ, pelo prazo de quarenta e oito (48) meses, com início em 23/10/2014 e termo em 22/10/2018.
5º – A sociedade devolveu as viaturas com as matrículas PA, PA e OZ, em 19/08/2016, ou seja, todas as viaturas foram devolvidas antes do termo dos contratos.
- Os serviços prestados pela exequente à sociedade seriam retribuídos em prestações mensais variáveis, que se venciam no primeiro mês a que dissessem respeito.
- O pagamento era efectuado por débito directo numa conta bancária indicada pela sociedade, subscrevendo a favor da embargada, uma autorização de débito directo em conta.
- Para caucionar o integral cumprimento de todas as obrigações e responsabilidades emergentes do referido contrato-quadro, a sociedade, em 23.04.2014, aceitou um pacto de preenchimento e uma letra em branco.
- Foi convencionado entre as partes “Como garantia das obrigações emergentes do contrato de aluguer supro identificado o 1º outorgante sacou, na presente data, uma letra de câmbio aceite pelo 2º outorgante e avalizada pelo (s) 3º outorgantes (s), subscrevendo-a todos de boa fé e de livre vontade, com a intenção de contraírem uma obrigação cambiária”.
10º - Consta ainda que “O presente contrato destina-se a garantir o cumprimento das obrigações emergentes do contrato supra identificado (…)” e “pelo presente, os avalistas constituem-se garante solidário e principal das obrigações que resulta, do contrato supra identificado e obrigam-se a pagar ao 1º outorgante, ao primeiro pedido desta, qualquer quantia que lhes seja exigida ao abrigo do referido contrato, renunciando, desde já, ao benefício de excussão prévia e a qualquer outra excepção ou meio de defesa oponível, conforme contrato junto como documento junto a fls. 182, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
11º - O contrato-quadro celebrado entre a sociedade e a exequente prevê, na cláusula terceira, nº 1, que “Um contrato individual inicia-se quando a Lease X coloca ao automóvel à disposição do cliente e termina quando este é devolvido à Lease X após ocorrência de uma das seguintes situações”, “denúncia por parte do cliente, com as consequências previstas na cláusula 20º”.
12º - Por sua vez, de acordo com a cláusula 20º do contrato-quadro “(…) as partes estipulam que decorridos 12 meses desde o início do contrato, e no caso de o contrato individual terminar antecipadamente por alguma das razões previstas nas alíneas) ou d) do número 1 da cláusula 3ª, haverá lugar ao pagamento, a título de indemnização, de um montante correspondente a 33% do total das rendas vincendas, entre a data de terminação antecipada e a data prevista para o final do contrato, acrescido ou deduzido do valor de acerto de quilómetros calculado nos termos deste contrato-quadro”.
13º - Restituídos os veículos, foram os mesmos sujeitos a uma inspecção de recondicionamento, em conformidade com a cláusula 4ª, nº 2, al. c), do contrato-quadro.
14º - Foram verificados os quilómetros percorridos para os efeitos convencionados na cláusula 19º do contrato-quadro.
15º - Foram emitidas faturas e notas de débito, respeitantes a rendas, acertos de quilómetros, recondicionamento e acerto de imposto único de circulação, compreendidos entre o período de 01.02.2016 a 05.04.2017, no valor de € 20.097,45 (vente mil e noventa e sete euros e quarenta e cinco cêntimos).
16º - Foram emitidas notas de crédito no montante global de € 5737,35 (cinco mil setecentos e trinta e sete euros e trinta e cinco cêntimos).
17º - Relativamente à rescisão antecipada dos contratos individuais dos veículos com as matriculas PA, PA e OZ, nos termos da cláusula 20º é devida a quantia de € 16.043,92 (dezasseis mil e quarenta três euros e noventa e dois cêntimos).
18º - A tais valores acrescem o valor de € 4427,96, correspondente a juros de mora, calculados até 06.08.2018.
19º - Apesar de interpelados em 8 de Maio de 2018, através de carta registada com aviso de recepção, para liquidar o montante em dívida emergente dos contratos celebrados com a embargada, sob pena de preenchimento da letra avalizada, os avalistas não procederam ao pagamento.
20º - A assinatura do embargante mencionada em 1º foi feita pelo seu próprio punho.
21º - A embargada efectuou o pagamento do valor devido a título de imposto de selo.
*
Factos Não Provados

a) A exequente tenha entregue ao embargante uma cópia do contrato ou do pacto de preenchimento.
b) A embargada comunicou, informou e esclareceu o embargante das cláusulas do contrato ou da sua posição contratual.
c) O embargante assinou a letra em erro e sem consciência do aval que estava a prestar.
*
Fundamentação de direito

Começando pela reapreciação da matéria de facto, importa considerar que na nossa ordem jurídica impera o ónus de especificação de cada um dos pontos da discórdia do recorrente com a decisão recorrida, seja quanto às normas jurídicas e à sua interpretação, seja a respeito dos factos que considera incorrectamente julgados e dos meios de prova que impunham uma decisão diferente, devendo, neste caso, indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cf. Arts. 639.º, n.º 2 e 640.º, nºs 1 e 2 do NCPC).
Assim, face ao disposto no citado art.º 640.º, n.º 1, do NCPC, quando seja impugnada a decisão da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados [alínea a)]; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [alínea b)]; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [alínea c)].
Tais exigências decorrem do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo e limitar os recursos às situações em que haja uma real discordância das decisões recorridas e para correcção de erros da decisão e não também às situações em que apenas se pretende diferir a decisão.
Nessa medida, há que ter em conta que, no domínio do nosso regime recursório cível, o meio impugnatório para um tribunal superior não visa propriamente um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas apenas uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida. Significa isto que a finalidade do recurso não é proferir um novo julgamento da acção, mas julgar a própria decisão recorrida.
In casu, o recorrente limita-se a referir que o tribunal a quo não podia dar como não provada a factualidade vertida na al. c), da matéria de facto, ao ter concluído no sentido de ser nulo o contrato onde assumiu a sua qualidade de avalista.
Acontece que, previamente à aplicação do direito, os factos alegados e impugnados pelas partes são alvo da prova capaz de inferir da sua demonstração num ou noutro sentido.
Não é, assim, o direito aplicado que vai ditar se um facto deve, ou não, ser dado como provado.
Como tal, o tribunal a quo, na valoração da prova produzida, considerou o facto do embargante ter prestado declarações de parte, assegurando que foi empregado do co-executado A. B., desde 1999 até 2016, e ter assinado “muitas coisas”, incluindo a letra dada à execução, não vendo o que assinava, “assinava à confiança”, o que não se revelou minimamente convincente, no que respeita ao facto do declarante afirmar que não tinha consciência do que estava a assinar.
Nesse sentido, atentou-se no facto do embargante ter chegado, segundo as suas palavras, a ser sócio da empresa e ser uma pessoa esclarecida, com um grau de instrução médio, não sendo convincente que o mesmo não soubesse que estava a prestar um aval e as responsabilidades que o mesmo acarreta.
Por outro lado, as suas declarações também não foram minimamente corroboradas pela restante prova produzida.
Como tal, entendeu-se não ter sido produzida prova credível no sentido de que o embargante assinou a letra em erro e sem consciência do aval que estava a prestar.
Ora, esta convicção assim formada não foi impugnada pelo embargante/recorrente.
Por outro lado, considerando que as alegações do Recorrente não dão satisfação às mencionadas exigências legais, sendo que quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, por aplicação do disposto no art. 639.º, n.º 3 do C.P.C, sempre seria, de qualquer das formas, de rejeitar o recurso no que se refere à impugnação da decisão que fixou a referida matéria de facto posta em causa.
Assim sendo, por uma razão e por outra, tem o recurso de ser apreciado quanto às demais questões, tendo por base a matéria de facto dada como provada e não provada pelo tribunal a quo.
Como tal, tem, consequentemente, de improceder a nulidade arguida com base no erro a que se alude no art. 247.º, do Cód. Civil, por não se verificarem os seus requisitos, ao não se dar como provada aquela factualidade impugnada.
Já quanto à segunda questão, defende o Recorrente que, tendo sido o contrato génese da letra, dada à execução celebrado pelo recorrido, declarado nulo e tendo sido esse título preenchido ao abrigo de um pacto de preenchimento constante desse contrato tido como nulo, o seu preenchimento ocorreu de forma manifestamente abusiva, por inexistir instrução para esse efeito, o que permite concluir estar-se perante uma situação de inexequibilidade do referido título cambiário.
Assim, o embargante/Recorrente aplaude o facto do tribunal a quo ter declarado nulo o contrato de aluguer celebrado entre o requerido e a sociedade A. B., Lda com base no facto de não ter sido produzida prova que o recorrente tivesse tido acesso à cópia desse contrato e ao seu teor, nem que a recorrida o tivesse esclarecido do alcance do seu conteúdo, mas já não aceita a consequência jurídica daí retirada que julgou os embargos improcedentes.
Por sua vez, o Recorrido defende ter ocorrido um erro de julgamento quanto ao direito aplicado, ao qualificar o pacto de preenchimento como um contrato de adesão e ao declarar a sua invalidade, ao abrigo do DL 446/85, de 25/10.
De qualquer das formas, a assim não se entender, tal como o decidiu o tribunal a quo, a nulidade do pacto de preenchimento impossibilitaria a invocação do preenchimento abusivo.

Vejamos.

O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais – constante do Dec. Lei nº 446/85 – tem como objectivo introduzir alguns mecanismos que visam, por um lado, evitar os abusos decorrentes da imposição unilateral de determinadas cláusulas por parte de um dos outorgantes e, por outro lado, colmatar, de alguma forma, as restrições ao princípio da liberdade contratual que são inerentes aos contratos de adesão e onde um dos contraentes não tem qualquer possibilidade de negociar e influenciar os termos do contrato. De facto, porque a liberdade contratual continua a ser um dos princípios básicos do direito privado e porque, nos contratos de adesão, essa liberdade se limita à decisão de contratar ou não nos termos que lhe são impostos, é essencial que, pelo menos, o contratante conheça os termos e as cláusulas do contrato ao qual vai aderir, já que, se assim não for, falha o pressuposto básico que é inerente à formação de um contrato: um acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro), contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma regulamentação unitária de interesses - Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª ed., pag. 201.
Como refere António Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 3ª ed., 2009, pág. 622, “ninguém pode dar o seu assentimento ao que, de facto, não conheça ou não entenda”.
Daí que o legislador, com vista a combater o risco de desconhecimento de aspectos significativos do contrato por parte do aderente, tenha feito recair sobre a parte que submete a outrem as cláusulas contratuais gerais o dever de as comunicar ao outro contratante e o dever de prestar as necessárias informações sobre o seu conteúdo (arts. 5.º e 6.º do citado Dec. Lei nº 446/85), mais determinando que o incumprimento desses deveres implica a exclusão dessas cláusulas do contrato (art. 8.º do mesmo diploma). E, de facto, assim deverá ser, porquanto se as cláusulas não foram comunicadas ou esclarecidas, é evidente que as mesmas não foram consideradas pelo outro contratante e, portanto, não estão abrangidas na declaração de vontade que manifestou ao aderir ao contrato – neste sentido António Pinto Monteiro, “Contratos de Adesão: o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais Instituído pelo Decreto-Lei Nº 446/85 de 25 de Outubro”, ROA, Ano 46, Vol. III, pág. 749.
Nesta medida, conclui-se que a exclusão dessas cláusulas – por incumprimento do dever de comunicação e informação – radica na circunstância de o contrato não se dever ter por validamente formado ou concluído, no que respeita a essas cláusulas, podendo, por isso, o contratante que aderiu ao contrato opor esse facto ao contratante que lhe submeteu as respectivas cláusulas, sem lhe dar a conhecer o respectivo conteúdo.
Acontece que, no caso sub judice, o contrato de aluguer nasceu e formou-se entre a Exequente/Recorrida e a referida sociedade e com a sua adesão às cláusulas que lhe foram submetidas pela Exequente, o contrato ficou validamente concluído pelo encontro de vontades dos respectivos outorgantes, sendo totalmente irrelevante que os Embargantes desconhecessem essas cláusulas, porquanto a sua aceitação não era necessária à válida formação e conclusão de um contrato em relação ao qual não tinham tido qualquer intervenção.
O contrato (acordo) no qual o Embargante teve intervenção foi a convenção de preenchimento da letra que foi entregue à Exequente (em branco) e com base na qual foi instaurada a presente execução.
Tal como se decidiu no Acórdão citado pelo Recorrido e que aqui se subscreve, ainda que esse acordo tenha como referência as obrigações assumidas nos contratos de aluguer (por ser em função dessas obrigações que o aludido acordo delimita os termos do preenchimento da livrança), a verdade é se tratam de vínculos distintos e autónomos e, como tal, o Embargante apenas poderia invocar – com sucesso – a omissão do dever de comunicação (por parte da Exequente) de eventuais cláusulas contratuais gerais que estivessem inseridas no contrato que com ela celebraram (o acordo ou pacto de preenchimento da livrança) e às quais se tivessem limitado a aderir.
Acontece que tal acordo não se configura como um contrato de adesão e não contém quaisquer cláusulas que possam ser qualificadas como cláusulas contratuais gerais e relativamente às quais a Exequente estivesse obrigada ao cumprimento dos deveres de comunicação e informação, por força do regime instituído no diploma legal supra citado.
Aliás, a ideia de aval e de avalista está, desde há muito, no domínio do senso comum; qualquer pessoa de mediana cultura, instrução e diligência sabe o que é um aval e o que significa ser avalista de alguém.
Acresce que, na verdade, o Executado/Embargante limitou-se a declarar autorizar a Exequente/Embargada a preencher a letra nos moldes constantes do ponto 10, dos factos provados, declarando, nos termos que constam do ponto 9, desse elenco de factos, subscrevê-la de boa fé e de livre vontade, com a intenção de cumprir uma obrigação cambiária, sem que daí resulte a estipulação de uma qualquer cláusula contratual geral relativamente à qual impendesse sobre a Exequente um específico dever de comunicação e informação.
Em abono deste entendimento, decorre o facto de, ao não ter intervindo como outorgante no contrato-quadro, o Embargante, aqui Recorrente, não ser sujeito desses deveres de informação ou comunicação, por parte da Exequente.
Neste sentido assim se decidiu no Acórdão desta Relação proferido no Proc. 4064/12.6TBGMR-A.G1 que subscrevi na qualidade de adjunta.
Como tal, contrariamente ao decidido, ao não se julgar nulas as cláusulas do acordo/contrato celebrado, o Embargante poderia, para se livrar da sua responsabilidade, alegar e provar que a livrança havia sido preenchida pela Exequente em desconformidade com o acordo/convenção de preenchimento da letra dada à execução.
Não podia é o Embargante/Recorrente pretender, com base na nulidade arguida e declarada, vir, depois, valer-se do pacto de preenchimento, como se válido fosse, para invocar ter sido abusivo tal preenchimento.
Nessa sequência o raciocínio e decisão do tribunal a quo estaria correcta.
Pois, se o avalista opta por lançar mão da invalidade da cláusula que integra pacto de preenchimento em que interveio, com a respectiva exclusão do contrato, autoexclui-se da intervenção no acordo de preenchimento e, consequentemente, do posicionamento que detinha no campo das relações imediatas com a beneficiária da letra, a coberto das quais poderia invocar e fazer valer a excepção do preenchimento abusivo.
Não sendo esse, contudo, o caso, por outro ser o entendimento deste tribunal em conformidade com o exposto, ao Embargante cabia, todavia, provar tal preenchimento abusivo (cfr. Ac. R.P. de 3.3.16, Ac. R.C. de 18.12.13, Ac. R.L. de 4.6.09, Ac. desta Relação de 15.5.14, Ac. STJ de 11.2.10, todos no site da dgsi), pelo que, ao não ter logrado demonstrar ter ocorrido um preenchimento abusivo da letra dada à execução, sempre também os embargos teriam de improceder com base nesse fundamento.
Nestes termos, é de manter a decisão proferida, ainda que com base em fundamento diferente, tendo, pois, o recurso de improceder.
*
V – Decisão

Pelo exposto, nos termos supra referidos, os Juízes da 2.ª Secção Cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar, a apelação interposta pelo Embargante/Recorrente improcedente, mantendo, em consequência, o decidido, ainda que com base em fundamento diferente.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
*
Guimarães, 28 de Maio de 2020
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e assinado electronicamente pelo colectivo dos infra indicados Juízes Desembargadores)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida